EntreContos

Detox Literário.

Aquela Presença no Quarto ao Lado (Lígia)

Fazia um ano que acordava antes do despertador.

Já conhecia todos os defeitos do teto do quarto. Cada rachadura, cada falha na pintura. Por anos, acordou antes das seis da manhã. Dolorosamente. Agora, que não precisava mais, seu relógio biológico havia se ajustado. O que podia fazer além de manter a rotina?

Não gostava do apito da chaleira, então colava no fogão, ouvindo o crepitar do fogo e os estalos do aço. Era um momento bom: não pensava em nada. Café passado e pão amanhecido com margarina. Depois do desayuno, debruçava-se na janela e enrolava o cigarro de palha do dia. Uma das únicas coisas que aprendera com seu pai antes dele sumir na vida. Tinha para si que era uma espécie de ritual inquebrável, uma homenagem a um estranho especial.

Pitava devagar, observando as idas e vindas dos carros, além de espiar a manhã alheia. Quase um hobby. A mãe que corria de um lado para o outro, orquestrando a partida dos filhos para a escola. O homem solitário bebericando uma xícara de café enquanto deslizava o dedo pela tela do celular. A senhorinha que cuidava da minifloresta da varanda junto de seu gato laranja. Aquele apartamento vazio por causa da pandemia.

Costumava reservar a manhã para a limpeza da casa, mas aquele dia era especial: sua prima iria visitá-la mais tarde.

Arrumou-se casualmente, mas sem esquecer da maquiagem. Era vaidosa. Antes de sair, deu uma última olhada para aquela porta que estava fechada há quase um ano. Suspirou. E saiu. Precisava comprar algumas coisas para garantir o sucesso da visita. Queijo colonial, salame, azeitonas temperadas, algumas latinhas de cervejas. Fazia quanto tempo que não bebia? Sorria pra si.

Assim que chegou no apartamento, esquentou o restante do macarrão da noite passada, e, assistindo o noticiário e parte do filme da tarde, comeu um pouco. Não queria exagerar: nos últimos tempos, sentia-se indisposta depois de comer muito. Com o prato na mesinha ao lado, deixou o corpo afundar na poltrona, onde a letargia chegou devagarinho, envolvendo-a num abraço traiçoeiro, embalando-a num sono repentino.

Não sonhou.

Acordou com o som do interfone. Toda desajustada, levantou-se num salto, correndo até a entrada.

— Boa tarde, dona Rita. Tem visita pra você… Perdão. Como é seu nome mesmo? Lígia — anunciou Seu Arlindo, o porteiro.

— Pode liberar.

Ajeitou a mesa, tentou cortar o salame, em vão, retirou a cerveja congelada e olhou-se uma última vez no espelho do banheiro: uma bagunça completa. Tinha estragado tudo.

Campainha.

— Ritinha, querida — Lígia entrou com tudo, beijinho de bochecha, duas vezes, e jogou a bolsa no sofá. — Olha, quitutes.

— Não é nada demais — sorriu timidamente. — Comprei cerveja, mas esqueci no congelador.

— Tudo bem, querida.

Lígia era uma erupção de extroversão. Havia esquecido como ela era. Não a via desde o dia do funeral.

— Como estão as coisas? — questionou sua prima, servindo-se de um pouco de salame e balançando a garrafa térmica. Vazia.

— Indo… Você sabe.

— Sei, sei.

Juntou-se à mesa.

— E o tio Beto?

— Está se recuperando. Aos poucos, mas está. O homem é guerreiro, conhece a figura — comentou Lígia.

— Saudades dos encontros de domingo

Época boa, de muitos sonhos.

— Todos têm. Visitei Terezinha, semana passada, disse a mesma coisa.

Mordiscou um pedaço de queijo, cabisbaixa.

— Então, conta, como está a vida agora que é livre? — Lígia se inclinou sobre a mesa, bastante ansiosa. — Namorando?

— Livre?

Lígia apontou para a porta que ficava sempre fechada.

