A bem dizer, esta história já foi contada por um homem batuta cá de minha terra, escrevinhador de letra inteira, o senhor José Cândido, terminado de Carvalho, que bateu na porta do sobrado e intimou biografias.
– Falo não que em terras de meu sobrado mando eu!
Não respondo intimação. Meirinho na terra de Ponciano não tem vez. Sou coronel de mando e patente. Mas o tal do de Carvalho era das letras escritas e também das faladas. Começou de palavrório manso e quando vi estava arribado, folgazão na poltrona de Ponciano.
– História minha conto eu, e não gosto de intromissão!
O de Carvalho já estava arribado, ainda assim mandei sentar. E escolhi para ele a melhor poltrona. Acabou ficando onde estava mesmo, que a poltrona de Ponciano é a melhor da casa e de quantas léguas em derredor.
– Narrador não admito, que palavra de homem só tem boca em Ponciano!
O de Carvalho explicou que o problema era pouco: só usar a primeira pessoa. Não gosto de gente confiada. Só pergunto o que já sei. Do que não sei não faço alarde. Não importa a ordenação, da primeira à última, toda pessoa é pessoa, e disso não faço caso.
– Mas em biografia de Ponciano, só Ponciano fala!
Foi condição que fixei. Ponciano é varado, quando fixa, não arreda pé. É de minha graça ser suspeitoso: meirinho faço correr; juiz de província só recebo de garrucha; e jornalista dou trato de jararaca armada.
– Não quero nome de Ponciano sujado em folha de jornal!
O de Carvalho, jornalista de profissão e ganha-pão, explicou que causos de roça não vendem folha: a biografia era para encadernado, com capa, contracapa, orelha e tudo, no correto de livro para mão de moça. Não conto vantagem, discrição é de meus préstimos: de pastos e estradas, nunca se viu mais modesto. Mas, em papo de moça, Ponciano leva vantagem. Se era para tão delicadas mãos, a história de Ponciano encontrava bom fim. Mas adverti:
– Livro não é bicho pra ter orelha!
O caso ficou resolvido nos conformes de minha solução: livro sem orelha e narrado por mim na tal da primeira pessoa. O moço de Carvalho voltaria na manhã de todos os dias. Não no muito cedo nem no muito tarde: Ponciano é bicho madrugador, pois vaca só dá bom leite nas horas primeiras. E é por isso que acordo cedo e me ponho na vigia do galo. Se o pio tarda, dou pipoco de garrucha:
– Acorda pra dá pio, desgraçado!
Depois fico na adivinhação do sol:
– Levanta, preguiçoso!
Na manhã seguinte, no após o galo, todo magreloso, apareceu o de Carvalho naufragando de bombordo.
– É a máquina, coronel!
Munido da autorização do dia de antes, o de Carvalho tomou lugar na poltrona de Ponciano e tirou o aparelho da caixa. Fiquei no de pé, sem assento no espiar de cima, charutão descaído no beiço. Depois que o de Carvalho se colocou nos conforme, comecei o ditoso:
– Tome nota!
Eu falava e de Carvalho tiquetaqueava, na martelação das minhas palavras. Frase meia ainda, e o de Carvalho arrastava o rebolo da geringonça, interrompendo o meu contado. No respeito pelo moço doutor, aguentei quanto pude, mas culhão de Ponciano tem seus limites de educação:
– Em sobrado de Ponciano, milho só dá pipoca no autorizado!
Deixei a sala, estourando o batente da porta, na fixação de meus limites. Arribei o alazão e veredei pelos matos. Palavra de Ponciano não cabe em forma. Se o de Carvalho quisesse, que tomasse nota de pena e tinteiro, que de dar pena nunca morreu galinha: de bicho é que é feito o curral. Em sobrado de Ponciano, mania se cidade não encontra pasto. No dia seguinte, alinhado de convés, o de Carvalho deu entrada. Tomei assento na minha poltrona e, no estreitamento de relações, anunciei ao moço:
– Mandei instalar mesa e cadeira pro senhor trabalhar.
Muito agradecido, o moço jornaleiro e escritor encontrou acomodação de escriturário, no acostumado que tinha com lida de papel. Galinha não piou:
– Não é pena, coronel, é esferográfica.
Levantei da poltrona e me aproximei. Comecei o ditado para certificação do instrumento:
– Isso dá tinta?
O de Carvalho pediu mais palavra e, do meu falar, ia brotando tinta no papel. Para ver mais longe, dei descanso à poltrona e fiquei no de pé mesmo, puxando fumo e soltando palavra, no desconforme do contado. O doutor garatujava, passando os papéis do esquerdo para o direito. Do alto dos meus metros, eu urubuservava a biografia.
