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Detox Literário.

Desterrados (Regina Ruth Rincon Caires)

Daud não conheceu o bisavô, mas, alinhavando as velhas fotos com todas as prosas ouvidas sobre ele, criou uma memória próxima muito estimada, justa. Semelhante ao avô e ao pai. Homens fortes e gratos, resignados e serenos. Todos traziam alma errante, fruto de um êxodo sem trégua. O bisavô imbicou para aquelas bandas quando conseguiu sobreviver e fugir do gueto em terras polonesas durante as atrocidades do holocausto. A fuga durou anos até chegar ao novo continente. E o lema da família, desde então, sempre foi: amar e ser grato à terra que te recebeu e te alimentou. E, eternamente, todos foram gratos.

De início, tudo foi paz. A acolhida, ainda que discreta, foi generosa. O território pertencia a todos e a convivência era razoavelmente pacífica. Tempo abonançado. A saga familiar naquele território não causou sofrimentos intransponíveis. Houve, sim, turbulências, mas tudo seguiu costumes, comportamentos ponderados. Até mesmo o ofício foi continuado. Os homens comerciavam tecidos, as mulheres costuravam. As encomendas de costura quase sempre vieram dos clientes da loja. Renda pouca, mas cobria a sobrevivência sem apuros. Moradia própria, abençoada em todas as rezas. Gente que carregava no peito a boa energia de iniciar, de persistir. Todos buscaram tão somente o sustento, o teto, a paz. Na família nada mudava o traçado, nunca houve desistência, nada de rebeldia.

Enfrentaram certa peregrinação dentro do país. Desde o início, a família precisou acompanhar algumas alternâncias de mandos, de divisões de espaço. Houve a criação de um novo Estado, as intifadas, guerra, a organização de grupos insurgentes que viviam no limite do extremismo, a construção de muros, as mortes. E sempre atravessaram obstáculos de maneira equilibrada.     

Mas tudo mudou radicalmente desde aquela madrugada de outubro. Já era quase dia quando Daud acordou em meio ao caos de bombardeios. Demorou a compreender toda a seriedade da situação, a gravidade do revide e, pior, não imaginava a realidade tenebrosa que estava sendo delineada.

Era filho único, assim como o pai, o avô e o bisavô. Família pequena, gasto pequeno. Contrariando a caravana, Daud tinha dois meninos e, meses antes do ataque, Hamda havia confirmado a terceira gravidez. Para ele foi uma alegria ímpar, talvez viesse a menina dos sonhos.

E, a cada dia, as bombas estouravam mais próximas. Das explosões resultaram ruínas assustadoras, as mortes eram incontáveis. Não houve saída, eles precisaram abandonar a casa, o comércio. Daud fechou tudo com muito cuidado, colocou travas nas portas, nas janelas, cobriu meticulosamente a mercadoria da loja. Em pouco tempo as malas estavam prontas, mochilas nas costas. Na bagagem, poucas trocas de roupa, mantimentos, todo o dinheiro que possuíam e a esperança de que tudo estaria resolvido em pouco tempo. Não demorariam a retornar. E, assim, seguiram a orientação dos governantes, a rota seria o sul, sempre para o sul. 

Caminharam em comitiva com a vizinhança. Em passos curtos, apesar do temor. A jornada seria longa e a fragilidade das crianças, a falta de ligeireza dos idosos, tudo colocava ritmo afrouxado no andar. A mãe foi a mais trabalhosa a se convencer da partida. Desde a morte do marido, começou a apresentar traços de letargia, confusões mentais. Gostava de cozinhar, mas deixava o fogo aceso a qualquer tempo. Queimava comida, salgava. Não mais costurava com destreza, deixava tudo pela metade, isolava-se. Pior ficou quando, ao menor descuido, fugia de casa e danava a andar sem rumo, sempre a gritar. Berrava por horas seguidas. Gritos tão estridentes e continuados que não demoraram a levá-la a uma rouquidão crônica.

Caminharam por dias seguidos e aportaram em um acampamento erguido na área de um hospital. Lá seria local sem risco, estariam protegidos das bombas. Apesar de ainda restar pequena reserva de mantimentos, os voluntários serviam sopa duas vezes ao dia. A água era escassa. Nada de banho, nada de lavar. E o tempo apenas servia para observar, nada a fazer que não fosse esperar. Esperar as bombas, a destruição, o novo susto, esperar ajuda. Entre as crianças, dentro da limitação, ainda havia minutos de brincadeiras. As doces risadas soavam como alento. Por segundos, elas despertavam o ânimo, tentavam acordar a alegria.

Conseguiram apenas um colchão. Assim, as crianças e as mulheres descansavam à noite e Daud sentava-se ao lado, encostado na parede lateral do hospital. Com os braços sobre os joelhos dobrados, acomodava a cabeça para tirar uns cochilos. Por incontáveis vezes, com o corpo tombando de lado, os cochilos acabavam em sobressaltos que lhe traziam aquela sensação do despencar num precipício. Passava horas olhando as crianças dormindo, olhando a silhueta da mulher que mostrava uma saliência crescente e acentuada na barriga. Ela dormia com as mãos sobre o ventre, sinal de proteção. Ou de prece.