— Ah, sim… Nada mudou, acho — foi sincera.

— Como assim?

— Fiquei tanto tempo sozinha, cuidando da mãe, que esqueci como namorar — aquele assunto a incomodava profundamente, mas tentou não transparecer isso.

— Que isso, Ritinha. Você sempre foi a mais bonita. A Hepburn das primas. Precisamos resolver isso!

— Não sei… Já tenho quarenta e sete anos…

— Querida, cinquenta é o novo trinta, não sabia? Olha aqui — tirou o celular do bolso da calça, deslizou o dedo pela tela e mostrou uma foto. — Meu novo namorado. Bonitão, né? Tem que ver o amigo dele, Ronaldo. Um pitéu. Vamos sair nesse final de semana, barzinho na orla. Vamos?

Ficou indecisa.

— Vou pensar.

Mesmo mudando de assunto, durante o restante da visita, não conseguiu tirar uma palavra da cabeça: liberdade.

— Não esquece. Sábado, de noite.

— Ainda estou pensando — avisou.

— Já está decidido, querida. Depois te ligo, pra combinarmos direitinho.

Lígia foi embora, mas deixou pra trás uma grande tempestade de emoções. Vislumbrou a porta do antigo quarto da mãe. Não estava trancada. Aproximou-se e tocou na maçaneta. Fria. Deveria entrar? Antes mesmo de terminar o pensamento, o rangido que não ouvia há tanto tempo inundou o apartamento.

Não tinha mais volta.

A velha cama-baú de madeira, as bonequinhas de porcelana nas estantes, a penteadeira com perfumes franceses. Tudo igual. Sentou-se no colchão duro e alisou a roupa de cama, a mesma do último dia que vira sua mãe fora do hospital. Seda. O favorito dela.

Por que insistiam em dizer que ela estava livre agora?

“Ritinha, você perdeu sete anos da sua vida, está na hora de aproveitar.”

Nunca foi obrigação. Foi amor. Muito amor. Aquele último ano, desde que vira sua mãe no caixão, foi o único período em que se sentiu presa. Ao passado. Ao sentimento de vazio. Mantinha a porta fechada com a esperança de escutar a sineta que ouvira por anos. O que faria a partir de agora? Ela realmente partira. E deixou-a pra trás.

Não foi o tempo que fora roubado. Mas sim a pessoa mais importante da sua vida.

Antes de sair, contemplou o ambiente uma última vez. Não sabia quanto tempo demoraria pra abrir a porta novamente, mas sabia de uma coisa: aquela presença no quarto ao lado nunca desapareceria.

Sobre Fabio Baptista

15 comentários em “Aquela Presença no Quarto ao Lado (Lígia)

  1. Jorge Santos
    13 de maio de 2024

    Olá, tendo perdido recentemente o meu pai, senti profundamente este seu texto. Embora tenha sido uma passagem rápida, sei da dor que o processo causou à minha mãe. Mais do que isso, agora aos 53 já começo a ver o mesmo processo com familiares próximos.

    Os anos perdidos a cuidar dos entes queridos não podem ser considerados uma perda nem um roubo. Fazem parte de um retorno emocional. Há uma frase no seu texto que me tocou especialmente: “Aquele último ano, desde que vira sua mãe no caixão, foi o único período em que se sentiu presa.”

    Em termos de narrativa, estamos perante uma autora com experiência, que sabe prender o leitor. A trama é revelada aos poucos, com calma. As personagens são bem desenvolvidas. O desfecho é impactante. A adequação ao tema deve ter sido, para outros comentadores, ténue. Para mim o suposto “roubo” do tempo de vida, bem como a sensação de roubo da presença da pessoa amada, é adequação mais do que suficiente. Parabéns.

  2. Queli
    11 de maio de 2024

    Que texto maravilhoso. Gostoso de ler, a gente sente e se emociona junto com a protagonista. Um conto que machuca, ainda mais sendo dia das mães amanhã. Triste e belo.

    O tema ficou bem forçado, mas o conto é muito bom.

