Acordo cedo, mesmo quando não durmo. A manhã é a deusa que afugenta os pesadelos.
Ergo-me do canto em que me encolhi, inquieta, com medo de passar algum homem. Acordo com medo de todos os homens do mundo. Homens são meu pesadelo quando sonho.
Suspiro, e instintivamente passo as mãos no cabelo, para arrumá-lo. Embora saiba que faz tempo que isso não importa. Pouca coisa ainda importa.
Viver na rua é tão ruim que já cheguei a pensar em voltar para casa.
Lá é pior. Tem meu pai, bêbado, tentando me estuprar. Minha mãe repete que eu não presto nem pra morrer. Um estupro mais violento ainda. Minhas irmãs me negam qualquer coisa, um pedaço de bolo, de pão, um sorriso. Mas me pedem dinheiro.
Começo a sentir a névoa baixar sobre minha cabeça. Cada dia ela desce mais um pouco. Um dia ele descerá completamente.
Encolho-me de novo no canto e acendo um baseado. Meio arrependida, morrendo de medo de passar alguém.
Meu Deus, que ruim ser mulher. Não dá para arrumar um emprego, não dá pra pedir dinheiro. Não dá pra fumar um baseado em paz. Se aparece alguém? Quando é um homem fumando, viram a cara, se for mulher, tudo pode acontecer.
Semana passada, tentei vigiar carro, no estacionamento do Banco do Brasil.
– Posso ficar olhando? – Perguntei.
– Claro – disse o dono do veículo.
Quando ele voltou, entrou e baixou o vidro. Aproximei-me. O homem enfiou a mão por baixo da minha saia e apertou. Tive tanto medo que corri até o outro lado da rua sem parar, deixando-o com a metade da minha calcinha na mão.
Se alguém me pega de jeito… Larissa ficou com um cara que a engravidou. Só sobrou pra ela. Alguém pode imaginar o que é morar na rua, grávida?
Ser mulher é péssimo. Que vontade de ser homem.
O baseado repõe meus nervos no lugar. Ou foi a fome. Não comi nada ontem, o dia inteiro.
Tenho vontade de rir. E agora, nossa senhora da brenfa? Onde tem comida?
Vou passar em casa. Não acredito que me neguem um pedaço de pão.
A porta está aberta e eu entro. Mayra e Mayara, filhas das minhas duas irmãs, perambulam por lá. Me mostram a língua. Meu pai não está em casa. Trabalha em um bar da vizinhança, o dia inteiro, e ganha menos que salário mínimo.
Na cozinha, encontro pães quentes, exalando um cheiro irresistível. Roubo dois, um para mim e outro para Larissa. Minha mãe me pega no flagra:
– Bota isso aí, não é pra ti não!
– Mãe, que é isso, são só dois pães!
– Devolve logo!
Não dá pra devolver, a fome é maior que eu. Saio correndo pela porta:
– Odeio vocês! – Consigo segurar o choro.
– Volta aqui com isso, vadia!
Passo pela vizinha, que veio espiar, e me olha com cara de nojo. Minha mãe hesita na porta e entra novamente, de vergonha.
Pouco depois, encontro Larissa na quebrada. Estendo-lhe silenciosamente um pão. Sentamos no vazio e comemos devagar.
– Vou tirar o filho – ela me confidencia.
– Ah tá.
– Conheço uns caras na Palhinha que vendem o remédio.
– Vendem, não dão – lembro.
– Vou dar um jeito de arrumar o dinheiro. Faço qualquer negócio. Melhor que andar com um filho por aí depois.
Aperto sua mão, concordando silenciosamente. Larissa foi a única coisa boa que já aconteceu em 14 anos de vida, 14 anos de sofrimento. Por que não podemos viver juntas, em uma ilha deserta, com bastante fruta? As lágrimas fluem de novo, incômodas, inúteis. Larissa me acalma:
– Calma, bebê, vai dar tudo certo, você vai ver.
– Se eu fosse rica – ela continua, sonhadora –, a gente ia criar esse bebê juntas.
Ou se eu fosse homem, não posso deixar de pensar, com um nó na garganta. Ou se nossas famílias não nos odiassem, por gostarmos uma da outra.
Vamos até a Palhinha procurar Citotec. O mais barato que achamos é 800 reais, a cartela com quatro comprimidos. Fossem oitocentos mil, um bilhão, tudo inalcançável.
– Vamos conseguir alguém que nos ajude – Larissa conclui.
– Ninguém vai ajudar a gente sem antes comer a gente – filosofo.
– A gente não, eu. Que adianta uma perder um filho e a outra ganhar um?
Sorrio lugubremente. Que vida, meu Deus.
Os dias se passam. Em alguns há comida, em outros não. A névoa recobre cada vez mais minha mente, inexorável. Não vejo minha mãe desde o dia em que ela me perseguiu pelos pães. Melhor assim.
Duas vezes vi Larissa nos últimos dias. Dormimos juntas, abraçadas. Faz três dias que não a vejo.
Resolvo dormir ao ar livre. Não na praia, muito perigoso. No mato mesmo, como um bicho.
Enrolo um fino, a última maconha que Larissa me deu. Volto à vida, ávida. Igual o mato, que aceita a seiva que os vermes rejeitam.
Vida que me extermina, vida mortal. Vivo ao compasso das centenas de mortes que dançam comigo.
Ouço um barulho e me alarmo. Pode ser um estuprador, um assassino. Não é nenhuma das duas coisas. É Larissa. Respiro aliviada. Está pálida e parece fraca.
– Tomei o Citotec – ela consegue sorrir.
Ela dorme com a cabeça no meu colo. Passo a noite acordada.
Pela manhã ela está mais pálida e trêmula. Decido levá-la à UPA.
Ela vai apoiada em mim, e levamos uma eternidade. No caminho todos riem de nós duas.
Na UPA não nos deixam entrar. Mandam esperar do lado de fora que vão nos chamar quando der.
Passamos o dia lá. Anoitece. Larissa está cada vez mais fraca, dormitando no meu colo.
– Eles vão nos atender? – Ela pergunta.
– Está quase – eu respondo.
As enfermeiras passam e nos olham, indiferentes.
Amanhece novamente. Larissa no meu colo.
A névoa me recobre totalmente.
***
Depois da morte de Larissa, a imprensa faz barulho. A UPA abre investigação. Os funcionários dizem que haviam nos chamado e Larissa não quis ser atendida. A história se desvanece.
Passo um mês inteiro apática. Praticamente não como. Penso nas minhas opções. Não tenho opção. A névoa me diz o que tenho que fazer: decido ser homem.
