Com o tempo acostumara-se ao rangido agudo que escapava das rodas. Com o desequilíbrio enjoado que fazia seu corpo pender de um lado para o outro enquanto a carroça investia lentamente contra as ruas ora apinhadas, ora ermas. O material recolhido, contudo, tendia a minimizar o balanço involuntário, estabilizando o avanço resoluto. Nessas horas, sentia-se melhor. Talvez até mesmo o cavalo se sentisse melhor.
Palavras fugiam de sua boca em murmúrio, encaixando-se ao trote do animal, os cascos raspando o asfalto num cloc, cloc incessante. De fato, havia algo musical na maneira como os sons se misturavam, enquanto seus olhos, sempre atentos, vasculhavam as esquinas, os contêineres, os tamborões. Lixo é vida, aprendera desde cedo. E por sorte havia bastante para ele e para os outros como ele. Bastava carregar a carroça e entregar na usina, na borda da cidade. Assim conseguia comer e dar de comer. A ele mesmo, ao animal, aos seus.
Dia após dia, levantar, sacudir o cansaço. Comer alguma coisa, qualquer coisa. Iniciar a marcha com o sol se derramando num horizonte avermelhado, com a chuva salpicando-lhe o corpo, com o frio, com o calor, com o vento lhe assobiando preces insensíveis, depois repetidas em sussurros que jamais seriam ouvidos. Puxar, recolher, entregar. Melhorou muito quando conseguiu o cavalo. Ah, o cavalo… Por causa dele construíra aquela carroça com a força dos próprios braços.
Meses. Anos. Juntos. O trote cadenciado cerzindo o trânsito intenso, desviando dos olhares de reprovação dos motoristas, dos nomes de que eram chamados. Divertiam-se discretamente, porém, com as expressões de espanto das crianças, as bocas ovaladas em surpresa por vê-los ali, tão surreais, tão inesperados. Algumas delas puxavam os braços dos adultos que as acompanhavam, apontando para a carroça, como que exigindo um passeio. Nesses momentos, quase sem querer, ele erguia as rédeas e armava com elas uma onda que se propagava no ar até desmanchar-se sobre as costas do cavalo. Se estivesse inspirado, soltaria um grito indefinido, a que o animal responderia com um relincho, para delírio dos pequenos.
Papelão, plástico e madeira. Era disso que viviam. Reciclagem era o nome. A transformação do lixo em coisas novas. Há tempos explicara ao cavalo, afinal ele tinha o direito de saber. Alguns lugares como construções ou fábricas eram mais promissores do que outros para consegui-los, mas também eram os mais concorridos, o que acabava gerando discussões e até brigas com outros carrinheiros. Quando um rapaz lhe ameaçou com uma faca, ele achou melhor se afastar, evitar o conflito. Não que tivesse medo de se ferir, mas pelo cavalo. Não podia arriscar. Já não era forte o bastante para defender o animal. Por isso agora se dirigia aos grandes condomínios que, mesmo não sendo tão bons como as indústrias da periferia, acabavam fornecendo o mínimo e, às vezes, boas surpresas.
Encontrar comida para ambos era parte da rotina. Ainda que contasse com um pouco de dinheiro, obtido do pagamento que recebia pelo material que levava à usina, o ideal, sempre, era conseguir alimento sem pagar. Locais próximos de restaurantes, bares e fins de feira eram mais promissores, já que os tambores de lixo não raro escondiam restos. Legumes, frutas. Espigas de milho. Sim, as espigas. O cavalo as adorava. O som de sua mandíbula despedaçando-as com vontade era prova irrefutável de seu apreço. Coma bem, dizia a ele. O importante é estarmos fortes, já não somos meninos.
Reparava-lhe o pelo, antes brilhoso, agora comprido e desuniforme. A crina empapada que lhe descia pelo pescoço tomado por protuberâncias e manchas esbranquiçadas. Os músculos flácidos, as costelas que lhe seguravam a pele. E os olhos. Um dia tão atentos, tão vivos, hoje se perdiam num vazio opaco, cansado. Por vezes, ao mirá-los, o homem tinha a sensação de estar diante de um espelho.
