I
O sol não havia brotado de dentro do Tapajós.
– Vai ser um aguaceiro dos brabo… – suspirou Baltazar, desviando os olhos das pedras que se projetavam nas águas e mirando o céu cinzento.
Mururé foi ficando para trás. De longe em longe, o barco a vapor cruzou os baixios de Formosa e Uruzal. E, assim como todos os sempres, dois ou três bancos de areia à frente, bem no centro do que restara do antigo ancoradouro de Fordlândia, aquele homem o aguardava.
– Dos brabo… – repetiu Baltazar com um esgar, manobrando a embarcação até lá. Ao realizar o atraque, desceu a rampa para que o sujeito pudesse subir.
– Obrigado, captain – agradeceu o recém-embarcado num português sofrível. Fez um gesto de cortesia, ajeitou o imundo chapéu-palheta na cabeleira branca e perguntou: – Quanto eu dever?
– O mesmo das outras vezes – resmungou Baltazar. Há dois anos emborcava ali para apanhar aquele homem; há dois anos a mesma pergunta idiota era feita.
– Eighteen?
– Dezoito!
– Okay – falou o outro, entregando um punhado de notas. – Shall we go? Eu ter trabalho a fazer. Trazer a civilização de volta e reconstruir esse lugar. Eu garantir que hoje o Mr. Ford irá me ouvir. You will see.
Baltazar bufou. Sem a mínima pressa, recolheu a rampa e retomou o leme.
A embarcação foi se distanciando, ganhando velocidade nas águas profundas. Pouco a pouco, o silêncio do trajeto foi sendo minado por um chiado; e logo esse chiado deu lugar ao refrão de uma canção estrangeira.
– Égua! Começou essa porcaria… – praguejou se nem precisar olhar para o convés e confirmar aquilo que já sabia. Como era de costume em todas as viagens, o tripulante passou a dançar no ritmo do som que saia de um gramofone portátil.
– Esse corno toda vez traz essa bosta!
Baltazar meneou a cabeça, resignado; e foi conduzindo o vapor até Santarém enquanto a floresta, o rio e as primeiras gotas de chuva se curvavam àquele refrão que ele nunca se dera ao trabalho de compreender.
II
– Obrigado, captain…
Agradeceu o homem ao saltar da embarcação. Enfiando o gramofone debaixo do braço e sustentando uma pequena valise na destra, ganhou as ruas de Santarém no sentido do entreposto dos correios.
– Até quando vai continuar com essa desgraça?
A voz à suas costas fez com que Baltazar se virasse. Diante de si, encabeçando meia-dúzia de homens, um preto alto o encarava.
– Diz aí, moleque! Até quando você vai continuar levando e trazendo esse velho maluco?
A pergunta pairou no ar ainda úmido pela passagem da chuva.
– Olhe, meu padrinho Querido-de-Deus. Enquanto esse tiriça estiver me pagando na ida e na volta, eu levo ele até os inferno!
O contra-argumento cortou o silêncio igual faca e fez com que todos gargalhassem. Baltazar sorriu, esqueceu-se do que estava fazendo e correu para abraçar os homens. Eram parceiros de labuta, miséria e tudo mais que a desgraçada da vida poderia impor sobre eles. Familiares sem laços consanguíneos, irmãos de nenhuma mãe, primogênitos de nenhum pai, estivadores e capitães de embarcações naufragadas, corpos obtusos para que os donos dos trapiches pudessem enganar e alquebrar por inanição, mão-de-obra párvula para que outros pudessem se beneficiar; homens do rio e dos igarapés, descendentes do verde amazônico que desde cedo tiveram de aprender a morrer e a fazer dos braços instrumentos de trabalho.
– Tu é forgado memo – falou Querido-de-Deus. – Simbora virar uns copos?
– Posso não. Vou arribar logo mais para Oeiras com uma leva.
– Muito que bem. Tá pegando firme?
– Hã-ram!
– Quarta-feira me pico pra Marajó. Vê se aparece no Adão pra gente brindar.
– Apareço sim, meu padrinho.
– Vá trabalhar, então. Nós vamos é tomar uma – anunciou Querido-de-Deus, despedindo-se.
– Homem não toma! Homem bebe, porra!
Ralhou Baltazar em tom jocoso, atrevendo-se a reter o sorriso de adolescente nos lábios por mais um cadinho antes de escondê-lo em um dos desvãos de sua alma machucada. Num passe de mágica, deixou de ter apenas dezesseis anos e tornou a ser adulto de novo. Voltou ao trabalho. Esticou os cordames do barco e deu baixa nas mercadorias. Terminou de arrumar as novas e se sentou num dos bancos para almoçar sua marmita.
Refestelado com aquela comida insípida, acendeu um cigarro e pôs-se a observar o movimento urbano. À esquerda, o vozerio dos bêbados no Pitiú enchia as ruas. Um pouco mais aquém deles, recostadas nos muros, algumas prostitutas provocavam os transeuntes. Duas crianças passaram pelo grupo. Baltazar as chamou. Estavam vendendo pirulitos. Comprou três. Saíram realizadas, arrastando os chinelos e cantando:
Pirulito enrolado
Papel enfiado no palito.
Nesse momento, os olhos bateram no entreposto dos correios que ficava exatamente à sua direita. Ali de onde estava, embora tolhido pela quantidade de pessoas que atravessavam o seu campo de visão, Baltazar podia ver além do pórtico que conduzia até o hall de entrada do estabelecimento. Notou que o passageiro recém-trazido de Fordlândia estava lá. Gesticulando agressivamente, cabriolando por todo o balcão de atendimento, ele parecia estar à beira de um ataque.
– É um aluado…
Comentou consigo enquanto mirava a cena daquele velho todo emporcalhado – e que ninguém nunca se importara em memorizar o nome – exigindo mais uma vez que a telefonista ligasse para não-sei-quem na outra ponta do cu do mundo. Era sempre sim. Quatro vezes por semana o mesmo bê-á-bá se desenrolava: a história de um sujeito saído de lá da curva do rio para ir até o centro de Santarém e inventar promessas de trabalho, despachar cartas que nunca chegavam aos seus destinatários e requisitar chamadas para um número que já nem mais queria saber dele.
Baltazar deu de ombros.
Para ele, tanto se dava. E se o velho tivesse dinheiro para continuar pagando a viagem, seguiria levando-o consigo. Ninguém mais o transportava. Estavam fartos daquela música estranha, do falatório interminável acerca do Mr-qualquer-coisa e tantas baboseiras mais.
De súbito, o apito do estaleiro ecoou. Era hora de zarpar. Baltazar caminhou até a embarcação e, mais ou menos à altura da rampa de atraque, notou que o velho vinha logo atrás numa carreira cômica.
– Estamos de partida, captain? – ofegou ele, alcançando-o.
– Estamos – respondeu.
– Quanto eu dever?
– O mesmo das outras vezes.
– Eighteen?
– Dezoito!