    Parabéns! Boa sorte!

  3. Cícero Robson
    6 de maio de 2024

    Oi, Lígia!

    Você escreveu um conto que nos transporta para dentro do apartamento. Imaginamos o ambiente, as sensações e a solidão da protagonista. A história flui bem e convence na proposta de mostrar a ausência/presença de um ente querido.

    Muito bem!

  4. Regina Ruth Rincon Caires
    4 de maio de 2024

    Aqui o leitor percebe como, tendo técnica apurada, o autor pode contar uma linda história em poucas palavras. Uma delicadeza de conto.

    Só precisei pesquisar uma palavra: “desayuno”, e fiquei surpresa. Sou de família espanhola “da gema” e nunca ouvi esse termo.

    Bom, vamos ao conto. Bem escrito, estrutura muito boa, linguagem clara (tirando o “desayuno”  kkkkk). Gosto de texto que trabalha sentimentos ternos e que tem a competência de enlaçar o leitor com brandura. O autor é mestre.

    “Aquele último ano, desde que vira sua mãe no caixão, foi o único período em que se sentiu presa. Ao passado. Ao sentimento de vazio. Mantinha a porta fechada com a esperança de escutar a sineta que ouvira por anos. O que faria a partir de agora? Ela realmente partira. E deixou-a pra trás.”

    O tema leva a pensar: roubo do tempo ou roubo da vida (da alegria)? Só posso dizer que foi uma leitura deliciosa.

    Parabéns pelo trabalho, Lígia!

    Boa sorte no desafio!

    Abraço.

  5. Gustavo Araujo
    3 de maio de 2024

    Dentre os contos que li até agora, este se sobressai pelo completo domínio da técnica. É uma história redonda, com personagens cativantes e profundos, com o tipo de tema que toca a maioria das pessoas, a morte de alguém querido – no caso, a mãe. Realmente, não dá para passar incólume por algo assim, já que, cedo ou tarde, é preciso encarar esse que é luto mais cruel que se pode experimentar. Nesse aspecto, o conto ganha pontos já que não cai na armadilha do dramalhão puro e simples. Antes, faz o leitor perceber o peso da perda pelo que não está escrito, isto é, é um conto que brilha por conta de suas entrelinhas, por conta de suas sutilezas. É comum vermos dicas aqui e ali sobre como escritores devem evitar o contar e apostar no mostrar. É o que ocorre aqui. Lição de quem entende do assunto.

    O lado não-tão-positivo assim é a ausência dos temas do certame. Não sou do tipo chato que precisa que o tema seja abordado de forma concreta. Como o próprio regulamento previu, a abordagem metafórica também é permitida, o que torna plausível que se fale em roubo ou viagem de modo abstrato. Porém, não creio que roubo de tempo ou da pessoa querida  se encaixem aqui, já que a nossa protagonista voluntariou-se para acompanhar a mãe até o fim e esse fim era inevitável. Ou seja, o tempo não foi roubado dela; ela é que dedicou todos os minutos à mãe e o fez de forma consciente. Do mesmo modo, se encararmos que toda morte nos priva do convívio de quem amamos, então podemos considerar a natureza como a maior ladra de todos os tempos…

    Outro aspecto que me incomodou um tantinho foi que havia muito mais a explorar na vida da Rita. Com efeito, o limite de 3500 palavras poderia ter sido mais bem aproveitado nesse sentido, fazendo com que pudéssemos, por exemplo, acompanha-la na aventura com a amiga Lígia, por exemplo. O que quero dizer é que o autor poderia ter ido mais longe, mas, ao que parece (desculpe a minha rabugice) preferiu manter-se na zona de conforto e parar num ponto onde se sentia mais seguro. Claro, esta é uma opinião pessoal e não há nada de errado com contos curtos, mas é que para mim, realmente ficou um gostinho de quero mais – culpa, claro, da perícia do autor com as palavras.