Enquanto avançavam pela cidade, ele se pegava imaginando o passado do animal. Era um ritual, na verdade um passatempo. Qual teria sido sua história antes de ser-lhe dado como pagamento de uma dívida de sangue?
Sim, havia lhe concebido uma infinidade de vidas. Uma das que mais gostava era a de que nascera num circo. Que desde potro participara de apresentações concorridas, de grandes carrosséis. Que fora ornamentado por bridões, cabrestos, selas e mantas douradas, que exibia orgulhoso penachos altos de cores vivas, que fora montado por belas mulheres de longas pernas que nele faziam acrobacias para os aplausos de uma multidão encantada.
Havia também aquela em que ele pertencera a um rico empresário, que nele tinha investido tempo e treinamento até transformá-lo num campeão das corridas. Ah, sim, era essa sua história favorita. O cavalo, seu cavalo fora um corredor, um animal imbatível nas tardes de domingo do jóquei clube. Montado por um rapaz pequeno, leve e sorridente que colecionava troféus graças a ele. Podia vê-lo cruzando o disco final sob a narração acelerada de um locutor esbaforido enquanto o público vibrava e atirava chapéus para o alto em comemoração.
Sim, sim… A pelagem podia estar desfiando em velhice agora, mas certamente o cavalo tivera seus tempos heroicos. Como ele próprio, que quando rapaz explorara os confins da grande floresta ao norte em busca de cidades perdidas e tesouros, vencendo o calor, as doenças e a desesperança junto a aventureiros resolutos e incansáveis.
Que ninguém se engasse. Ele e seu cavalo haviam vivido histórias fantásticas. Qualquer pessoa que os observasse atentamente poderia perceber que a existências de ambos fora invejável. Que um dia despertaram admiração pela imponência, pela força e pela inteligência. E que a única razão para não desfrutarem de uma aposentadoria à altura era o fato de não se conformarem com o cativeiro. Nem no circo, nem nas corridas, nem em meio às árvores gigantes teriam a liberdade de que gozavam nas ruas, levando à frente por dias a fio aquela carroça torta e improvisada. Eram, por assim dizer, inconformados, animais que privilegiavam os instintos em detrimento de glórias efêmeras.
O reflexo um do outro.
Certa tarde, enquanto as nuvens se assomavam ameaçadoras sobre os edifícios mais altos, homem e cavalo progrediam lentamente por uma ladeira. A jornada tinha sido generosa, com material suficiente para um bom pagamento. Era inevitável fazer contas. Depois de um raciocínio rápido, não conseguiu evitar um sorriso. Até que começou a chover. Uma precipitação fina e tímida de início, mas que não demorou a ganhar força. Praguejou e parou a carroça. Por sorte, estava preparado. Tinha consigo uma lona plástica, imediatamente esticada e amarrada sobre tudo o que haviam recolhido. Precisava proteger o material, já que não conseguiria o preço justo se estivesse encharcado.
Lembrou-se de um posto de gasolina ali próximo, cuja cobertura generosa poderia abrigá-los sem maiores problemas. Vamos, disse ao cavalo, com um leve movimento das rédeas. Puseram-se em marcha, mas subida íngreme atrasava o avanço. Ele tentou encorajá-lo, prometendo-lhe ração extra, mas foi inútil. De onde estava, via apenas a cabeça do animal levantando-se e abaixando-se em espasmos curtos no esforço para tracioná-los.
A chuva tronou-se mais intensa, obrigando os carros que passavam a diminuir a velocidade. Ouviam-se buzinas e palavrões. Estavam numa avenida movimentada. Em meio ao aguaceiro, uma cena inesperada tomou forma. Três vultos surgiram das sombras. Eram garotos, daqueles que já se consideram homens. Vestiam camisas velhas e manchadas. Nos pés tortos tinham chinelos gastos. Estavam molhados de cima a baixo, mas não pareciam se importar muito. O mais alto segurou o cavalo pelo freio, obrigando-o a parar. Era alguém com experiência no assunto. Os outros se aproximaram da carroça. Um deles sacou um canivete e cortou as cordas da lona plástica. Desculpa, vovô. A gente precisa dela, disse, a voz vacilante revelando-lhe a idade tenra. E num segundo desapareceram todos, pulando nas poças ao redor, rindo.