III
– Tudo bem aí atrás? – gritou Baltazar ao ouvir o baque de algo se esborrachando contra as tábuas.
Não houve resposta.
Cada vez mais próximos agora, os contornos de Fordlândia podiam ser discernidos à luz do entardecer.
– Tamo chegando! Tá tudo bem aí? – tornou a berrar.
Silêncio total.
Fundeou o barco e ao sair da cabine topou com o corpo do sujeito caído no convés por cima do gramofone, da valise e o diabo a quatro.
– Velho! – arfou, aproximando-se e constatando que o mesmo ainda respirava.
Escorou-o prontamente num tamborete e apanhou um pouco de água para tentar trazê-lo de volta à consciência.
– Captain… – soluçou depois de uns tapas nas bochechas. – Captain… Eu estar bem.
– Tu desmaiou!
– Chega… Chega de água em meu rosto! Goddamit!
– Quer ir ao hospital?
– No, no, no, no. A pressão cair. Só isso. Eu estar bem – murmurou, tentando se equilibrar.
– Cuidado! – admoestou Baltazar, sustentando-o. – Pegue suas coisas que eu te ajudo. Me dê esse troço. Não tá vendo que tu não tá em condições de andar? Venha, suba mais eu. Simbora. Onde é? Pra lá?
Desceram da embarcação e cruzaram o ancoradouro. Passaram por velhos almoxarifados, galpões abandonados e a silhueta coberta de folhas, brotos e festões imóveis daquilo que um dia aparentou ser uma escola.
– This way…
– Como?
– Lá… Lá…
Entraram em uma rua ladeada por casas arruinadas de ambos os lados.
– There… – balbuciou o velho, apontando para um vetusto bangalô.
Baltazar não entendeu nada. Porém, ao ver o indicador trêmulo investido diante do rosto, reconheceu que deveria ser ali. Aprumou o passo, galgou os degraus que conduziam à soleira e empurrou um pedaço de porta.
– No quarto, please… Desse lado…
O assoalho podre rangeu. Garrafas, latas e outras coisas menos descritíveis se entrechocavam contra os pés de Baltazar. Dobraram no corredor direito. Meteram-se em um cômodo e, conforme seguiam em frente, um cheiro de fezes foi se tornando cada vez mais forte.
– We arrived. Chegamos.
Prendendo a respiração por conta da fedentina, Baltazar deitou o velho naquilo que julgara ser uma cama. À pedido dele, apanhou o candeeiro elétrico que estava ao alcance da sua mão.
– Acender ele…
O brilho bruxuleou e as sombras do crepúsculo retrocederam.
– Obrigado. Eu ficar melhor agora.
Baltazar simulou um sorriso. Candeeiro em riste, derramou sua luz pelo entorno e notou que todas as paredes do quarto estavam forradas de retratos. Aqui e acolá se destacavam fotografias de homens engravatados em poses aristocráticas e de figurões em inseparáveis apertos de mãos. Acima da cabeceira da cama, uma imagem emoldurada retratava a cena de dois rapazes diante de um automóvel. Pareciam ser amigos. E lá do outro lado do cômodo, a alguns metros de uma prateleira, uma bandeira de cor indefinida pendia em frangalhos.
– Tô partindo – anunciou Baltazar, colocando o candeeiro rente a cama. – Tente descansar. Não quer ir ao hospital?
– Não precisar, captain…
As palavras o conduziram até a porta do quarto.
E de lá até a saída e ao barco.
Algo martelava em seu peito, agitando-lhe o íntimo. Sem poder compreender por qual razão fazia, mas fazendo do mesmo jeito, chorou abertamente enquanto os dedos se fechavam na manopla do leme. Carregando nos ombros um sentimento inexplicável de desolação, pediu num apelo desesperado que a correnteza o levasse para bem longe da miséria e tristeza daquele lugar.
IV
O velho ajeitou o gramofone sobre o caixote.
Abriu a valise e retirou um disco. Erguendo-o contra o sol, forçou a vista na tentativa de antever se algum risco era visível.
Satisfeito com o que não viu, colocou-o no gramofone e rodou a manivela. Entre chiados e interferências, uma música começou a tocar.
Baltazar não se irritou dessa vez. De alguma maneira conscientizara-se de que o trajeto até Santarém – com suas pedras, baixios e troncos semiocultos na água – não significava nada naquele dia. À pedido de uma alegria inusitada, abandonou o controle da embarcação e foi observar o seu passageiro.
– Tão feliz. Nem parece que dias atrás quase bateu a caçoleta – falou consigo mesmo, espantando-se pela primeira vez em dois anos com os passos de dança que aqueles pés executavam.
O velho girava, deslizava de uma ponta a outra do convés; e a cada novo movimento retirava o chapéu-palheta da cabeça para acenar aos convivas invisíveis que somente o seu olhar tinha a sensibilidade de enxergar.
– Feliz de verdade…
Os olhos do observador e do observado se encontraram. A promessa de um sorriso há muito guardado rebentou e Baltazar quis se juntar àquele velho maluco cuja solidão da existência era gêmea da sua. Aproximou-se com desembaraço. Tomou das mãos dele uma dama feita de ar e dançou com ela por alguns instantes antes de educadamente dispensá-la num golpe de brisa.
– Excellent, captain!
Abraçaram-se feito órfãos que se reconhecem amigos na orfandade. Marcaram juntos o ritmo da música. E pouco se lixando para qual porto desse mundo o barco desgovernado rumaria, Baltazar inventou seu próprio idioma para cantar com o velho a plenos pulmões o refrão que agora recomeçava.
Moon river, wider than a mile
I’m crossing you in style some day
Oh, dream maker, you heart breaker
Wherever you’re goin’,
I’m goin’ your way
V
Baltazar recontou as caixas. Depois, cobriu-as com oleado. Concluída a tarefa, buscou algum lugar reservado onde pudesse esticar as pernas antes de zarpar novamente.
Entretanto, ficara só na intenção, pois fora interrompido pelo pedido de ajuda de um dos estivadores que estava descarregando um paquete recém-chegado.
– Pesados, hein! – reconheceu ao sustentar uma das cargas no ombro. – De onde arribaram, cumpadê?
– De Belém – redarguiu o outro. – Brotou um pessoal do governo por lá. Parece que tão emborcando pra cá.
– E tão caçando o q….!
O vozerio que explodiu na tarde fez com que a sentença morresse nos lábios. Saindo de todos os lugares, uma multidão de pessoas passou diante deles e rumou para o entreposto dos correios numa azafama terrível.
– Que zueira é essa? – indagou Baltazar a um dos garotos que seguiam a turba.
– O louco vai tomar um cacete!
– “Louco” – repetiu ele, deixando o volume cair das mãos; e, como se alguma coisa tivesse lhe atingido em cheio, se mandou na mesma direção.
Foi abrindo caminho por entre o povaréu na base de socos e pontapés. Quase bem perto agora da entrada do entreposto, empurrou alguns curiosos e, intimidando e xingando outros, conseguiu se espremer para a primeira fila.