– Está bom, Coronel?
Dei aprovação, apesar do embaçado do charuto. A sala estava fumaçada, mas neguei ordem pra abrição de janela, na preservação do fresco do sobrado. Lá fora, o sol emprestava seu bafo ao pasto: boi bom busca sombra de copa larga. Na contação de meus íntimos, ganhei feição pelo moço de Carvalho e o convidei pro rega bofe. Enquanto palitava, eu seguia na contação, dando caminhos na biografia. O de Carvalho, desapegado da giêne dos dentes, tomava da caneta e ia dando fim à pilha dos em branco. História vai, história vem, e o pesado do estômago impunha sono. Tarde adiantada, eu cordava pro recolho do gato e o de Carvalho já tinha se retirado, no esperado de moço de bons modos. Dia seguinte, tava ele de novo metido no sobrado, tomando meus termos. A pregadinha miúda do casarão tomava ciúme:
– Que tanto desconversa esses dois?
Verão findado, casos contados, o moço de Carvalho partiu, novamente naufragando a bombordo, sob o peso do meu contado: duas resmas inteiras de uma vida bem vivida. O inverno findou na passação de sempre: frio e fino, molhado e brumoso. Verão seguinte, num dos primeiros dos dias quentes, o doutor tornou.
– Entre, compadre! Tome assento!
Como a mesa de escriturário não mais estivesse na sala, desimportei do de Carvalho ocupar a minha poltrona: estava tudo no de acordo, afinal, ele era o autor de minha biografia.
– Então é este o encadernado?
Indaguei e recebi a brochura embrulhada com barbante passado e repassado.
– É só puxar o laço, coronel.
Não me dou a delicados. Saquei a nordestina, presente doutros tempos, e dei cabo do barbante. Desbrulhei o papel vegetal e encontrei o ditoso.
– Gostou?
Indagou o moço jornaleiro. Antes de responder, li no distante, pra melhor das vistas:
– “O coronel e o lobisomem”…
O livrinho tinha tento: desvelava a minha macheza. Quem, se não eu, poria cabo daquele demônio de olhos vermelhos? Encontrei espaço e, em lugar vistante, acomodei o atestado de minhas honrarias. O de Carvalho louvou meus feitos:
– O coronel tem história!
Fiquei posterizado. Era agora tomar casamento, arrumar uns piás e plantar vegetal, que o livro já estava escrito. O meu nome não constou na capa, conforme o meu decidido. O de Carvalho até tinha dado menção de uma ideia afrescalhada:
– Se o coronel preferir, posso escrever como ghost writer.
Mas não gostei da parvoíce. Em burgo de Ponciano, só dá entrada latim e brasileiro, do jeito de falar da gente do fórum e da gente da terra, nos correspondentes:
– Nem português admito! Explique-se, doutor!
O de Carvalho deu tradução da ideia descabida: queria escrever de anônimo para que Ponciano de Azeredo Furtado assinasse como autor. Desaprovei:
– Não, senhor! O doutor que tome nota e assine, que eu vou querer ser ficção!
E deve ser aí que nasceu a confusão. Ponciano não é letrado, mas já deu lugar a muito chumaço de cartório. Deste canto até a capital, não se fabricou ainda melhor latinista. No sobrado, juiz de província só põe pé pra tomar consulta. Mas homem de pasto não perde tempo com letras: os assuntos do fórum são só pra deixar os papéis do sobrado nos conformes da justiça e evitar importúnio de meirinho. Quando dei cabo de mim, vieram me contar que, se eu tinha pedido ficção, não poderia exigir que o de Carvalho escrevesse biografia:
– Eu vou lá saber o que é ficção? Eu só não queria assinar como autor, mas era para o de Carvalho escrever sim biografia, tudo nos exatos conformes da verdade!
Foi o que eu disse quando começaram a aparecer os da vizinhança, despreocupados comigo. O primeiro a tomar terreno foi major Badejo dos Santos, senhor de terras das bandas do oeste, pastos em que deslustrei patente dando cabo de onça-pintada.
– Vim ver de olhos meus se coronel deitou os palmos.
Cobrei esclarecimentos, e o major apresentou explicação literata. Espizinhafrei:
– O major agora anda metido com livro de moça?
Não era o caso, explicou Badejo. A sobrinha, essa sim moça de letras, teúda e manteúda, que andava de cara metida na biografia de Ponciano, contou os finalmente do livro:
– O coronel morreu!