Chega uma viatura. Cinco policiais me levam para a delegacia. Lá fazem um BO e sou encaminhada para a Fundação da Criança e do Adolescente.
O prédio é tão bonito que fico feliz, penso que finalmente vou ser bem tratada. Sou levada a uma sala com ar condicionado, mesas de vidro, computadores, quadros, música ambiente, bebedouro de inox, cafeteira, sanduicheira, forno elétrico e forno de micro-ondas. A diretora vai aparecer no final da tarde.
Um homem de uns 30 anos, muito simpático, me recebe. Depois de alguns minutos me convida para ir à lanchonete do prédio. Morta de fome, aceito.
A lanchonete é muito bonita, toda em mármore. Ele pede um hambúrguer e uma coca para mim. Como com avidez, enquanto noto que ele não tira os olhos dos meus seios, mal cobertos pela blusinha pequena demais para mim.
Uma mulher vem chamar-nos, aflita, avisando que a diretora já chegou. Nós três vamos às pressas para a sala. A diretora está furiosa, passa uma descompostura nele, enquanto me olha ironicamente. Finalmente ela me manda para o alojamento dos menores.
Uma mulher gorda me conduz até o alojamento, e abre uma porta de ferro. Entro hesitante em uma sala escura, que tem um mau cheiro pavoroso. A mulher tranca a porta novamente e vai embora. Meninas de uns doze anos perambulam por lá. Há uma da minha idade, sentada no chão, que carrega um bebê de poucos meses, magro e imundo. Ela se levanta e se aproxima.
– Olá. Sou Lídia e esse é meu filho Pietro.
– Olá – digo.
– Bem-vinda ao inferno.
– É tão ruim assim?
– Pior.
– A comida é boa…
– O que você comeu?
– Hambúrguer.
Lídia ri, perversamente.
– Isso é para os funcionários.
Então pergunta, curiosa:
– Quem deu pra você?
– Um homem que trabalha aqui.
Ela sacode a cabeça.
– Ele quer comer você. Tome muito cuidado.
Sentamos no chão. As horas passam. Não há nada para fazer ali, trancadas.
Depois de muito tempo, chega alguém com uma marmita para cada. Farinha estragada e ossos. Apenas roo os ossos, sei que a farinha iria me adoecer.
De noite estamos dormindo quando a porta se abre bruscamente. Homens com caibros, cassetetes e chicotes nos espancam sem dó. Lídia tenta proteger Pietro, mas mesmo assim ele apanha também. O bebê chora horrivelmente.
Depois nos jogam água gelada. Fico sabendo depois que é para diminuir os hematomas.
(Estou completamente envolvida pela névoa, o que me faz bem.)
Pela manhã recebemos um pão duríssimo, que comemos, loucas de fome. Sinto-me meio febril. Na sala há uma torneira e bebo água.
Antes do “almoço” somos obrigadas a formar fila e atravessar um “corredor polonês”. Apanhamos seguidamente de cinto, cassetetes, ripas, cabos de vassoura, correias e porretes. Dessa vez, pelo menos, Pietro não é obrigado a ir. Depois, o mesmo banho de água fria.
O almoço são mais ossos, dessa vez de galinha.
De noite somos acordadas novamente com outra surra. Na confusão, três me levam para fora antes de trancar a porta.
Dois me imobilizam no escuro, e um deles, que reconheço facilmente como o funcionário que me deu o hambúrguer, me estupra feito um louco.
Depois é a vez dos outros dois. Não resisto, sei que não adianta. “Sou filha da névoa, sou filha da névoa”, repito para mim sem parar.
Depois de uma semana apanhando sou levada ao juiz. Ele diz que, infelizmente, não posso ficar lá, porque eu não fiz nada. Manda chamar meus pais para me buscar.
Finalmente eles chegam, com evidente má-vontade. O juiz passa um sermão em todo mundo e depois nos libera.
No meio do caminho, antes que eles comecem a reclamar, digo “Tchau” e sigo meu rumo.
Na Fundação Lídia me deu um contato. Bruninho Capela, ligado ao traficante Sandro Barão.
E é pra lá que eu vou. Pelo menos pra isso serviu minha temporada na Fundação da Criança e do Adolescente.
Capela me olha desconfiado, mas quando explico que sou amiga de Lídia da Fundação, fica tranquilo.
Em breve estou fazendo pequenos furtos. Entrego tudo pra Bruninho, mas ele me protege e tenho o que comer. Engordo quatro quilos. A maconha rola legalize e todo mundo me respeita. Ando vestida de homem. Sou homem agora.
Um dia Bruninho me dá uma arma, um Taurus cano 2 de cinco tiros, e me ensina a usar. Assaltamos uma loja de conveniências. Moleza.
– É uma guerra de foras da lei – ele me explica. Bandidos de um lado e de outro.
Bandidos que estupram a filha, bandidos que deixam crianças morrer na fila do hospital sem atendimento. Bandidos que espancam e estupram crianças. Do outro lado, bandidos traficantes e assaltantes.
Um dia tenho a alegria de encontrar o homem que enfiou a mão em mim, por baixo da saia, no estacionamento do Banco do Brasil.
– Olá! – Digo. – Lembra-se de mim?
– Claro, linda!
– Dê-me sua mão, amor.
Ele estende o braço, sorrindo. Bato usando toda a força com o Taurus nos seus dedos, e sinto quando pelo menos dois se quebram. Aponto a arma para sua cabeça.
– Por favor, não – ele chora alto, de dor e de medo. – Tenho três filhos pequenos!
Engatilho a arma. Ele desmaia. Não atiro, o castigo seria desproporcional.
Esse foi o primeiro. A névoa se espalha pelo meu corpo, e rio.
Finalmente sou alguém!
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Olá, Eileen.
Resumo: a história de vida da narradora protagonista, uma criança de 14 anos, até tornar-se criminosa, após uma vida de terríveis flagelos.
Comentários: o conto começa muito bem, a narração é bastante capaz, geram-se muitas imagens na mente do leitor, e os temas tratados são muito importantes.
No entanto, acho que o conto se perde na falta de sutileza. Primeiro, na forma como fala de algumas situações. Não que a situação não tenha, em si, peso. Mas “aí que tá”. Uma coisa é o peso essencial da coisa, outra, a forma de contá-lo. É tão seco, direto, que às vezes parece uma mera enumeração de fatos. Além disso, trechos como “deixando-o com a metade da minha calcinha na mão” soam quase incríveis.
Segundo, a parte final do conto é muito rápida, veloz, quase como uma listagem de sinopses do que aconteceu após a saída da Fundação CASA.