O homem desceu da carroça tão rápido quanto pôde. Queria correr atrás deles, mas os músculos arderam em protesto depois de alguns metros. Moleques. Mereciam uma lição. Não era certo, não era. Sentiu uma dor no joelho, uma pontada nas costas. Há quanto tempo não corria? Por um segundo imaginou-se desatando o cavalo da carroça e os dois, ele e o animal, galopando à caça daqueles ladrõezinhos miseráveis. Lembrou-se então de que ele mesmo havia roubado a lona da caçamba de um carro estacionado, algumas semanas antes, lá deixada por alguém inocente demais ou apressado demais. Talvez fosse, afinal, a tal justiça divina.
Riu com esse pensamento. Um sorriso amargo, na verdade, já que todo o material que havia na carroça ficaria arruinado. Tinha que chegar ao posto de combustíveis o quanto antes para salvar alguma coisa, do contrário, o jantar ficaria para o dia seguinte. Ao subir na carroça percebeu os braços magros latejando. A contração dos músculos cobrava seu preço sem demora. Teve certeza, ali, de que sua eternidade o abandonara. Desculpa, vovô. Sentou-se e apanhou as rédeas. Passou a mão sobre o rosto, sentindo com a ponta dos dedos a barba rala e empapada. Não tinha espelho consigo, mas sabia que seu reflexo lhe insultaria com a máscara da realidade.
Pelo menos não roubaram mais nada, disse em voz alta, tentando sufocar a revelação em meio à chuva ainda forte. Vamos, gritou, lanhando as costas do cavalo. O animal bufou e balançou a cabeça, mas não se mexeu. Vamos, meu baio, disse-lhe, as rédeas golpeando-o num estalo vigoroso. Não podemos ficar aqui. O cavalo, contudo, manteve-se inerte. Vamos, vamos, repetiu, as ordens e os incentivos, ignorados.
Desceu novamente da carroça e caminhou até o animal. Postou-se diante dele, notando como as gotas da chuva lhe desciam pela fronte, desenhando pequenas linhas d’água até o nariz. O que houve, meu amigo? Notou-lhe os olhos, aqueles olhos um dia lustrosos, perdidos em algum ponto distante. Está cansado? A inutilidade da pergunta o atingiu de pronto. Claro que está. Quem não está? Percebeu-lhe as narinas dilatadas, a respiração curta e ofegante.
Sentiu um gosto amargo. Você não pode desistir, meu velho. Com as mãos tentou puxar-lhe pelos arreios. Venha!, disse mais uma vez, inútil, inaudível. Sem forças, viu a si próprio no semblante do companheiro exausto. Um arremedo do homem que um dia fora.
Porque os animais morrem?
Abraçou a cabeça do cavalo e cerrou os olhos.
Como será um circo de verdade? Como será uma corrida?
Deixou-se quedar ali. Numa fração de segundo, lembrou-se da própria juventude na lavoura, da época em que se misturava aos grãos, à colheita, aos sacos carregados. Das diferentes fazendas que conhecera graças aos músculos poderosos que lhe brotavam das costas e dos braços. Das mulheres e dos homens a quem amou. Recordou as estrelas, as colinas, o ar quente da noite. E os jogos. As dívidas, os estiletes. O sangue. O mergulho. A miséria.
Viver. Sobreviver.
Desculpa, meu amigo.
Subiu na carroça uma vez mais. Com a única certeza de futuro diante de si, encolheu-se, sucumbindo ao frio das gotas que, enfim, amainavam. Me ajuda, baio velho, ainda temos lenha para queimar, disse, lutando contra a resignação, balançando as rédeas novamente, como sempre fazia. Como sempre fizera por anos e anos.
Com um relincho leve o cavalo pôs-se em marcha. Lento, resoluto, cadenciado.
É só a chuva, disse a si mesmo.
Só a chuva.
3) Mestiço
Relata passagem da vida diária de catador de lixo e de seu cavalo, ambos idosos e os pensamentos que circulavam na cabeça deste homem sobre seu passado e também sobre o passado que ele imaginava ter vivido o seu cavalo.