“Como assim?”, foi o que quis saber o major Badejo dos Santos. Professorada, a moça explicou, na desculpação da espoliação, que no final do romance o coronel, metido em briga doutro mundo, morria na caça do tinhoso e encampava pro céu. O major, desconvidado do velório, indagou:
– Mas que romance?
Ao que a sobrinha respondeu no ora esse:
– Este, titio: “O coronel e o lobisomem”, do José Cândido de Carvalho.
O major, desacostumado de lida com moça delicada, espadamou o tampo da mesa estilintando a prataria:
– Que romance, menina? Que romance? O coronel Ponciano de Azeredo Furtado não é dado dessas frescuras! É biografia dos contados da vida dele!
A menina, baciada de olhos, choramingou:
– Então, titio, sinto muito, porque, se é biografia, o coronel morreu.
Major Badejo, macho como só nos antigamentes, mas respeitoso das coisas do outro mundo, montou comissão para prestar últimos favores ao defunto, em acendeção de velas e cantação de rezas. Mas este coronel, que de morto só tem os anos passados, estava bem vivo para ouvir do major o conversio de moça delicada, que, aliás, vinha de carreira na comissão de luto. Major Badejo quis saber:
– Se o coronel está vivo, o que faço com a coroa de flores?
Não procuro confusão, mas não ponho termo na já começada:
– Deixe aqui, que vou mandar entregar ao de Carvalho!
Quando major Badejo e a comissão de velório montaram regresso sem tristeza de luto, mandei a negra Francisquinha me arrumar na cozinha uma moça ledora.
– Tome respeito, coronel, que não sou quitandeira!
Contornei os pudores da negra apresentando a brochura do de Carvalho:
– A moça só vai ler, Francisquinha. Juro!
Francisquinha não deve ter se vencido, pois me mandou uma mulatinha boa de formas, mas ruim de letras. No engasgado da moça, a leitura do encadernado levou mais de mês. Também, não contribuí, que isso de palavra me dá dor de cabeça e nas vistas.
– Mas sou eu quem lê, coronel!
Desimportava. De ver a moça lendo, a vista cansava e eu tirava uma cesta. E, quando a moça desengastava palavra, no ajuntamento das sílabas, era para afiançar as mentiras do de Carvalho, acusado que fui de não ter macheza de matar a onça, nem delicadeza de arrumar casamento. Botei capanga no regaço do de Carvalho que, desavisado por boca miúda, curtiu o Goytacazes e zarabatou pro Rio de Janeiro, onde o mando deste coronel encontra empecilho de patente. Eu devia ter desconfiado que gente caveirosa não compra confiança. Chamei meus capangas de volta pros currais pra ver se o de Carvalho tomava coragem e voltava pros interior, mas o homúnculo ficou pela capital, gozando os louros das mentiras que contou no seu romance amador.
– Amador sim, porque morto não conta história!
Se foi o de Carvalho mesmo que me contou que a biografia transvertida em ficção seria contada em primeira pessoa…
– De próprio punho do coronel!
… como é então que podia o coronel, no caso eu, morrer em cena final na cassação do tinhoso e depois ficar por aí na encrevinhação de livro biográfico, narrado na tal da primeira pessoa? A impossibilidade é cristã e metafísica, afiançara o padre Malaquias:
– Mortos não contam histórias, coronel, apenas esperam o juízo final.
À descompostura do padre, paguei em ave-marias, pais-nossos e no reforço do dízimo. Acima do coronel, só deus; no intermédio, o padre Malaquias, a quem sempre prestei as devidas homenagens e paguei os competentes valores. Diziam mesmo que a capelinha era de minha fundação, do que eu fazia modéstia:
– Ao pai o que é do pai.
Fiançado na palavra do padre, decidi tomar providência. Assinei petição de justiça e colhi os protocolos de cartório. Iria provar que estava vivo e, de alçada, ia firmar minha bala no couro da onça que fora acusado no romance de não ter matado. Embarafustei nas jurisprudências e estava preparado para dar cabo do de Carvalho quando fiquei sabendo de sua cascada:
– O livro ganhou o Jabuti!
O dito, na ambiência do fórum, pela boca meritíssima do doutor Secundino Peralva, vazou acompanhado dos tapinhas das felicitações. Já ali, em companhia lustrosa, senti resvalar os louros daquela fama. Pedi paramento no processo da justiça e resolvi aguardar uns costados. Não sou de espalhafatos, mas menos ainda sou de ingratidões: mandei bilhete de agradecimento aos que me felicitaram pelo Jabuti e organizei calhamaços:
– Francisquinha, mande vir novamente a moça ledora!