Acho que a sensação final é de um texto pouco sutil e muitíssimo pesado de se ler. Não pelo tema em si, mas pela forma de narrar.
p.s.: eu estranhei muito quando descobri que a narradora tinha 14 anos.
Um abraço, e boa sorte!
Olá, Eileen Myles.
Numa vã tentativa de ser mais objetivo, resolvi, para este desafio, pegar emprestado o modelo de comentários do EntreMundos. Então vou dividir meu comentário em ambientação, enredo, escrita e considerações gerais.
A eles.
Ambientação: De certa forma, é bem construída. É fácil se situar nesse “mundo cão” descrito pela narradora. Já nas primeiras linhas entendemos qual vai ser a toada do conto, e ela se mantém constante até o final. O problema é que ela é constante demais, rs. O que vemos aqui é uma sucessão de desgraças, uma atrás da outra, initerruptamente, sem pausa para respiro. Entendo que a intenção seja essa mesmo: não dar espaço para o leitor sentir alívio, sempre jogando essa realidade perversa na cara dele. Porém, esse ritmo acaba levando ao efeito contrário. Chega um ponto – e ele chega muito cedo – em que o conto se torna muito previsível, então toda a atmosfera de tensão se desfaz. Nos resta esperar para assistir à próxima provação que a garota terá que enfrentar. Essa monotonia acaba desengajando o leitor, que se distancia do texto. Ainda que as situações descritas sejam terríveis, elas vêm sempre no mesmo tom, no mesmo ritmo, acaba cansando. Assim como é preciso de alguma escuridão para apreciarmos a luz, é preciso de alguma luz para temermos a treva. Na total ausência de luz, simplesmente não enxergamos mais nada. Esse é o efeito aqui: o conto mais cega do que denuncia.
Enredo: Como já dito na ambientação, é bastante repetitivo. Apenas um encadeamento de torturas às quais a narradora é submetida. Não há nenhuma sutileza nas descrições, o conto é permeado pelo exagero dramático, por uma vontade incontida de chocar, de mostrar uma situação ainda pior do que a anterior. E algumas dessas situações soam bastante inverossímeis. Por mais que aconteçam atrocidades em instituições como a que a garota foi internada, ninguém sobreviveria a um regime de diversas surras diárias e alimentação a base de ossos. A cena em que todos na rua riem das meninas indo ao hospital também cai num exagero difícil de digerir, como se absolutamente toda a população em volta dela fosse formada por pessoas perversas.
O final do conto oferece – enfim! – um alívio, quase uma catarse. Ela vem de forma polêmica, com a entrada na vida do crime como uma redenção. Isso, por si só, não me incomoda. É uma realidade para muitos e uma forma diferente de abordar o tema do desafio. Porém, retratar algo dessa natureza pede uma sutileza que o conto não tem. Aqui, infelizmente, soou panfletário.
Escrita: O melhor aspecto do conto. As frases curtas emprestam velocidade à leitura. É um estilo agradável, simples, direto, bastante ágil. O autor demonstra habilidade para narrar no presente, ainda que alguns saltos temporais pareçam estranhos. Os poucos erros de revisão que encontrei foram relacionados à ausência de vírgulas, é um ponto a se atentar. Talvez a narração tenha ficado muito rebuscada para uma menina de quatorze anos, mas isso não me incomodou. De forma geral, a escrita é bem limpa.
Considerações gerais: Não posso dizer que gostei do conto, mas também não digo que foi uma experiência ruim, apenas algo enfadonha. Creio que o resultado seria bem melhor se houvesse uma diminuição do número de acontecimentos da trama, permitindo assim um maior aprofundamento em cada um, mergulhando na psicologia da personagem. Isso traria sutileza e tiraria o tom um tanto panfletário. De toda forma, a escrita leve faz com que a leitura flua com facilidade, deixando o drama mais palatável.
Desejo sorte no certame.
Abraço.
Névoa
Olá.
Um texto com muitos temas atuais, outros nem tanto, igualmente sensíveis e polêmicos, contudo.
Farei um apanhado geral.
Você tem uma escrita muito boa de ler, muito eficiente, fluida. Gostei de verdade da dinâmica com as palavras. Parece bastante experiente com isso.
Minhas ressalvas ao texto estão exatamente no fato de ele trazer muitas defesas, na maioria bastante explícitas. Um acúmulo de militância num texto tão curto. Eu tenho pavor de qualquer militância em texto literário, não acho que literatura seja lugar, mas já aprendi que para ler alguma coisa na contemporaneidade, tenho que me adaptar. Mas, veja! Quantos temas eu consegui identificar no seu texto: A escolha do pseudônimo já é por si uma defesa da agenda Queer ou LGBT, pelo significado dessa autora para o grupo. A mais temos a questão da maconha, mulheres x homens, da legalização do aborto, da discriminação no sistema de saúde, do descaso do sistema judicial e prisional, e por fim, a consagração do banditismo enquanto saída de “liberdade”. É demais da conta. Para um texto literário e curto, então, impensável.
Ressalto que não estou dizendo que tais temas não sejam muito importantes e que não necessitem de reflexão e principalmente ação, mas que a forma como muitas vezes são trazidos a textos ficcionais, parece-me por demais ideológica, moralista, professoral, panfletária…
Sempre que leio ou escrevo um texto, penso que um escolar de ensino médio poderá lê-lo algum dia. Imagina um jovem lendo que a vida no tráfico pode ser redentora e que a vingança é doce como mel? Eu não consigo imaginar. É realidade de muitos? Infelizmente é. Mas, esses fatos terríveis, prefiro deixar para os jornais e suas tragédias muito bem escolhidas. Para a literatura, não consigo conceber.
Reitero que a sua forma de construir as sentenças é muito boa e espero ver outros textos seus.
Um abraço.
Narrado na perspectiva da protagonista, o conto apresenta uma realidade crua e brutal, em que o sofrimento dá o ritmo da leitura. Fiz uma leitura superficial dos comentários e vi críticas à verossimilhança da história, o que até certo pondo compreendo. Não é uma realidade tão distante do que se deve passar no sistema prisional e em certas famílias, mas a narração da personagem é desprovida de emoção. É coerente na medida que, sim, a narradora reconhece a névoa que a cerca e sufoca, contribuindo para o seu estado de apatia. Por outro lado, faz da narração um pouco truncada e, como o que se lê é uma escala crescente de sofrimento, acaba sendo cansativo. Isto é, cansa em termos de leitura, não por ser uma tortura. É mais a forma do que o conteúdo. Então acredito que o verdadeiro problema seja como a história foi passada e que se a autoria tivesse tomado um cuidado maior para desenvolver outros elementos do texto, saindo da sucessão de fatos para explorar outros aspectos da protagonista, por exemplo, o conto teria sido enriquecido. Não deixa de ser um bom trabalho para o tema do certame, especialmente na proposta que coloca de haver uma bandidagem “legalizada” e distinta daquela que a personagem principal passa a integrar. É uma forma de discutir o tema, aspecto que valorizo bastante em contos.