ANÁLISE: Texto meio longo, sem necessidade de tantos detalhes, cansa. A escrita é boa, bem trabalhada, literária e com detalhes bem criativos. Excelente português.
3. Mestiço (Cândida)
A vida de um homem passando na sua frente olhando os olhos de um cavalo. As vidas paralelas. Um ultimo esforço.
Escrita fluída, bom desenvolvimento, com a pitada certa de sentimentalismo.
Pontuação: 3
Resumo: O cotidiano de um catador de lixo com seu cavalo, estreitando a relação deles com poesia e sensibilidade, enquanto ambos encaram a velhice de frente.
Olá, Cândida!
Aí está um texto gostoso de ler! Seu poder descritivo é incrível. Ao longo da leitura, as imagens foram se formando naturalmente, como num filme. O que facilitou, para mim, foi o fato de ter vivido muito tempo numa metrópole onde isso é comum: Rio de Janeiro. Aqui, em Florianópolis, não é tão comum ter o catador de lixo. Com essa experiência, vendo como eles se movimentavam pelas ruas, foi muito fácil me envolver na leitura.
Sua escrita é levemente poética, na medida que gosto, sem abusar nos floreios, e não cansa, devido à naturalidade da narrativa. Parabéns por isso!
O tema foi bem explorado e gostei muito da forma como você abordou as semelhanças do protagonista com seu cavalo. O escapismo, tão fortemente representado na cena onde ele imagina o passado do animal, é algo bem comum na humanidade, principalmente diante uma verdade dolorosa. E, infelizmente, muitos velhos se encontram mergulhados nessa ilusão, criando cenários onde viveram como heróis ou que são injustiçados pelo mundo.
Agora, a história não é do tipo que gosto muito. Você é muito sensível. De verdade. Para completar, infelizmente, algumas técnicas aplicadas no texto me soaram apelativas demais. Gosto de coisas naturais, sabe? E quando vejo isso, crio uma resistência natural. Não é algo que vai influenciar minha avaliação, claro, mas senti um grande potencial na sua escrita e creio que você conseguiria emocionar sem apelar tanto. Confie mais em você mesma.
Parabéns pelo texto!
Resumo: Um catador de reciclagem rodava pela cidade em sua carroça puxada por seu cavalo baio, por dias, por anos. Tornaram-se amigos inseparáveis e experimentaram o envelhecimento juntos.
Comentários: Conto muito bem escrito, por um escritor com um domínio gramatical profundo e linguagem literária agradável, menos prosaica. A narrativa flui de forma linear, permitindo ao leitor imaginar como será o fim da história. Talvez seja o ponto fraco. De qualquer forma, não perde seu mérito.
A história de um homem e de seu cavalo ou, a história do homem que se vê em seu cavalo. É uma leitura verdadeiramente comovente e muito se deve à maneira como foi escrita. A princípio, a descrição nos situa na perspectiva da personagem, rapidamente nos inteirando do seu cotidiano e, principalmente, nos mostrando a crueza que o orienta. Trata-se, principalmente, de uma coisa somente: garantir as refeições.
É nesse contexto que ficamos sabendo mais do cavalo, descrito não somente para que saibamos como ele é, mas para que, ao mesmo tempo, conheçamos também o personagem que tem as suas rédeas. O cavalo em si é apenas um animal, mas, para o seu dono e, portanto, para o leitor, acaba sendo muito mais. É um divisor de águas: é quando a coisa ficou mais fácil. É um animal pelo qual vale a pena a cautela. É uma criatura que tem muitas vidas, dependendo da qual seu dono conto. É, enfim, uma equestre que cativa ao leitor tanto quanto o faz seu dono. Esse valor foi cuidadosamente construído pela autora. Parabéns!
Com essa edificação que assemelha homem a animal, dois em um, encontramos o episódio que nos traz à beirada do assento. O cavalo vai se mover? Este é o momento em que o protagonista se vê uma vez mais assaltado pela velhice que, agora, paralisa o cavalo. Se o cavalo não continuar, ele poderá? Para onde vai? Para onde o cavalo iria? Que outro sentido ele tem se não for carregar? E, afinal, que havia de mais valoroso na vida daquele homem – uma vida dura, baseada no lixo – do que aquele cavalo?
