O que primeiro chamou a atenção de Emanuel foi o cão. Curvado e decrépito, chocalhava os ossos pela rua de calor e poeira, enxovalhado por com quem se cruzava, com mais sorte ignorado. Passou por Emanuel sem uma atenção, em andar saltitante, até parar frente à parede de cal branca que, em povoação de construção em pedra, se destacava. Aproximou-se da brancura e alçou a perna. O amarelo pesado marcou a leveza do níveo. Emanuel observou-o a cheirar o serviço feito e a retomar caminho, na sua miséria e chocalhar. Mijara a igreja, o desgraçado. E era ainda assim a mais inocente das criaturas.
“Quer um tercinho, menino?”
A velha aproximara-se de Emanuel pelas costas, arrastando os pés, o corpo deformado embrulhado num traje cinzento e o rosto enrugado fixando-o sem pudor. Balançava num braço um saco de plástico esverdeado, enquanto com o outro lhe estendia um terço em croché azul-marinho. Adornara o crucifixo com uma rosa vermelha, tão horrenda quanto macabra.
“É a senhora quem os faz?”
“Todos”, devolveu a mulher. “Quer ver?”
Os dedos grossos apressaram-se a vasculhar o interior do saco.
“Deixe estar, deixa estar”, interrompeu Emanuel, erguendo os braços num esboço de impedimento. “Eu levo o que tem na mão.”
“Não leva também outro, para a mãezinha?”
Matreira da velha. Emanuel reafirmou a recusa, pagou o que ela lhe pedia pelo terço azul, e enfiou-o no bolso com descaso.
“A senhora”, disse por fim, “está à vontade a vender à porta da igreja?”
“Então se não estou, meu filho, não haveria de estar porquê?”
“Os vendilhões do Templo e a fúria do Pai…”
“Ai, que riquinho, parece o senhor padre na missa, é um desses do seminário?” Perscrutou-lhe as sandálias de tiras, os calções surrados, a t-shirt larga, e os caracóis escuros à altura dos ombros. “Não é, não, que não tem ar. Então queria que fosse aonde, menino? À taberna? A clientela é aqui que a tenho.”
“E ninguém que a ajude?”
“Tenho umas coisitas das freiras lá de cima… Mas pouco dá, menino, para pouco dá”, respondeu, afastando-se já com novo terço – este em roxo – na mão. “Deus o abençoe, menino!”
“Pouco dá…”, repetiu Emanuel, retomando caminho ao acaso. O sino havia começado a tocar, chamando os crentes à Eucaristia. Apercebeu-se que a velha se afastara para se postar à porta da igreja, feita sabida, e a dualidade moral voltou a morder-lhe o espírito, vendo-a tentar vender produtos em solo sagrado, mas sendo incapaz de a censurar pelas necessidades mundanas.
Se alguém possui bens neste mundo e, vendo o irmão em necessidade lhe fechar o coração, como permanecerá nele o amor de Deus? 1 João 3:17
Entrou no café do outro lado da rua, o espaço atarefado pela clientela que a manhã de lazer acarretava. Sentou-se sozinho, pedindo uma água com gás quando o funcionário o abordou, e fixou-se no televisor. Sem som – o burburinho das múltiplas conversas a decorrer tê-lo-iam tornado inútil –, a imagem e as legendas bastavam para que se adivinhasse as notícias que corriam. Seguiam sendo as mesmas, dia após dia, semana após semana.
“Obrigado”, murmurou Emanuel quando a garrafa de vidro e um copo alto lhe foram colocados à frente. O empregado não o chegou a ouvir, tendo-se já virado para outra mesa em que o chamavam de braço no ar e rosto fechado. No televisor ignorado corriam imagens de um campo de refugiados que se quisera temporário e se prolongara: a lona das tendas fragilizava-se pelo uso contínuo, a organização descarrilara pela necessidade de acomodar os muitos que ainda chegavam, e a escassez de espaço tornara em lixo visual os parcos bens materiais. A câmara focou um homem que falava, um discurso mudo perdido entre as conversas de café, e por trás do entrevistado um bando de miúdos jogava com uma bola de panos. Emanuel seguiu o foco da câmara, que se aproximava dos rapazes na sua brincadeira de baixo custo. A imagem fora curta: uns segundos acompanhando-lhes a respiração, os pontapés, os inaudíveis gritos de incentivo que se lhes formavam nos lábios. As expressões envelhecidas, incapazes de eliminar o medo constante que aquietavam com uma bola de trapos.