Boa sorte.
É um conto realmente pesado e chocante. Precisei ir beber uma água antes de escrever o comentário. Considero isso um grande mérito. O impacto estético foi alcançado com primazia. Não é uma leitura agradável, longe disso, e nem poderia ser, pois essa não é a proposta.
O conto traz uma realidade duríssima, mas extremamente real, quase que em forma de denúncia. O problema é que um conto em primeira pessoa onde a protagonista só relata os pontos negativos de tudo e de todos pode acabar induzindo o leitor a interpretar como um narrador não confiável, o que dissolve toda a denúncia. É preciso buscar um equilíbrio dentro da narrativa, para que, mesmo em um mundo horrível, a protagonista não se passe por “coitada”. Além disso, a escrita tem alguns problemas de ritmo. Senti que ela não acompanha os altos e baixos da narrativa, mantendo o mesmo tom em todas as cenas. Uma escrita mais trabalhada nesse sentido poderia aumentar ainda mais o impacto do texto.
Boa sorte!
Olá, Eileen!
Ambientação: o conto é mais focado na ação do que na descrição. Isso não é um defeito, de maneira nenhuma, sei o limite é curto e as vezes temos que escolher qual aspecto valorizar. Se o limite fosse maior, a ambientação poderia ser melhor aprofundada e não tão genérica.
Enredo: Eu gostei bastante e não gostei nada. Contraditório, eu sei. Explico. É incomodo de ler, porque reflete a horrível verdade. Mas, por isso mesmo, por causar esse incômodo, eu gostei. A literatura tem que despertar algum sentimento. E seu conto foi ótimo nisso!
Escrita: boa, segura, direta. Você sabe o que quer fazer e faz. Sem rodeios . Muito bom!
Considerações gerais: é um conto forte, cru e dramático. Gostei! Parabéns!
Boa sorte!
Até mais!
Embora não sabendo como e porque a menina foi viver na rua, podemos analisar alguns aspectos da vida dela. Não é dito o motivo da mãe não gostar dela, é explicitado apenas o ponto de vista da menina/narradora. Ela poderia ter arranjado um emprego, infelizmente decidiu fumar maconha como se a droga poderia mudar sua vida, ao contrário, afunda mais. A maldade existe em todo lugar, tem muitas faces, mas nem todo mundo é do mal. Ela desistiu e aceitou o destino como se merecesse, mas por que? Qual motivo? De certa forma a história tem detalhes que a levaram para o caminho do crime. Não existe névoa, no sentido de loucura, apenas hesitação, fraqueza, desânimo, falta de coragem para enfrentar os obstáculos e vencer na vida. Eu cá estou analisando a personagem quando deveria analisar o conto, mas de certa forma a menina é a história e a história é o conto. A escrita é boa. A ambientação está no tema. Achei um enredo regular.
Ambientação: Boa. conseguimos nos ver nos dias atuais, cos dias tenebrosos de uma moradora de rua. A as gírias usadas também contribuem com a ambientação.
Enredo: Bom. É uma história bastante densa, diria mesmo pesada, assim como a mão do autor ou autora também pesou não dando nenhum alívio ao trágico. Os vários acontecimentos ruins, um atrás do outro, na vida da protagonista, acaba por fazer o leitor achar que o conto quer mais chocar do que denunciar. Outra coisa também é que a narrativa não se assemelha com a idade da personagem. Não consegui ver uma menina de catorze anos contando essa história. A voz de quem escreveu, que imagino não tenha apenas catorze anos, se sobressaiu. No entanto, a história prende a atenção e envolve.
Técnica: Boa. Achei a condução bem feita, mesmo com o peso da mão quanto ao trágico. O uso de gírias também foi bem feito.
Considerações Gerais: Um bom conto, que eu poderia ter apreciado mais.
Oi Eileen.
Seu conto é bom, bem estruturado e sua escrita é correta.
Gosto da sua linguagem, direta e objetiva.
A história é boa e realista.
Alguns colegas reclamaram de falta de verossimilhança. Discordo deles, porém,para mim, o que incomoda o excesso de realismo. Não é um defeito do seu texto, é mesmo uma questão de gosto e de escolha estética. Entendo que você quis mostrar um drama real, que afeta incontáveis pessoas e o fez com todos os detalhes, todas as luzes acesas, holofote iluminando cada hematoma. Imagino que você quis chocar, chamar a atenção para o problema e conseguiu. Mérito seu.
O que quero dizer com isso? Que seu texto me deixou dividida. Não gosto de relatos mundo-cão e cenas de tortura, embora saiba perfeitamente bem que essas coisas estão aqui, no mundo e precisam ser discutidas e combatidas. Porém, gostei do seu texto e da história que ele conta.
Minha conclusão é que é um excelente texto, mas que não me conquistou como leitora. O que não é bem um problema. Gosto é gosto e tenho certeza que há um grande público leitor ávido por histórias como a sua.
Boa sorte!
Buenas, Eileen!
Nesse desafio, irei avaliar três fatores: aparência, essência e considerações pessoais.
O que ele veste, o que ele comunica e o que eu vejo.
É uma visão particular, claro, mas procuro ser sincero e objetivo. E o intuito é tentar entender o texto em sua totalidade, mesmo falhando miseravelmente, hahaha.
Vamos lá!
APARÊNCIA
A escrita é correta. E o estilo é certeiro: ágil e objetivo. Com uma linguagem direta, o leitor entende tudo. O objetivo é denunciar uma realidade cruel, não é? Complicar prejudicaria o conto no certame, apesar das outras qualidades que poderia adquirir.
Além disso, o tom poético de alguns trechos encanta, principalmente nas analogias com a névoa: a baforada acalma o corpo, mas, simbolicamente, representa um dos únicos momentos de paz da protagonista. Achei pertinente, assim como o título do conto, que casa perfeitamente com o enredo.
No entanto, preciso admitir que a escolha narrativa tirou um pouco da credibilidade do conto. Como a narradora possui quatorze anos, e não existe qualquer menção de interesse em estudos, alguns termos e conhecimentos fazem a narradora soar muito mais madura e letrada do que supostamente é. Se o conto tivesse um formato de reminiscência ao invés de estar no presente, ou ter um narrador onisciente, essa situação seria contornada com facilidade, pois você é bem capaz.
