EntreContos

Detox Literário.

Espectros da Salvação (Gustavo Araujo)

A verdade é que Hugo nunca esteve preparado. A perda derradeira, o momento em que o destino se impõe de modo supremo, ignorando solenemente qualquer indignação. O vazio, a sensação de encarar o nada, o quarto cavo, as roupas no armário que nunca mais serão usadas, a vida aleijada pela separação irrecuperável.

Nunca mais…

Sentou-se à cama, os cobertores ainda por dobrar. Percebia o calor se desprendendo dos lençóis amarrotados. O perfume de Irene escondido nas tramas. Num instante, deu-se conta de que a esposa ali estivera há poucas horas. Viu-lhe os contornos, o rosto redondo, os cabelos curtos, a expressão serena e melancólica.

Fechou os olhos.

A mulher imóvel para sempre enquanto o caixão era fechado. Uma despedida muda e impiedosa. 

Nunca mais…

***

Desceu ao galpão por um caminho invadido pela grama alta. Afastou o portão de ferro cuidadosamente e passou o cadeado por dentro ao entrar, ainda que estivesse sozinho. Acendeu a luz deixou-se encantar. Iluminada pelo facho solitário que pendia do teto, uma cidade em miniatura surgia em silêncio. Uma reprodução fiel de Santa Luzia, o local em que crescera, onde vivera seus melhores anos. Onde ele e Irene se conheceram, onde se casaram. Uma cidade do interior, podia-se dizer, típica do início do século. 

Lá estavam os morros circundantes, os sítios, os bosques, o rio… As casas de arquitetura vitoriana que se juntavam aos poucos em direção ao centro, os mercadinhos, a barbearia, o liceu, a farmácia, os bares. Não faltavam a praça principal, a avenida tímida que cortava a zona urbana, o coreto, a igreja, até mesmo a prefeitura. Tudo reconstruído com exatidão obstinada, fundada em fotografias antigas, revistas e jornais de páginas amareladas, além de conversas resgatadas dos recônditos de sua memória.

Podia ver a si próprio andando pelas ruas de terra batida, receando sujar os sapatos, o ar fresco envolvendo-lhe o rosto imberbe. O leiteiro passando apressado no início da manhã, as carroças carcomidas avançando preguiçosas, carregadas de verduras frescas, os cumprimentos dos passantes. Bom dia, Hugo! Bom dia, senhora! O encontro com os amigos, os anos no educandário, as constantes visitas ao jornaleiro, a coleção de revistas sobre ciências. E Irene. A menina Irene passando com as colegas em direção à escola. Os primeiros olhares que trocou com ela, os primeiros cumprimentos, as primeiras conversas. O roçar dos dedos, as mãos se afagando. O carinho, o beijo. O casamento. A vida. 

Era como se voltasse a ser criança, até porque, no final, quando se aproxima o ocaso, é assim que se fecha o ciclo.

***

Quando percebeu, estava sentado à mesa da cozinha.  Diante de si, uma caneca de café repousava fumegante. Atentou para o relógio de madeira, no balcão à retaguarda: dez horas. A qualquer momento Irene retornaria do empório, a sacola cheia de hortaliças. 

Olhou ao redor, para a pia, para os azulejos, para geladeira. Adiante, o corredor da casa e, além, a sala e os quartos. Tudo como se lembrava. Era bom estar de volta.

O tique-taque preenchia o ambiente, o sol da manhã fazia brilhar os vidros da janela. Ouviu passos lá fora, a batida ritmada dos saltos sobre a calçada de pedra. Irene. Sua esposa, viva, prestes a entrar pela porta. Ainda que tivesse antecipado aquele momento, não pôde evitar a ansiedade. Depois de tanto tempo, ele a veria novamente em sua plenitude. 

Porque queria que assim fosse. Porque acreditava.

Fechou os olhos e esperou que se esvaíssem os segundos remanescentes. Tique…Taque… Tique… Taque…

“Hugo? Vai ficar dormindo aí na mesa ou prefere vir me ajudar?”

Lá estava ela, com aquele vestido florido, vermelho e branco, sem mangas. O sorriso estampado no rosto. Linda, perfeita, o frescor da juventude exalando de seus poros. 

Ah, Irene, como senti sua falta.

Naquele momento, percebeu que seriam eternamente felizes, amigos, companheiros. Continuariam se amando, dia a dia, como no início, imunes aos obstáculos que a realidade um dia trouxe. Ali, na nova Santa Luzia, não cometeria os mesmos erros.

Levantou-se e apanhou as sacolas, colocando-as sobre a pia. Em seguida voltou-se para a esposa. Mirou seus olhos redondos, sua boca convidativa. Abraçou-a com a saudade dos muitos anos que o separavam daquele momento, sorvendo-lhe o perfume dos cabelos. Acariciou-lhe o rosto, os braços, admirando-a. Irene. 

Sim, era real. De verdade.

A felicidade retumbando, aquela sensação quase proibida que nos deixa temerosos, porque tem embutida a ameaça da finitude. Mas não ali. Não ali.

“Vamos logo”, disse ela. “Prometi à sua mãe que iria ajudá-la com o almoço de hoje.”

***

Há algum tempo decidira aperfeiçoar aquele projeto. Porque tinha todo o direito de buscar o melhor para si. Para ela. Porque já não lhe bastava aquele cenário que, embora reproduzido com apuro através dos anos, desde o falecimento de Irene, dependia de suas próprias memórias para funcionar.

Deveria avançar. De verdade.

Com os retratos que possuía, além da memória privilegiada, entalhara com esmero pequenos bonecos de cera, os traços dos rostos idênticos aos daqueles que há muito haviam partido. Utilizando lentes, reproduziu-lhes as características físicas, trabalhando à exaustão todos os detalhes. Sobrancelhas, dentes, músculos, até mesmo cavidades internas, além de roupas, sapatos e objetos…

Sabia como instilar-lhes vida. Como transferir-lhes a essência primordial contida no ambiente celular básico, o assim chamado DNA, recentemente descoberto por cientistas americanos, permitindo-lhes existir.

Pesquisara a respeito das monoteases, as enzimas que orquestravam o mecanismo da morte, e a maneira pela qual, se cultivadas em soluções eletrolíticas a determinadas temperaturas, poderiam reverter seu sentido, reconstruindo cadeias de proteínas até preencherem de energia receptáculos cultivados em citosol — sim, os bonecos –, animando-os até que adquirissem consciência.

Reunira material orgânico em incursões secretas ao campo santo situado nos arrabaldes da Santa Luzia real. Revirara túmulos, lápides e covas rasas por noites a fio. Valendo-se de ossos, cabelos e remanescências diversas extraíra o código para cultura naquele líquido que, enfim, traria seu mundo em miniatura à vida.