    Apesar desses aspectos que, para mim, poderiam ser mais bem explorados, quero reforçar que o conto é ótimo. Tenho certeza de que muitos irão apreciá-lo. Parabéns e boa sorte no desafio.

  6. Thales Soares
    3 de maio de 2024

    Escrita:

    A narrativa corre de forma fluida e prazerosa de se ler. Nota-se que o autor possui bastante habilidade na escrita, e sabe criar situações mundanas que ficam bastante claras na mente do leitor. Alguns poucos errinhos apareceram:

    “Uma das únicas coisas que aprendera com seu pai antes dele sumir na vida.”

    Correto: “antes de ele sumir”

    “Assim que chegou no apartamento, esquentou o restante do macarrão da noite passada, e, assistindo o noticiário e parte do filme da tarde, comeu um pouco.”

    Correto: “assistindo ao noticiário”

    Fora isso, vi diversos “pra”, onde acredito que ficaria melhor “para”, exceto nas falas dos personagens, que são propositalmente mais coloquiais. Mas isso é só a minha opinião, e não sou professor de português e nem nada. Daqui a pouco a Claudia aparece aqui pra dar um veredito mais embasado a respeito desse assunto.

    Uma trecho que achei um pouco ambíguo:

    “Lígia foi embora, mas deixou pra trás uma grande tempestade de emoções. Vislumbrou a porta do antigo quarto da mãe. Não estava trancada. Aproximou-se e tocou na maçaneta.”

    Quem está fazendo isso? Achei que ficou confuso o sujeito dessa frase. Inicialmente eu pensei que fosse a Lígia que estivesse vislumbrando e abrindo a porta, pois a frase utiliza ela como sujeito, fazendo com que ela assuma o protagonismo dos verbos aqui empregados.

    Mas no geral, pra mim, a escrita está de alto nível.

    Tema:

    Achei um pouco forçado, mas compreensível. Sou um cara mais literal, então possuo um tiquinho de dificuldade para compreender essas aplicações do tema mais viajadas que alguns autores estão fazendo. Mas acho que este conto se encaixou no desafio. No entanto, nesta frase aqui nota-se a preocupação do autor em evitar de perder nota por inadequação ao tema:

    “Não foi o tempo que fora roubado. Mas sim a pessoa mais importante da sua vida.”

    Fico pensando que se esse conto estivesse num outro contexto, fora de um desafio sobre roubo, o autor colocaria essa frase. O “roubado” aqui está fazendo papel de “perdido”, porém essa troca sagaz das duas palavras evidenciou de que o texto contempla o tema aqui proposto.

    Mas tudo bem… foi melhor do que o autor colocar, sem motivo nenhum, a Ligia viajando de outra cidade para visitar a Rita, só para dar um migué e dizer que o conto tem viagem, que é outra possibilidade de tema deste desafio. Isso seria realmente muito paia, pois não agregaria em nada na história, e é algo que percebo que alguns contistas estão fazendo…

    Enredo:

    Aqui vou ter que sacar minha pedra. Mas é uma pedra pequena, pois é a pedra do gosto pessoal. Não consegui me conectar em nada com esta história. Calma, autor, não foi culpa sua… foi minha. Drama dificilmente mexe comigo, a não ser que seja algo extraordinário! O daqui, no entanto, é bastante comum. Um drama básico, eu diria, daqueles de novela. O que me desanimou foi que não vi criatividade sendo empregada no enredo, apenas na escrita. Se por um lado a história ficou maravilhosamente bem escrita, sua trama ficou desinteressante. Não há um clímax. Não há uma reviravolta. Não há um momento tenso. Há apenas duas comadres tomando o chá da tarde. Entendo que há quem aprecie esse tipo de coisa, mas eu não estou incluso nessa lista.