E, numa noite, Daud percebeu um zunido ao longe, parecia um assobio. O ruído rapidamente ficou agudo, próximo, e sem tempo para raciocinar eclodiu uma explosão tamanha que converteu aquela noite fria num pedaço do inferno. A sensação foi de que os tímpanos haviam estourado e que os miolos voaram pelos ares. O calor medonho que emanava daquela bola de fogo fazia com que o suor instantaneamente jorrasse por todos os poros, e que a roupa grudasse no corpo parecendo que todos estavam sob uma chuva fervente e ácida. O ardume na pele, nos olhos, o cheiro de chumbo, a fuligem que cobria a visão, tudo retratava o inferno. E, ainda mais apavorante, somavam-se os berros de dor, a gritaria alucinada, os pedidos de socorro, o horror estampado nos rostos dos sobreviventes.

Hamda abraçou os meninos e saiu correndo em busca de ar, estavam sufocados. Daud segurou a mãe pelo braço e a arrastava tentando acompanhar a esposa. A mãe, completamente desarvorada, com olhos esbugalhados, gritava sem ser ouvida. Quando conseguiram sentir o frescor da noite tocando a pele, jogaram-se no chão. Exaustos, descontrolados. Observavam de longe as labaredas de fogo que iluminavam o céu. Aninharam-se esperando o amanhecer. No trajeto da volta ao acampamento, os olhos captavam horrores nunca imaginados. Corpos espalhados entre pedras, alguns já cobertos e outros ainda expostos, mutilados. Tudo virou sangue e morte. Vivos, com membros amputados ou dilacerados, gemendo, gritando, delirando. Todos sós, sem ninguém a socorrer. Perdidos.

Se pudesse, Daud queria ter privado os olhos dos filhos de testemunharem tamanha monstruosidade. Impotente, apenas chorava calado enquanto caminhava. Os passos de todos eram lentos, cuidadosos para desviarem das pedras e das partes de corpos ensanguentadas espalhadas em toda a extensão que as vistas alcançavam. Crianças, muitas crianças sem vida, muitas com vísceras expostas, rostos desfigurados.

Quanto mais próximo à área do hospital, mais forte o som dos lamentos, dos choros, dos gritos. Realidade inimaginável para qualquer humano. Insana, diabólica. A cratera aberta no centro do terreno engoliu todas as barracas que estavam a céu aberto, e ainda havia fogo e muita fumaça brotando daquele buraco imenso. No entorno, nada de colchões, de malas, de bagagem. Tudo sumiu. Se não consumido pelo fogo, decerto levado pelos sobreviventes.

Desesperados, ainda ficaram lá por mais três dias, mas foram obrigados a seguir caminhada diante do cheiro de morte vindo dos corpos decompostos escondidos entre as ruínas.  As crianças choravam de fome, não havia mais sopa a ser distribuída.

Na retomada da andança, Daud observava os companheiros de infortúnio. Gente que parecia espectro ambulante, descarnada, roupas imundas e esfarrapadas, pés descalços feridos, calçados imundos, cabelos e barbas ensebadas. Pessoas esquálidas, sedentas, esfomeadas. Mas o sofrimento maior nascia quando colocava os olhos nos seus. Os meninos e a mãe com roupas enfezadas, urinadas. Hamda cada dia mais abatida, pálida. No sol escaldante, o corpo clamava por banho, por descanso. Mas ninguém podia parar; andar para o sul era a única chance de viver.

E foi assim que Daud sentiu, pela primeira vez, o desconforto da revolta. Ele nem compreendia o que estava sentindo. Brotava no peito uma vontade incontrolável de gritar, de esmurrar, de machucar, de xingar, de chorar. Era mais que revolta, era raiva, era ódio. Malditos insurgentes que atacaram e mataram aqueles inocentes, malditos soldados que revidaram ao ataque matando tantas pessoas que não tinham culpa alguma. Pela primeira vez rechaçava a gratidão por aquela terra. Maldita terra que tão pouco lhe dera, malditos governantes que lhe limitaram tantos direitos por tanto tempo, malditas leis que lhe cercearam o direito de ir e vir. Malditos, malditos, só sabiam repetir: caminhem em direção ao sul, ao sul, sempre ao sul…

Enquanto seguia, Daud lutava contra esses sentimentos. Urrava por dentro, a alma chorava. E o enraivecimento só aumentava a cada trecho caminhado. O cansaço, a fome e a sede só faziam aguçar a ira. O que lhe dava força para continuar ficava por conta de olhar para os meninos. Pequenos guerreiros. Não reclamavam, arrastavam-se sedentos, não pediam colo. A água de beber era escassa e os meninos dosavam, conscientemente.

Poucos dias depois, chegaram a Rafah. Chegaram ao sul. Fim do caminho a vencer. Como não havia barraca disponível, ajeitaram-se nos arredores. Receberam uns cobertores e pratos onde seriam colocadas as refeições distribuídas no centro do acampamento. Privadas coletivas e imundas. Banho, nem nos sonhos! A água, apenas para beber, era racionada e a torneira incessantemente vigiada. E as longas noites de vigília continuavam. O martírio. Esperar, esperar…

De início, Daud ficava imaginando como estariam a loja e a casa. Se os prédios resistiram aos ataques, se seria possível retornar um dia. Mas, agora, nada importava. Ele percebia que nem mesmo Hamda imaginava um futuro. Era silenciosa, sem queixa, sem choro. Impassível, indiferente. Passava tempo agarrada aos meninos, a sussurrar melodias. Logicamente pensava na criança que carregava no ventre, em como seria o outro dia. Mas não dizia. A mãe, figura triste. Vivia espantando as moscas, olhos arregalados, boca aberta seguidamente num grito murmurado.