– Solte a mulher! Tá machucando ela! Acudam! Polícia! – os berros de um dos homens que estavam dentro do lugar chegaram aos seus ouvidos.
– Égua! – exclamou Baltazar no instante em que pôde ver que, lá do lado oposto do balcão de atendimento, o homem de Fordlândia forçava a telefonista contra o painel de operações.
– Larga! – protestavam.
Baltazar deu um ombrada na massa compacta que se interpunha entre ele e o hall de entrada e gritou.
– Velho!
Ao reconhecer aquela voz, o agressor se soltou da vítima. Balbuciou por um instante como uma criança idiota e logo em seguida bradou:
– He died! He died!
Baltazar não conseguiu compreender nada. Entretanto, sabia que precisava tirá-lo dali antes que criassem coragem para linchá-lo.
– Venha! – comandou, puxando-o pela camisa. Ergueu-o nos braços como se fosse um fardo de farinha e disparou para o porto.
Regido pelo choro desesperado do velho e as ameaças das pessoas que seguiam em seu encalço, conseguiu chegar até o barco. Atravessou a rampa com um pulo e subiu para a casa da cabine. Do lado de fora, agora devidamente encorajada pela presença de mais de vinte cabeças, a telefonista despejava sua ira:
– Fela da puta! Corno!
Baltazar levantou âncora. Sem perder tempo, acionou as rodas da popa e girou o leme.
– O que aconteceu? – perguntou após se assegurar de que a embarcação já havia se distanciado por um bom pedaço. – Que deu em você?
– He died…
– Quê?!
– They answered my call today…
– Não entendo…
– Someone told me that he passed away...
– Fale direito, porra!
– Ele morreu!
Urrou com violência.
– Mr. Ford morreu! – tornou a dizer, à semelhança de quem anuncia a morte de um pai.
– Calma, velho – confortou Baltazar, se achegando para mais junto dele. – Calma…
– Morreu…
A noite se anunciou e as luzes de Santarém foram diminuindo no horizonte.
VI
Arribaram de supetão, surpreendendo-o no momento em que estava saindo do porto de Oeiras. Não houve conversa e sem mais nem menos foram logo se espalhando por todos os cantos da embarcação. Eram uns doze.
– Tamo indo ver um lugar. Sabe onde fica Fordlândia? Não minta! – ameaçou um dos homens, aparentando ser o líder.
– Sei sim, senhor.
– Perfeito. Não vamos demorar lá. Tu recebe metade agora e metade na volta. Garante que essa banheira chega? Sem mentiras!
– Garanto sim, senhor.
– Vamo!
Baltazar guardou o maço de notas e se posicionou no leme. Não tivera a menor chance de recusar. Imediatamente fez com que o barco desse a volta no cotovelo da ilha e ganhasse a correnteza.
– Sabe se tem gente morando naquele lugar? – perguntou alguém que ele não pôde ver.
– Não sei não, senhor – mentiu, tentando adivinhar a real razão daqueles homens estarem indo até lá.
“Será que é por causa do velho?” veio o pensamento. “Talvez ficaram sabendo daquela presepada em Santarém e vai ver vieram buscar ele!”
– Tu tem quantos anos, moleque? – questionou outra voz, igualmente sem rosto.
– Dezesseis, senhor.
– E já tá na lida guiando um vapor? Isso sim é o progresso!
– …
Baltazar suava.
“Preciso avisar ele. Mas como se ele nunca mais voltou a aparecer no ancoradouro?”
As mãos tremiam e foi sentindo cada vez mais perto a certeza de uma despedida; o término de uma amizade mal construída. Rilhou os dentes, mordeu os lábios, e amaldiçoou os anos que deveriam se suceder sem mais a presença daquele velho que dançava ao som de músicas estranhas e falava de um tal de Mr. Ford como quem fala de um deus encarnado.
“Velho…”
Queria virar o barco. Chocá-lo contra as pedras que brilhavam junto das margens. Queria morrer. Esquecer-se de uma vez por todas de que todos os momentos felizes de sua vida foram transitórios. Sim. Morrer para não se lembrar nunca mais de que as únicas coisas que perduraram em sua existência foram a tristeza, o trabalho e a solidão.
– É ali? – indagou o líder.
– …
– Moleque?!
– Sim, senhor.
Colocaram-se de pé no momento em que Baltazar fundeou. Alçaram as grandes mochilas nas costas e partiram. Antes de sair da cabine, o líder frisou novamente que eles não se demorariam.
– É coisa rápida.
Baltazar desceu da embarcação. O coração parecia querer saltar-lhe da boca. De pernas bambas, ficou esperando o desfecho daquele pesadelo ali no ancoradouro.
“Vão levar ele…”
Tirou um cigarro do bolso e tentou acendê-lo. Sem sucesso. Deu as costas à brisa que vinha do rio e mirou os homens. De um lado para o outro, caminhando por entre as construções e aquilo que restara dos velhos seringais, eles tiravam fotos, mediam o que podiam com longas fitas métricas, escrevinhavam coisas em seus cadernos e murmuravam.
Então, algo despertou-lhe o olhar.
Viu que bem próximo de onde estava, algumas peças de roupas cuidadosamente dobradas se destacavam à beira d’água. Chegou mais perto, notando agora um chapéu e um par de sapatos colocados sobre a ponta do que parecia ser um envelope.
Começou a chorar.
Ergueu os sapatos e apanhou o invólucro. Abriu-o com delicadeza, retirando de seu interior a fotografia de um homem jovem segurando o tronco de uma seringueira e trazendo na cabeça um chapéu-palheta – semelhante àquele que agora repousava junto das roupas.
“Velho…”
Baltazar percorreu a imagem com os olhos e reparou que havia algo escrito no canto inferior direito. Naquela determinação férrea dos semianalfabetos, leu em voz alta o conjunto de letras que formavam um nome:
– Wade Ormoc…
O Tapajós soprou um epitáfio.
Árvores e folhas se agitaram na outra margem.
Do lado direito, arrepiando a pele e encrespando lágrimas, vinha vindo um sul do oeste.
Olá, Gustavo!
Parabéns por levar o primeiro lugar!! Merecidíssimo!!
Sensacional o seu conto! Tão intenso! A mistura da linguagem culta com a fala dos personagens ficou excelente! A história de uma amizade improvável foi descrita com delicadeza e perfeição! Tudo muito visual e tocante. Sem dúvida um texto surpreendente e arrebatador! Parabéns mais uma vez!
Até mais!
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Do Lado Direito do Rio… (Quarup)
Resumo:
Barqueiro leva e traz um homem que se apresenta misterioso. Pouco sabe dele além das esquisitices. Tão diferentes, os protagonistas acabam criando afinidades.
Comentários:
Gostei do conto. A condução é firme e os personagens são bem caracterizados. Parece haver um bom nível de pesquisa para formulação da história.