ESSÊNCIA
O conto abusa de situações desumanas para gerar um clima desconfortável. E consegue. É como uma coletânea dos absurdos que acontecem aqui e acolá, tudo concentrado na vida da protagonista, para chocar o leitor. Foi tão bem sucedida que, de fato, gerou discussões além da trama levantada.
Debater sobre a inverossimilhança de textos ligados à realidade é complicado. Muitas vezes, acaba virando um assunto totalmente voltado para as opiniões.
“Eu acho aquilo… Eu acredito naquilo…”
Debater sobre a coerência parece mais justo.
Obviamente, a proposta do seu conto é denunciar uma realidade ignorada por muitas pessoas. E isso de uma forma chocante. Neste caso, ele é coerente. Acho justo tentar avaliar o texto da forma como ele foi concebido. O que ele estava tentando dizer, sabe? Posso não gostar. Tenho esse direito como leitor. Porém, acho que condenar uma característica propositalmente inserida no conto pelo autor não é um bom caminho para a avaliação. Tira o foco do que realmente importa: sua mensagem.
E, nesse caso, a denúncia é válida. O assunto é tão chocante que desconcerta as pessoas, gerando aquele clima de negação. É mais fácil acreditar que absurdos desse naipe não existem na vida, né? Pois bem, existem. E não são casos isolados. Um rápido relato para fortalecer esse pensamento: tenho uma prima que, aos sete anos de idade, era masturbada pela babá que minha tia havia contratado. Chocante, né? Isso é a vida. Terrível para alguns.
CONSIDERAÇÕES PESSOAIS
Não é um conto agradável de ler. E nem foi feito para ser assim. O estilo objetivo e ágil ajuda na leitura, por isso ela é certeira. O conto é bom, com pequenas falhas e grandes valores, precisando apenas ajustar algumas coisinhas (insisto na questão da escolha narrativa).
Parabéns pelo trabalho e pela polêmica, Eileen. Movimentou o grupo!
Olá, Eileen. Assim que puder vou ler algo da sua homónima. Quanto ao seu conto, gostei bastante. É um relato da transformação de alguém puro, de uma vítima, num criminoso. Nada acontece de um momento para o outro, e este texto relata esse processo na perfeição. Senti falta de alguma elegância, que permitisse respirar. Tudo é mau na vida desta mulher. Chegou a um ponto que parece excessivo, mas a narrativa segura o leitor. A transformação ocorre gradualmente e sentimos a revolta interior da personagem.
O conto aborda o tema proposto pelo desafio.
Há poucos detalhes para alterar em uma segunda revisão e creio que os colegas já apontaram os principais lapsos.
A narrativa, apesar de apresentar vários acontecimentos dentro de um conto de tamanho limitado, não perde a fluidez.
O ritmo é agradável de seguir, sendo cadenciado pelos diálogos.
A leitura flui sem entraves. Talvez eu não tenha compreendido bem a questão da névoa, mas achei o elemento poético.
O final não chega a surpreender pois é bastante coerente com o histórico da protagonista.
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio.
1. o tema do desafio (foras da lei) está presente de duas maneiras:
a) em sentido estrito, há diversos foras da lei no conto: a própria protagonista (traficante de drogas, ladra etc.), o pai e o cliente do Banco do Brasil (estupradores), os funcionários da fundação (violentos e estupradores) etc.;
b) em sentido amplo, o entrecontista realiza uma contundente critica social, em que “foras da lei” passa a ter um sentido muito mais abrangente; neste momento, tornam-se foras da lei a própria sociedade e o estado, ao negarem amparo digno a indivíduos injustiçados; o entrecontista, inclusive, menciona textualmente o termo foras da lei no trecho em que apresenta sua denúncia:
“- É uma guerra de foras da lei – ele me explica. Bandidos de um lado e de outro.
Bandidos que estupram a filha, bandidos que deixam crianças morrer na fila do hospital sem atendimento. Bandidos que espancam e estupram crianças. Do outro lado, bandidos traficantes e assaltantes.”
Essa segunda abordagem é muito interessante e, até este ponto de minhas leituras, única no contexto do desafio. De fato, é curioso pensar sobre o significado de “fora da lei”, já que o conceito é bastante arbitrário. É o legislador (o estado) quem decide o que é a lei e, portanto, quem está fora dela. Por exemplo, é o legislador quem decide que roubar ou furtar comida é crime. É ainda esse mesmo legislador quem decide que comprar mais comida do que se pode consumir e, depois, desperdiçá-la, lançando-a ao lixo, não é crime. Desconsiderado o conceito jurídico de ilícito e migrando-se para uma análise da eticidade do “roubar para comer” e do “desperdiçar comida”, há mais gravidade no “desperdiçar” do que no “roubar”. Assim, seria de todo razoável a criminalização do desperdício. No entanto, não é assim que a sociedade funciona. Cotidianamente, o que deveria ser grave (ter mais do que se precisa, mais do que seria razoável consumir, e ainda desperdiçar) não nos comove enquanto legisladores diretos ou indiretos. Mas não se trata apenas de criticar a criminalização do “roubar para comer” ou de criticar o “desperdício de comida”. É possível ir além e se pensar na criminalização de todas as formas de excesso que contribuem para a formação de uma sociedade desproporcionalmente desigual. É tudo um tanto utópico, mas que não retira do entrecontista a felicidade de ter escolhido essa segunda forma de abordar o tema do desafio, apontando como foras da lei toda a sociedade/estado;
2. o enredo entretém e promove reflexão, mas se torna mediano ao trazer para um conto um excesso de fatos que não encontra espaço suficiente para ser adequadamente trabalhado; por exemplo, é muito abrupta a maneira como a personagem se aproxima do traficante através da indicação de Lídia;
3. o domínio da gramática é bom: o texto está adequadamente revisado, sem erros graves:
a) em “Um dia ele descerá completamente.”, o pronome correto seria “ela”, pois se refere à névoa;
b) em “Penso nas minhas opções. Não tenho opção.”, além de “opções/opção” aparecerem duas vez muito próximo, ainda há a estranha ideia de alguém dizer que está pensando em suas opções para, imediatamente a seguir, afirmar não ter opção; teria sido melhor se ela TENTASSE pensar em suas opções mas, logo depois, chegasse à conclusão de que não possuiria nenhuma;
c) em “Na Fundação Lídia me deu um contato.”, acabei por, num primeiro momento, pensar que “Fundação Lídia” fosse o nome da fundação; apenas depois lembrei que Lídia era uma personagem; esse problema teria sido facilmente evitado pelo entrecontista se tivesse usado uma vírgula depois de “Fundação”, já que “Na fundação” é mesmo uma indicação de lugar;
d) não compreendi a frase “A maconha rola legalize”;
4. as frases curtas, objetivas, limpas tornam a leitura bastante agradável, fluida;
5. achei estranha a ideia de uma garota de 14 anos, morando nas ruas, ter conhecimento de que “A UPA abre investigação.” e, depois, usar um verbo como “desvanecer” (“A história se desvanece.”);
6. não gostei do desfecho (o que é muito subjetivo e, por isso, talvez nem merecesse ser dito); mas achei muito ruim o ponto de exclamação na última frase (algo muito pobre em sutileza); o parágrafo anterior (“Esse foi o primeiro. A névoa se espalha pelo meu corpo, e rio.”) teria encerrado muito melhor o conto – teria sido bonito, sutil e impactante;
7. como homem, registro que o texto conseguiu me fazer sentir muito bem um pouco do que deve ser estar na pele de uma garota de 14 anos, frágil, fraca, indefesa, sem amparo familiar e vivendo nas ruas… Como deve ser fácil se ver violentada, estuprada, seduzida, corrompida, subornada, prostituída… Pela fome, pelo desamparo, pelas necessidades… Mérito do conto. No geral, mais gostei do que desgostei da leitura. Tive a impressão de estar defronte a um escritor em formação, que ainda irá amadurecer na escrita, tornando-se mais leve, mais sutil na exposição de sua visão de mundo.