Segui acompanhando a fama do de Carvalho, sempre sob as franjas de minha luz. Ele escreveu outras histórias, nenhuma tão boa quanto as que lhe dei de empréstimo. Uns anos depois, o de Carvalho foi parar na Academia Brasileira de Letras. A cadeira de número 37 passou a ser minha, mas, como antes, deixei o de Carvalho sentar nela. Fui traduzido para língua de fresco: estou no português da turma de lá do oceano e também sou encontrado no inglês, espanhol, francês e alemão. Tudo isso me contou a mulatinha ledora, enquanto organizava o calhamaço de noticiosos sobre a vida e os prêmios que eu e o de Carvalho íamos ganhando. Confiada, a mulatinha palavrou:
– O coronel tem percurso!
Nos Goytacazes, todos conhecem minha valentia: sabem de cór e salteado que dei cabo da onça e dei termo ao lobisomem. Mas, pras bandas de lá, só dá povo ledor: tudo gente besta de acreditar que defunto narra em primeira pessoa. Se coronel há, sou eu, e estou bem vivo, pra contar e recontar a quantos quiserem ouvir. Tenho dito!
Resumo: Coronel Ponciano conta os bastidores de sua relação com José Cândido de Carvalho, desde a narração dos fatos que compuseram o livro, até os prêmios que recebeu. No meio do caminho, há tempo para os encontros e desencontros ocorridos por causa da obra. Acharam que ele estava morto, mas na verdade, permanecia lá, acompanhando tudo.
Impressões: honestamente falando, não é o tipo de literatura que costumo consumir. Até me surpreende, positivamente, ver alguém trazer um Imortal para um desafio fanfic. Isso é ótimo na realidade pois nos obriga a travar contato com aquilo que desconhecemos por opção, mas que não obstante é bom. Se há, de fato, algo positivo neste desafio, é essa necessidade imperiosa de ler todos os contos, de sair da nossa bolha, de entender que há boa literatura em rincões diferentes daqueles a que nos acostumamos.
Dito isso posso comentar que a história me agradou. Achei muito bem escrita, embora a maneira de narrar tenha me parecido um tanto estranha no início. Mas, é como ler Cormac Mc Crathy – depois de alguns parágrafos a leitura engrena e a gente se vai.
Pelo que saquei a ideia aqui foi criar uma história para explicar como José Cândido de Carvalho concebeu “O Coronel e o Lobisomem”, como se o coronel Ponciano fosse realmente uma pessoa — bem, talvez tenha sido mesmo, não uma, mas várias. A partir daí o autor do conto deixa a imaginação fluir quando, por exemplo, cita a confusão a respeito da morte do coronel, ocorrida no livro, mas não na vida real. Sim, foi uma ótima ideia trabalhar a receptividade do livro pela crítica, pela ABL e até em outros países pelos olhos de um personagem tornado real.
Algumas passagens, no entanto, me soaram forçadas, considerando que quem narrava o conto era um homem limitado culturalmente, como ele mesmo confessa. Não sei até que ponto ele saberia dizer com correção ghost writer ou se entenderia, de fato, a dimensão do Jabuti. Mas, enfim, são detalhes que não atrapalham o contexto geral. Definitivamente é um conto bacana de ler, divertido, diferente e inteligente.
Parabéns ao autor e boa sorte no desafio.
Nota: 5,0
O conto narra a história de como, supostamente, foi escrito o livro O Coronel e o Lobisomem, um clássico da literatura nacional.
O conto é muito bom. Achei uma ótima sacada o ghost writer. Achei conto é muito divertido, com várias passagens bem engraçadas.. A linguagem interiorana usada é bem adequada, apesar de, algumas vezes, travar um pouco a minha leitura. Boa sorte no desafio.
Olá, Cadeira 31, que delícia de conto você me traz. A escrita do romance por José Cândido de Carvalho como se fora biografia. A questão é que o nosso herói morre no final e aí o Coronel Ponciano subiu nos cascos. Quis porque quis justiçar o escrevedor, inclusive mentiroso, eis que contara que o coronel, dentre outros feitos, não havia matado a onça. Só que tem um porém. O livro fica famoso, ganha prêmios, divididos, obviamente, entre o autor e o Coronel e a raiva de Ponciano desaparece e ele até passa a louvar o seu biógrafo. Gostei muito do conto, gostei bastante do fato de ter criado a mesma atmosfera do romance. Tudo muito bom. Parabéns.