O conto vai sendo conduzido pelo autor sem dar pistas da direção que pretende dar aos acontecimentos. Não entrega antecipadamente um final, não revela nada além do que quer revelar. Isso foi interessante.
O conto resgata uma das histórias mais doidas ocorridas na Amazônia. Talvez só sendo mais doida que o Projeto Jari, comandado pelo bilionário norte-americano Daniel Keith Ludwig, que investiu na Caulim da Amazônia S.A. (CADAM), onde buscavam (havia um sócio brasileiro, sr. Joaquim Nunes Almeida) explorar uma reserva de 370 milhões de toneladas de caulim.
Como a Fordlância, o Projeto Jari também foi às favas, enterrando nas terras amazônicas duas boas fortunas americanas, ao menos parte delas. De certa forma esses dois fatos serviram por muito tempo para construir a ideia de que tudo que se quisesse construir na Amazônia seria engolido pela floresta. Bem, se não provaram o sim ou o não dessa história, é certo que pôr a floresta abaixo tem dado muito certo para muita gente.
A maneira como o autor conduziu a trama foi bastante efetiva. Notei apenas duas inconsistências narrativas (se posso chamar assim). Uma delas deve-se ao fato de o “americano” morar numa espelunca fétida e não haver – aparentemente – motivo para tal, ou não compreendi a consistência do fato. A outra é a falta de explicação do porquê os tais homens que foram até Fordlândia após a morte do “americano”, dois dois americanos, o Ford e o outro. Se não havia um motivo narrativo consistente para tal, melhor seria não dizer da pressa dos tais homens, bastando que eles dissessem ao barqueiro que os esperasse, que logo retornariam.
De resto tudo nos conformes.
Parabéns pela seleção finalista e boa sorte no desafio final.
Jovem barqueiro se afeiçoa pelo gringo velho que transporta de Fordlândia para Santarém frequentemente. Um grupo de homens vai à Fordlândia, mas Baltazar encontra à beira d’água as roupas, chapéu e sapatos do estrangeiro junto de um envelope com uma fotografia e uma inscrição: Wade Ormoc.
Título e pseudônimo significativos e sonoros, narrativa bem construída, ambientação verossímil. Nada é dito claramente, tudo é sugerido: o abandono do projeto, o suicídio do último guardião, a esperança de retomada, o fundo mitológico e/ou religioso (a Barca para o Inferno, a antroponímia), o tom melancólico, a solidão e o desvario que ela pode provocar, a amizade entre o jovem e o velho, a vinda dos homens do governo.
Parabéns pelo trabalho de qualidade. Sucesso. Abraço.
Olá, autor
Um conto sobre um jovem barqueiro a observar a melancolia de um velho que passou a vida a esperar a concretização de um grande projeto. A história dos desejos do visionário Henry Ford sendo recontada pelos olhos dos ribeirinhos do Pará.
Um grande texto. Farei minha avaliação conforme os critérios Técnica, Coesão, Ritmo e Impacto.
Técnica – Uma narrativa muito bem construída, muito bem emendada apesar de seus vários trechos independentes. Um tipo de texto que exige experiência do autor para que não fique desconexo e cansativo, o que você demonstrou ter. Não é texto para leitores preguiçosos, que querem tudo de bandeja. Só pode ser completamente compreendido (e sentido) se o leitor dedicar-se ao conhecimento da história e do contexto. Outro dia li de um grande escritor que “a literatura não é sobre quem faz a história, mas sobre quem a sofre”. Claro que discordo e sei que esse é o tipo de visão de quem tem a literatura como forma de resistência e embate político. Sei que a literatura é a história contada por qualquer lado, do jeito que o autor desejar…mas, confesso que a forma como você apresentou os “sofredores” dessa história, de tão bem contada, ficou extremamente elegante e atraente.
Coesão – Vários trechos independentes que se encontram no olhar e na curiosidade do jovem barqueiro sobre o velho americano esquecido e não compreendido. Um texto angustiante até certo ponto, quando nos colocamos no lugar desse velho.
Ritmo – O texto é longo e o ritmo é conforme as águas de um rio lento. Conta com cuidado, sem pressa.
Impacto – Foi para mim muito bom de ler. Um pouco cansativo no início e parte do meio por me sentir completamente perdida na história real que não conhecia muito bem. Tudo fez sentido no final e quando pesquisei sobre o assunto.
Parabéns, grande texto.
Olá. Precisei de uma segunda leitura e uma pesquisa na Wikipedia para compreender minimamente este conto que narra a história de um estrangeiro que vem trabalhar no projecto de Henry Ford de produção de borracha em Fordlândia e que acaba por ficar, mesmo depois deles terem abandonado o projecto. Quando sabe do falecimento de Ford, ele suicida-se.
É um conto bem escrito, mas de uma temática que ignorava por completo: isso só mostra a qualidade didáctica do texto. No entanto, creio que o sentido se perde e o texto fica algo confuso, tendo-me obrigado a uma segunda leitura e a pesquisa à santa Wikipedia.
O sentido didáctico é ainda mais extenso do que poderia supôr à primeira vista: é estranho ver terras com o mesmo nome das nossas terras (Santarém, Óbidos, Oeiras – são todas terras relativamente próximas de Lisboa).
A descrição é bem conseguida, e todos os sentidos são envolvidos, nomeadamente o olfacto e a audição.
Resumo: O barqueiro Baltazar transporta um norte-americano entre as cidades de Fordlândia e Santarém. É um cliente recorrente. O barqueiro a princípio manifesta certa repulsa pelo passageiro, mas, no decorrer da trama, a ele se afeiçoa. Baltazar se vê praticamente obrigado a levar um grupo de homens a Fordlândia. E teme que eles queiram punir ou prender o velho passageiro, cujo comportamento agressivo lhe havia atraído inimigos. Enquanto aguarda o retorno dos visitantes, encontra uma pilha de roupas, o chapéu de palha do amigo e um envelope com uma fotografia.
Avaliação: O autor tem um inegável talento para a escrita. Este conto tem um enredo excelente e momentos literariamente muito belos, início e fim muito poéticos. A pesquisa está muito bem feita, a linguagem regional também está bastante fiel. Entretanto, noto a necessidade de burilar um pouco mais o texto. Há alguns erros de digitação e gramaticais. Há necessidade de aprofundar alguns aspectos que tornarão a narrativa mais rica, emprestando-lhe realismo e verossimilhança. Alguns exemplos, que deixo a título de colaboração: o grupo de homens (no fim da trama) parece agressivo, fala incorretamente, mas toma anotações, faz medições e tira fotografias (dando a impressão que eles são pesquisadores); a idade de Baltazar me causou estranheza (aos 16 anos já é dono de barco. Um prático na Amazônia precisa de mais algum tempo para adquirir tal perícia. Se for o caso de manter a idade do protagonista, sugiro que posteriormente insira alguma lembrança de como adquiriu a embarcação e de como alcançou perícia tão jovem. Outra alternativa é tirar Baltazar do posto de capitão e colocá-lo como um dos tripulantes – sem qualquer prejuízo da trama). Na cena da briga nos Correios, há uma multidão de homens no local e nenhum salva a mulher atacada, o que não parece igualmente verossímil, já que é uma funcionária pública e certamente conhecida na cidade. Os homens não assistiriam tal agressão e se limitariam a protestar. Nesse caso, valeria a pena Baltazar salvar o americano de um linchamento que se iniciava e colocar na boca dos populares a informação de que ele havia agredido a funcionária).