Parentes , amigos, conhecidos e até gente que jamais vira retornariam à existência, por meio daquela combinação química ricamente preparada. Seu irmão, seu irmão caçula que morrera afogado, também poderia ressurgir. Lucas, o jovem Lucas… Jamais mergulharia naquele lago, jamais bateria a cabeça em uma pedra. E seus pais, ah, que saudades… E os pais de Irene, claro, eles também. E animais. Cães, vacas, até galinhas. 

A vida seria boa novamente.

Precisaria ter cuidado, porém. As monoteases decaíam no momento em que citosol era ativado, não comportando reutilização. A reinserção do código do DNA agiria como uma fagulha num palito de fósforo. Poderia levar à chama, como se desejava, mas na hipótese de entropia o resultado seria a inutilização do ácido e do respectivo hospedeiro. Ambos mortos para sempre.

Quanto a si, por natural, usaria o mesmo processo, transferindo a própria consciência para sua versão miniaturizada. Uma vez que seu eu original estava vivo ainda, poderia, em tese, retornar ao mundo real pelo processo inverso. Isso entretanto inutilizaria seu avatar, além de comprometer a capacidade de transferência de seu código, afastando-o para sempre do convívio com suas recriações.

Não tinha plano de retornar ao mundo real, porém. Seu corpo permaneceria ligado à máquina até que perecesse, quando o fluxo de consciência para o avatar se completaria. No fim, morto no mundo tido como verdadeiro, continuaria a viver em seu projeto auto-suficiente de paraíso. Para sempre.

Uma segunda chance. Era isso o que teria.

***

Pediu à mãe a bênção. Beijou o pai no rosto, sentindo o pinicar da barba por fazer. Abraçou-o também. Na vida anterior o pai morrera há mais de vinte anos. A mãe se fora logo depois. Era bom tê-los por perto novamente, contar com seus conselhos e até com suas preocupações exageradas. E Lucas? Ali estava Lucas também. Seu irmão mais novo, com seu bom humor contagiante, o sorriso enorme, a gargalhada sísmica, as histórias que atraíam todos os olhares. 

Comemoravam o noivado dele com Clarisse, a moça loira e alta, filha do farmacêutico de Santa Luzia. Não, mano querido, não haverá trapaça do destino desta vez, pode ficar tranquilo.

Em meio à algazarra, com os homens contando piadas, as mulheres cuidando das refeições, as crianças correndo sem parar, entre risos, discursos, juras de amor, vivas, brindes e gente chorando de alegria, Irene lançou-lhe um sorriso. Um momento mágico. Por ela, tudo valia a pena. 

Valia acreditar.

Ah, Irene… Desta vez ele não cometeria falhas. Ao menos ali, naquela nova vida, não precisaria se dedicar ferrenhamente ao trabalho, aos estudos. Não precisaria deixá-la sozinha, ir à capital, viajar, abrir mão de sua companhia. Não haveria por que mergulhar na miniaturização de circuitos, na fisiologia de partículas microscópicas. Nos efeitos do calor, nas experiências com citosol. Tudo já estava pronto, à disposição de sua felicidade.

***

Não se esquecera de nada. Para recriar dias e noites, um engenhoso sistema de polias, com pesos e contrapesos se alternando, traria luz e trevas à pequena cidade, inclusive céus estrelados. Ocasionalmente, com a captação aleatória do vento no teto do galpão, foles jogariam minúsculos jatos de vapor na atmosfera hermeticamente desenvolvida, arremedos de nuvens, de onde se desprenderiam gotículas simulando chuva.

Quanto aos habitantes, não havia outra opção que não iniciar as descargas elétricas de modo a trazê-los todos os avatares à vida de uma só vez. Com a intensidade adequada, despertariam em conjunto em algum dia do fim da década de 1920. Talvez ficassem confusos, talvez julgassem ter dormido além da conta, vítimas de uma longa noite, assombrados por sonhos tempestuosos. Mas logo retomariam rotina, sucumbiriam ao conforto, à sensação de segurança ideal para sufocar ideias rebeldes ou imaginativas demais.

Porque normalmente as pessoas veem o que querem ver, ouvem o que querem ouvir e sentem o que querem sentir. Isso bastaria para que todos na nova Santa Luzia acreditassem. Para que seguissem os instintos projetados em seus códigos genéticos, comportando-se de maneira idêntica a de seus eus originais, sujeitando-se aos mesmos estímulos, às mesmas emoções. 

Para que revivessem o mundo em sua versão perfeita, indefinidamente.

***

Costumava ir à igreja com a família, onde Padre Leonardo convidava todos a orar, a agradecer pelas bênçãos que se derramavam por toda a comunidade. Ouvia aquela homilia em todas as ocasiões. Que afortunados somos, dizia o clérigo, com fé genuína. Bendito seja Deus, que nos reuniu no amor de Cristo, entoavam os fiéis em resposta.

Com Irene, revivia sua melhor época. Jantavam juntos, iam ao parque de mãos dadas, deitavam-se sob as estrelas, riam nos filmes de Keaton, dançavam ao som de Artie Shaw que a orquestra do clube tocava tão bem. Por vezes, ou na maioria das vezes, faziam-se acompanhar de amigos. De Lucas e Clarisse principalmente.

De fato, era bom estar vivo. Era bom acreditar.

Frequentemente, dirigia-se à colina de onde podia ver a cidade. Do alto também divisava o rio, correndo plácido logo abaixo. De certa forma, era onde sentia melhor sua onipotência, onde percebia mais intensamente os contornos de sua criação.

O medo da felicidade desaparecera. Irene nunca estivera tão contente. A imagem da esposa derrotada pela depressão era uma lembrança distante e impossível agora. Tudo valera a pena.

Certo dia, porém, em um desses momentos de solitude, percebeu do alto a esposa se aproximando da margem do rio, alheia à sua presença. Notou quando ela se agachou, dedilhando a correnteza, como se experimentasse a temperatura da água. Instantes depois, observou Lucas surgindo pela trilha que cortava o mato alto. Logo Irene se levantou. Os dois se abraçaram longamente e em seguida se beijaram.

Instantaneamente, o monstro do ciúme devorou-lhe o peito, a fé e a crença em si mesmo. Seu mundo de cinema, consumido como um celulóide por chamas violentas.

Desse dia em diante viu-se incapaz de encarar a esposa, menosprezado, incapaz de reagir. A cada sorriso dela sentia-se demolido. Sua alegria o arrasava por dentro. Porque o motivo da felicidade de Irene não se fundava nele, em seus esforços, em sua dedicação, em seu amor. Ao contrário, tinha como razão o fruto proibido, o erro, a devoção de outro, a quem ela correspondia com igual cobiça.

Imaginava-os juntos, trocando juras secretas de amor eterno, prometendo-se o infinito. Quantas vezes ele e a esposa estiveram juntos e quantas dessas vezes ela pensava em Lucas? Todas, possivelmente. Assim fora na vida real, assim era agora.

Lucas… Lucas… Para Hugo o pecado adquirira um nome, esfarelando qual ferrugem os alicerces de seu mundo ideal.