Semanas no mesmo cenário, desesperançado. As crianças não mais brincavam, apenas andavam um pouco quando buscavam a comida servida pelos voluntários. Daud insistia para que chutassem bola com os colegas, mas não se empolgavam. E comiam pouquinho, feito passarinhos. Temiam a noite. Certamente porque, no silêncio, o barulho das bombas ficava ainda mais aterrador.

E vieram as noites chuvosas, situação desesperadora. Sem abrigo, ao relento, procurando marquises. Os meninos tiritavam com as roupas molhadas, mas não reclamavam. E isso era o que mais doía, a resignação. Se pudesse, Daud queria fazê-los insurgentes, queria que eles gritassem, que se indignassem, que chorassem. Impossível. Mesmo que quisessem, que sentissem vontade, em respeito ao pai os meninos nunca se rebelariam. Precisavam ser mansos, precisavam amar e serem gratos à terra que os abrigava e os alimentava.

Acocorado, olhos secos e perdidos no nada. Fazia tempo que o claro da manhã o pegava daquele jeito. Os pontos de luz que ainda cruzavam o céu e se tornavam bolas de fogo quando tocavam o chão não mais lhe traziam pavor, não lhe retesavam um único músculo da face. Ausente, indiferente, petrificado. Nem mais os pensamentos vagueavam, e as rezas tornaram-se inconstantes. Daud estava destroçado, absolutamente descrente. Não haveria ajuda, não haveria continuidade, não haveria novo começo. Todos lá estavam jogados à própria sorte. Era apenas um mar de gente sem destino, sem esperança. Nem mesmo a proximidade do Natal o animava. Nada era próximo, o mundo se distanciara, a insanidade havia tomado conta de tudo.

Fazia dois dias que os meninos ardiam em febre, não conseguiam comer nada e apenas sentiam sede intensa. Muitas crianças do acampamento apresentavam os mesmos sintomas, a doença estava espalhada. Medicados com as gotas que os enfermeiros indicaram, naquela noite os meninos dormiram mais sossegados, e, assim, Hamda conseguiu relaxar um pouco, adormecendo profundamente. De maneira admirável, a mãe mostrava um semblante calmo, não havia aquele pavor costumeiro de olhos esbugalhados, a boca permanecia fechada. E, depois de passar as mãos na cabeça de Daud, gesto que não fazia há muito tempo, ela esticou o corpo sobre o cobertor e logo estava ressonando. Uma noite calma. Assustadoramente calma. Até mesmo o peito de Daud parecia serenado.   E a madrugada já ia alta quando o assobio ecoou. Sem que houvesse tempo para raciocinar, o clarão inundou tudo. O fogo iluminou o céu. Não houve grito, não houve choro. Caso tenha havido, nenhum deles escutou. Era o fim do desterro. Seguindo o comando, eles chegaram ao sul, nas fronteiras trancadas, nos muros de execução. Porteiras fechadas.

Sobre Fabio Baptista

24 comentários em “Desterrados (Regina Ruth Rincon Caires)

  1. claudiaangst
    10 de março de 2024

    Misericórdia, que conto! Difícil de ler de tão verossímil, impossível de largar por ser tão bem escrito. Palavras bem escolhidas, verbos selecionados para darem função inesperada.

    Não sei se foi assim com os outros leitores, mas eu me senti puxada para dentro da terrível cena, me vi perdida, tentando fugir do absurdo de uma guerra sem fim. A esperança no ventre de Hamda, nos olhos das crianças, tudo pouco a pouco se apagando. E o beco sem saída, o fim anunciado e denunciado de qualquer rastro de humanidade.

    Que triste, que real, que … não há palavras para denominar o que já nem cabe como sentimento.

    Não me coube avaliar este conto, mas se tivesse ficado na minha lista de obrigatórios, teria me arrancado meu único 10 (e lágrimas). Parabéns.

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      10 de março de 2024

      Nossa Senhora, nem sei o que dizer… Obrigada, muito obrigada! Foi o toque que faltava pra desabar em lágrimas. Estava, aqui, engasgada com a aparição de Al Pacino no fechamento do Oscar. Obrigada, Claudinha – minha revisora-mor! Deus lhe pague!

  2. Pedro Paulo
    9 de março de 2024

    RESUMO: Daud e sua família peregrinam no sentido contrário da guerra, mas não rápido o bastante.

    COMENTÁRIO: Conto fenomenal. Confesso que torci o nariz para o começo, quando a família é caracterizada em torno de um valor específico, foi o que achei mais fraco no texto, pareceu-me artificial, muito perfeitamente condizente com um arquétipo de imigrante/refugiado, despersonalizado. Apesar desse aspecto, o restante do texto se dedicou a acompanhar a diáspora dos refugiados pelos olhos do protagonista, um pai de família. O foco recai sobre os sentimentos dele, ignorando qualquer traço de personalidade a mais do que uma repetição do mantra familiar. Mas a leitura revela isso como uma escolha comedida da autoria, um bom proveito do espaço disponível pelo limite de palavras. Entrar em contato com os sentimentos do personagem reforçou a nossa empatia não por gostarmos dele especificamente, mas por entendermos a injustiça e a indignação da sua situação, a revolta contra o inevitável. É aí que, aproveitando-se do cenário típico habilmente construído no começo, a verossimilhança da situação ganha força e a experiência do protagonista parece incorporar o desolamento de todas as guerras, inclusive daquelas que acontecem enquanto temos o privilégio de dispor um tempinho das nossas vidas ao exercício de escrita e leitura. A abordagem do tema é pela negação do tema, está na esperança do recomeço e a sua brusca rejeição. Muito bom!