Kkkkkkkkk “rola legalize”, é legalizada. Há bares, festas onde todo mundo fuma, como se a brenfa não fosse proibida. Então a gente tá legalizando, ela rola legalizada, “legalize”. No caso eu quis dizer que por onde ia todo mundo fumava sem atrapalhação. Gíria nossa, rsrs…
Meu caro, sua análise de verossimilhança é perfeita, e didática. Concordo, e pode até ser que isso se aplique no presente conto. A questão que me chama a atenção, no entanto, é outra.
O que me parece é que está havendo um exagero, uma tentativa excessiva de enquadrar todos os contos em aspectos negativos, tipo “social em excesso”, “panfletário”, “inverossímil”, “desajustado”, “contou muito”, “quebra de ritmo”, etc.
Assim, semelhante ao que você diz, a predisposição à aceitar crítica vai-se embora, e o objetivo principal, da evolução do autor, se perde.
Posso lhe garantir que nada do que falei tem intenção de defender meu conto, nem de receber notas, etc, Para mim, a participação é basicamente uma forma de evolução.
Mas considere, sinceramente, a seguinte situação: Vamos analisar o romance “Fome” do Nobel norueguês Knut Hamsun.
No livro, simplesmente, Hamsun percorre as ruas de Oslo, sem conseguir comida. Aqui e ali vende um artigo para o Jornal local e consegue algumas coroas que logo acabam.
Esse romance é incrível, e me marcou por toda a vida. Mas tenho certeza que a uma primeira vista, seria chamado de “panfletário” e “inverossímel”, “sem lastro com a realidade”, e não é nada disso.
Bom, eu só quis dar um toque, sem nenhuma pretensão. Lamento se causei algum aborrecimento a vocês.
No mais, bola pra frente.
Esperneio de quê, cara… o que tá sobrando aqui é essa história de “inverossímil” e outros clichês… aqui e em todos os comentários, em todos os contos…
era no comentário lá no final rsrsrs
O conto tá bem escrito e a história é boa. Tem algumas partes que eu queria ver imagens, mas foi contado ao invés de mostrado. Os diálogos são razoáveis. O grande diferencial é que a narrativa e bem fluida, tive prazer em ler e isso na minha opinião e o que mais importa. Adorei.
A trajetória de uma menina desde seu abandono pela família até sua adesão ao mundo do crime.
A sua escrita de períodos e parágrafos curtos flui com bom ritmo e sem entraves . O problema do seu conto é que a combinação do enredo de certa forma previsível com a narrativa linear deixam transparecer demais a mão do autor por traz do texto. Disso decorre uma espécie de artificialismo com um efeito não muito positivo de impedir a imersão e o envolvimento do leitor na história contada.
Enquanto lia fiquei imaginando que talvez uma narrativa não linear, que criasse alguma suspensão na forma de narrar, iniciando a trama pela morte de Larissa por exemplo, fizesse seu texto funcionar melhor. A ver.
O ponto alto do seu conto para mim foi a forma como vc o finalizou, retomando uma cena do início e mostrando uma versão nada óbvia da protagonista.
Parabéns pela participação. Desejo sorte no desafio. Um abraço.
19 – Névoa
Conto sobre uma história de abandono. Uma menina não querida por sua família, suas ligações externas, suas tristezas e sua conversão em homem, que tanto desejava.
Um conto fundado na desesperança, um tanto excessivo e estereotipado. Cru este relato, que mais representa o arquétipo do que a possível realidade.
Não é um texto difícil de ler, embora difícil de viver seu espírito. Há desgraça demais, o que transfere ao leitor um sentido de repulsa. Talvez fosse esse o objetivo, imagino.
Creio que o autor tenha trabalhado com todos os arquétipos que pode para construir a sua história, da família desajustada aos centros de acolhimento de menores, passando pela bandidagem falsamente acolhedora.
Somos todos faras da lei.
Boa sorte no desafio.
https://noticias.r7.com/sao-paulo/denuncias-revelam-agressoes-e-estupros-a-jovens-da-fundacao-casa-15022021
É uma pena que você considere isso “arquétipos”
Eillen,
confirmo o que disse.
Acho que você se equivoca acerca do conceito de arquétipo, que se caracteriza como “modelo ou padrão passível de ser reproduzido em simulacros ou objetos semelhantes”.
Sim, o que você me mostra no link, tornou-se um modelo (infelizmente) para o tratamento de jovens no País.
Você o reproduziu em seu conto, o arquétipo de cuidado em sociedades perdidas em seus equívocos. A nossa sociedade.
A questão é que você falou, literalmente, que “este relato, que mais representa o arquétipo do que a possível realidade.” Não há tentativa de estabelecer arquétipos. Isso é simplesmente a realidade.
A trajetória de muitas crianças no caminho do crime. É como o efeito borboleta, um pequeno desajuste, no caso ela gostar de meninas, vai levando a uma roda viva de transgressões e desastres. O conto incomoda um pouco, mas é assim que funciona esse país, dividido em dois Brasis, um dos quais realmente combate o tempo todo com o outro, e ambos têm seus lados escuros. O estilo “hemingway” de frases curtas me agradou. Conto bem nítido e verdadeiro.