Veja, um cavalo e um carroceiro parados na chuva não poderiam comover tanto se não tivesse sido construído. E isso é de grande mérito. O final nos alivia, mas é agridoce, algo que sabemos ser, na verdade, infeliz: o homem acredita que foi só a chuva. Rejeita o tempo, este que é eterno algoz.
Oiiiii. Um conto sobre um senhor já idoso que trabalha recolhendo materiais recicláveis em sua carroça com a ajuda de seu fiel cavalo, por quem ele tem um grande carinho e apreço, chegando até a imaginar histórias de como seria a vida do animal antes de ir para as mãos dele. O cavalo também é idoso e mostra as marcas da idade assim como ele(talvez isso aumente a conexão entre eles ). Por um momento pensamos que o cavalo vai morrer de exaustão ou velhice. Todavia no fim o animal sobrevive e heroicamente colocou em marcha novamente, enfrentando aquela chuva. É um conto emocionante porque muitas vezes na vida real pessoas como o idoso do conto, pessoas que sobrevivem da reciclagem, passam invisíveis aos olhos da sociedade e através do texto eles tiveram uma voz e uma história. Foi interessante quando ele lembrou da juventude dele nas lavouras e isso fez referência ao quadro “O mestiço” que é a imagem do inicio do conto. Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.
Resumo: Um homem que trabalha na rua, com sua carroça, catando o que puder ser reaproveitado. O cavalo que puxa a carroça é seu amigo de longa data, mas durante uma chuva as coisas se complicam para os dois.
Desenvolvimento do Enredo: Pra mim o conto demorou a engrenar. Acho que só na terceira vez foi que consegui ir adiante, sem parar. Até pensei em deixá-lo de lado e voltar depois, mas eu já estou atrasada com as leituras e fiquei com medo de esquecer dele, tirando a leitura da ordem. Enfim… questões que dizem respeito só a mim mesma. Mas fiquei feliz por ter insistido porque o conto me emocionou bastante. Valeu muito a pena.
Composição das personagens: Acredito que o autor foi feliz na composição das duas personagens. Tanto o velho carroceiro como o cavalo ocupam o mesmo espaço, possuem a mesma importância para a trama, dada pelo escritor/a. Porque com o conto lido, não vejo como esse texto acontecer, funcionar da mesma forma, se um deles não existisse. Gostei da reviravolta, com os ladrões da lona aparecendo, serviu ainda mais para reforçar as dificuldades que viviam e o que precisavam enfrentar no dia a dia. A chuva também. Na hora pensei: “mais isso ainda, coitados!” Mas essa é a realidade, infelizmente.
Parágrafo inicial: Acredito que o parágrafo que começa com a frase “Dia após dia, levantar, sacudir o cansaço. Comer alguma coisa, qualquer coisa.” seria muito melhor para se iniciar a trama. Depois poderia vir o que está em primeiro, depois o que está em segundo e assim por diante.
Finalização: É um final amargo demais esse, doeu muito em mim. E da forma como está, doeu mais ainda. Porque ao terminar dessa forma, a impressão que me deixou é que qualquer coisa pode acontecer com eles, de bom ou de ruim e eu não ficarei sabendo… Achei isso ótimo, muito bom mesmo.
Olá. Gostei deste seu tema, autêntico, intemporal. Narra a história de um homem que ganha a vida a vender material para reciclar. Ao longo do tempo, tanto ele como o seu cavalo envelhecem, mas a luta pela sobrevivência fala mais alto. Têm de continuar, mesmo quando não podem mais, porque se páram não podem comer. É uma lógica que a personagem partilha com milhões de pessoas neste mundo, a luta pelo mínimo dos mínimos, a luta pela sobrevivência. O relato está bem escrito, num tom que tem tanto de melancólico como de interessante. O ritmo é o correcto e em termos de linguagem notei apenas um erro crasso que deveria ter passado no crivo de uma revisão mais apurado. O facto de não haver um desfecho, uma reviravolta na narrativa, não faz com que esta perca o interesse: a miséria é um ciclo interminável de pequenas lutas.