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      18 de março de 2024

      Pedro Paulo, obrigada pelo comentário tão abrangente e tão cuidadoso! Muito obrigada! Abração…

  3. Priscila Pereira
    8 de março de 2024

    Olá, OZ! Tudo bem?

    Seu conto não está na minha lista de obrigatórios então não poderei avaliá-lo, mas mesmo assim quero deixar meu comentário.

    Que conto triste e desesperançoso… E pior ainda sabendo que é a realidade.

    O conto está bem escrito e muito bem ambientado, dá quase para ver toda a destruição e caos, o que torna muito difícil de ler.

    Os personagens foram retratados de forma sensível e verossínil.

    Não tem muito o que dizer, o conto é muito bom e conta uma história necessária.

    Parabéns!

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

    • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
      18 de março de 2024

      Obrigada, muito obrigada pela leitura! Parabéns pela vitória! Abração…

  4. Fernanda Caleffi Barbetta
    7 de março de 2024

    Texto lindo, forte, triste. Muito bem escrito, me colocou no cenário, senti o sofrimento e presenciei as dificuldades. Final incrível. Ótimo conto. Parabéns.

    Gosto da sua escolha por verbos mais específicos, exemplos: “alinhavando as velhas fotos” / “O bisavô imbicou para aquelas bandas” / elas despertavam o ânimo, tentavam acordar a alegria.

    Várias construções muito boas. Alguns exemplos: “Renda pouca, mas cobria a sobrevivência sem apuros.” / “Família pequena, gasto pequeno”/ Em passos curtos, apesar do temor / tudo colocava ritmo afrouxado no andar.

    Vamos às sugestões, que são apenas a minha opinião:

    “criou uma memória próxima muito estimada, justa. Semelhante ao avô e ao pai. Homens fortes e gratos, resignados e serenos.” – aqui, fiquei um pouco confusa. Do modo como está escrito, não seria “Semelhante à do avô e do pai”? Está se referindo à memória. Ou “Semelhante ao avô e ao pai. Homens fortes e gratos, resignados e serenos” está ligado a  “Todos traziam alma errante”? Parece coisa boba, mas trunca a leitura. Um novo parágrafo aqui ou uma pequena mudança resolveria isso.

    “E, eternamente, todos foram gratos” – eternamente? Mas chegamos ao fim para saber que foram gratos eternamente?

    “A mãe foi a mais trabalhosa a se convencer da partida” – talvez “de se convencer” faça mais sentido.

    Mais uma vez, a falta de um novo parágrafo ou uma ou duas palavrinhas para facilitar a leitura. “Não mais costurava com destreza, deixava tudo pela metade, isolava-se. Pior ficou quando, ao menor descuido, fugia de casa e danava a andar sem rumo, sempre a gritar”. Estava falando da mãe… quando começa com Pior ficou, a gente entende que ela ficou pior e não a situação.

    “Gritos tão estridentes e continuados que não demoraram” – poderia tirar o “que”

    “sem tempo para raciocinar eclodiu uma explosão tamanha” – parece que foi a explosão que não teve tempo de raciocinar.

    “A sensação foi de que os tímpanos haviam estourado e que os miolos voaram (voado) pelos ares.”

    “Exaustos, descontrolados” – descontrolados não me pareceu uma boa escolha.

    “cabelos e barbas ensebadas” – ensebados

    “Era mais (do) que revolta”

    “Se pudesse, Daud queria fazê-los insurgentes” – não entendi o uso do verbo querer. Já disse que se pudesse. Poderia ser “Se pudesse, os faria insurgentes…”

    “Nem mesmo a proximidade do Natal o animava” – achei estranho citar isso. Parece muito esperado que nesta situação, Natal não seria nem lembrado.

  5. Vladimir Ferrari
    6 de março de 2024

    Um relato muito bem escrito do desterro da guerra. Imagens tocantes para o leitor sentir na imaginação todo o horror de sentir-se “desconsiderado”. Mas, pergunto: onde está o recomeço? A caminhada para o inexorável destino está ali, cruel e verdadeira. Não vi o atendimento do desafio, apesar do belíssimo texto. Uma pena. Escreves muito bem.

  6. rsollberg
    5 de março de 2024

    Desterrados

    Fala,  Oz inho (não sei se foi uma referência ao Amos Os, mas me trouxe boas lembranças do Monte do Mau Conselho)

    Antes de tudo gostaria de deixar claro sou apenas um leitor entusiasmado e meus comentários dizem mais sobre gosto do que qualquer outra coisa.

    É uma história trágica e comovente, real e muito próxima de todos nós. A jornada de Daud é apresentada de forma dinâmica, com bastante fluidez e ágil. Impossível ficar indiferente ao drama tão verossímil. O autor nos transporta para o local singelo e honesto, nos faz viver a transformação, as misérias da aniquilação, da extermínio da dignidade humana e o genocídio de um povo.

    Ele é ágil, mas não apressado. Acredita na capacidade do leitor em preencher as lacunas. Cria imagens fortes para ilustrar todo o drama. O fim do desterro na última morada, no solo rubro. Apesar dos momentos mais gráficos, e necessários, o autor prima pela sensibilidade. Não há o choque pelo choque, o que acredito ser um grande acerto do escritor.

