Naquela manhã o dia estava parecendo mais a um entardecer de fim de outono, porém nada muito Antônio Firmino Monteiro e nem poderia, porque ele não estava no Rio de Janeiro… Mesmo assim, levantou-se, estendeu o corpo como se fosse um corredor de São Silvestre e uma vez alongada, colocou em sua cesta de vime uma toalha de convescote, quadriculada em branco e verde, sua preferida, uma garrafa de vinho, pães, queijos, geleias, uma garrafa de suco e um pote de abacaxi recém-fatiado. Tudo a seu gosto. Talvez aquela era a primeira vez que pensava em si.
Saiu para encontrar-se, pensava. Seguiu o caminho arenoso, sem calçados, levando, a tiracolo, seu porta-livro e a cesta devidamente guarnecida. A água, que circundava seu caminho, fazia um barulho leve em seu encontro com o vento matutino, um casal de aves esvoaçava livre no céu, a mata ao fundo e na lateral ressoava seus gritos sutis na diversidade animal que lhe era própria.
Os pés descalços brincavam com o terreno morno e nenhuma sombra encobria seu caminho. Era tudo beleza e ousadia. Ao longe, muito longe, sinos invisíveis aos seus olhos badalavam. A Natureza farfalhava indiferente, porém feliz. Sentou-se muito perto da água e estendeu ali sua toalha escolhida, depositou sobre ela o cesto e, retirando o livro que desejava ler naquele dia, recostou-se, não sem antes servir-se de uma taça de vinho.
Ler ali, enquanto curtia aquele recorte de natureza, era uma experiência libertadora. Entre as páginas do livro, encontrava a paz desejada mesmo quando o antagonista avançava em sua vingança. Na ficção, diferente da vida, o mal sempre perde. E, se antes preferia a realidade, agora a arte era o caminho escolhido para se estabelecer e de onde não desejava sair.
Ali, olhando a natureza, não lembrava de advogados, juízes, promotores e testemunhas falsas. Sequer pensava em julgamentos comprometidos e prisões clandestinas. Não era senhor da verdade, escritor de denúncias inúteis e nem mesmo vítima de uma investigação clandestina. Era livre para sentir e até sonhar…
De repente, o cheiro das folhas úmidas misturou-se com o odor acre de urina envelhecida. Sua urina…
De onde estava, tudo o que via era uma tela, não sabia se era óleo ou guache. A distância e a miopia impediam que percebesse qual o tipo de pintura. O restinho de ironia que fazia viver dizia que não era sumiê e o nome que ela só entendia do meio para o final lhe dizia que o artista não era um japonês. Era algo como Stegues Batista… Sabia também que era uma cópia. Seu parco conhecimento de arte pictórica lhe dizia que, naquela proporção quase a cobrir a parede, não deveria realmente ser uma tela original. Talvez fora instalado ali para perturbar quem esteve ali antes dele, talvez pelo mesmo motivo…
E ele sabia quem tinha estado ali antes. E, antes deles, ali tinha vivido outros que denunciavam a mediocridade e a degradação do que para ele era Cultura. Aquele quadro, que o fizera sonhar, era sua última visão de beleza. A realidade voltava brusca com a lembrança das últimas palavras ouvidas: “Amanhã você morrerá”. E, diferente do romance, o amanhã não é para sempre, é hoje. E ele sabe que, os passos que ouve agora é sua última sinfonia… Depois seria o fim.
Narrativa curta e envolvente. Uma ótima criação baseada em outra arte, letras e pinceladas se misturam em harmonia. Parabéns.
Grata! Vindo de ti é um excelente elogio.
Que dupla, hein?!. Muito belo o quadro, bela ideia e desenvolvimento do texto baseado nele. Parabéns aos dois.
Uau! Agradeço!
Um excelente exercício de criação literária! Parabéns aos envolvidos, Antônio e Lorena! 👏👏👏
Agradecida, Anderson Prado.
Que conto maravilhoso. Me senti fazendo parte da narrativa…Parabéns..Linda escrita.
Agradecida, Fabio.
Parabéns Elisabete
Lindo me fez viajar o seu conto 💕
Agradeço sua leitura, Arimacele.
Delicia de conto, que mente fértil vc tem.
Amiga, Juh! Agradeço sua leitura.
Parabéns!!! Para os amantes da literatura, este conto está perfeito! Nos leva a viajar com o personagem!!! Amei
Mestre! Que honra ter sua leitura em meu Conto. Obrigada!
Parabéns, Elisabeth, pela bela narrativa; bacana ver essa sensação de completude do ser humano com a natureza, sentir a vida livre de interferências negativas.
Grata por sua leitura.
Muito bom. Até parece que sou um pintor famoso! Obrigado Lorena pelas referencias em teu conto, muito bem escrito, Você também pintou um quadro muito bonito.
Te agradeço por me inspirar. E fama é algo relativo. Para mim és famoso e tenho dito.