Infelizmente, essa é uma história conhecida: uma adolescente maltratada, lutando para sobreviver nas ruas, em orfanatos, até ser “resgatada” por um traficante que lhe oferece uma vida melhor. Ela ganha uma arma e passa a assaltar, a ter o que comer e também recupera sua autoestima perdida. Não vi problemas no conto, mas também não vi realces. Gostei da forma que o(a) escritor(a) desenvolveu a identidade da menina, que desde o início se sentia fragilizada e queria ser homem e, no fim, alcança seu objetivo, troca suas roupas por peças masculinas e seu medo, por atitudes confiantes. Não vi a “névoa” como um elemento importante na história, a ponto de virar o título. Não houve trama para ela, a verdinha, rs. Ou eu chapei?! Rs
Olá, Eileen!
Conto que aborda o caminho de uma garota de quatorze anos, que vai do desespero familiar ao mundo dos crimes. Um retrato válido dos problemas sociais que envolvem o pobre, o desamparado, e de como o ambiente o coloca numa ou outra realidade. Há quem dirá que a personagem “sempre teve” outra opção. Mas a verdade é que, sem o aparato apropriado, a pessoa terá que escolher, e o ideal é que nunca existisse outra opção para uma garota de quatorze anos que não fosse estudar. Não há meritocracia nessa situação.
O texto, no geral, está tecnicamente bem escrito, necessitando uma ou outra correção aqui e ali para deixar tudo bem ajustado (“Igual o mato”, que pede crase, por exemplo, mas há outros pequenos detalhes assim). Gosto do ritmo proposto, e acho que chegamos ao final facilmente, sem trechos “travados”.
Como já disse antes, achei que o texto demonstra muito bem um compêndio de situações sociais que colocam a personagem frente a diversos problemas já enraizados numa cultura de estupro, numa sociedade machista, no desenvolvimento inexistente do sistema correcional, nas drogas, na vida das ruas, etc. Mas, em determinado momento, acho que uma linha imaginária foi ultrapassada, e o que era um retrato vívido transformou-se num dramalhão em que tudo tem que dar errado para a personagem. E acho que a partir de “no caminho todos riem de nós duas” tudo começou a ficar caricato e exagerado. O equilíbrio do conto foi quebrado.
O final, com a personagem sendo abraçada por um novo sistema, em que o crime é um meio de vida, é algo esperado, já que foram tantas e tantas agruras que não parecia existir outro caminho. Temos indícios que há a possibilidade de um anti-heroísmo no futuro da personagem, mas não chegamos a ter confirmação, de fato.
Acho que é um conto interessante, mas algo desequilibrado. Não cabe a mim dizer o que poderia ser arrumado, ou o que deveria entrar ou sair de seu texto, para corrigir esse equilíbrio. Penso que você contou o que pretendia, e há mérito nisso. Mas eu tentaria me apegar a mais características da garota que sofre as situações, e não às situações de fato.
É isso! Boa sorte no desafio!
Tomando com certa sua boa vontade, creio que certamente há falta de informação. Esse “dramalhão”, “caricato e exagerado”, é a realidade dos milhões de excluídos, pertencentes ao Brasil 2 cuja existência o Brasil 1 nega,
Conto com tom seco, direto e quase letárgico, tudo em harmonia com a psique de uma personagem que não parece existir, mas apenas transitar pelo mundo. Só se percebe como alguém quando empoderada de violência e vingança. Gostei do conto no geral, da escolha da autora em utilizar frases curtas e ir tocando o drama assim, de uma maneira muito direta, mas sempre em acordo com o estado de brisa (enevoada) da narradora. Há certo exagero, em algumas passagens, na forma como o drama é contado, mas se tratando de Brasil, é possível pensar que muitas das situações aqui descritas tenham acontecido realmente nessas instituições. Meu problema é mais na primeira parte, com a protagonista retornando em casa para apanhar alguns pães. De todas as investidas que a protagonista passou, essa foi a mais despropositada dentro do texto.
De qualquer forma, o conto tem estilo e coerência na sua maneira de contar. A personagem desenvolve-se ao longo da trama, transformando-se em outra coisa se compararmos seus estado no primeiro parágrafo com o último, o que evidencia o trabalho de quem escreveu a história.
Boa sorte no desafio!
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/funcionario-da-fundacao-casa-e-suspeito-de-estuprar-interna-de-16-anos-em-sp.ghtml
Exagero?
Leia o trecho à seguir:
“Há certo exagero, em algumas passagens, na forma como o drama é contado, mas se tratando de Brasil, é possível pensar que muitas das situações aqui descritas tenham acontecido realmente nessas instituições.”
Atente-se ao trecho: “[…] se tratando de Brasil, é possível pensar que muitas das situações aqui descritas tenham acontecido realmente nessas instituições”
Vamos mais fundo:
“[…] se tratando de Brasil” – Pelo histórico do país, não é tão exagero assim, como explico adiante.
“[…] é possível pensar que muitas situações […]” – Atenção para o “muitas”, não “poucas”!
“[…] tenham acontecido realmente nessas instituições” – Atenção para o “realmente”, ou seja, no mundo real.
Ou seja, o que aponta na notícia que me enviou, de fato, acontece e aconteceu em diversos momentos da nossa história, tanto em instituições voltadas para crianças e adolescentes, como em presídios e manicômios, o que reforça, Inclusive, meu comentário.
Agora, uma coisa é o fato dado: os abusos e violências cometidos pelo estado. Outra coisa é como inserir isso na trama, de modo que seja um bom conto, com estrutura dramática eficiente, desenvolvimento de personagem, trabalho com o conflito, inclusive para tratar de problemas reais. Encadear sofrimentos em série, de forma ordeira, martelando para o leitor, por mais que tenha respaldo no real, apesar da denúncia, não quer dizer que seja eficiente para a história que quer contar, pelo contrário. O retrato da violência se banaliza (no conto, apenas, que fique claro!) e perde o impacto.
Uma coisa é eu ler, por exemplo, o relatório produzido pela Comissão Da Verdade sobre o genocídio indígena durante a Ditadura Militar. Lá, vou encontrar uma lista de crimes horrendos e chocantes para qualquer pessoa que tenha o mínimo de sensibilidade. Agora, se eu pegar esses dados, esses fatos, e inserir em um conto de forma igualmente relatorial, seguida, constante, sem trabalhar com profundidade o impacto na vida dos personagens, dentro de uma estrutura do conto, até pela forma que o leitor se dispõe a ler esse tipo de texto, acaba, sim, soando exagerado.