    Certeza que terão leitores que torcerão o nariz, reclamando da “politica” no conto. Eu apenas lamento por uma visão tão obtusa. Afinal, como diria Titio Aristóteles, o homem é um animal político. Não escrever sobre determinado tema é também uma escolha política, em amplo estrito. “Sartre já sinalizava, em um pressuposto existencialista que se consolidaria, o princípio que move a narrativa, por extensão a literatura, no qual o comprometimento está no movimento da própria vida. Se temos uma ação, essa é uma escolha; logo, essa responsabilidade nos faz ser políticos a todo o momento.”

    E como dizia o próprio Orwell, talvez um dos autores mais importantes da literatura, e obviamente entusiasta da politica “In our age there is no such thing as ‘keeping out of politics.’ All issues are political issues….” George Orwell

    Não falar de política é um ato político. É próprio por negação.

    Mario de Andrade dizia ser impossível um artista apolítico. Essa tal arte desinteressada, a arte pela arte, seria apenas mais um instrumento na mão do poder e do status quo. E o pior é que o escritor de boa intenção muitas vezes nem percebe tal fato.

    Dos escritores políticos desavergonhados podemos colocar todos os Russos. Também de Shakespeare a Roth. De Homero a Gabo. De Kundera a Tolkien. Há algo mais politico do que Miseráveis de Vitor Hugo, Por quem os sinos Dobram de Hemingway, O mestre e a Margarida de Bulgalov? Até o descomprometido John Grisham tá nessa, caras. Alguém ousa dizer que “tempo de matar” não é um manifesto politico?

    Obviamente, não podemos confundir com a pequena política, com o proselitismo ideológico, que ainda assim tem seu direito de existir, tá ai a Ayn Rand que não me deixa mentir.

    Peço perdão pela digressão, mas vejo nesse meu escape justamente mais uma qualidade desse conto. Fez-me refletir. Sou voto vencido, mas penso que é possível tirar muita coisa da literatura, inclusive o entretenimento.

    De todo modo, é um conto muito bem escrito e revisado. Tem um contexto aproveitado de maneira competente, e ainda permite subtramas como a condição da mãe do protagonista. Também levanta questionamentos, sem necessariamente apontar culpado fáceis.

    Em tempos que obviamente o Estado de Israel se comporta de maneira genocida, precisamos estar vigilantes porque o antissemitismo está sempre a espreita. Leio esse conto e leio “É isto um homem?” do Primo Levi… e há tanta semelhança.

    Sem mais delongas, parabéns pelo conto. O recomeço está presente apesar de injustamente findado.

    Grande Abraço

  7. Leda Spenassatto
    5 de março de 2024

    Desterrados (OZ inhos)

    Acabei de ler essa maravilha de conto que é o “Desterrados”

    Ele não faz parte dos obrigatórios para mim.

    Que fôlego, que coerência , que belezura de escrita você tem.

    Me cativou do começo ao final, aumentando ainda mais minha indignação com os homens que promovem as guerras.

    Parabéns, infinitos sucessos

  8. Fabio Baptista
    4 de março de 2024

    O conto narra a história de uma família que há gerações se vê obrigada a recomeçar e se refugiar dos horrores da guerra. Primeiro da segunda guerra mundial e agora da guerra Israel x Hamas (nomes não são citados nesse último caso, mas dá a entender que é isso).

    A técnica é muito apurada, com estilo próprio e uma grande desenvoltura pra conduzir a sequencia de tragédias sem se tornar repetitivo. A parte da trama, porém, acabou ficando muito simples… não há muito acontecendo aqui além de uma desventura atrás da outra, até a família chegar a um beco sem saída. Senti que estava lendo uma matéria de jornal. Escrita por um jornalista com o dom literário muito acima da média, mas, ainda assim, uma matéria de jornal. Gostaria de ter me aproximado mais dessa família, ter escutado alguns diálogos deles, me apegado e sentido o mundo começar a desabar.

    Apesar de não ter funcionado comigo, tenho certeza de que vai agradar muitos leitores.

    NOTA: 8

  9. Sílvio Vinhal
    2 de março de 2024

    Texto bem escrito, que revela maturidade. A história é densa, triste, pesada, e captura o leitor, que quer entender, ou, pelo menos, chegar ao desfecho, àquele sul, tão aguardado.

    A narrativa em terceira pessoa e o texto longo, tiram um pouco da força da escrita. Seria interessante que o autor buscasse, em alguns momentos, “mostrar mais do que relatar”, e tornasse mais complexa a dinâmica do relato, emprestando voz aos personagens, para que falem, também em primeira pessoa.

    Como se trata, aparentemente, de um autor experiente, talvez o texto esteja um pouco fora de contexto, ao ser analisado como conto, e sua estrutura se encaixe melhor em outro formato.

    Apesar de bem escrito, sinto a falta de uma estrutura dramática mais envolvente. Não basta relatar. A obra literária precisa entregar um pouco mais. Esse é o nosso desafio, deve ser nossa busca constante.

    Não consegui ver a relação com o tema, posto que o fim é trágico e definitivo para os personagens.

  10. Simone
    29 de fevereiro de 2024

    Aterrador. O parágrafo do meio deste conto, que descreve o bombardeio, a fuga dessa família, o desespero, a falta de esperança, de água, de tudo. Fiquei ansiosa pelo final, para ler que as crianças já estavam bem, mas creio que entendi um final trágico. Muito bem ambientado. Descrições que trazem angustia ao leitor. Um retrato do desespero, que infelizmente acontece. Quanto ao enredo, eu acho que poderia começar um pouco mais próximo da situação crítica. Por exemplo: “tudo mudou radicalmente desde aquela madrugada de outubro. Já era quase dia quando Daud acordou em meio ao caos de bombardeios. “ Iniciado aqui traria mais emoção ao texto logo em seu início. As informações da vida podem ser salpicadas em lembranças breves. Mas é só sugestão, porque gostei muito da leitura como está. Primeiro nós familiarizamos com os personagens e depois os vemos sofrer. Também é uma boa forma de organizar a história. Há também alguns momentos de escrita coloquial que contrastam com a voz usada no texto. Creio que esses morreram aos poucos, morreram no trajeto. Meus parabéns!!!