Descobre-se que o Coronel Ponciano existia mesmo e que o livro “O Coronel e o Lobisomem”, de José Cândido de Carvalho, era na verdadae uma biografia encomendada pelo coronel que, em suas leigas instruções, ordenou que fosse feita ficção. Primeiramente irritado, Ponciano passa a acompanhar a fama de Carvalho através dos jornais.
É um conto interessante de diversas formas. Ele anda sobre o muro no que diz respeito a Fanfic, o que sempre acho interessante: você distorceu um pouco o conceito mas, parando para pensar, dá para considerar ser fanfic sim. A ideia toda é muito boa, a de que o coronel era real. Bem original e bem pensada.
O problema para mim está na escrita. Não há problemas no uso da palavra nem na revisão; na verdade, parece que o conto foi revisado por um profissional. Mas a escrita é de 1800 ou coisa parecida, fazendo uso de construções não convencionais e de palavras e regionalismos que nem pelo cotexto são possíveis de inferir. Tive que ler a introdução três vezes para entender a proposta do conto. O fato de Ponciano falar de si mesmo em terceira pessoa não ajuda. Ao fim, com muita dificuldade consegui “engatar” na leitura e apreciar a comicidade e a esperteza de muitos trechos, mas quase desisti. E, ainda no meio, a leitura continua travada e arrastada por causa do uso desnecessário de um tom antiquado e pouquíssimo usado nos dias de hoje.
Ainda assim, uma vez que o leitor supere essa barreira gigante inicial, é um conto muito bom.
Reconto do romance de José Cândido de Carvalho onde este mesmo em carne e osso vai até Goytacazes tomar o relato de Ponciano, no fim o livro é premiado como na vida real.
Cadeira 31, simplesmente o melhor conto deste certame, na minha opinião. Eu sou um tipo de ficcionista que é fascinado por metalinguagem portanto estou derretido de amores por seu texto. Você contara o externo, como se tivesse posto um holofote nos bastidores da redação do romance de Carvalho, tanto que nem temos muitos detalhes do enredo da obra original, achei isso simplesmente genial! Simplesmente trocara os papéis, transformou o criador em ficção e a criatura em ser vivo.
A genialidade de seu conto já me pegou no pseudônimo, visto que a cadeira que José Cândido de Carvalho ocupou na ABL fora a 31, isso me fez notar que é um bom conhecedor não só da obra como do autor. Sua narração está perfeita, no regionalismo, na semelhança para com o original, nas referências à personalidade e ponderações de Ponciano (a mulata das boas curvas), na ambientação. Sinceramente, acredito que este não tenha apenas se tornado um dos meus contos favoritos do EC mas da vida! Sou leitor de Borges, não acredito em plágio, então até incentivaria para que você publicasse esse texto de alguma forma, outras pessoas além de nós aqui precisam ler esse relíquia. Carvalho estaria orgulhoso de seu trabalho, tenho certeza. Estou torcendo por esse conto, do fundo do leu coração. Incrível mesmo.
9. O coronel que, este sim, matou o lobisomem (Cadeira 31)
Original: O coronel e o lobisomem
Resumo: O de Carvalho escreve a biografia do Coronel Ponciano, que faz questão de narrar os fatos na primeira pessoa (e que é o narrador da história também), ainda que o ghost writer leve o nome no livro e se diga que o protagonista está morto, o que ele quer provar não ser verdade.
Comentário: fiel ao universo e imaginando que o autor tenha colhido o depoimento do seu personagem, o autor contrói a história com os maneirismos que imagino façam parte do universo da obra original. Ponto para ele, que soube transformar uma obra de referência numa fanfic “e se”. No entanto, me cansou um pouco a linguagem do narrador, ora autenticamente “coronelista”, ora culta e refinada. Mas é uma boa história, no cômputo geral. Parabéns ao autor.
Resumo: O coronel Ponciano narra o processo de escrita e publicação da sua biografia, escrita por José Cândido de Carvalho, mas contada por Ponciano, o que resultou no livro que foi publicado como ficção.
Comentários: Bom ritmo, linguagem coerente, o personagem do coronel tem uma personalidade bem construída. A forma como o coronel narra as cenas sem participar realmente, deixa no ar que ele é um fantasma. Conto interessante.
Olá, Cadeira 31.