Há um bom exemplo, fortíssimo, sobre o bom uso do real à serviço da trama, com tom denunciador e responsável de situações delicadas, como a que inseriu no seu texto. No livro As Meninas, Ligya Fagundes Telles coloca, na mão de uma personagem, revolucionário marxista, uma notícia de jornal que ela para e lê para um companheiro de luta. O que está descrito ali é real, de fato aconteceu, mas todo o contexto da “cena” foi preparada pela autora para nos atingir em cheio com o que gostaria de denunciar.
O fato de ter acontecido não quer dizer que, inserido no conto, soe como real. Acaba sim, infelizmente, parecendo exagerado. É preciso saber trabalhar, à serviço da ficção, com os fatos.
Acho que é isso.
Grande abraço!
“O fato de ter acontecido não quer dizer que, inserido no conto, soe como real.”. Kkkkkkk vou tomar isso como brincadeira. Aliás, os comentários em todo o desafio estão repletos dessa história de “inverossímil, inverossímil”. Parece um comentário padrão. Deixa pra lá, relaxa.
É, acho que falta, além de interpretação de texto, vontade de dialogar. O que sobra é o esperneio. 😴😴😴
Esperneio de quê, cara… o que tá sobrando aqui é essa história de “inverossímil” e outros clichês… aqui e em todos os comentários, em todos os contos…
Reposto aqui as considerações que fiz no grupo do facebook, pois não sei se nos acompanha por lá também!
Sobre a verossimilhança no conto e nos diálogos.
Aproveitando o incêndio causado pelo conto Névoa, acho que vale abrir um debate sobre a tal da verossimilhança nos contos!
Parto do seguinte princípio: se o conto tem raízes no real, no cotidiano, deve manter o leitor dentro desse mundo e tomar cuidado para não criar situações que o “tire” da leitura. O conto, fatalmente, é uma obra de ficção, mas adentramos em seu universo com a predisposição da crença, que pode facilmente ser quebrada com algum deslize. Aí entram as críticas como “os diálogos não soam naturais”, “a situação é um tanto absurda”, “há exagero na forma como os acontecimentos se desenrolam”, pois estávamos sendo levados por uma história crível, que gerava identificação, quando, de repente, esse “estranhamento” surge no texto. Não quer dizer que na vida real absurdos não aconteçam, mas não sou obrigado a achar natural uma situação aleatória, como um padre voando em balões, ou pessoas que fazem longos monólogos na fila da padaria só porque aconteceu no mundo real. Você pode ter presenciado o fato, ter visto uma notícia, o que não quer dizer que, para aquele texto específico, isso funcione.
Pode soar contraditório, mas é o que deixa a escrita charmosa: ela deve parecer real, sem o ser. Sim, pois desde a primeira palavra, tudo o que está lá é inventado, é planejado, é uma trilha enredada pelo autor ou autora para um final determinado, uma história com começo meio e fim. Por isso, quanto mais engenhoso for o escritor, melhor ele consegue escamotear esse planejamento, quanto menos artimanhas tiver para fazê-lo, mais o seu “plano” salta aos olhos de quem está lendo.
O mesmo vale para diálogos, onde esse argumento da verossimilhança é mais recorrente, pelo menos na minha experiência no EntreContos.
Os diálogos no mundo real, geralmente, são entrecortados, não possuem uma linha lógica definida, apela para digressões e variam de intenção e significado dependendo de seu contexto. Na ficção, até mesmo uma caminhada até a padaria tem uma função dramática, um papel narrativo, logo, ainda que as personagens falem sobre pães ou o clima, aquela conversa precisa ter algum subtexto, movimentar a história, algum significado, se não é apenas “gordura” na trama. Por isso reclamo quando vejo que o diálogo está num texto apenas para jogar informações na cara do leitor, com perguntas e respostas, descritivos (já cometi e ainda cometo esse erro!). Eu não coloco dois personagens para conversar apenas porque isso acontece no mundo real, mas porque quero e preciso movimentar a trama, enriquecer os personagens, trazer informações e características, eu manipulo a cena, as situações, para que pareçam reais, mas, de fato, não são.
Sobre o texto em questão, acho que ele sofreu um pouco desse mal. Pegou situações brutais e reais, mas da maneira como encadeou, como colocou na boca da personagem que narra em primeira pessoa, a impressão que dá, pinçando o comportamento da autora em seus comentários, é a intenção clara do texto em fazer essas denúncias, ou seja, minha predisposição à crença vai-se embora pois compreendo que é uma história que, objetivamente, tenta denunciar esses crimes, por isso os coloca na trama de maneira sequencial e muito recorrente. A intenção da autora salta à frente do conto, seu “plano” nos é revelado, e logo, perde o impacto.
Agora, se o autor tem a intenção de fazer um conto propositalmente poético, absurdo ou fora do mundo telúrico (aprendi essa palavra com o Angelo Rodrigues e vou usá-la em toda oportunidade), como são alguns contos do desafio (Sob a luz do Neon Roxo, Ele não sabia […], A tragédia de Silvina Maria, Nunca à terça-feira, A vidente – este, do desafio Monstruoso), não vejo problemas nem vou espernear sobre a verossimilhança do conto.
É isso, meu povo!
Agora a bucha é de vocês!
Meu caro, sua análise de verossimilhança é perfeita, e didática. Concordo, e pode até ser que isso se aplique no presente conto. A questão que me chama a atenção, no entanto, é outra.
O que me parece é que está havendo um exagero, uma tentativa excessiva de enquadrar todos os contos em aspectos negativos, tipo “social em excesso”, “panfletário”, “inverossímil”, “desajustado”, “contou muito”, “quebra de ritmo”, etc.
Assim, semelhante ao que você diz, a predisposição à aceitar crítica vai-se embora, e o objetivo principal, da evolução do autor, se perde.
Posso lhe garantir que nada do que falei tem intenção de defender meu conto, nem de receber notas, etc, Para mim, a participação é basicamente uma forma de evolução.
Mas considere, sinceramente, a seguinte situação: Vamos analisar o romance “Fome” do Nobel norueguês Knut Hamsun.
No livro, simplesmente, Hamsun percorre as ruas de Oslo, sem conseguir comida. Aqui e ali vende um artigo para o Jornal local e consegue algumas coroas que logo acabam.
Esse romance é incrível, e me marcou por toda a vida. Mas tenho certeza que a uma primeira vista, seria chamado de “panfletário” e “inverossímel”, “sem lastro com a realidade”, e não é nada disso.
Bom, eu só quis dar um toque, sem nenhuma pretensão. Lamento se causei algum aborrecimento a vocês.
No mais, bola pra frente.