  11. Kelly Hatanaka
    26 de fevereiro de 2024

    Estou avaliando os contos de acordo com os seguintes quesitos: adequação ao tema, valendo 1 ponto, escrita, valendo 2, enredo, valendo 3 e impacto valendo 4.

    Adequação ao tema
    Não encontrei o tema. O texto não fala de recomeços, fala de um final.

    Escrita
    Excelente, muito bonita e correta.

    Enredo
    O conto narra as agruras sofridas por uma família de exilados, fugindo de uma guerra. É uma história triste e bem escrita. Porém, em alguns momentos, senti que a narrativa se arrastou um pouco.

    Impacto
    Uma história dolorosa. O impacto está na crueza da narrativa e no estado de espírito dos personagens.

  12. Mauro Dillmann
    25 de fevereiro de 2024

    Conto muito bem escrito, correto, revisado, perfeito.

    Narrado totalmente em terceira pessoa, com foco no personagem Daud, o conto segue uma lógica do início ao fim.

    A opção por frases curtas busca impactar, assim como a própria força da trama, tão contemporânea.

    O horror da guerra e da desumanidade está todo ali, quase um registro jornalístico.

    Parabéns! Esse conto merece ser publicado !

  13. Karina Dantas Nou Hayes
    25 de fevereiro de 2024

    O recomeço, pelo visto, só ficou na esperança perdida de Daud. Mas, também pudera. Depois de uma descrição tão exageradamente detalhada, de momentos tão sofridos, uma volta por cima só poderia ser esperada, se fosse dada por cima dos corpos ensanguentados espalhados por essa sempre maldita guerra.

  14. Karina Dantas Nou Hayes
    23 de fevereiro de 2024

    Descrição perfeita de cenas que mesmo aterrorizantes conseguem trazer uma mórbida esperança.

  15. Thales Soares
    21 de fevereiro de 2024

    Tenho muito o que comentar a respeito deste conto.
    Primeiramente, devo dizer que ele está escrito de forma soberba. Nota-se claramente que o autor não é nenhum iniciante, mas sim um mestre na arte da escrita. Não há erros de revisão, e o ponto forte do conto são as descrições, todas muito vívidas e ricas em detalhes. Apesar da densidade do tema abordado e da narrativa com bastante detalhes, ler esse conto não é uma tarefa cansativa, pois o autor é tão habilidoso que soube manter uma narrativa fluida do início ao fim.
    O conto mostra, de uma forma geral, o sofrimento e a resiliência dos personagens envolvidos em um ambiente de guerra. No entanto, a história peca por ser um apanhado de eventos trágicos sem nenhum momento claro de alívio. A história é 100% trágica do início ao fim. Acredito eu que história alguma deva ser 100% uma única coisa, caso contrário a mensagem que queremos transmitir não é capitada pelo leitor. Isso enfraquece muito a narrativa.
    Por exemplo, uma história 100% de terror, onda não há descanso por um segundo sequer, sendo feita na base de sustos, sofrimento e monstros a todo momento, acaba não sendo tão eficaz em sua proposta inicial, que é causar pânico… pois o verdadeiro terror encontra-se na alternância entre momentos tranquilos e momentos verdadeiramente assustadores. Nada é mais assustador do que estarmos num ambiente calmo, com aquele medo constante de que tudo aquilo seja engolido pelo pavor e horror a qualquer momento… é uma sensação angustiante que só funciona devido a esse contraponto do bom e do ruim.
    Em seu conto, você basicamente descreveu o inferno, mostrando tragédias e uma desesperança absoluta dos personagens. Mas acredito que seria muito mais eficiente se você fizesse esse contrapontos com momentos de falsa esperança, para que o leitor pudesse se deparar com a maior tragédia de todas: a morte da esperança. Aqui não dá pra dizer que a esperança foi destruída, pois ela não apareceu em momento nenhum da história.
    Outro fator que contribuiu para que eu não sentisse nada enquanto eu fazia minha leitura é que não houve muito esforço para se estabelecer uma conexão do leitor com os personagens. Talvez, se houvesse diálogos, ou mais momentos mostrando os pensamentos e ações dos personagens, eu me importasse mais com o Daud e sua família. Ver todas essas situações desesperadoras através dos olhos dele, ou focando mais na reação e sentimentos dos personagens, poderia tornar mais eficiente a tarefa de transmitir essa tragédia para o coração do leitor. Porém, da forma como foi feito, eu senti como se eu estivesse lendo uma notícia em um jornal, de algum país que está em guerra, com um punhado de vítimas.
    Outra coisa que me incomodou foi o fato de o escritor aqui ter ignorado completamente o tema do Desafio. Creio que temos de tudo aqui, menos Recomeço. O Recomeço, ao meu ver, está ligado com a esperança, coisa que não aparece em momento nenhum ao longo da história. Na realidade, a história parece se tratar de um fim, e não de um novo começo, sendo o completo oposto do que foi proposto neste certame.
    Pontos positivos:
    Escrita fabulosa, com ótimas descrições.
    Pontos negativos:
    Oportunidade perdida de fazer um contraste entre desespero e esperança.
    Ausência de conexão com os personagens.
    Falta de adesão ao tema Recomeço.