Um dos melhores contistas da história da literatura, Anton Tchekhov, dizia que só colocava um objeto em cena se fosse usá-lo: dentro desse espírito, creio que a machucada alma do personagem merecia ser um pouco mais explorada, até para que sua conexão com o velho se fizesse mais densa. O mesmo vale para a atitude agressiva dos homens que chegam ao final. Havia algo neles que intimidou o personagem Baltazar. Entram no barco com atitude perigosa, mas – repito – o que fazem em Fordlandia soa como trabalho de pesquisadores. Éra a intenção do autor mostrar arrogância ou intimidação? Por quê? Se os apresenta como perigosos, é importante não deixar solto este fio (mesmo que seja Baltazar constatando que não deveria ter sentido medo, pois eram apenas pesquisadores).
Bem, em geral sou muito econômica nas avaliações. Desta vez fui bem prolixa (perdoe-me, por favor). Eu o fiz justamente porque gostei muitíssimo deste texto. A narrativa e as imagens definitivamente me conquitaram. Gostaria de vê-lo ligeiramente mais polido.
Ao autor: meus sinceros parabéns. Você tem um dom.
Um abraço e muito boa sorte!
Olá autor(a)!
Antes de expor minha opinião acerca da sua obra gostaria de esclarecer qual critério utilizo, que vale para todos.
Os contos começam com 5 (nota máxima) e de acordo com os critérios abaixo vão perdendo 1 ponto:
1) Implicarei com a gramática se houver erros gritantes, não vou implicar com vírgulas ou mínimos erros de digitação.
2) Após uma primeira leitura procuro ver se o conto faz sentido. Se for exageradamente onírico ou surrealista, sem pé nem cabeça, lamento, mas este ponto você não vai levar.
3) Em seguida me pergunto se o conto foi capaz de despertar alguma emoção, qualquer que seja ela. Mesmo os “reprovados” no critério anterior podem faturar 1 ponto aqui, por ter causado alguma emoção.
4) Na sequência analisarei o conjunto da obra nos quesitos criatividade, fluidez narrativa, pontos positivos e negativos, etc.
5) Finalmente o ponto da excepcionalidade, que só darei para aqueles que realmente me surpreenderem.
Dito isso vamos ao comentário:
RESUMO: Seu conto é sobre a amizade entre um rapaz barqueiro e um senhor de idade, único morador de Fordlândia, personagem este que acaba desiludido e supostamente se suicidando.
CONSIDERAÇÕES:
A história é bem amazônica e inclusive me fez lembrar de um documentário que assisti sobre essa ideia do Ford querer construir uma cidade na Amazônia, pensando na extração do látex.
O conto foi estruturado de tal forma que tudo ficou bastante convincente, como se, de fato, ocorrera tal qual foi narrado.
O suposto suicídio do velho (pode ter sido comido por feras) foi a forma encontrada para encerrar o conto e poderia ser outra, de tão bem que foi na preparação inicial, na ambientação, na condução dos diálogos.
Independentemente da avaliação, aproveito para parabenizar-lhe pela obra e desejo sucesso na classificação final.
Boa Sorte!
15. Do lado direito, vinha um sul do oeste (Quarup)
Resumo: Americano fiel ao patrão, Henry Ford, mantém o posto na abandonada Fordlândia, construída no meio da Amazônia para fornecer borracha aos veículos. É transportado de canoa por um jovem que contrasta com os hábitos e a personalidade do americano, com muito mais ambição e menos idealismo. Ao final, ao saber que o patrão havia morrido, abandona-se também ao rio naquela localidade, o que o jovem descobre ao conduzir uma expedição de reconhecimento às ruínas de cidade fantasma.
Comentário: PREMISSA bem pesquisada, a da instalação do empreendimento de Ford no interior da Amazônia, e o envolvimento dos dois personagens antagônicos. No aspecto TÉCNICA, o autor descreveu o contexto, cenário e personagens de forma notável, com diálogos naturais e que levam a história em frente. Por fim, o EFEITO NO LEITOR é bastante positivo, e a conclusão da história é bastante verossímil, pela própria estrutura do americano. Parabéns!
Do lado direito, vinha um sul do oeste (Quarup)
Resumo:
A história de Baltazar (captain), do velho querido, e das muitas vivências e sonhos de Fordlândia. A dureza da sobrevivência dos ribeirinhos menos providos, na Amazônia, mesclada com a belezura, criada pelo autor, do velho do gramofone portátil (parado no tempo). É dos textos mais lindos que já li.
Comentários:
É. Como é bom ler uma preciosidade assim, meu Deus! Parabéns, parabéns! Quando crescer, quero escrever desse jeitinho…
Texto arrebatador, feito por gente grande. A linguagem é impecável, dosada, essencial, dentro da realidade da narrativa. Mostra verdade, abre o coração, enternece. Bah!
Viajei até Fordlândia, respirei o mesmo ar, comunguei da utopia industrial de Henry Ford, iniciada com a derrubada da mata, em 1928. Fiquei tão empolgada que queria decifrar o nome do velho querido: Wade Ormoc (Ormoc é cidade filipina, Wade é “caminhar pela água”). Sou fraquinha de inglês (não só, mas também), mesmo assim, queria entender. A foto do homem com a seringueira é do manager John Rogge, em 1931, que, com certeza, é um dos destinatários das infindáveis cartas escritas pelo velho, as mesmas que nunca receberam resposta. O nosso velho foi algum dos trabalhadores da comitiva de Ford, e que escolheu ficar aqui, na crença de que o projeto seria retomado.
“– Okay – falou o outro, entregando um punhado de notas. – Shall we go? Eu ter trabalho a fazer. Trazer a civilização de volta e reconstruir esse lugar. Eu garantir que hoje o Mr. Ford irá me ouvir. You will see.”
O texto é poesia que marca, uma mensagem que cala fundo. A narrativa começa jorrando sensibilidade, entra pelos olhos presos nas letras e toma conta do corpo todo do leitor.
Selecionei algumas pérolas, mas, se eu fosse mostrar todas, teria que “copiar e colar” o texto todo. Que trabalho espetacular!
“O sol não havia brotado de dentro do Tapajós.”
“E, assim como todos os sempres, dois ou três bancos de areia à frente, bem no centro do que restara do antigo ancoradouro de Fordlândia, aquele homem o aguardava.”