    Espero que o autor entenda o meu ponto de vista, e saiba que o que eu vou dizer agora é minha opinião pessoal, e qualquer um pode discordar livremente: eu não vejo graça em histórias mundanas onde nada acontece. Acho, inclusive, uma perda de tempo ler ou escrever algo assim, pois considero como uma leitura descartável. Daqui alguns minutos, não vou me lembrar dos personagens, que não foram marcantes para mim, e vou me esquecer completamente da narrativa, que não teve impacto algum. Este me parece apenas um texto criado por uma simples questão de exercício, como aquelas redações escolares, apenas para ganhar nota, mas que na semana seguinte todo mundo já se esquece completamente da sua existência. Eu, no meu gosto pessoal, prefiro infinitamente mais contos que me impactam de alguma forma, que ficam na minha memória, e que eu reflito sobre eles durante um tempo após a leitura, e às vezes me lembro deles mesmo depois de anos! Aqui, para mim, não há sobre o que eu refletir. Rita perdeu a mãe, e agora ela tem que seguir em frente. Ok, boa sorte Rita. E boa sorte para o autor deste conto.

    E aliás, como eu disse, tudo o que eu disse aqui é meramente minha humilde opinião. Digo isso pois muitas vezes o escritor cria uma conexão emocional com a história, e se entristece em ver alguém que não se sentiu agradado durante a leitura. Principalmente se for um texto mais pessoal, criado como forma de desabafo. Se esse for o caso, e o autor ou autora for a Rita, tendo sofrido uma perda recentemente, eu quero dizer que sinto muito, e retiro meu questionamento sobre o motivo de esta história existir. Caso seja meramente uma obra de ficção, tudo bem também, pelo menos ficou bem escrito, e tenho certeza de que muitas pessoas vão apreciar.

    Conclusão:

    PONTOS POSITIVOS:

    -Escrita muito boa, com descrições que fazem o leitor se sentir tomando um café da tarde junto com duas senhorinhas.

    PONTOS NEGATIVOS:

    -Falta de propósito para a história.

    -Ausência de clímax ou de qualquer coisa interessante no enredo.

  7. Angelo Rodrigues
    2 de maio de 2024

    Olá, Lígia.

    Comentários:

    Um ótimo conto, cujo discurso é bastante suave, mostrando a dedicação permanente e preocupada da filha pela mãe com quem conviveu naquela casa, certamente nos momentos bons e ruins. Um doce e bem ajustado relato das relações familiares, gostoso de ler.

    O conto, curiosamente, começa falando da personagem sem indicar o gênero, embora, por conta dos arquétipos conhecidos, dá a entender que seja um homem – café passado, cigarro de palha e tal. Não é um homem, é uma mulher. Não ficou mal. Passou com suavidade a ideia de véu que permeia o conto.

    O autor, não imagino se de propósito ou não, põe sobre o texto um conjunto de incertezas. As palavras não são diretas, não conduzem objetivamente ao objeto tratado. Na passagem

    Pitava devagar, observando as idas e vindas dos carros, além de espiar a manhã alheia. Quase um hobby. A mãe que corria de um lado para o outro, orquestrando a partida dos filhos para a escola. O homem solitário bebericando uma xícara de café enquanto deslizava o dedo pela tela do celular. A senhorinha que cuidava da minifloresta da varanda junto de seu gato laranja. Aquele apartamento vazio por causa da pandemia.”,

    não é explícito que a tal mãe – não a da protagonista – não esteja dentro do mesmo ambiente que a protagonista, assim por diante. Creio que, nesse ponto o texto poderia ser mais claro, dizendo algo como

    Pitava devagar, observando as idas e vindas dos carros, além de espiar a manhã alheia. Quase um hobby: a mãe que corria de um lado para o outro, orquestrando a partida dos filhos para a escola; o homem…”,

    dado que o que se passa aos olhos da protagonista – provavelmente em um prédio do outro lado de uma rua – é uma sequência de fatos, não um relato íntimo ao qual se submete diretamente.

    Há um outro trecho que diz

    “Suspirou. E saiu. Precisava comprar algumas coisas para garantir o sucesso da visita…”.

    Contrapondo-se ao

    “Assim que chegou no apartamento, esquentou o restante do macarrão…”,

    Creio que é também dúbio o verbo, dado que a protagonista, após sair, voltou para onde estava. Creio que os verbos voltar ou retornar seriam mais adequados que o verbo chegar.