A água com gás viera com sabor a limão. Emanuel estalou a língua, tomando outro gole. Não era o que pedira, mas deixou-se estar, pouco inclinado a chamar novamente o empregado e ainda menos a pedir por outra quando, distraído, já abrira e consumira daquela.
Não esqueçais o dever da hospitalidade. Foi por ela que alguns receberam anjos sem o saber. Hereus 13:2
“Isto está livre, amigo?”
O homem que o interpelara aguardava a resposta já com a mão na cadeira que pretendia levar, certo de que receberia uma afirmativa, e cumprindo apenas o civismo social. Emanuel não o desiludiu, confirmando com um aceno. O outro agradeceu, não perdendo tempo a virar a cadeira para a mesa dos amigos e a acomodar-se. Emanuel, distraído do televisor – onde, ademais, já se avançara para as notícias futebolísticas –, ouviu-o continuar a conversa interrompida.
“E juro que era assim, quem não soubesse não dava conta, parecia uma mulher a sério.” Risos na mesa. “Riam-se, riam-se, quero ver quando começarem a usar os balneários das vossas mulheres.”
“Ó Mota, achas lá que deixam isso acontecer?”, interpelou um dos amigos, o riso agora mais incerto.
“Com esta gente… Não viste lá aquele desfile em que meteram um deles a fazer de Cristo na cruz? Primeiro diz que é mulher, depois mete-se na cruz, como se não se soubesse ter sido Cristo homem… Nem sei, nem sei que raio lhes passa naquela cabeça, normais não são.”
“As gajas também ajudam a essa rebaldaria”, aventurou-se outro. “Não sabem o que querem, não se pode comentar nada, mas é cada provocação que vestem!” A mesa anuiu; gargalhou. “Depois surgem esses a substituir.”
Emanuel ergueu-se com brusquidão, deixando o pagamento na mesa e apressando-se a sair. Sentia-se enjoado. Fora para aquilo que fizera tudo? Fora naquilo que o seu exemplo – as suas ações, as suas palavras – envelhecera?
Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei, que dessa mesma maneira tenhais amor uns para com os outros. João 13:34
A manhã aquecera, no entretanto, as ruas tendo-se tornado impiedosas. A missa ainda decorria, o coro ouvindo-se no exterior. Da vendedora de terços em croché não havia sinal. Nos cafés, as esplanadas abundavam em turistas e domingueiros, socializando entre bebidas frescas ou uma bola de gelado. Poucos caminhavam, subjugados ao peso veranil.
O cão voltou a chamar-lhe a atenção. Curvado e decrépito, chiava no interior de uma transportadora cinzenta, carregada por uma mulher que soprava, em vão, para afastar o cabelo que se lhe colava ao rosto suado.
“Queres ajuda?”, perguntou-lhe Emanuel, quando ela desistiu e pousou a transportadora, limpando a testa com um lenço e apanhando o cabelo com um elástico. A mulher surpreendeu-se, antes de lhe sorrir polidamente.
“Estou bem, obrigada.” Passou o lenço pelas axilas e enfiou-o no bolso. Voltou a pegar na transportadora, ignorando o evidente desagrado do cão, que ganiu mais alto. “Já estou habituada e a carrinha está logo ali.” Apontou com o queixo uma carrinha branca, velha, onde alguém grafitara Arca de Noé.
“O cão é teu?”
Ela olhou-o de lado, desconfiada pela insistência.
“Nunca ouviste falar da Arca de Noé?”, perguntou-lhe.
“Já, mas parece-me que não seja a mesma coisa…”
“Somos uma associação de proteção aos animais”, explicou ela. Tinham chegado à carrinha e pousara a transportadora. Abria a porta traseira enquanto lhe falava, reorganizando mantas e sacos de ração. Emanuel ajudou-a a erguer a transportadora e a acomodá-la. O cão, nervoso, arranhava o plástico cinzento. “Focamo-nos em animais de rua”, continuou a mulher. “Este menino aqui vai ser desparasitado, alimentado, lavado e, quando estiver mais saudável, castrado.” Suspirou. “Se tivermos sorte, conseguimos que seja adotado ou pelo menos apadrinhado. Estamos pelas costuras, mas o canil municipal também… Às vezes a única coisa que conseguimos fazer é desparasitar e castrar, e voltar a soltar na rua.”