“Eram parceiros de labuta, miséria e tudo mais que a desgraçada da vida poderia impor sobre eles. Familiares sem laços consanguíneos, irmãos de nenhuma mãe, primogênitos de nenhum pai, estivadores e capitães de embarcações naufragadas, corpos obtusos para que os donos dos trapiches pudessem enganar e alquebrar por inanição, mão-de-obra párvula para que outros pudessem se beneficiar; homens do rio e dos igarapés, descendentes do verde amazônico que desde cedo tiveram de aprender a morrer e a fazer dos braços instrumentos de trabalho.”
“Ralhou Baltazar em tom jocoso, atrevendo-se a reter o sorriso de adolescente nos lábios por mais um cadinho antes de escondê-lo em um dos desvãos de sua alma machucada. Num passe de mágica, deixou de ter apenas dezesseis anos e tornou a ser adulto de novo.”
“Algo martelava em seu peito, agitando-lhe o íntimo. Sem poder compreender por qual razão fazia, mas fazendo do mesmo jeito, chorou abertamente enquanto os dedos se fechavam na manopla do leme. Carregando nos ombros um sentimento inexplicável de desolação, pediu num apelo desesperado que a correnteza o levasse para bem longe da miséria e tristeza daquele lugar. “
“O velho girava, deslizava de uma ponta a outra do convés; e a cada novo movimento retirava o chapéu-palheta da cabeça para acenar aos convivas invisíveis que somente o seu olhar tinha a sensibilidade de enxergar.“
“Os olhos do observador e do observado se encontraram. A promessa de um sorriso há muito guardado rebentou e Baltazar quis se juntar àquele velho maluco cuja solidão da existência era gêmea da sua. Aproximou-se com desembaraço. Tomou das mãos dele uma dama feita de ar e dançou com ela por alguns instantes antes de educadamente dispensá-la num golpe de brisa.
– Excellent, captain!
Abraçaram-se feito órfãos que se reconhecem amigos na orfandade. Marcaram juntos o ritmo da música. E pouco se lixando para qual porto desse mundo o barco desgovernado rumaria, Baltazar inventou seu próprio idioma para cantar com o velho a plenos pulmões o refrão que agora recomeçava.
Moon river, wider than a mile
I’m crossing you in style some day
Oh, dream maker, you heart breaker
Wherever you’re going
I’m going your way
“As mãos tremiam e foi sentindo cada vez mais perto a certeza de uma despedida; o término de uma amizade mal construída. Rilhou os dentes, mordeu os lábios, e amaldiçoou os anos que deveriam se suceder sem mais a presença daquele velho que dançava ao som de músicas estranhas e falava de um tal de Mr. Ford como quem fala de um deus encarnado.
“Velho…”
Queria virar o barco. Chocá-lo contra as pedras que brilhavam junto das margens. Queria morrer. Esquecer-se de uma vez por todas de que todos os momentos felizes de sua vida foram transitórios. Sim. Morrer para não se lembrar nunca mais de que as únicas coisas que perduraram em sua existência foram a tristeza, o trabalho e a solidão.”
E a beleza da escrita não falha em momento algum. O EPÍLOGO é o coroamento de tudo que foi narrado: “ O Tapajós soprou um epitáfio”. Misericórdia, que coisa mais linda!
“Baltazar percorreu a imagem com os olhos e reparou que havia algo escrito no canto inferior direito. Naquela determinação férrea dos semianalfabetos, leu em voz alta o conjunto de letras que formavam um nome:
– Wade Ormoc…
O Tapajós soprou um epitáfio.
Árvores e folhas se agitaram na outra margem.
Do lado direito, arrepiando a pele e encrespando lágrimas, vinha vindo um sul do oeste.”
Quarup, até o pseudônimo escolhido pertence ao encanto do texto. Um ritual indígena em homenagem aos mortos. Você arrasou!
Parabéns, menino(a)! Quando tudo for revelado, quero conversar muuuito com você. Quero saber sobre o personagem, sobre a música, sobre tudo.
Boa sorte no desafio!
Abraços…
Resumo 📝 A história de um jovem que trabalha como barqueiro levando clientes pelo rio tapajós. Um desses clientes é um gringo misterioso conhecido apenas como ” Velho” tem uma rotina diferente. Com o passar o tempo Baltasar passa a ter empatia e amizade pelo velho. Desiludido por nunca obter qualquer que seja a resposta que esperava, o velho se suicida.
Gostei 😁👍 Um conto muito bem feito, uma linguagem atraente que constrói com bastante esmero essa história. Gostei de como você conseguiu acrescentar camadas na personalidade de Baltasar, em como o laço entre os dois foi construído. Todos os conflitos, a rotina, os pensamentos o próprio jeito de ser do personagem convida o leitor, não é todo mundo que consegue esse equilíbrio. A ambientação é muito boa também, consegui formar imagens claras dessa travessia, do velho e do próprio.
Não gostei🙄👎 O final me deixou com muitas duvidas, ao final não sabemos que de fato era o velho, quem eram aqueles homens. Ou simplesmente não consegui captar qualquer referencia posta pelo autor. Eu não entendi por exemplo, o significado do título que aparece também no final do conto. Sinto que perdi algo importante. Mas isso pode ser apenas uma falha da minha ignorância sobre alguma referencia aqui colocada. Tive dificuldades de imaginá-lo como um jovem de 16 anos. O autor explica isso, claro, mas não sei. Me faltou imaginação.
Destaque📌 “Algo martelava em seu peito, agitando-lhe o íntimo. Sem poder compreender por qual razão fazia, mas fazendo do mesmo jeito, chorou abertamente enquanto os dedos se fechavam na manopla do leme. Carregando nos ombros um sentimento inexplicável de desolação, pediu num apelo desesperado que a correnteza o levasse para bem longe da miséria e tristeza daquele lugar. ”
Conclusão = Um belo texto, com uma linguagem diferenciada. Personagens marcantes e uma conclusão que gera muitas perguntas.
Resumo: Baltazar é um adolescente que trabalha transportando viajantes e moradores pelo Rio Tapajós. Nessa lida, ele conhece um gringo que, todo dia, vai para Santarém. É uma história sobre a amizade deles e seu fim trágico.
Olá, Quarup.
Gostei muito da sua escrita e do título do conto! Gosto quando resumem a história numa frase que, à primeira vista, parece não ter muito sentido, mas que toma forma conforme vamos lendo o conto. E sua narrativa é muito boa, pois me carregou pela história de forma suave e atenta. Tem um bom dicionário, possui ótimo conhecimento da região, que se torna bem admirável se você nunca viveu no local e pesquisou isso tudo pela Internet e livros.
A história é do tipo que gosto: trágica e humana. Única coisa que me incomodou, um pouco, foi a forma como Baltazar se aproximou do velho, pela personalidade que ele aparentava ter, ele parecia ser bem reservado. Acharia mais coerente ele não participar da dança, mas se sentar e observar, sentindo uma conexão diferente e forte. Fora isso, tudo está coeso, lindo, tem certo tom poético. É uma história de qualidade.