Resumo da história: José Cândido entrevista em várias sessões o Coronel Ponciano sobre os fatos de sua vida, para escrever uma biografia. O Coronel prefere ficar como personagem fictício e que José Cãndido seja o autor de sua história cheia de causos e aventuras fantásticas. Como o personagem Ponciano morre no romance, isso geral confusão entre as pessoas que conheciam o coronel, que teve a principício impetos de provar que estava vivo, mas que mudou de ideia ao saber que o livro rendera um Prêmio Jabuti.
Análise do conto:
a. criatividade. 4/5 – é bastante boa a ideia de tornar o coronel em alguém real e de envolver o autor como alguém que escreveu uma biografia.
b. personagens. 4/5 – o coronel é bem desenvolvido, mas ofusca todos os demais.
c. escrita. 4/5 – é bastante bom a emulação da fala do coronel-narrador, das invenções linguísticas e tudo mais.
d. adequação ao tema. 5/5 – é fanfic de O coronel e o lobisomem
e. enredo. 3/5 – achei que a história valeu-se muito da personalidade enorme do narrador e da graça de seu falar, mas que apresentou poucos eventos e que terminou num tom meio professoral.
Boa sorte no desafio!
Resumo
Coronel Ponciano chama o jornalista que a havia escrito sua biografia para reescrevê-la na primeira pessoa enquanto ele próprio ditava o enredo. Quando o livro está pronto, Ponciano descobre que o jornalista havia escrito um romance, matando o coronel no final da trama, incapaz de matar a onça. Decide matar o jornalista, mas quando descobre que o livro havia ganhado o Jabuti desiste.
Comentário
Olá cadeira 31, não li a obra inteira de José Cândido de Carvalho, mas fui me inteirar para poder julgar seu conto de forma mais justa e contundente. E descobri logo de cara que você conseguiu replicar no seu texto a voz singular de Ponciano, revivendo a personagem de forma coerente e interessante e nos colocando naquele ambiente. Muito bom, parabéns. Percebi as semelhanças na linguagem, nas palavras utilizadas, no modo de contar a história, que é bastante particular.
Uma pena eu não ter o conhecimento completo da obra.
Texto interessante, fluido, bem escrito.
Não encontrei erros gramaticais, apenas este deslize: “A cadeira de número 37 passou a ser minha” – não seria a 31?
Resumo: FanFic espelhado no renomado “O Coronel e o Lobsomem”. Nesta narrativa o coronel Ponciano descreve sua biografia para um repórter.
Gramática: Linguagem original. Descreve com maestria o jeito próprio do falar brejeiro sem, no entanto, cair nos tão costumeiros vícios de linguagens. Como é de costume nas reproduções, dada à fala do homem do interior brasileiro, com o triste estigma dos clichês. Só o termo “teúda e manteúda” = amante, amásia, concubina, manceba. Já valeu a leitura.
Comentário Crítico: O conto trata com competência o personagem da obra original. O coronel foi convocado a dissertar sua biografia para um repórter. E é neste contexto que se desenvolve o enredo. E seu delicioso linguajar provinciano. O final surpreendente com o ser ou não ser de um romance, ou uma biografia em primeira pessoa, como assim é a obra inspiradora do conto. E acima de tudo a manutenção do humor típico do personagem. Embora eu tenha sentido falta do tom fantástico que a obra original imprime ao picaresco romance. Mas o conto se vale por si só.
Olá, Cadeira. É a primeira vez que comento um conto de uma peça de mobiliário, tal como é a primeira vez que ouço falar no livro que deu origem ao conto. Nele o escritor escreve a biografia de um coronel, que posteriormente, e sem a sua autorização, transforma num romance. O Coronel jura vingança mas entretanto o escritor já tinha fugido para a cidade.
Este foi um dos contos de que mais gostei até agora neste desafio. A ideia é criativa, o relacionamento com o texto original está feito de forma elegante, funcionando como uma história complementar, um making-of como se costuma fazer no cinema. O final é expectável: o coronel reconhece que tinha passado para a posteridade, mesmo não concordando com o formato da obra. O texto flui bem e prende o leitor.
O coronel que, este sim, matou o lobisomem (Cadeira 31)
Fala, Cadeira 31 (pena que agora seja o Merval!)
Resumo: A história da biografia de Coronel Ponciano, que por sua vez deu origem ao romance “o coronel e o lobisomem”, e suas consequências fatais, ou quase, para o protagonista.
Inicialmente, tenho tentado analisar a adequação ao tema. Nesse caso, resta claro que o conto atendeu perfeitamente a proposta do desafio criando um delicioso relato entre criador e criatura.