Emanuel sorriu.
“Quem dá o que tem a mais não é obrigado”, declarou. Ela voltou a olhá-lo de lado, antes de fechar a carrinha.
“Pois, talvez”, concordou, vaga. “Obrigada pela ajuda. Se quiseres um patudo, já sabes.”
Emanuel assentiu, afastando-se do caminho enquanto ela subia para trás do volante e colocava o motor a funcionar. A carrinha roncou para a vida e deixou-o sozinho, parado no largo frente à igreja, rodeado de cafés, calor e pó. Talvez ainda não tivesse visto quanto bastasse para chegar a conclusões. Talvez a sua palavra dependesse mais do recetor que do emissor, e o seu envelhecimento não fosse ainda final.
Teria então ainda muito a fazer.
“Em verdade vos digo…”
Olá autor(a)!
Antes de expor minha opinião acerca da sua obra gostaria de esclarecer qual critério utilizo, que vale para todos.
Os contos começam com 5 (nota máxima) e de acordo com os critérios abaixo vão perdendo 1 ponto:
1) Implicarei com a gramática se houver erros gritantes, não vou implicar com vírgulas ou mínimos erros de digitação.
2) Após uma primeira leitura procuro ver se o conto faz sentido. Se for exageradamente onírico ou surrealista, sem pé nem cabeça, lamento, mas este ponto você não vai levar.
3) Em seguida me pergunto se o conto foi capaz de despertar alguma emoção, qualquer que seja ela. Mesmo os “reprovados” no critério anterior podem faturar 1 ponto aqui, por ter causado alguma emoção.
4) Na sequência analisarei o conjunto da obra nos quesitos criatividade, fluidez narrativa, pontos positivos e negativos, etc.
5) Finalmente o ponto da excepcionalidade, que só darei para aqueles que realmente me surpreenderem. Aqui, haverá fração.
Dito isso vamos ao comentário:
TÍTULO/AUTOR: 4. Em verdade vos digo (Quarentena)
RESUMO: O conto apresenta uma narrativa que tem como personagem central o menino Emanuel.
Trata de fatos que se sucedem dando uma sequência logica ao pensamento do autor. Um conto recheado de referências bíblicas em que um suposto Jesus multifacetado interage com pessoas dentro de um contexto que remete a alguma passagem bíblica.
CONSIDERAÇÕES: Se a ideia foi fazer Jesus se decepcionar com o comportamento humano quem acabou decepcionado foi o leitor. Senti falta de algo que justificasse a narrativa ou o motivo do peregrino estar buscando nas pessoas certo comportamento social.
No fundo é um conto sobre a hipocrisia, porém só funciona se for lido por quem tem Fé ou professa a religião. Para ateus e agnósticos o suposto Cristo aparece como um personagem chato, impondo aos outros seu conjunto de valores.
NOTA: 4.0
Independentemente da avaliação aproveito para parabenizar-lhe pela obra e desejo sucesso na classificação.
Boa Sorte!
4. Em verdade vos digo (Quarentena)
Tema: o passar do tempo, o abandono e o espanto.
Resumo: Emanuel observa seu pequeno mundo, desde o cachorro que mija na igreja, passando pela vendedora de terços, até os homens no bar e a protetora dos animais. O texto não é claro, mas parece haver uma elipse de tempo considerável entre os momentos do cão e do homem.
Técnica: o texto, claramente português na temática e expressões, é bem interessante por trazer uma outra visão de mundo e de construção de história. A intercalação de trechos bíblicos, ainda que não totalmente lúdica, dá outro sentido ao passar do tempo.
Emoção: perplexidade. Não compreendi de todo o que quis o autor, mas vejo que a história guarda uma reflexão sobre a mudança que o tempo traz.