***

Quando Clarisse os convidou para um banho de rio, concordaram sem pestanejar. As mulheres preparariam as cestas de piquenique. Os homens se exibiriam saltando das pedras. Mergulhadores arrojados que eram, estavam acostumados à altura. Hugo ainda era capaz de fazer acrobacias, o chute na lua, como chamava, mas Lucas não ficava atrás, especialista que era em duplo mortal.  Um após o outro, ambos competindo, um jogo silencioso que ia muito além das habilidades na água. 

Hugo reconhecia aquele momento de cor. A ocasião em que o irmão se acidentara. Quando, ao mergulhar, batera a cabeça em uma pedra para nunca mais recobrar a consciência. Para morrer.

Olhou para Clarisse e para Irene, ambas sorrindo, assobiando e aplaudindo a cada evolução que ele e o irmão arriscavam. Ninguém sabia, a não ser ele próprio, como aquilo tudo deveria terminar.

A certa altura, cumprindo aquele script nefasto, Lucas não voltou do mergulho. Conforme ocorrera na outra vida, no outro mundo, Hugo mergulhou em busca dele. Sabia onde ele estava, mas mesmo assim comportou-se conforme seu papel original, demorando, levando minutos preciosos até recuperar o corpo já inerte. 

Na vida anterior, há mais de quarenta anos, tinham corrido ao hospital, onde Lucas chegaria morto. Mas ali, naquele momento, naquela reprodução terrível, havia para Hugo algo diferente, fora do controle. Talvez o fato de que tinha consciência de tudo fizesse sua mente trabalhar de modo inesperado, traindo-o. Lucas estirado no solo, as garotas chorando em desespero. Clarisse rezando, as mãos unidas em prece sob o queixo, molhadas de lágrimas. E Irene? Irene em choque, como quem vê a razão de sua vida desaparecendo.

Hugo voltou-se para Irene e pediu-lhe uma faca. Sim, uma faca, repetiu. Conheço o procedimento, murmurou entre dentes cerrados. O que está fazendo, perguntaram. Silêncio. Outras pessoas os rodeavam agora, apreensivas. Não havia muito mais tempo. Com um golpe certeiro, Hugo abriu um talho fino e profundo junto às costelas do irmão, por onde a água escorreu, aliviando-lhe a pressão das cavidades, evitando a tempo a entropia. Àquela temperatura, o citosol poderia regenerar-lhe a composição.

Graças a Deus, alguém disse.

***

Lucas demoraria algumas semanas para se recuperar, mas sobreviveria. Cumpriria seu destino. Porque assim deveria ser. 

Hugo percebia agora que a perfeição do mundo que construíra tornava dispensável sua própria presença. A fim de se redimir seus pecados, e também purgar os erros cometidos por quem mais amava, decidiu que era o momento de oferecer a si mesmo em sacrifício, abandonando aquele plano existencial.

Um choque elétrico seria suficiente, pouco importando o que encontraria a seguir. 

A vida após a morte jamais deixara de ser um mistério fascinante.

Palavra da Salvação.

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21 comentários em “Espectros da Salvação (Gustavo Araujo)

  1. Thiago Barba
    15 de setembro de 2019

    Homem perde a esposa e todos a quem amava. Descobre uma maneira de trazer todos a vida (inclusive ele em nova forma) em uma cidade em miniatura que ele mesmo construiu, mas depois descobre que é tudo em vão, pois as mortes se repetem.

    Adoro a proposta. Tem uma coisa que os escritores daqui do EC tem o costume de escrever, que é separar a narrativa, fazer esses asteriscos. Tenho um certo desgosto em relação a isso, mas nesse texto em específico caiu bem.
    Algo que me tira as vezes do texto é a grande descrição dos cenários. Isso me dificulta muito entrar no texto. Sempre acho chato descrições e nesse texto tem longas partes explicando a cidade, onde ele está naquele momento. Sei que não é nada de errado, é um problema exclusivamente meu, inclusive existem imagens importantes para a narrativa, como ele passando pela grama alta, mas a quantidade demasiada de descrições do cenário, me tira do texto de uma forma que me faz entrar em agonia com o texto e pensar “para de enrolar e vai ao que interessa”. Imagens de cenários vimos aos milhares hoje em dia pelas fotos, filmes, na literatura busco alimentos outros.

  2. Gabriel Bonfim
    15 de setembro de 2019

    A história é sobre Hugo, aparentemente um cientista e pesquisador, que decide simular sua antiga cidade com sua esposa, irmão e amigos antigos. A história começa a dar errado quando ele descobre a traição de sua esposa com seu irmão, no final, o protagonista tem a sua revelação quando decide salvar Lucas em seu acidente.

    Gostei muito da história! Misturando elementos científicos e criando um conceito interessante da ficção cientifica: a simulação da realidade, utilizando esses conceitos para explorar a humanidade, é disso que se trata mesmo esse gênero! Não tenho criticas, parabéns!

  3. Renan de Carvalho
    14 de setembro de 2019

    Um cientista recria a cidade de sua infância, após a morte da esposa. Usando seus conhecimentos genéticos recria também formas de vida dos habitantes já falecidos. Mas o que parecia uma nova chance mostrou ser a faceta da realidade que ele não pôde antes enxergar.

    Conto bem escrito com um vocabulário apurado, porém achei que se arrasta em alguns pontos, acrescentando muitas informações, do meu ponto de vista, desnecessárias para a cena. Muito boa a construção da elucidação científica. Um abraço.

  4. Amanda Gomez
    14 de setembro de 2019

    Resumo 📝 A história de Hugo, um cientista que cria uma cópia perfeita do seu mundo. Um maquete viva com ele e todas as pessoas que já conheceu, a maioria morta. Graças a uma experiência científica era possível dar vida a esses bonecos de cera . Ele transporta sua consciência para a maquete e passa a reviver seus dias, com a mulher, os pais e tudo que ele amava. Mas o destino funcionava igual nesse mundo, apesar dele ser o Deus alí. Por fim, cansou de lutar contra o destino e escolheu a redenção, mudando erros do passado e se apagando para sempre da existência.

    Enredo🧐 Uma história muito bem pensada e executada, houve trabalho de pesquisa, um cuidado em deixar as coisas verossímeis. A história tem boas doses de explicação, porque de fato é algo muito difícil de acreditar, mesmo sendo ficção científica. A primeira vez que li o conto essa era a minha ressalva, não me convenceu essas explicações quase didáticas. Lendo e relendo, tudo pareceu se encaixar como deveria e a história ganhou pra mim outra proporção. Deixando de lado esse porém me vi diante de um texto excelente, com uma boa carga dramática, com um personagem muito bem desenvolvido e algumas gratas surpresas ao final.

