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Detox Literário.

Garrincha e o Mundial de 1962 – Clássico (Mario Filho)

Santiago, segunda-feira

Quando os brasileiros voltaram a campo, Garrincha se sentiu assim, alvo de todos os olhares. Fotógrafos chilenos, os que iam ficar atrás do goal de Gilmar, correram para bater-lhe poses especiais.

– Un momentito, Garrincha.

Garrincha parou, deixou que o fotografassem. Jogar no scratch brasileiro é uma responsabilidade muito grande, pensava Garrincha. Se Pelé estivesse jogando seria melhor. Mas Pelé não joga e a responsabilidade é muito grande.

A cada passo que dava Garrincha, aparecia um novo fotógrafo.

– Un momentito, Garrincha.

– Eu já bati mais de dez fotografias – lamentou-se Garrincha.

– Un momentito solamente.

Garrincha conformou-se. Já estava do outro lado do campo, na posição dele. Quando o fotógrafo que ele julgava que fosse o último deu-lhe as costas, Garrincha fez o sinal da cruz e rezou. Sentia o peso da responsabilidade. Nunca sentira tanto peso sobre os ombros. E tenho sete filhas, passou-lhe num relâmpago.

– Un momentito, Garrincha.

Era outro fotógrafo.

Pelé se lembrava ainda de Garrincha se persignando. Aquilo lhe deu certeza da vitória do Brasil. Com o Mané assim o Brasil ganha. E o Mané está achando que fez pouco, que é preciso fazer mais.

Landa tinha dado a saída. A bola estava com Toro, Toro esticava um passe para Leonel Sanchez, Leonel Sanchez devolvia a Toro na direita, Nilton Santos estourava com Toro. Aposto como o juiz vai dar foul de Nilton Santos. Dito e feito. Pelé detestou o juiz peruano com nome de japonês. Quer agradar os chilenos. Toro chutava fora, enquanto se prolongavam as vaias aos brasileiros.

E lá vai Mané. Pelé ouviu as batidas do próprio coração. Rodriguez, driblado por Garrincha, não teve dúvida: meteu-lhe o pé. Como apanha o Mané! Pelé recordou que também apanhava em jogo. Eu reajo e o Mané não reage.

Didi não chutou, estendeu a bola para Garrincha que avançou. Antes que chegasse à linha de fundo, Rodriguez atropelou-o e atirou a bola para a linha de fundo.

Garrincha ajeitou a bola, Pelé imaginou-se em campo esperando a bola altapara um goal de cabeça. O chute de Garrincha veio alto, um pouco atrasado.

– Meta a cabeça Vavá! – Pelé estava de pé.

Vavá pulava e metia a cabeça na bola enquanto Pelé saltava, dando murros no ar.

– Goal! Goal!

……………………………………….

Publicada originalmente no Jornal dos Sports, durante a Copa do Mundo de 1962

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3 comentários em “Garrincha e o Mundial de 1962 – Clássico (Mario Filho)

  1. Fabio Baptista
    8 de junho de 2018

    Gênios assim, nunca mais.

  2. Eduardo Selga
    6 de junho de 2018

    O jornalista Mário Filho constrói este texto não a partir de um conceito, por assim dizer, canônico da literatura, com grande elaboração formal. Ao contrário, junta ao literário muito da principal caraterística do discurso jornalístico: a pretensa objetividade, entendida como ir ao ponto em linha reta, sem fazer curvas.

    Curiosamente, o resultado é apenas aparentemente objetivo e muito eficaz enquanto literatura. Ao transformar Garrincha e Pelé em personagens ficcionais (pelo fato de fazerem parte de um texto de ficção), eles perdem em certa medida sua referência no real (o Garrincha e o Pelé verdadeiros) e ganham outra dimensão. Nesse processo, eles passam a ser o Garrincha e o Pelé que cada leitor e torcedor da época guardava em seu coração e em seu imaginário, que não necessariamente correspondia aos fatos, na medida em que figuras públicas projetam imagens de si. A ficção, portanto, reinventa o real.

    Seja o seguinte trecho: “E lá vai Mané. Pelé ouviu as batidas do próprio coração. Rodriguez, driblado por Garrincha, não teve dúvida: meteu-lhe o pé. Como apanha o Mané! Pelé recordou que também apanhava em jogo. Eu reajo e o Mané não reage”. Digamos que Mário Filho tenha captado depoimento de Pelé com esse conteúdo e transformado em texto literário. De quem é a voz a afirmar “Pelé ouviu as batidas do próprio coração”? De um narrador criado por Mário a partir do depoimento de Pelé? Pode ser, mas não parece a voz do próprio Mário? Todo o trecho é assim, meio híbrido. Quem à época era fã do Edson Arantes do Nascimento, como não ficar ainda mais?

  3. Regina Ruth Rincon Caires - Caires
    5 de junho de 2018

    Eita, Mário! Que família! Falando sobre o passarinho… ❤

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Publicado às 5 de junho de 2018 por em Clássicos, Copa do Mundo e marcado .
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