Esse conto resume exatamente o que espero desse desafio. Personagens bem elaborados que guardam todas as características e virtudes da obra original, bem como uma história que se cruza com o livro em questão e, por fim, traz toda a originalidade e criatividade do autor, em uma versão alternativa. Aqui, melhor ainda, uma versão alternativa da composição do relato axial.
Coronel Pociano revive aqui todo o seu esplendor. Sua verborragia fantástica e peculiar é explorada de maneira fidedigna, porém com todo o frescor que a historia pede. Seu jeito fanfarrão, que depois do filme só consigo imaginar na pelo do Diogo Vilela, a mola mestra que conduz o conto. A apresentação do escritor em começo de carreira foi muito bem executada, que mesmo diante das insólitas bravatas do personagem coronel, soam verossímeis em todos os aspectos.
Ademais, é justamente essa verossimilhança dentro do próprio universo da obra primária, que faz com que o leitor embarque com deleite nos delírios do protagonista. A confusão entre ficção e autobiografia foi uma sacada de mestre que conseguiu justificar toda a premissa da história. Os elementos como a covardia do Coronel, bem como o seu não letramento, ferramentas aproveitadas da melhor maneira possível para impulsionar a aventura. O desfecho é sublime e traz todo aquele humor presente no modelo, dando possibilidade de uma nova versão dos “fatos” e de sobra ainda tirando uma com os “letrados” que acreditam que morto pode narrar em primeira pessoa. (tópico inclusive de questões acadêmicas). Em efeito mostrando o espirito sempre atilado do Coronel.
Na parte técnica não há nada que possa ser apontado. Aqui o autor soube beber da mesma fonte e emular o clássico com extrema destreza. Ou seja, a obra pioneira pulsa em cada linha, em cada construção frasal. Destaco como exemplo, alguns trechos:
“Em sobrado de Ponciano, milho só dá pipoca no autorizado!” – típico e, ainda assim original.
“Mas não gostei da parvoíce. Em burgo de Ponciano, só dá entrada latim e brasileiro, do jeito de falar da gente do fórum e da gente da terra, nos correspondentes:”
Os diálogos foram bem aproveitados. Deram ritme e fluidez. Neles é possível sentir a voz do personagem, mas fogem da armadilha de se traduzir simplesmente um fluxo de consciência falado em voz alta. Seleciono esse como destaque:
“… como é então que podia o coronel, no caso eu, morrer em cena final na cassação do tinhoso e depois ficar por aí na encrevinhação de livro biográfico, narrado na tal da primeira pessoa? A
impossibilidade é cristã e metafísica, afiançara o padre Malaquias:
– Mortos não contam histórias, coronel, apenas esperam o juízo final.”
Por fim, recorto este trecho como acerto magistral mostrando toda a empáfia, que sempre se mostra falsa, do personagem bazófio, e que se aproveita disso para justificar a nova versão da coisa toda “
“A cadeira de número 37 passou a ser minha, mas, como antes, deixei o de Carvalho sentar nela.” Remetendo ao inicio da história com o dilema da poltrona.
Enfim, um conto fantástico que certamente estará no topo do desafio por todos os seus méritos.
Parabéns e boa sorte.
O coronel Ponciano é visitado por um escritor que deseja escrever uma história sobre ele. Ao longo do conto, vemos a “biografia” sendo escrita e, após a publicação, o coronel acompanha o sucesso da obra, que também considera como sua.
Oi!
Esse é o conto que mais gostei de ler por enquanto. Cada sentença é importante e revela algo a mais do narrador. Sempre engraçado e profundamente mergulhado na cabeça do protagonista.
Diversão completa, do começo ao fim.
Não li ainda a obra original. Conheço apenas o resumo. Mas esse conto aqui funciona muito bem por si só.
Parabéns!
RESUMO
Coronel Ponciano relata suas histórias de vida para o jornalista De Carvalho. Refere-se a si mesmo em terceira pessoa. Quase um ano depois, no verão seguinte, o jornalista volta com a biografia encadernada. Fica sabendo pelo Major Badejo que no final do romance, ele, o coronel, morria na caça do tinhoso e ia pro céu. Arruma então uma moça que leia o livro para ele a fim de saber o que o jornalista havia escrito sobre ele. O livro ganha o prêmio Jabuti dando fama a José Cândido de Carvalho e acaba indo parar na Academia Brasileira de Letras. O coronel sente que o sucesso é dele e afirma que todos conhecem sua valentia: que dera cabo da onça e do lobisomem,mas que os leitores iam acreditar no que estava escrito.