    Gostei 😁👍 Gostei bastante do personagem, da ideia da maquete, da ideia dele ser o Deus da sua própria via e ainda sim… ser impotente diante do destino, diante dos desejos humanos de cada criatura que ele criou alí. Gostei muito do final também, a expectativa pelo que ele faria quando tudo se repetisse. Na vida real a esposa definhou pela morte do amado até a morte, ali, seria diferente…ao mesmo tempo que…não, o irmão ficou, mas ele se foi… e os conflitos do adultério como se resolveria? enfim… uma história que vai muito além do ponto final.

    Não gostei🙄👎 Acho que a parte científica como já comentei, ficou didática demais, lendo a primeira vez não soava muito verossímil, mas depois esse bloqueio passou.

    Impacto (😐😕😯😲🤩)😲O texto me surpreendeu bastante, principalmente no final. O personagem me cativou então eu senti com ele todos os seus drama vividos.

    Tema (🤦🤷🙋) 🙋 Sci-fi bem diferente, e isso é ótimo. Um clima cotidiano que me agradou e combinou com elementos científicos.

    Destaque📌 “Instantaneamente, o monstro do ciúme devorou-lhe o peito, a fé e a crença em si mesmo. Seu mundo de cinema, consumido como um celulóide por chamas violentas.” Muitas expectativas aqui!

    Conclusão ( 😒🤔🙂😃😍) =😍 Excelente conto, escrita segura e um enredo criativo e muito bem executado.

    Parabéns!

  5. Leo Jardim
    14 de setembro de 2019

    🗒 Resumo: um cientista, após perder a esposa que amava, cria um mundo em miniatura idêntico ao real de muitos anos atrás. Ele revive uma vida ideal com a esposa e o irmão, que nessa realidade não morreu. Só que a vida perfeita não existe e a esposa começa a traí-lo justamente com o irmão. Ele decide matar o irmão da mesma forma que morrera na vida real, mas desiste no instante derradeiro. Decide, enfim, tirar sua própria vida e deixar o mundo que criou continuar por si só.

    📜 Trama (⭐⭐⭐⭐▫): um mote bastante interessante, bem desenvolvido e fechadinho. Uma trama madura. Apesar disso, fiz umas anotações mais como chatice… quer dizer… sugestões de melhoria que críticas de fato (afinal, é uma trama quatro estrelas):

    ▪ A explicação de como foi feita a simulação ficou um tanto inverossímil. Menos por dar a vida a bonecos e mais por fazê-los agir e pensar como as pessoas normais agiam e pensavam, inclusive com suas memória. Como ele poderia simular tanto só colhendo os DNAs?

    ▪ Como era o mundo além da cidade que ele recriou? Ninguém tentou descobrir? Ninguém entrava e saía da cidade?

    ▪ A morte dele ficou meio sem emoção, assim como a recuperação do irmão após ela. Acho que faltou espaço para o autor desenvolver melhor essas cenas. O problema é que elas eram essenciais para a trama e precisavam funcionar bem. Não ficaram ruins, só meio secas…

    📝 Técnica (⭐⭐⭐⭐▫): uma técnica madura, que sabe conduzir a trama e apresentar as cenas com eficiência.

    ▪ Acendeu a luz *vírgula* deixou-se encantar

    ▪ Na vida anterior *vírgula* o pai morrera há mais de vinte anos

    ▪ Desse dia em diante *vírgula* viu-se incapaz de encarar a esposa

    ▪ A cada sorriso dela *vírgula* sentia-se demolido

    ▪ Para Hugo *vírgula* o pecado adquirira um nome

    ▪ O que está fazendo *?*, perguntaram.

    🎯 Tema (⭐⭐): é uma ficção científica um tanto forçada na parte da ciência, mas não descontei pontos por isso.

    💡 Criatividade (⭐⭐▫): mesma premissa que o meu conto (Simulando Sonhos), mas feita de uma forma totalmente diferente. Talvez por isso a crítica exagerada da minha parte. É um assunto recorrente, mas fascinante. Sempre há mais espaço, na minha opinião.

    🎭 Impacto (⭐⭐⭐▫▫): é um bom conto com um excelente mote. O desenvolvimento é bom também, mas com alguns percalços. Faltou passar um pouco mais de emoção no fim.

    Não gostei, além disso, da frase de encerramento. O texto não faz nenhuma outra menção ou metáfora bíblica, apesar do protagonista brincar de Deus. Ficou deslocado.

    Fora tudo isso, é um texto muito bom que tem potencial de ser ainda melhor.

  6. Gustavo Azure
    14 de setembro de 2019

    RESUMO
    Hugo constrói uma maneira de conseguir reviver seus dias de felicidade com sua falecida esposa através de uma maquete, mas nem tudo é como o esperado.

    CONSIDERAÇÕES
    No geral, somente Hugo parece ter motivações e interesses na narrativa, o único personagem profundo, apesar de ter tido espaço para demonstrar a profundado dos outros personagens. Por outro lado, a sensação de solidão surge por esse aspecto, já que as pessoas não são realmente pessoas, como se fossem marionetes que seguem um roteiro pré-estabelecido (entretanto, sabemos que não é bem assim). A história inteira se passa através do ponto de vista de Hugo, mesmo que ele não esteja narrando, derrama seus sentimentos e pontos de vista na narrativa.
    Existe uma boa descrição das cidade na maquete e do ambiente envolto de uma maneira satisfatória. As ações dos personagens são bem descritas, o que também da uma luz sobre o lugar e o clima para a história. A vida cotidiana também é muito bem explorada, mostrando várias aspectos da vida que levavam e como viviam e como veriam dali para frente. Foi uma maneira interessante de mostrar o passado sem voltar no tempo.
    Por vezes veio a sensação que a história estava se arrastando, concentrando-se em detalhes que poderiam ser reduzidos ou removidos. Não sei se era intenção do autor, mas senti uma referência ao Dom Casmurro enquanto lia sobre o ciúmes de Hugo, a quase morte de Lucas e logo após o descobrimento da traição. Inclusive a descrição da cena na praia é muito similar ao do velório de Escobar. A proposta inicial é interessante, reconstruir toda a vida com a ajuda da inovação da ciência, uma utopia em que a felicidade seria eterna. A ideia é bem criativa, mas ao se concentrar basicamente no amor que Hugo sentia por sua mulher falecida, acaba levando a um lugar comum. Foi abordada suavemente uma questão de estranhamento que acredito que poderia estar mais presente durante o texto e ter sido mostrado a partir dos personagens, deixaria a história mais rica e complexa.
    A narrativa em si se constrói através de uma certa linearidade, quebrada em alguns momentos, mas que aparentemente sem pulos de tempo grandes. Diferente de algumas história, o espaçamentos e os “***” na maioria das vezes são bem justificados, não quebrando o ritmo de forma desnecessário para continuar uma nova cena com o mesmo clima/ritmo. Entretanto, a narrativa parece um pouco arrastada e descritiva demais ao hábitos cotidiano. Fora isso, a fluidez está boa.
    NOTA 3,8

  7. Carolina Pires
    12 de setembro de 2019

    Resumo: Inconformado com a morte repentina de sua mulher causada pela depressão, o cientista Hugo decide colocar seu plano científico em prática. De dentro de um galpão, ele reproduziu, em miniatura, a cidade natal com seus parentes e habitantes, fazendo seu próprio avatar e incluindo-se naquele mundo “perfeito”. Após um tempo, ele descobre a traição de Irene, sua esposa, com seu irmão mais novo, Lucas. Depois de salvar a vida dele, em um acidente que causou sua morte no passado, Hugo decide abandonar seu avatar e deixar, para sempre, o mundo de miniatura que ele criou.