A floresta está no plano de fundo, mas a ambientação é tão boa, tão bem desenvolvida, que não foge do tema. Explico: sente-se o clima amazônico, principalmente na labuta do protagonista. O conto está intrinsecamente ligado a Amazônia. Não tem como escapar dela. Ah, claro, gostei do seu pseudônimo, que tem relação com o rito dos indígenas da região do Xingu, que procuram trazer os mortos para a vida, o que fortalece uma informação do protagonista.
Parabéns pelo trabalho! Minha única sugestão: preste mais atenção na lapidação. Alguns erros de digitação apareceram, mas nada que ofuscasse o brilho do seu conto.
Muita felicidade na sua vida!
RESUMO:
O jovem Baltazar lida há dois anos com um passageiro peculiar, levando-o em sua embarcação, de Fordlândia para Santarém. Descobre que o gringo era o único morador do distrito fantasma. Os dois estreitam uma velada amizade compartilhando até o som de Moon River. Depois que o americano fica sabendo da morte de Ford, ele nunca mais voltou a aparecer no ancoradouro. Tempos depois, cerca de doze homens aparecem na embarcação de Baltazar e o líder deles diz que quer ir até Fordlândia. Baltazar pergunta-se se o velho estaria encrencado ou coisa assim. Os homens só encontram uma cidade devastada, abandonada, mas Baltazar encontra à beira d’água as roupas, chapéu e sapatos do estrangeiro junto a um envelope. Dentro uma fotografia e uma inscrição: Wade Ormoc (o provável nome do velho). A cena aponta para um suicídio por desilusão.
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AVALIAÇÃO:
* T – Título: Criativo. Tem a ver com vento sudoeste?
* A – Adequação ao Tema: Plena adequação ao tema proposto pelo desafio.
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* F – Falhas de revisão: Poucas, já abordadas pelo colega Anderson.
* O – Observações: Fiz uma pesquisa para compreender melhor o contexto do conto. Fordlândia, distrito no estado do Pará, às margens do Rio Tapajós. Recebeu este nome porque se originou de um projeto agro-industrial do norte-americano Henry Ford. Com o falecimento de Henry Ford, encerrou-se o projeto de plantação de seringueiras no Brasil.
Achei interessante mencionar que o cheiro de fezes era quase insuportável. Ou seja, era o indício de que algo estava cheirando mal naquela história e que ia dar merda. E deu.
O conto está bem escrito, o tom empregado torna a leitura prazerosa, sem que haja entraves no desenvolvimento da trama. Tudo parece estar muito bem “costurado”, com ambientação construída com cuidado e personagens que cativam até pelas suas diferenças. O autor domina a arte da narrativa.
* G – Gerador (ou não) de impacto: A ideia de inserir a história da Fordlândia na narrativa foi bem original e impactante. O final melancólico, deixando entrever o suicídio do americano, a sua desistência do grande sonho que compartilhava com Ford, ficou bem ilustrado.
* O – Outros Pontos a Considerar: Um ponto que poderia ser revisto é a idade de Baltazar. Se o narrador diz que ele já leva o gringo “há dois anos”, e tendo ele apenas 16 anos, então já estava trabalhando na embarcação desde os 14? Pode ser, mas se aumentasse a idade de Baltazar um ano ou dois, ficaria mais coerente.Mas isso é só um detalhe, implicância minha mesmo.
Este é um daqueles contos cheios de camadas, abrindo um leque de interpretações antropológicas, psicológicas, históricas e filosóficas.
Parabéns pela sua participação!
O conto fala sobre Baltazar, um jovem que trabalha com embarcação, leva mercadorias pelos diversos rios da Amazônia e transporta um velho funcionário de Fordilândia para Santarém, pois ele precisava telefonar e mandar cartas. Uma ocasião, o senhor se sente mal, Baltazar o ajuda a retornar para casa e o rapaz descobre que ele mora em um lugar humilde em Fordilândia. Um dia, quando chegou a Santarém e ligou para o exterior, constatou que Henri Ford havia falecido havia tempo. Decepcionado com a morte do seu mentor o senhor acaba se suicidando.
O texto é bem estruturado, possui início, meio e fim. Apresenta uma descrição com detalhes da floresta Amazônica.O autor consegue desenvolver as idéias com coerência.O argumento do texto está dentro do tema proposto.
RESUMO: Baltazar faz viagens para um cliente em específico, levando-o dali pra cá e de cá pr’ali quatro vezes por semana. Trata-se do único morador da malfadada Fordlândia, que compartilha dos sonhos de prosperidade de Henry Ford. Depois de arrumar confusão em Santarém, Baltazar resta como seu último amigo, inclusive na ocasião em que alguns homens se reuniram para ir até onde o velho morava sozinho. Enquanto os homens encontraram ruínas, Baltazar encontrou um envelope que deu nome ao seu improvável amigo.
COMENTÁRIO: O conto é uma ótima leitura de um elemento que compõe a floresta e do qual eu confesso que não sabia da existência. Então se a própria descoberta da Fordlândia me deixou impressionado, o aproveitamento dela como uma premissa para este conto me chamou a atenção. Principalmente porque funcionou de todas as formas.
Por um lado tem os personagens, o velho e sua desilusão, que nos intriga desde o início com sua origem misteriosa, e o verdadeiro protagonista que é Baltazar. Cumprimento principalmente as nuances que atribuiu ao rapaz, permitindo vislumbres de um personagem complexa por quem logo se nutre empatia e que logo apresenta ele mesmo um tanto desse sentimento ao perceber em si semelhanças com o tripulante que antes desprezava. Com esses personagens que cativam, o trágico clímax da loucura de Wade serve, na verdade, para que olhemos para Baltazar. Apesar do encerramento triste, li com esperança, pois o que Baltazar descobriu em si é que a vida que levava, chamada por um dos seus tripulantes de “progresso”, não o diferenciava muito do velho consumido pela loucura com o qual fez sua amizade imprevisível. Da ambientação, passando pelos personagens e alcançando a narrativa, o conto está muito bom.
Inclusive agradeço pelos versos da música, pois a encontrei no youtube, uma com dois botos saltando sobre um rio na capa.
A história nos conduz pela relação de aventuras e afeto crescente entre um barqueiro e um gringo.
Antes de tudo, preciso dizer que apreciei demais o trabalho de linguagem neste conto, que foi o que mais me chamou a atenção. Não é para qualquer um. O autor criou um diferencial valioso à narrativa. Um enredo que exigiu criatividade e encaixes, é trespassado pela melancolia e temperos nostálgicos. Uma baita produção textual.
O autor está de parabéns. Boa sorte.
Resumo: Jovem firma amizade com um velho estrangeiro residente da Amazônia.
Comentário: O autor possui bom domínio da língua e das técnicas narrativas. O enredo traz uma bonita história de amizade. O título é bem criativo, assim como os três parágrafos finais (estes a revelarem o toque de genialidade do autor). Ficou interessante a maneira como o autor abordou as questões da solidão e da loucura.