AVALIAÇÃO
FanFic de O Coronel e o Lobisomem, o conto está escrito em uma linguagem peculiar, o que dá um toque criativo ao texto como um todo. Os personagens estão bem caracterizados e interagem de forma bastante natural. Os diálogos agilizam o ritmo da narrativa.
A leitura flui com facilidade e embora não haja um final surpreendente, a trama cumpre bem o seu papel de entreter o leitor. Há pequenos deslizes, camuflados pela linguagem empregada que não atrapalham em nada o desempenho da narrativa.
O(A) autor(a) fez uma boa escolha de tema para recontar a história do Coronel e o lobisomem sob outro ponto de vista, trazendo a figura do ghost writer e o universo da literatura para dentro da trama.
Boa sorte no desafio e que o Coronel te livre do lobisomem.
O protagonista Ponciano de Azeredo Furtado aprova que de Carvalho escrevesse sua biografia, impondo uma série de condições, mas fica furioso ao saber que havia morreu no desfecho da obra já publicada. Decidiu tomar providência, na justiça, para provar que estava vivo, quando, orgulhoso, soube que o livro estava premiado e traduzido em diversas línguas.
O narrador-coronel, de tão cativante, é daqueles que fazem o leitor esquecer-se de que estão lendo um romance. Passamos a acreditar que ele realmente existe e assim se pode dar origem a esse texto fanfic-metalinguístico. O título, portanto, ficou bem adequado ao texto. Gostei.
As mensagens do original permanecem: a luta do instinto contra a civilização; do primitivo contra o moderno, do mágico contra o racional, do surreal contra o real. O texto ainda explora as situações satíricas e o ridículo das personagens e busca a valorização da cultura popular.
Outro ponto mantido aqui é o estilo, com linguagem inovadora e original, usando o regionalismo: neologismos, expressões populares e marcas da oralidade. Texto competente, de escritor com experiência.
Parabéns! Desejo sucesso no desafio. Abraço.
O conto faz jus ao tema explorando o universo de fanfic, a partir de uma importante obra literária brasileira.
A abordagem através do mesmo coronel que é protagonista e narrador do livro da um tom especial à trama, adicionando elementos cômicos, que atraem o leitor até o fim do texto.
O autor demonstra controle do ritmo e bom uso do vocabulário da roça. Talvez, em alguns parágrafos mais longos, o uso dos vocábulos tenha ficado um pouco cansativo, mas nada que distraia o leitor da história.
Ótimo texto. Nota 4.
RESUMO:
Coronel Ponciano conta suas aventuras a jornalista/escritor, pensando quue seria escrita uma biografia narrada em primeira pessoa.
A obra, porém, era de ficção e nela o Coronel morre.
COMENTÁRIO:
Ótimo conto.
Não conheço a obra original, mas entendo que essa história narra os “bastidores” do livro, com o escritor pegando a verdadeira história com o Coronel e adaptando.
Foi uma abordagem bem criativa, com uma escrita regionalista perfeita que resultou num conto bem divertido e perfeitamente adequado ao tema.
NOTA: 5
Coronel Ponciano conta como foi o processo de ter suas memórias escritas e publicadas por José Cândido de Carvalho.
Conto maravilhoso, muitíssimo bem escrito no estilo característico da obra de referência. Cativante e criativo. O único erro que percebi foi uma falha de digitação: “sesta” saiu como “cesta”. Não sei se foi proposital…
Um texto impecável e refinado! Parabéns pelo feito! 🙂
RESUMO: O Coronel Ponciano concede a um escritor que escreva em cima dos “fatos” de sua vida. Com a publicação, surpreende-se ao ser pintado como um falastrão e decide perseguir o sujeito, ação da qual desiste ao se dar com o sucesso e alcance da obra. Além do mais, ele se garantia era ali, no Goytacazes. Para além disso, do que lhe servia?
COMENTÁRIO: Sabe, quatro anos atrás eu comecei a ler o Coronel e o Lobisomem numa edição bem velha que adquiri num sebo. A fanfarronice extrema do narrador desvirtuou minha leitura e foi um livro do qual eu desisti de avançar. Passou a me aborrecer. Eu já tinha alcançado a metade, então reconheço a linguagem do autor e como principal aspecto que levo em conta nessa avaliação parabenizo que tenha conseguido empregar os modos de falar do coronel aqui. O boca-pra-fora autocelebrativo de Ponciano também é marcante como é no livro como se, de fato, estivéssemos diante do próprio, engrandecido em si, mas numa tirada metalinguística, avaliador da obra que tem ele mesmo de protagonista. Achei uma ótima sacada e a execução é mesmo muito boa.