    Não obstante os dois comentários acima, achei o conto muito legal, e só fiz esses tais comentários na tentativa de, na parte construtiva do texto, somar algo de bom a ele.

    A construção das ideias, a explicitação do carinho da filha pela mãe, estão muito bem conduzidos pelo autor, que pôs no texto muito calor humano.

    Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.

  8. Antonio Stegues Batista
    2 de maio de 2024

    O conto é uma bela homenagem à mãe, e à boa filha que  renuncia seus sonhos para cuidar dela porque está velhinha, às vezes doente, e merece passar seus últimos anos tranquila e no conforto do lar. Então, a protagonista passou grande parte de sua vida cuidando da mãe, agora que a mãe partiu, sente falta dela e não quer se desfazer de suas coisas, mas é hora de dizer;  missão cumprida e seguir em frente. Isso aí, cumpriu seu dever, suas missão e bola pra frente. A vida é assim mesmo. Muito bom conto.

  9. Luis Guilherme Banzi Florido
    2 de maio de 2024

    Olá, Lígia! Tudo bem?

    Eu estava seguindo um padrão bem organizadinho de comentários, que eu copiava e colava usando a mesma estrutura pra todos. Infelizmente, agora estou voltando pro Brasil e no avião preciso usar o cel, de modo que todo meu padrão foi pro beleléu. Desculpe. Ainda assim, vou comentar com o mesmo empenho e usando os mesmos parâmetros e seriedade. Vamos lá!

    A principal virtude desse conto é sua técnica impecável. Com certeza você é um escritor(a) experiente e muito competente. As descrições e diálogos são fluidos e naturais, e é possível compartilhar a dor e luto da protagonista.

    Curiosamente, eu achei que esse conto seria um terror ou suspense, talvez por causa do nome, então fiquei o tempo todo esperando algo assustador acontecer, e de repente o conto acabou. Devo admitir que foi um pouco frustrante, mas isso tem mais a ver com minha expectativa do que com você. De todo modo, o impacto que o conto me causou acabou sendo reduzido por algo que considerei não tão marcante.

    Além disso, o encontro com a prima, ainda que muito bem construído, e com duas personagens incrivelmente reais, me pareceu um pouco vago, não sei. Eu imagino que a ideia do autor(a) é apresentar um slice of life que trate da realidade sem muitos floreios, então o encontro é apresentado de forma casual, como aconteceria normalmente na vida real. Digo tudo isso somente pra mostrar que, apesar de ser uma leitura muito agradável, esse conto não me impactou muito. O final também foi um pouco brusco e me deixou com uma sensação de que faltou algo.

    Por outro lado, existe uma construção de mistério que me agradou, uma vez que vamos descobrindo aos poucos sobre o que aconteceu com a protagonista. Claramente ela está de luto, mas quem morreu? Não foi difícil deduzir que era a mãe ou o pai, mas o mais surpreendente acabou sendo a ausência de um final feliz ou positivo, o que combina com a atmosfera de vida real que você criou para a história.

    Por último, desculpe, mas acho impossível encaixar o conto nos temas propostos, mesmo que eu me esforce pra aceitar “roubo de tempo” como algo válido. Tudo bem que existe uma espécie de plot twist sobre o tempo roubado não ser aquele que ela passou ajudando a mãe, mas sim o tempo que passou sem ela. Assim, é como se a vida tivesse roubado o tempo que ela ainda podia passar com a mãe. Bom, pensando bem, até que não é tão deslocado do tema assim. Vou tirar pontos de adequação, mas não muitos, nesse caso.

    Construção de personagens: 9
    Enredo: 5
    Ritmo: 9
    Técnica: 10
    Desfecho: 6,5
    Dedução de pontos por falta de adequação ao tema: -2

    Nota final: 7,5

    Parabéns e boa sorte!