Autor, faça as seguintes correções antes de entregar seu texto a uma editora:
– erro de digitação: “praguejou se nem precisar olhar”;
– falta de acento agudo na terceira pessoa do singular do pretérito imperfeito: “saia de um gramofone portátil”;
– corrija a concordância em número ou suprima a crase: “A voz à suas costas”;
– insira crase: “rente a cama”;
– suprima a crase: “À pedido de uma alegria inusitada”;
– opte por inserir crase facultativa: “de uma ponta a outra”
– quem prende é o agressor, portanto, é o agressor quem solta a vítima e, não, o agressor se solta da vítima: “agressor se soltou da vítima”.
Resumo: Baltazar, o barqueiro, leva o gringo Wade à Fordlândia com frequência. A relação entre os dois é um tanto conturbada, especialmente para Baltazar. Mas logo ele se afeiçoa ao sujeito, meio sem querer, é verdade, numa mistura de pena e de estupefação. O jeito (ou a falta) de Wade o mete em encrencas, mas no fim Baltazar está lá, para salvá-lo e escondê-lo em seu pedaço de mundo abandonado. No fim, quando um grupo de homens chega e pede para ir à Fordlândia, Baltazar o leva até lá, mas Wade já não é mais visto, restando dele apenas uma pilha de roupas encimada por um chapéu de palha.
Impressões: gostei muito deste conto. A mistura entre nostalgia e amizade é para mim certeira, não resvalando na pieguice fácil ou no dramalhão. Ao contrário, a amizade entre Baltazar e Wade é construída de maneira sensível, paulatina e, por isso mesmo, verossímil. Amizades verdadeiras se forjam assim, sem interesses secundários e subliminares: num momento você não suporta o sujeito e, de repente, no outro, percebe que ele é parte de você mesmo, de sua história; os defeitos dele, antes repulsivos, passam a ser parte de um todo que você deseja e se sente responsável. Nesse aspecto, o conto beira a perfeição, já que ali estão a ojeriza que Baltazar sente pelo gramofone e pela música do americano, a repulsa que o invade ao conhecer o pedaço de mundo que o órfão de Ford habita. Só que, na hora H, eis que aflora aquela sensação de apreço, de se sentir responsável por alguém. Talvez — só talvez — pude ser inserida nesse aspecto alguma lembrança de Baltazar em relação ao próprio pai ou a alguma figura paterna, para explicar melhor, para reforçar essa mudança de opinião em relação ao Wade. Mas divago. Do jeito que está, dá para perceber e compreender essa reviravolta.
A questão da nostalgia também é bem explorada, especialmente por conta da saudade que Wade nutre da Fordlândia – um passado que, ao que parece, não foi o seu – algo que o toca fundo. Essa linha de personalidade de Wade é muito interessante porque parece se tratar de alguém que opta por viver no passado, um passado de glórias idas, sabemos, mas que o protege. Daí o gramofone, as músicas, o espanto e a revolta com a notícia da morte de Henry Ford.
No lado mais filosófico, não para escapar da comparação com Caronte, o rio Aqueronte e o Hades. Baltazar é o condutor — curiosamente ostentando o nome de um dos reis magos – pronto para inserir o pobre Wade numa espiral de dependência e loucura. Bacana ver esses aspectos repetidos, talvez até involuntariamente, na região amazônica. Aliás, esse é outro aspecto positivo a ser ressaltado, porque o conto só funciona bem como está por conta da ambientação nessa parte do mundo. Ou seria o mundo de Dante?
Enfim, um trabalho maiúsculo, muito bom, daqueles que a gente termina a leitura querendo mais. Parabéns ao autor e boa sorte no desafio.
Baltazar é um jovem que trabalha com embarcação no Rio Tapajós.
O conto relata as viagens que ele faz levando um provável americano que ele chama de “velho”, de Fordilândia para Santarém.
Fica claro que essas viagens se repetem semanalmente e Baltazar não sabe o que o homem faz ao certo, apenas que sempre vai ao correio e ao posto telefônico.
Aos poucos Baltazar sente afeição e se identifica com o homem, pois ambos são solitários.
Um dia ele leva um grupo até Fordilandia e na beira do rio vê as roupas do homem, seu chapéu e um envelope com uma Foto de um homem segurando o tronco jovem de uma seringueira.
Achei a leitura prazerosa e instigante. Senti vontade de saber quem era aquele homem e o que fazia.
Imaginei que ele fosse um americano que veio trabalhar em Fordilandia na época que iniciou, ficou lá e em sua solidão enlouqueceu. Continuou vivendo na espera de Mr Ford e como se tudo ainda existisse.
Gostei especialmente do parágrafo em que Baltazar encontra os amigos e o autor descreve sobre eles, achei poético e profundo. Existe beleza na miséria humana?
No conto senti a miséria e vivenciei beleza nas palavras.
Resumo- Baltazar, um jovem barqueiro que trabalha com sua embarcação, transportando mercadorias pelos rios da Amazônia, também transporta um antigo funcionário de Fordilândia para Santarém, para ele telefonar e enviar cartas. Durante a viagem o homem dança ao som de uma música tocada por um gramofone que ele carrega nas viagens. Um dia o velho se sente mal e Baltazar o ajuda a chegar em casa. O rapaz constata com pesar, o lugar pobre em que o homem vive em Fordlândia. Um dia, ao chegar em Santarém e telefonar para o exterior, o velho descobre que Henri Ford estava morto já há algum tempo. Decepcionado com a morte do mentor e alma do projeto no Brasil, o velho acaba se matando.
Comentário= O conto tem uma narrativa bem legal, uma boa construção de ambientes, descrições breves e sem firulas desnecessárias. Os personagens se destacam por suas ações e sentimentos marcantes. Quem não conhece Henry Ford, estadunidense, fabricante de automóveis, deve fazer uma pesquisa sobre seu projeto de extração de látex no Brasil, para poder entender a história e a decisão radical do velho do gramofone. Eu já conhecia a história de Fordlândia e gostei bastante dessa história baseada num dos sonhos de Henry Ford, que acabou fracassando devido as pragas nas plantações de seringueiras. Boa sorte Quarup.
Olá Quarup.
Resumo:
A trama é ambientada no período que a Fordlândia havia sido desativada e narra a relação entre um menino barqueiro e um gringo, que depois de tantas idas e vindas fizeram amizade.
Perdoe meu resumo simples, resumi dessa forma porque eu não soube encontrar palavras para descrever de forma resumida tão linda história, que foi bem ambientada, talvez no fim da década de 40, pois pesquisei quando Henry Ford morreu pra me localizar no tempo. Essa ambientação foi maravilhosa. Também não posso deixar de salientar a riqueza dos diálogos e a química entre o jovem barqueiro e o gringo. E o estilo da linguagem da narração, nossa, muito legal e ficou bem original. Pra seu conto, só tenho elogios.
Boa sorte.