  16. Gustavo Castro Araujo
    20 de fevereiro de 2024

    Em dias como este, é preciso coragem para escrever um conto com essa temática. Isso porque atiça o que temos de mais arraigado em nós mesmos, nossos princípios, nossas crenças. A guerra entre Israel e Hamas, fruto do ataque terrorista do grupo islâmico, respondida de modo genocida pelo governo judeu, é aqui retratada pelos olhos de Daud e sua família, desterrados do próprio pedaço de terra a que um dia foram proscritos, conhecido como Faixa de Gaza. O(A) autor(a) faz o que pode para manter certa neutralidade, o que é louvável, mas, como diz-se por aí, as pessoas veem o que querem ver, e ouvem o que querem ouvir. Inevitavelmente, quem for pró-Israel vai torcer o nariz para o conto; quem é pró-Palestina também, por razões diversas, tanto num caso como no outro, por razões atreladas a um engajamento (ou à falta de um engajamento) por parte da pessoa que escreveu.

    De todo modo, penso que a literatura deve convidar qualquer um a pensar e, mesmo com essas possíveis polêmicas, e mesmo com as limitações impostas pelo desafio, este conto cumpre esse papel de jogar o leitor no olho do furacão ou, se preferir, no centro do hades terreno em que Gaza se transformou.

    O conto ganha pontos por dar via a uma família qualquer, conferindo-lhes nomes e história nesse drama de sobrevivência atual. De fato, busca-se dar um rosto aos protagonistas da resposta do Estado judeu aos ataques perpetrados pelo Hamas. Com a família da Daud, seguimos rumo ao sul, passando pelas fases de que ouvimos falar ou que vimos na TV, desde o abandono do lar, passando pelos bombardeios, pela carnificina, pela ausência de esperança, pela complacência, pela aceitação e pela morte. Sim, a família de Daud representa dezenas, quiçá centenas de milhares de outras famílias que passaram e que passam por esse martírio desumano.

    Mas é por representar essas famílias – todas elas – que o conto perde um pouco de força. Veja bem, não estou a negar o sofrimento de toda essa gente nas mãos de um inimigo que pretende varrê-los da existência. Não é nada disso – se é para ser claro, digo logo que nesse embate, me coloco ao lado deles, dos palestinos. Mas é que no conto, a história de Daud, por ser genérica – lamentavelmente idêntica a de tantos outros – não traz elemento algum que faça com que o leitor se sinta parte de seu grupo.  Sim, eles passam por uma terrível via crucis, mas isso nós só percebemos de longe e pior, sabemos de antemão como tudo vai terminar.

    Em termos estritamente literários, creio ter faltado algo que os diferenciasse, algum detalhe que nos fizesse torcer por eles, algo que criasse ao menos um pontinho de esperança, como p.ex a presença de um cachorro, de um amigo de um dos filhos, de uma mulher, enfim, algum sinal de que, talvez, com a dose necessária de sorte, eles, ou ao menos algum deles, poderia sobreviver.

    Do jeito que ficou, o que vimos foi a marcha inevitável para a morte, tal qual se vê todos os dias nos jornais. Sim, em geral é esse o destino de inúmeras famílias palestinas e o conto é fiel a isso, mas em termos literários, acredito que poderia ter ido além e criado um núcleo familiar mais empático.

    De qualquer maneira, o conto é muito bom. Corajoso, bem escrito e bem autêntico. Só por isso merece parabéns. Creio que Amos Oz aprovaria seu relato.

  17. Alexandre
    17 de fevereiro de 2024

    É uma boa história, um tema impactante e que provoca inúmeras reflexões. Acho que, por isso mesmo, não deveria estar num conto. Narrar a saga de uma família por meses e vários lugares, as suas vicissitudes, vivências e considerações numa narrativa concisa, como um conto deve ser, torna o protagonista superficial e os demais personagens, como cenário. Os gastos que eles passam não são tratados com profundidade, o que deixa a história corrida e até confusa.

    Condensar, melhor dizendo, comprimir uma história que poderia abarcar um romance com centenas de páginas num conto é uma tarefa ingrata que condena o escritor, por melhor que seja, a falhar.

    O autor escreve muito bem, mas a tarefa era inglória. Nota 6

  18. mariainezsantos
    16 de fevereiro de 2024

    Linguagem clara. Texto objetivo. Tem o enredo que prende e traz à tona o cotidiano assombroso que desfaz sonhos e anseios.

  19. Givago Thimoti
    14 de fevereiro de 2024

    Desterrados (O Zinhos)

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Recomeço – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

    No mais, seguimos para minha avaliação: 

    Impressões iniciais:

    + Escrita muito competente, embora seja uma escrita pesada

    +/- Escritor atento aos acontecimentos do mundo. Contudo, mesmo diante da boa intenção do autor/ da autora, há uma confusão histórica e de lados ao longo do texto, o que prejudica a história de alguma forma

    + Pertinência ao tema

    Resumo: “Desterrados” é um conto que fala sobre a tentativa de fuga de Daud e sua família após a ofensiva israelita território adentro de Gaza.

    Corpo (gramática/estilo de escrita):

    Não percebi qualquer erro gramatical. 

    Sobre o estilo de escrita, creio que o conto ficou um tanto pesado, perfeitamente natural (e apropriado) para o tema. Para além disso, esse conto foi escrito por mãos talentosas e experientes.