Olá, Autor(a),
Tudo bem?
Resumo – Catador de recicláveis e seu cavalo em meio a recordações e delírios dos “bons tempos”, enquanto seguem com sua dura vida como velhos amigos.
Um conto repleto de momentos memoráveis, com destaque especial para o sonho delirante do protagonista acerca de seu passado, bem como o do cavalo, no circo, em corridas no Jóquei. Momentos como este são um deleite para quem lê, aguçando os olhos da imaginação e transportando a narrativa para além do papel.
Aqui o tema é explorado com a assertividade de quem sabe o que faz (Ou tenta. Quem de nós sabe tudo, não é?). Explorando as consequências do tempo no corpo e no cotidiano de um protagonista extremamente bem escolhido, fruto de uma vida dura e de muito trabalho, o(a) autor(a) consegue criar empatia e emoção na medida certa.
Em certo momento, imaginei que o texto descambaria para o piegas, mas não. O(a) autor(a) soube dosar a emoção, conduzindo a história na linha tênue que divide sonho e realidade, a dureza da vida, com a leveza de quem a ama, e, mais que isso, ofereceu-nos um olhar sobre brasileiros que vivem ao nosso lado diariamente, quase na invisibilidade.
Parabéns por seu trabalho.
Beijos
Paula Giannini
Resumo: Um velho catador de rua de materiais recicláveis, e seu cavalo, vivem as agruras da lida pelas ruas de uma cidade grande. Durante o percurso coversa com o cavalo enquanto narra lembranças de quando, ambos eram jovens. Ao ser assaltados por moleques de ruas passam a viver as agruras do prejuízo, mas resignados continuam a difícil luta pela sobrevivência.
Gramática: Uma linguagem fluída sem problemas aparentes.
Avaliação: O conto trabalha bem a tentativa de passar certa poesia através do pensamento cordial do protagonista para com seu companheiro de labuta, entretanto achei um tanto forçado. Embora essa tentativa não prejudique tanto no todo. Mas acredito que o enredo poderia ter sido explorado com algo mais expressivo, pois na forma como está posto, a meu entender, ficou beirando certo pieguismo. Entretanto o conto atende satisfatoriamente ao exigido pelo desafio com a propriedade de que foge do lugar comum, nesse ponto o enredo é bastante original.
Olá, Cândida, cá estou eu caminhando ao lado da carroça dos dois velhos em busca de material de reciclagem. A história de um homem que, desde sempre, trabalha com o lixo, antes sozinho e depois com o cavalo. A vida difícil diante de uma ladeira (a vida é uma ladeira, gostei da metáfora), até sendo roubados, mas como ladrão que rouba ladrão… Bem, amiga, te digo que gostei demais da história. Está muito bem contada. Você é forte com as palavras, sabe dosá-las, distribui-las em doses certas. Consegue gerar emoção e empatia no leitor. Bem bacana isto. Gostei também da abertura do conto. Você começa muito bem. Isto dá mais força à narrativa no meu modo de ver as coisas. Caso pudesse lhe dar uma dica, diria, Cândida para rever o uso repetido da expressão “eram mais promissores”. Por duas vezes você a usa. Caso tivesse na segunda vez (não distante da primeira, o que gera maior preocupação) houvesse usado um “também” antes poderia melhorar um pouco isto. Fica a dica. Alguns probleminhas de digitação, mas que não atrapalham em nada na beleza do conto (mas como temos que reparar… fica o registro) engasse – enganasse, a existências, as existências, chuva tronou-se, chuva tornou-se. Digo-lhe, Cândida, que senti um pouco de estranhamento com o título. Sim, Mestiço é o autor, a bela pintura me mostra isto, mas mestiço também poderia ser o animal, eis que o termo se aplica mais a bicho do que a gente. A mestiçagem do nosso país, né? Quem sabe se, no texto, tivesse gasto umas palavras a este respeito teria ficado ainda mais bacana. Reitero, por fim, Cândida, que o seu conto é muito bom e que está de parabéns. Você é boa nisso. Parabéns.
Olá, Cândida.