    Eu achei simplesmente incrível seu conto, Fontes. A escrita leve, fluida e objetiva, sem ofuscar expressões profundas, complexas e brilhantes. Envolvi-me por completo no conto, nessa coisa de criação, inventar um mundo, tão comum a quem escreve. Experimentar um texto onde a possibilidade de viver para sempre com nostalgias e com quem se ama me deixou um pouco tonta, talvez até com um sentimento melancólico na alma. E isso foi espetacular, porque consegui – sem dificuldade – adentrar neste mundo científico dentro de um mundo literário (rsrs).

    Encontrei semelhanças com o filme Avatar e Downziging, uma mistura dos dois, mas de uma forma diferente. Olha que doido? (rsrsrs) Algumas partes eu não consegui entender, admito, principalmente as que tinham termos técnicos e que explicavam o processo de criação deste mundo em miniatura e dos seus habitantes. Talvez seja por isso que o fim ficou meio aberto para mim: não sei se o Hugo realmente morreu só no plano minúsculo ou se o seu corpo no mundo “real” já tinha falecido, morrendo então nos dois planos. Mas acho que foi sua intenção deixar isso meio aberto, não é? Prevalecendo o mistério do pós-vida/morte.

    Achei interessante essa relação com criação, o título, o termo salvação, o sacrifício. Remeteu-me à história fascinante cristã em face da salvação de outros. Além da sensação de que o mundo corre à deriva/controle das vontades do criador: “Porque o motivo da felicidade de Irene não se fundava nele, em seus esforços, em sua dedicação, em seu amor”. Será? Será que ocorre tão à deriva assim? Com os pensamentos absortos nesta pergunta que fiz a mim mesma no final do conto, veio-me à cabeça uma ideia assustadoramente estranha.

    Imaginei Hugo, depois do choque, voltando à outra realidade, sentindo a consciência, outrora no avatar, tomar sua velha casa. Imaginei-o aproximando-se da cidade em miniatura e, projetando uma sombra sobre a redoma, e como em “The Truman Show”, começando a brincar com vidas alheias a ele, com um sorriso demoníaco, executando à distância algum tipo de vingança sádica.

  8. tikkunolam90
    10 de setembro de 2019

    Resumo: Hugo sofre com a perda do amor de sua vida. Sem superar, constrói a reprodução fiel da cidade que nasceu e viveu com ela, em maquete, e, com artifícios da ciência, alcança uma nova vida no lugar que criou. Mas era um tolo, cego, pois preso na nostalgia, não percebia a realidade que viveu. Quando tudo desanda, percebendo que o amor de sua vida não era o considerava o amor da vida dela, escolhe os braços da Morte.

    A escrita é boa, obviamente, mostrando seu potencial, mas não sei o motivo disso, o conto não me cativou muito, achei a narrativa um tanto fria, sem identidade. Porém, é inegável que está bem escrita. Algumas coisas são difíceis de serem explicadas, sabe? A leitura pode ser muito pessoal ou dependente da obra que se está lendo. Sei, apenas, que não brilhou para mim. E olha que gostei da forma como você escreve!

    A história é bem construída, os personagens também, conseguimos mergulhar nas dores de Hugo, tanto na ausência de seu grande amor quanto na desilusão ocasionada pela traição. Dou crédito á habilidade do autor ao conduzir a história. Mesmo com leitura morna, conseguiu manter minha atenção até o final, prova que sua narrativa não cansa.

    Os argumentos usados para dar vida aos bonecos, infelizmente, não me convenceram. Meio fantástico demais para cair nas graças do tema de ficção científica, que entrega o plausível que ainda não alcançamos. E não tem nada de sabrinesco. É tudo muito triste, melancólico, depressivo. A vida de Hugo foi uma bela bosta. Mergulhado em ilusões e incapaz de continuar em frente, escolhendo até a morte quando se viu sozinho. Não tem aquela doçura do amor entre duas pessoas. Tem adoração de apenas um dos lados.

    Ficou fora dos eixos dos dois temas, na minha visão.

    Não tenho muito mais o que adicionar: a escrita é boa, seu Português também, sabe conduzir uma história e tem criatividade. Apenas precisa de foco na proposta do desafio. Se você não consegue alcançar o tema, de certa forma, falhou, pois acredito que o ideal seria encararmos isso tudo como um exercício, para melhorarmos nossa escrita e leitura.

    Sobre o estilo meio morno, sem muito carisma, infelizmente não sei o que falar, pois cabe a cada um saber o caminho que está tomando! Temos que escrever da forma como nos realiza. E você escreve muito bem, afinal!

    Parabéns pelo conto, muito bem feito, mesmo fora do tema, para mim, mas muito bem escrito! Continue assim!

  9. Fernando Cyrino
    9 de setembro de 2019

    Olá, Fontes, cá sigo eu às voltas com a sua narrativa. Um homem que reconstrói a sua história e a da sua cidade a partir da construção, não somente de uma maquete perfeita, mas de reconstruir a vida, a partir das descobertas e possibilidades da ciência, das pessoas e bichos que residiam na Santa Luzia da sua infância. E nesta reconstrução acontece uma trágica descoberta em relação ao seu amor por Irene, falecida e o seu irmão, também morto acidentado num pic nic. Fontes, você me apresenta um belo de um enredo. Desenrola-o devagar de maneiras a que eu possa saborear cada dobra que vai se abrindo e elas acontecem sem levar em conta o tempo real. Em algumas horas mesmo tive que retornar para não perder o fio da meada, tal a complexidade da sua narrativa. Você se mostra um escritor pronto e competente. Capaz de lidar muito bem com as filigranas da nossa língua. A surpresa trazida pela revelação do segredo na nova vida que os personagens da sua história desempenham, funcionou muito bem. Parabéns pela sua bela historia, meu abraço.

  10. Estela Goulart
    9 de setembro de 2019

    Resumo: Hugo está desolado com a vida que se fora e com o passar dos anos. Sozinho, encontra uma miniatura da cidade onde mora e relembra todos o seu passado. Decide então dar vida a bonecos (acho) e se projetar para ela. No entanto, descobre que mexeu no fluxo temporal.