Um homem ao observar um cão velho e decrepito se depara com uma mulher idosa, pouco depois encontra o mesmo cão já recolhido por uma uma outra mulher que se propõe cuidar deste e arranjar-lhe alguém para tomar conta deste.
Um conto que vi como algo contemplativo. Devo dizer que senti dificuldades com o estilo de redação. A narrativa em si não me empolgou, senti falta de alguma ação e uma exposição maior do personagem.
Atribuo-lhe a nota 2,5.
A história faz um paralelo entre o protagonista do conto, Emanuel (Deus conosco) e o próprio Cristo, que se vê diante do envelhecimento da letra, dos ensinamentos bíblicos, e pensa que ainda há muito a ser dito até que a humanidade aprenda.
Nota: 5,0
Interessante como o autor insere “um clima” de envelhecimento na própria história descrita. Ela mesma que traz o “envelhecer” das criaturas, das coisas e até do dizer do narrador. Criativo e intrigante. Bom recurso ao usar trechos bíblicos entremeando os parágrafos e dando sentido à letra.
Resumo
O conto retrata um dia de Emanuel, que se depara com um cão inocente e depois encontra pessoas às quais observa e julga de acordo com suas ações. Uma senhora que vende terços em frente à igreja, questionando o fato de usar solo sagrado para ganhar dinheiro, pessoas em um bar que ignoravam as cenas de um campo de refugiados no televisor e conversavam sobre amenidades e besteiras desrespeitosas. Por fim, encontra uma mulher que ajudava os animais da rua.
Comentário
O texto é muito bem escrito, bastante interessante e bem estruturado. Gostei bastante da forma como a história foi contada, entremeada pelos versículos da bíblia (acho que é isso) relacionados ao que foi acontecendo no dia de Emanuel.
O primeiro parágrafo pareceu-me um pouco confuso, o que deve ter sido agravado pelo uso de expressões mais comuns aos falantes de português de Portugal (o que não é uma falha sua, obviamente).
Não encontrei muita relação com o tema envelhecer.
Poucas observações quanto à gramática:
não haveria de estar porquê? Por quê
a t-shirt larga, (tirar a vírgula) e os caracóis escuros
Olá,
Resumo 📝 Um homem convicto de sua fé, passa a se questionar e através de exemplos de pensa que saber as palavras não é o suficiente, precisa praticá-las.
Gostei 😁👍 Bem, vamos ver se eu entendi mesmo o conto. A escrita é apurada e a linguagem bem portuguesa, tive algumas dificuldades mas nada que comprometesse. Gostei da mensagem que se passa aqui. Um homem de muita fé e pouca ação. Típico, até me vi nele, sofrer pelas coisas e não se mover para ajudar. Gostei de como você construiu essa percepção que ele foi tendo aos poucos. Duas vezes ele viu o cão, e nada fez, além de julgar o comportamento e achar que não era responsabilidade sua. Viu os homens no bar falando coisas que não acordava e seguiu em frente. Viu a mulher necessitada e a julgou. Então veio o exemplo. A ficha caiu… não era tarde pra fazer algo. Desculpe se eu tiver viajado aqui na interpretação. O final me intrigou me deixando totalmente em dúvida se eu li ‘’ certo”
Não gostei🙄👎 Não amei o conto, mas também não há nada que mereça ser apontado de ruim que tenha alguma relevância.
Destaque📌
Conclusão = 🤔 Um conto com uma linguagem mais trabalhosa, por motivos óbvios, com uma bela mensagem e o personagem é bem verossímil, poderia ser eu.
EM VERDADE VOS DIGO (QUARENTENA)
Resumo: A história de Emanuel e sua percepção do mundo que o cerca com base e trechos e passagens da linguagem bíblica.
A historia vai sendo narrada com fatos que cercam o cotidiano do personagem.
Comentário: Texto rico, com palavras que se encaixam, mas, que fogem a minha percepção.
Não sei se o autor focou na historia de vida de Emanuel, ou, se focava na sua maneira de ver o mundo.
Tem detalhes preciosos como: A água com gás viera com sabor a limão. Emanuel estalou a língua, tomando outro gole. Não era o que pedira, mas deixou-se estar, pouco inclinado a chamar novamente o empregado e ainda menos a pedir por outra quando, distraído, já abrira e consumira daquela.