  10. Kelly Hatanaka
    1 de maio de 2024

    Costumo avaliar os contos com base nos seguintes quesitos: Tema, valendo 1 ponto, Escrita, valendo 2, Enredo, valendo 3 e Impacto, valendo 4. Abaixo, meus comentários.

    Tema
    Não encontrei o tema neste conto. Depois de escrever o comentário, fui xeretar os comentários anteriores. Tampouco entendi essa ideia de roubo do tempo. Rita mesma diz que nada foi obrigação, foi amor. Ou seja, também não foi roubo: foi doação.

    Escrita
    Muito boa, linda mesmo. Mas alguns elementos foram conduzindo meus pensamentos por caminhos errados, achei engraçado. Isso não é um defeito, é só uma curiosidade mesmo. No começo da leitura, achava que a personagem era mulher. A descrição do fogo crepitando e estalos do aço me levaram para um fogão a lenha, um ambiente rural. Daí ela enrolava o cigarro de palha e substituí ela por ele. Ó que coisa mais machista? Kkkkk Daí, as idas e vinda dos carros, o homem tomando café e vendo o celular, e pronto, estamos na cidade. À medida que a narrativa avançava, fui redesenhando o ambiente.

    Enredo
    Rita se recupera da perda da mãe e recebe a visita da prima que tenta convencê-la a retomar a vida.
    Uma história bonita, com uma conclusão inesperada. Esperava-se, eu, ao menos, esperava, uma epifania de Rita, que a levasse de volta à vida, ou que confrontasse um passado doloroso. Mas, nada disso. É apenas uma filha que sente falta da mãe, de quem cuidou por amor, não por obrigação.

    Impacto
    É uma história suave, conduzida de forma leve e com uma conclusão doce. O impacto também é leve e suave.

  11. Marco
    1 de maio de 2024

    Em primeiro lugar: durante este desafio eu não terei acesso a um teclado brasileiro, então os meus comentários serão desprovidos da maioria dos acentos. Perdão pela dor nos olhos!
    Em segundo lugar: resolvi adotar um estilo mais explícito de avaliação, pegando emprestado do que o Leo Jardim fazia antes, com categorias e estrelinhas, e também deixando no final um “trecho inspirado”, que é uma parte do conto que achei particularmente bela ou marcante.

    —————————————-

    Avaliação

    Um conto bonito. Gostei de como os detalhes do enredo sao revelados em doses homeopaticas. O texto eh um momento na vida de Rita – um momento que vem apos sete anos de sacrificio, cuidando da mae doente. O conto segue uma estrutura muito boa, com Rita iniciando em um ponto baixo do seu drama, mas terminando em um tom elevado, de recuperacao e reencontro consigo mesma. Eh o tipo de conto que sei ter sido escrito por quem sabe o que esta fazendo!

    Gostei do titulo tambem, que adiciona ao impacto da leitura, e gostei do nome da autora, que acaba sendo tambem uma personagem. 😊

    TÉCNICA ●●● (3/3)
    Escrita impecavel. O conto tem estrutura, eh bem bolado, tem sentimento e ambientacao.

    HISTÓRIA ●●◌ (2/3)
    A historia eh simples. A joia deste conto esta na tecnica, no sentimento e nas reflexoes que ele inspira.

    TEMA ◒◌ (0.5/2)
    Infelizmente, o conto nao tem nada a ver com os temas Roubo ou Viagem. Nao fosse uma pequena frase escrita no final, a alusao ao roubo eh puramente subjetiva.

    IMPACTO ● (1/1)
    O conto passa bem a letargia de Rita, e a situacao narrada eh muito humana, e ressoa em qualquer pessoa que passou pelo mesmo. Dificil nao se sentir impactado pela leitura.

    ORIGINALIDADE ● (1/1)
    O conto tem personalidade, nao parece formulaico ou raso. Gostei!

    Trecho inspirado

    “Vislumbrou a porta do antigo quarto da mãe. Não estava trancada. Aproximou-se e tocou na maçaneta. Fria.”