    Uma história fascinante. No início, o leitor fica confuso em descobrir qual o tema. Onde está a ficção? Se fosse sabrinesco, concordo que seria muito forçado. Seria ridículo. O modo como você conta a história é de total suspense e leveza. Mas então surgem os conceitos científicos, e isso deixa a desejar só em um aspecto: você poderia ter mencionado que Hugo era cientista ou entendedor. Não dá credibilidade ele saber tanto sem mais nem menos. Mas o que entendi da história é bem legal. Eles viveram como bonecos de cera? A parte de Hugo com o irmão e com a mulher foi muito inteligente no conto. Seria ele uma ironia no âmbito religioso com o âmbito científico?

  11. Elisabeth Lorena Alves
    8 de setembro de 2019

    Espectros da Salvação (Fontes)
    Conto Ficção científica
    Resumo. Um viúvo usa de seus conhecimentos para criar um mundo paralelo à realidade para reviver sua história de amor com a esposa morta há muitos anos.

    No plano de ideias, o Conto é Heidegger puro. Ou excessivamente heideggeriano. Esses avatares são lançados ao mundo – Santa Luzia – sem pedido prévio, sem motivos pessoais, simplesmente existem. Ao acreditar que eles aceitarão sua existência limitada, Hugo está estabelecendo a ideia do filósofo que acredita que o homem faz seus projetos de vida pautado em suas próprias possibilidades-habilidades. Aqui, porém o projeto de vida é de Hugo, o “criador” dos receptáculos humanos e esses seres ou “não-seres” são uma espécie de bonecos manipulados, não por fios, obviamente, mas pelo desejo de seu “senhor”, para a sua felicidade. Para ele o que vale é sua vontade, as pessoas deverão adaptar-se a ela, pensa ele: “Porque normalmente as pessoas veem o que querem ver, ouvem o que querem ouvir e sentem o que querem sentir”.
    O fato de Lucas e Irene se amarem de forma secreta, encontra outro ponto heideggeriano, o confronto com o outro que interfere nos planos de felicidade desse “criador” e nele está a destruição do cientista. Ele torna-se o que os outros desejam, o traído, o ser que atrapalha a felicidade do irmão e da esposa, dois seres que ele ama. E ele é que sabe que essa é uma vida inautêntica, quer voltar para sua vida anterior, em que o seu envelhecer solitário e pontuado de lembranças – que ele manipula, se não fosse assim, nós já saberíamos da relação de Lucas e Irene antes.
    A ideia do homem que tem poder de criar e competir com um ser superior que ele nega, aparece na constatação apresentada pelo narrador: “Do alto também divisava o rio, correndo plácido logo abaixo. De certa forma, era onde sentia melhor sua onipotência, onde percebia mais intensamente os contornos de sua criação.” Hugo é um semi-deus que está resolvendo um erro do Divino, o extermínio da Morte.
    O Conto é pautado no Vocabulário. A rede de significados – malha semântica – é descritiva quando desenha a Santa Luzia recém criada. Observando as palavras podemos acompanhar a idealização dessa cidade-espectro: arquitetura predominante é vitoriana com requintes campesinos. Praça Principal > barbearia > liceu > coreto > igreja > prefeitura > leiteiro > vacas, galinhas e outros animais domésticos > carroça de verduras frescas > saudações espontâneas. Há outros elementos lexicais enriquecedores e que pontua também a idade aproximada de Hugo: rosto imberbe quando surge na nova Santa Luzia; relógio de madeira já não mais comum nos anos 80, por exemplo; empório termo que foi desaparecendo do meio urbano no início dos anos 80; calçada de pedras e hortaliças, também como marcadores de época.
    Por falar em tempo, o pulo entre o jovem imberbe e o homem casado se dá em uma forma elegante. Em um parágrafo ele paira entre a adolescência-memória e a descoberta do amor e no próximo está casado, posto no cenário interno bem marcado como sua casa, de corredor enorme: “Quando percebeu, estava sentado à mesa da cozinha. Diante de si, uma caneca de café repousava fumegante.”
    A introdução do processo de criação surgir depois do reencontro é muito bem colocada na narrativa, não aparece a ruptura de ideias, funciona como um flashback, sem realmente ser, o que dá uma qualidade maior para a narrativa. E de novo o uso vocabular ligado ao universo da Ciência e Engenharia é rico, bem desenhado para uso da narrativa, já que muito do que está posto é suposição científica. Ou seja, aqui não para descrever um ambiente e sim o processo de criação, o narrador cria e adapta um universo semântico próprio, usando palavras e frases tais como: ambiente celular básico – DNA > monoteases (?) – enzimas > eletrolíticos > cadeias de proteínas > citosol > reinserção > entropia > fisiologia > partículas microscópicas. De novo sua faixa etária é aventada com o uso de “campo santo” no lugar de cemitério.
    O retorno ao cenário familiar, com a bênção dos pais, também funciona perfeitamente. Assim como citar Buster Keaton (cinema) e Artie Shaw (jazz-clarinete-cinema) como representantes artísticos de uma época bem marcada – entre fins dos anos 20 e início dos 40.
    A idéia de rompimento quando da descoberta da dupla traição de Lucas e Irene e a menção metafórica de cinema e celulose também é interessante no plano dos significados. Assim como a ideia da retirada do seu próprio avatar da feliz Santa Luzia, com o processo de entropia acontecendo de dentro – idéia espectral – para fora – o plano real. Com sua saída o espectro de Lucas pode resolver sua situação entre Irene e Clarisse.
    Aqui a Auto Expulsão acerta na ideia da preocupação corrente de que “A vida após a morte jamais (deixará ou) deixara de ser um mistério fascinante.” E esse final é muito bem pensado pois ao se desligar no plano real, ele considerava que esse seria o caminho da sua morte, porém quando aqui Hugo volta de um morrer jovem para uma vida anciã, afinal, no plano de existência da espectral Santa Luzia ele está morto e seu retorno é uma espécie de reencarne. Reencarne que acontece como se ao transmigrado que sabe que tem algo depois da Morte, ou desse morrer no passado.
    Gostei da escolha dos nomes: Hugo é como o valor etimoĺógico de seu nome prediz: espírito, mente, razão e é esse ser em si mesmo que explica sua “eutanásia” ao final. Lucas, nome de origem greco-latina, tem a idéia de soberania, aquele que está sobre todas as raças ou ainda de iluminado, se agregarmos o significado hebraico e a personagem era/é assim: “Lucas não ficava atrás, especialista que era em duplo mortal”. Já Irene, que é o ideal de Paz e Amor de Hugo, em seu original, grego, significa mesmo paz, entretanto, dá nome ao furacão que em 2011 devastou parte dos Estados Unidos – devasta a vida do semideus santaluziense.
    Sobre o Conflito que se estende da descoberta da traição até a experiência da morte e cria um clima ambíguo que mostra que os acontecimentos podem não ser diferentes no rio: “ambos competindo, um jogo silencioso que ia muito além das habilidades na água.” (…) Ninguém sabia, a não ser ele próprio, como aquilo tudo deveria terminar. (…) Sabia onde ele estava, mas mesmo assim comportou-se conforme seu papel original, demorando, levando minutos preciosos até recuperar o corpo já inerte. Em tudo o narrador tenta nos enganar criando a saída perfeita para o triângulo amoroso entre os irmãos e a esposa do mais velho deles: a morte de Lucas. Possibilidade que não combinaria com o perfil de Hugo.
    A solução-conclusão do Conto é a prova da megalomania de Hugo, ele, percebendo que o mundo que criara ficaria bem sem sua presença, decide “que era o momento de oferecer a si mesmo em sacrifício, abandonando aquele plano existencial” e por amor, diz a si mesmo, já que através desse ato deverá “purgar os erros cometidos por quem mais amava (…)”. Aqui ele abandona momentaneamente seu papel de criador e torna-se o messias de seu mundo.
    O texto é muito bom. Mandou bem, Fontes. Sucesso.