Resumo da história: senhor idoso trabalha como catador de recicláveis com o apoio de seu velho cavalo. O homem devaneia sobre as origens do seu companheiro animal: terá sido ele um cavalo de corrida?, um animal de circo? Ambos vivem do que a vida provê e o velho tem orgulho de sua independência. Certo dia, durante uma tempestade, ambos têm dificuldade de encontrar abrigo e o cavalo parece não ter mais forças. Após momentos assustadores, o animal finalmente reage e ambos conseguem se salvar.
Avaliação: é um conto muito bom, de autor de escrita muito segura e que gosta de construções poéticas. Não encontrei problemas de revisão. A história é relativamente simples, mas a forma fez toda a diferença.
Boa sorte no desafio!
Resumo — Um carroceiro e seu cavalo envelhecem juntos na luta pela sobrevivência. Quando tudo parece findar, reagem e a luta segue.
Técnica — A interação entre os personagens funcionou bem por conta da apurada técnica de fusão de identidade mental. Cabe revisão e enxugada. O título não disse a que veio.
Trama —. O conto só engata mesmo depois do 4º parágrafo, tornando-o inicialmente lento. Mas a cena da ladeira traz ação e emoção em doses agoniantes.
Impacto — “Teve certeza, ali, de que sua eternidade o abandonara.” – Linda epifania da finitude.
Um carrinheiro evoca as agruras da sua função e o passado do seu cavalo, quando uma chuvada diverge a sua atenção para o material que, molhado, perde qualquer valor. A lona com que protege o ganha-pão é, contudo, roubada por um trio de rapazes, e a incapacidade – tanto dele quanto do cavalo – de os seguir coloca-o também frente a frente com o seu próprio envelhecer.
É um conto bastante interior, mais focado na reflexão do protagonista, onde cavalo e ser humano são usados como paralelos. Pega numa situação que, pelo que me é dado a compreender, é específica da sociedade brasileira (o carrinheiro), e explorara-a com uma veracidade que, por seu lado, é universal (a necessidade de se manter num trabalho árduo e de pouco retorno para conseguir sobreviver, apesar das dificuldades que a velhice ainda acrescenta). A alternância entre frases curtas e frases mais longas é um bom instrumento de ênfase narrativa, contudo, quando em exagero perde parte do efeito, o que penso ter acontecido aqui.
Que texto maravilhoso, de uma realidade que nos bate na cara a cada linha lida!
A relação do cavalo e do homem, a rima que a vida de ambos faz entre si é descrito de uma forma crua, porém de uma sensibilidade muito franca e honesta.
Gostei muito das relações que foram se construindo ao longo do texto, e achei genial o lance do roubo mais ao final, a forma como o personagem faz uma auto critica, de que a lona que dele foi roubada, ele mesmo já havia furtado, deu um toque bem interessante para Inicio do ato final do conto.
Tecnicamente achei o texto bem escrito, e não encontrei erros de pontuação, incoerência verbal ou gramatical. Mas possuo um conhecimento muito raso para realmente avaliar esse ponto.
Parabéns pelo ótimo conto, fico feliz por ter tido a chance de vivenciar ele.
Um conto triste, amargo, desfigurando pouco a pouco um homem e seu animal, esse quer seja da obrigação de servi-lo, quer por amizade. Aos poucos, nas lembranças da juventude, sempre pródiga e de sucesso, as lembranças vão se acumulando, enquanto tenta salvar a si e ao animal de mais tragédia da falta de refeição. Prolonga-se, tristemente, o dia a dia pesaroso, contundente, reticente. O narrador trás à tona e nos obriga a reflexão da velhice, pontuando, morosa e cansativa, a água fustigando como se assim fosse a brutalidade da natureza contra a qual precisamos lutar e sobreviver. Gostei. Parabéns e sorte no desafio.
Mestiço – Cândida
O narrador tem uma carroça usada para recolher e transportar o material reciclável que lhe garantia sustento. Uma rotina dura para ele e para o cavalo que puxava a carroça. A relação de anos com aquele animal se transformara em algo muito próximo do que chamamos amizade. E tinham muito o que dividir: o cansaço, as rugas, a flacidez de músculos e pele, os olhos opacos… um passatempo era imaginar o passado do animal. Imaginava-o no circo, disputando corridas, desbravando territórios desconhecidos, mas a realidade é que viviam uma vida miserável sujeita às tempestades casuais e sem nenhuma garantia de conforto e repouso.