    Alma (o que tocou ou não o leitor. Pontos fortes e/ou fracos)

    “Desterrados” é um conto com bastante densidade e profundidade. Afinal, ele trata sobre a fuga de refugiados. E a forma como foi abordada, dentro do limite de 2.500 páginas, foi competente, digna de elogios (exceto por um ponto abordado no próximo parágrafo). Sem muitos floreios literários, o autor apostou na dantesca e midiática situação e retratou com pitadas de Euclides da Cunha em sua obra sobre Canudos a fuga da família.

    Mesmo assim, senti incômodo histórico com o início do texto; Daud e Hamda me parecem ser palestinos, fugindo da invasão à Gaza. Contudo, Daud e sua família (pai, avô e bisavô) são retratados como judeus fugidos do Holocausto no início do conto (além disso, em algum ponto foi dito que eles foram recebidos em Israel/Palestina com alguma bondade, contudo, a criação do Estado de Israel pela ONU foi uma situação bem turbulenta. Ou seja, a rivalidade entre Israel e Palestina começa acirrada desde esse momento de criação.). A lógica seria que eles fossem israelitas, mas de repente, eles são palestinos fugindo em direção de Raffah.

    De qualquer jeito, é muito importante checar esse background  histórico quando tratamos sobre um assunto geopolítico atual e importantíssimo, especialmente porque ele é a base-premissa de todo o seu conto. Essa quebra com a verossimilhança tirou pontos da nota desse conto.

    Agora, confesso também que senti falta de um pouco da vida (aparentemente) pacífica de Daud e Hamda antes da retaliação de Israel. Ou, que demonstrasse de uma maneira mais descritiva a ligação de Daud e seus ascendentes, para além do simples relato dessa ligação. Creio que seria importante mostrar, deixar claro, a relação de Daud com a sua terra.

    Nota: 7,0

  20. Angelo Rodrigues
    13 de fevereiro de 2024

    Desterrados

    Por OZ inho

    Conto localizado. Pareceu-me tratar-se da migração para o sul de famílias palestinas. Oportuno o conto, dado que fala sobre fatos em curso. O triste e terrível genocídio praticado pelo governo de Israel sobre o povo palestino. Solidário daqui (com os palestinos, que fique claro).

    Bem, mas o que importa neste momento é o conto em si, que, sequenciado, mostra o desterro de uma família em direção a Rafah, quando tenta escapar dos horrores a que um outro povo a submete.

    Notei, entretanto, que algo de muito estranho ocorreu: acredito que a família de Daud (nome que tem origem na Arábia Saudita) e Hamda (significando Louvor, também tem origem árabe) não seja exatamente palestina, como parece pretender o conto, mas de origem judaica, o que me pareceu um engano. Até porque, é falado claramente da vida naquele lugar – a Palestina – num intervalo entre o final da II Grande Guerra, 1945, e a criação do Estado de Israel, em 1948, que é abordado no conto quando fala da criação de um novo Estado (certamente Israel).

    Na introdução, é falado que a família tem origem polonesa e que escapou do holocausto, o que, por princípio, não os coloca como palestinos, mas como judeus. Seria isso? Confesso que fiquei confuso.

    Em minha confusão, passei a achar que o conto buscasse pôr uma família judia na pele de uma família palestina, vivendo os mesmos desacertos pelos quais esta última está passando. 

    Fiquei sem entender se o ‘erro’ foi proposital, o que colocaria, de forma interessante, o lobo na pele do cordeiro, e sob tal pele passa a ser também perseguido como o resto dos cordeiros. 

    Não cheguei a nenhuma conclusão.

    De qualquer forma o conto é legal, pois busca mostra a infeliz ideia persecutória pela qual passam alguns seres humanos que nada têm com a maluquice de homens velhos e cretinos.

    Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.

  21. Antonio Stegues Batista
    13 de fevereiro de 2024

    Olá, Ozinho. A primeira parte do conto, você configura a família, a honradez, a persistência de seus membros, a profissão, o ofício de comerciantes, o patriarca que fugiu da guerra na Polônia. Chegaram a um país, que só mais adiante ficamos sabendo qual  era. Um território que a princípio pertencia a todos.

    Na segunda parte, mostra o bombardeio, a fuga, a difícil jornada para o sul e a chegada a um acampamento perto de um hospital. Mas aquele lugar também é bombardeado.

    Na terceira parte você descreve o cenário com maestria, mas não deixa de ser um cenário horroroso “No trajeto da volta ao acampamento, os olhos captavam horrores nunca imaginados. Corpos espalhados entre pedras, alguns já cobertos e outros ainda expostos, mutilados. Tudo virou sangue e morte. Vivos, com membros amputados ou dilacerados, gemendo, gritando, delirando. Todos sós, sem ninguém”.

    Então eles tem que partir novamente em direção ao sul, a Rafah e só então fico sabendo que o lugar é a Faixa de Gaza  e ali, a fronteira está fechada, a família não tem mais nenhum lugar para ir , fato que demonstra o outro lado dos conflitos, outro assunto que não vem ao caso. Achei a escrita muito boa, tens habilidade nas descrições, a narrativa também é ótima, não encontrei erros na construção das frases, é tudo bem claro.. O enredo é uma história atual que mostra a vida de inocentes no meio de uma guerra que não lhes pertence. Valeu. Boa sorte no Desafio.

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Informação

Publicado às 10 de fevereiro de 2024 por em Recomeço e marcado .