  12. Paulo Luís
    4 de setembro de 2019

    Olá,Fontes , boa sorte no desafio. Eis minhas impressões sobre seu conto.

    Resumo: Um pretenso cientista ou mago? Reconstrói sua cidade em todos seus detalhes, em miniatura. Incluindo aí o ser humano reconstruído em forma de mine bonecos de cera que, por um processo químico dar-lhes vida. Para tanto recorrendo de material orgânico encontrados em cemitérios para assim, obter uma espécie de ressuscitação dos mortos?

    Gramática: A leitura flui tranquila, nada que a desabone. Apenas esta palavra “monoteases” me pareceu estranha pelo menos o dicionário me deu esta outra como a correta (monolepse).

    Comentário crítico: Uma trama entre a ficção científica e a ilusão alucinatória? Haja imaginação! O que não faltou ao autor, que numa alquimia imaginativa transferiu vida a bonecos de cera em miniatura, mas que, o esforço de dar verossimilhança aos fatos com uso de termos químicos/científicos não foram o suficiente para dar veracidade ao mirabolante enredo. E, para complicar um pouco mais, a descoberta da traição da mulher torna o desfecho mais hilário ainda. Entretanto, como exercício de como se viajar numa história, o conto tem suas qualidades.

  13. Elisa Ribeiro
    28 de agosto de 2019

    Olá autor! Que conto incrível! Invejinha de você. Queria ser eu a tê-lo escrito. Uma história cheia de emoção e muito criativa. Bom, as explicações científicas… Mas quem se importa com elas? O único problema que apontaria foi o desfecho um pouco corrido. Creio que tenha sido por conta do limite de palavras.

    Nota máxima! Parabéns pelo excelente trabalho! Um abraço.

  14. Fernanda Caleffi Barbetta
    19 de agosto de 2019

    Conto muito criativo, gostei da eia de recriar uma cidade e as próprias pessoas que viviam nela.Bem interessante. O texto é envolvente e interessante. Não gostei muito desta parte: “Lucas demoraria algumas semanas para se recuperar, mas sobreviveria. Cumpriria seu destino. Porque assim deveria ser.”, porque contraria o que realmente deveria ter sido, ou seja, o que aconteceu na vida real, o destino. Gostei do final.

  15. Espectros da Salvação

    Hugo é um homem em luto, sofrendo com o vazio deixado pela morte de Irene, sua esposa de longa data. Para se ajustar a essa realidade, ele cria um universo em miniatura que emula com perfeição a cidade de Santa Luzia dos anos 1920, onde viviam. Após estudar possibilidades científicas, embalado pela descoberta do DNA, Hugo faz incursões à cidade, incluindo o cemitério municipal, para colher amostras. Com esse material, ele recria, também em miniatura, avatares que reproduzem os mínimos detalhes daquelas pessoas e que interagem na mini Santa Luzia. Ele, inclusive, possui o seu próprio avatar. Nesse novo universo, ele pretende que tudo esteja permanentemente bem. Para isso, ele pretende evitar uma tragédia que afetou sua juventude, que foi a morte de seu irmão mais novo, Lucas, ao saltar numa pedra no rio da cidade. Tudo vai bem, até que ele vê um encontro de sua amada Irene e seu irmão, o que lhe faz desconfiar que possa ter ocorrido um caso entre eles – afinal, os avatares reproduzem o comportamento de suas personas originais. O fatídico acidente ocorre e Hugo, apesar da desconfiança sobre a relação entre sua esposa e seu irmão, salva Lucas. Mas diante de toda a perfeição daquele universo criado, Hugo conclui que sua presença não é mais necessária, decidindo dar fim a sua existência.

    História bem criativa e com boa narração. Uma boa ficção científica é aquela que traz elementos imaginados, até irreais, mas com um enredo que não deixe de refletir sobre nossa sociedade. Acredito que a história tem boas questões, lidar com o luto é algo pelo qual todos passamos e que muitas vezes é uma experiência definidora na trajetória de cada um. Por coincidência, meu conto desse desafio também lida com esse assunto, mas uma solução “tecnológica” diferente – e eu passo longe de ter a habilidade do (a) autor(a) de “Espectros da Salvação”. Enfim, o conto é muito bem construído. Talvez não fique muito claro a forma como Hugo revive as experiências através de seu avatar, mas pode ter sido falha minha na leitura.

    Originalidade: 5
    Domínio da escrita: 5
    Adequação ao tema: 5
    Narrativa: 4
    Desenvolvimento de personagens: 4
    Enredo: 5

    Total: 4,7

  16. Evandro Furtado
    14 de agosto de 2019

    A história de um homem que recria seu mundo perfeito, trazendo de volta entes queridos mortos incluindo seu irmão e sua amada (que ele descobre, mais tarde, tem um affair).

    A narrativa é extraordinária, demonstrando que o/a autor/a tem um claro domínio da escrita e plena consciência do que quer alcançar. É capaz, dessa forma, de transmitir ao leitor os sentimentos do personagem principal. As descrições de seus sentimentos são precisas. Da mesma forma, a composição do mundo é muito bem realizada, tornando natural os “absurdos” narrados. A única pequena falha se encontra no final, um tanto abrupto e desconexo do restante do texto, onde as coisas acabam tornando-se um pouco confusas.

  17. Luis Guilherme Banzi Florido
    14 de agosto de 2019

    Boa tarde, amigo. Tudo bem?

    Conto número 22 (estou lendo em ordem de postagem)
    Pra começar, devo dizer que não sei ainda quais contos devo ler, mas como quer ler todos, dessa vez, vou comentar todos do mesmo modo, como se fossem do meu grupo de leitura.

    Vamos lá:

    Resumo: homem perde esposa, não se conforma e cria um novo mundo, onde ele, a esposa e os amados viveriam uma vida perfeita. Porém, a realidade se repete, mas o homem decide mudar sua atitude, agindo como um “espectro da salvação”.

    Comentário:

    Uau, excelente! Parabéns!

    Gostei muitíssimo do enredo, que é coisa de profissional. O crescimento do personagem, e como a história vai se revelando lentamente, até termos toda uma história bem elaborada diante de nossoss olhos, foi algo incrível.