    Um toque interessante de morbidez que adiciona muito no texto. O quarto da mae, de porta fechada ha um ano, tem a macaneta fria, como se estivesse morto. Muito interessante.

  12. Thiago Amaral
    30 de abril de 2024

    Oi Lígia, tudo bem?

    Seu texto não é apenas um slice of life, mas também um conto de mistério. Ao longo dele, vamos pegando pistas sobre o que tem acontecido na vida de Rita. Me senti instigado a descobrir.

    A narrativa é vagarosa e vai nos contando detalhes do cotidiano da protagonista. Isso contribuiu a um sentimento que, ao fim do conto, me parece uma melancolia muito parecida à que a própria personagem sente. Uma torpeza, como na parte do sofá. Acho que o conto funciona bem no sentido de passar as emoções de Rita ao leitor.

    Apesar desses elementos positivos, o que é descrito em si não me causou muito impacto. O diálogo com Lígia também me soou exatamente algo que eu presenciaria na vida real. Nada de especial, apenas extremamente mundano. Aqui eu me sinto ambíguo, pois ao mesmo tempo em que eu queria algo mais interessante, a realidade dos acontecimentos parece ser exatamente o que o conto precisa. Então cabe a você, Lígia, decidir se gosta do resultado ou se queria causar mais impacto com as descrições e diálogo, se queria algo mais original, etc.

    No fim, minha nota será mais por meu gosto pessoal e o que gostaria de ler do que por sua habilidade, já que o texto está bem escrito.

    Gostei bastante do trecho: “Lígia foi embora, mas deixou pra trás uma grande tempestade de emoções.”

    Obrigado pela contribuição e até a próxima!

  13. Priscila Pereira
    29 de abril de 2024

    Olá, Lígia! Tudo bem?

    Vou deixar minhas impressões sobre seu conto, lembrando que é a minha opinião e não a verdade absoluta. (Obviamente)

    Então, amei a imagem do seu conto e Lígia é o nome da minha mãe 😍 então quebrei a ordem de leitura e vim ler esse conto!

    Primeira coisa que percebi foi a escrita! Maravilhosa! Segura, clara, cheia de personalidade, amei!

    A personagem é muito real! Parece que estamos vendo um dia da intimidade, dos sentimentos e pensamentos de uma mulher real e isso é muito difícil de fazer. Todos podem se identificar com ela. Quem não perdeu alguém recentemente? Quem não teve e tem o tempo roubado por inúmeras situações e circunstâncias?

    O tema está presente de duas formas, no roubo do tempo e assim da vida da Rita e no mais doloroso, no roubo da mãe… eu perdi meu pai na pandemia e esse roubo é o pior de todos. Então, como disse, muita gente vai se identificar bastante.

    Querida, Lígia, seu conto é sensacional, cheio de sentimento e verdade. Eu amei muito! Espero que possamos ser amigas! 🥰❤️

    Parabéns pelo conto!

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

  14. redonda
    28 de abril de 2024

    Gostei muito deste texto (não estou a concorrer, apenas sigo o blogue, por isso não tenho de explicar o porquê, mas talvez faça sentido fazê-lo mesmo assim – acreditei nas personagens e no que sentem

  15. vlaferrari
    28 de abril de 2024

    Um texto muito bom. Exclusivamente sobre roubo e um dos mais insólitos e perversos no final das contas: o roubo do tempo. O atenuante é que estamos todos fadados a ser roubados dessa mesma maneira. Aliás, deveríamos ter ciência disso, de que precisamos cuidar dos nossos pais da mesma forma que eles cuidaram de nós. Aprendemos da forma mais dura. Mas voltando ao que interessa, um texto moderado (nem curto demais e nem extenso demais), que prende a atenção e atiça a imaginação do leitor. Não percebi erros e a escrita é clara e fluída. Um ótimo candidato ao pódio, sem dúvidas.
    Sucesso no desafio.

E Então? O que achou?

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Informação

Publicado em 28 de abril de 2024 por em Viagem / Roubo.