Considerações:
É uma história amarga. Sem muita esperança. Num mundo de coisas descartáveis, parece que o mais descartável seja mesmo o ser humano. A dignidade das pessoas está esquecida, colocada numa lista em que as prioridades são outras. Comovente e reflexivo o seu conto. Muito bom! A escrita é primorosa e na medida certa. Ótimo trabalho. Parabéns e boa sorte.
Através de um dia de chuva, são apresentadas as dificuldades da lida diária de um carroceiro e de seu cavalo que envelhecem juntos — “o reflexo um do outro”.
O texto traz expressividade, é capaz de emocionar mediante o estilo. A narrativa apresenta uma série de situações identificáveis ao leitor, como o plástico que o protagonista havia roubado e que lhe é roubado também. Dessa forma, o cotidiano é retratado com um toque de nostalgia, tentando envolver o leitor em momentos de maior sensibilidade.
A trama é crível e fecha bem, dando uma consistência ao todo. A técnica é boa, o texto é fluido e tranquilo, o ritmo calmo e constante usado não confere tanto impacto. Contudo, agrada mais pela empatia.
Parabéns pelo trabalho e sucesso. Abraço.
RESUMO:
Carroceiro supostamente idoso – sendo chamado de “vovô” por um moleque de rua – enfrenta as agruras do dia a dia na cidade. O seu sustento depende do que arrecada nas ruas, catando materiais que possa vender. Na sua jornada diária tem a companhia do seu fiel cavalo que também apresenta vários sinais de envelhecimento. O trânsito, a chuva, o desnível do trajeto, os trombadinhas, tudo contribui para tornar a vida do idoso e de seu companheiro ainda mais penosa. Entretanto, a dupla heroica (o que me lembrou de Dom Quixote) persiste, enfrentando todos os obstáculos, como se os personagens pudessem se consolar mutualmente.
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F = Falhas de revisão ─ Esta é a parte que MENOS importa na minha avaliação. Só para constar mesmo. A princípio, não encontrei falhas, além de “Porque os animais morrem?” > POR QUE os animais morrem?
I = Impacto do título – Título simples, que não entrega a trama, mas introduz o protagonista. Achei digno.
C = Conteúdo da história – Uma narrativa muito bem elaborada, focando no relacionamento homem/animal, que acabam projetando uma unicidade, como se fundissem, amalgamados pelas mazelas da vida. Boa escolha de abordagem, excelente construção de imagens e caracterização de personagens, que cativam o leitor e prendem a sua atenção.
A = Adequação ao tema – Perfeita adequação, abordagem tanto do envelhecer humano como do animal. Todos envelhecemos juntos afinal. A Terra envelhece conosco também. (Momento de reflexão – Culpe a quarentena)
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E = Erros de continuação – Teria de reler mais de uma vez para tentar encontrar algo fora da linha de raciocínio da trama. A princípio, nada me incomodou quanto à coerência da história narrada.
M = Marcas deixadas ─ Um conto que me deixou com um suspiro preso no peito. Há poesia suficiente para fazer o conto ainda mais belo. Descrições bem trabalhadas, sem desperdício de palavras. Bom ritmo, sem rodeios ou entraves que dificultem a leitura. Marca de honra ao mérito = estrelinha dourada pra você.
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C = Conclusão da trama – Final bem fechado, sem perder o tom poético. Apresenta a resiliência como espécie de mensagem de esperança. Apesar dos obstáculos, homem e cavalo não cedam as adversidades da vida. O idoso encara as dificuldades do caminho como a chuva que cai, uma chuva que vai passar. Tudo passa. Isso também vai passar.
A = Aspectos quanto à originalidade do conto – O conto revela uma abordagem surpreendente que traz o olhar poético voltado para uma realidade cruel das ruas.
S = Sugestões – O conto me agrada muito exatamente como está.
A = Avaliação final – Muito bem, você brilhou, autor(a). Parabéns! Nota: 5,0. 🙂