    Quero dizer, você não precisou despejar tudo de forma explícita. A revelação de que, na vida real, ele fora “co-responsável” pela morte do irmão, após ter descoberto o caso dele com a amada, e a subsequente morte por depressão dela, foi bombástica.

    Essa ideia de que não adianta tentar transformar a realidade, e sim transformar seu próprio comportamento diante da realidade, foi a cereja no bolo. O desfecho, então, foi primoroso.

    Tenho feito comentários super longos, mas sinto muito, o seu vai ser meio curto, pq nem tenho muito o que dizer. Só digo que queria ter escrito esse conto, pois ele diz muito sobre minha visão de mundo, além de ter um enredo magistral e brilhante.

    Parabéns!

  18. Contra-analógico
    13 de agosto de 2019

    Sinopse: O que Hugo mais desejava era rever a esposa, seu irmão mais novo, o Lucas, e mais uma vez reviver uma vida feliz com seus familiares e amigos. Entretanto, a existência só nos permite experimentar a vida apenas uma vez. E como tudo é devir, recriar um mundo para si parece não ser uma hipótese tão ruim quando se quer materializar as memórias, mas a que preço?

    Comentários: A obra nos prende atenção devido a sua descrição de cenário, nos sentimos transportados para as paragens de Santa Luzia. Os conceitos científicos além de serem bem aplicados são colocados de modo assertivo, sem nenhum didatismo, pontos para o autor. Temos aqui o complexo de demiurgo, muito bem explorado pelo autor. Gosto de como o conto se desenvolve e termina. Veja essas pequenas sugestões de correções: remanescências, use reminiscências; a de seus eus originais, faltou uma crase; não celulóide e sim celuloide; auto-suficiente, autossuficiente; Isso entretanto; Isso, entretanto.

    Notas de Contra-analógico:
    – A Bruxa: 1,0
    – A Hora Certa de Dizer “Eu te Amo”: 4,5
    – A Obradora e a Onça: 3,5
    – Às Cegas: 3,8
    – As Lobas do Homem: 3,0
    – De Forma Natural: 2,0
    – Espectros da Salvação: 3,5
    – Folhas de Outono: 2,0
    – Humanidade: 4,0
    – Love in the Afternoon: 3,0
    – Neo: 2,5
    – O Buquê Jamais Recebido: 2,5
    – O Dia Em Que a Terra Não Parou: 1,0
    – O Touro Mecânico: 2,0
    – Poá: 2,0
    – Rosas Roubadas: 1,5
    – Show Time: 5,0
    – Sob um Céu de Vigilância: 4,0

    Contos Favoritos
    Melhor técnica: A Hora Certa de Dizer “Eu te Amo”
    Mais criativo: Show Time
    Mais impactante: Show Time
    Melhor conto: Show Time

  19. Pedro Paulo
    11 de agosto de 2019

    RESUMO: Hugo não consegue lidar com a morte da esposa e com o passado distante ao qual suas vidas juntos pertencem. Então ele se incumbe de refazê-lo, engenhosamente reconstruindo a cidade em que viviam e os seus moradores, com uma pesquisa meticulosa para que pudesse ressuscitar vida em seu paraíso fabricado. A triste descoberta de que a esposa, reproduzida à semelhança de sua verdadeira pessoa, o traía, o faz perceber que seu paraíso sucedia à parte dele, não por conta dele. Salvando o irmão da morte que já conhecia, escolheu abandonar a própria criação, tal como deixara a vida real.

    COMENTÁRIO: Comovente. O conto toca em temas interessantes que são comuns à ficção científica e, em verdade, às considerações éticas sobre o avanço da tecnologia. O que é realmente uma vida e o quanto ela depende da pessoa que a tem? Estaria Hugo sendo justo ao devolver vida àquelas pessoas ou seria puro egoísmo de sua parte? Afinal, não só a cidade havia sido uma obra de fina engenharia, mas também a própria história em torno dela e de seus moradores. As pessoas acreditam no que querem acreditar; e não seriam muito imaginativas. Viveriam segundo si mesmas, mas, primeiramente, de acordo com o paraíso idealizado por Hugo, fruto de sua própria felicidade. Os dilemas morais, por si só envolventes, atingem o clímax quando se percebe que a perfeição pensada por Hugo não era tão perfeita assim, forçando o personagem a uma escolha. Sua decisão age como uma redenção, um altruísmo que o exime do egoísmo que jazia implícito em todas suas atitudes ao longo da leitura.

    A escrita é sublime, os sentimentos entremeiam as ações e cada momento é importante à leitura, inclusive aqueles dedicados à exposição. Neles, ficamos sabendo da lógica científica por detrás da cidade (que não entendi nada, mas e daí?) e, simultaneamente, ao esforço da personagem em fazer valer a sua obra, demonstrando o quão perdido ele estava. A virada, quando se descobre o adultério, é também surpreendente e verdadeiramente contundente, mudando o significado daquele lugar de um paraíso e a um inferno, uma espécie de tormento essencial. Até então, o autor foi cuidadoso em inserir na personagem um sentimento muito forte de certeza do que estava fazendo, de modo que o choque é sentido também pelo leitor e a decisão, verdadeiramente significativa para o desfecho.

    Parabéns!

  20. Antonio Stegues Batista
    7 de agosto de 2019

    ESPECTROS DA SALVAÇÃO
    Resumo:
    É a história de Hugo, um homem engenhoso que constrói uma cidade em miniatura, igual a cidade onde nasceu e conheceu sua falecida esposa. Ele cria bonecos correspondente aos antigos habitantes da cidade, a esposa e o irmão falecidos, e lhes dá vida por um processo eletroquímico. Ali ele também se instala e vive como se estivesse vivendo no passado. Mas ao descobrir que a esposa o traiu, prefere morrer.

    Comentário:
    Achei o enredo muito bom, original. Escrita, construção e frases e ambientação, tudo perfeito. É um enredo bem engenhoso, a criação da cidade em miniatura, dos bonecos, dando-lhes vida e de certa forma, voltando no tempo da antiga Santa Luzia. O personagem também poderia ter trazido à vida as pessoas falecidas como fez o doutor Victor Frankenstein, mas não seria tão romântico como da forma que fez o personagem nesse conto, é claro. Só não gostei do final, pois esperava algo mais surpreendente. De qualquer forma, um bom conto.

  21. Higor Benízio
    4 de agosto de 2019

    Hugo, após perder a esposa recria a cidade onde se conheceram em forma de maquete, mas uma maquete viva, onde ele e as pessoas, recriados em miniatura, poderiam viver felizes para sempre.

    Gostei da ideia, gostei do plot com a Irene, apesar de eu achar que poderia ter mais um, começando o conto dentro da maquete e revelando as coisas só no final, ao invés daqueles engenhos todos; a escrita não compromete também. Bacana, o melhor que li até agora.

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Publicado às 1 de agosto de 2019 por em Liga 2019 - Rodada 3, R3 - Série A e marcado .
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