A forma como o narrador descreve as cenas é maravilhoso de ler. Me faz tentar entender e enxergar o momento. Algumas tão bem detalhas que não consegui interpretar.
Resumo: Emanuel desceu para a Terra para ver como seu evangelho e exemplo havia envelhecido. Se decepciona com a maioria mas vê que ainda existe uma esperança.
Olá, Quarentena!
Eu sou cristã e gostei muito do seu conto! Jesus foi retratado de forma singela, real, maravilhosa. Um menino simples, educado, extremamente humano! Isso foi o que mais gostei no texto!
Obviamente o autor(a) é português, algumas palavras foram quase incompreensíveis para mim, mas não atrapalharam a compreensão do texto como um todo.
Achei o conto muito original, um enredo interessante, a ambientação muito bem feita e os personagens muito bem delineados!
Gostei bastante! Parabéns e boa sorte!
Emanuel – Jesus – anda pelas ruas do mundo atual, presenciando e ponderando sobre os novos tempos, vendo-se obrigado a repensar alguns conselhos, abrir exceções a outros e, em geral, repensar toda a sua palavra.
Tenho que começar este comentário dizendo que este conto é perfeito para mim. Nada é perfeito, mas para mim este é um exemplo a ser seguido.
Escrita impecável, com vocabulário extenso mas que não se perde em nuances de linguagem nem tenta ostentar um vocabulário em desuso apenas para confundir o leitor e massagear o ego do escritor. Não: o texto é extremamente bem escrito e acessível. Além disso, tem toques de humor em meio a mensagens de profunda importância e questionamentos filosóficos.
No início achei Emanuel um nome interessante para o personagem e uma alusão a Jesus. Quando o escritor revela ser ele mesmo o personagem, no início achei caído já que concretiza a metáfora mas, para ser honesto, foi uma decisão estética. Tanto faz. De qualquer forma, o conto continua perfeito.
Então notei que, na verdade, o personagem não é exatamente Jesus mas, sim, sua palavra. O conto inteiro é sobre uma tão necessária atualização das palavras do Salvador em um mundo que já corre dois mil anos desde a sua escrita. O texto é sobre a “velhice do evangelho”. Além disso, aborda a velhice de outras formas, como a senhora vendendo terços e como a velhice precoce no rosto das crianças jogando bola em um campo de refugiados.
Muito bom mesmo.
Emmanuel percorre as ruas de uma pequena vila e questiona se suas lições não teriam envelhecido ao constatar o comportamento das pessoas até encontrar uma mulher que recolhe cães abandonados e o faz voltar a ter esperança na humanidade.
Uma abordagem interessante para o tema em um conto ambientado no que poderia ser uma pequena vila, certamente em Portugal, a julgar pelo sotaque da linguagem utilizada. Achei essa escolha da ambientação, uma pequena cidade, pessoas simples, situações banais, muito feliz. Fez toda a diferença no impacto do conto.
A narrativa fluente e a linguagem segura não deixam dúvidas de que se trata de um autor com pleno domínio da arte de contar uma história. Também gostei do desfecho, com uma mensagem de esperança na humanidade que você deu ao conto.
Parabéns pela participação. Desejo sucesso no desafio e em tudo mais. Grande abraço.
Olá, Quarentena, cá estou eu às voltas com a sua história. Confesso que não consigo destrinchá-la. Pareceu-me que o nosso personagem é Jesus, o Emanuel, Deus conosco. As indicações me levam a crer nisso. Mas será que estou certo? Será que me engano? Bem, aguardemos o final do desafio. Estou curioso para compreender melhor essa sua história. Meu abraço fraterno e sucesso.
Olá Quarentena.
Um conto típico e formado por palavras que não entendi, totalmente, mas o estilo é todo português lisboeta (ou de outra região de Portugal).
Trata de um assunto diário, corriqueiro, partes de resmungo e contradições sobre o cachorro malambento e com futuro próximo de “desparasitado” e castrado. Fuja. Citações formam um estranho enredo.
Não reconheci como específico para o desafio que é sobre envelhecer.
Boa sorte no desafio.
Ótimo conto!
De início, lia pensando estar diante de uma crônica, mas logo que compreendi de quem se tratava o personagem principal, vi que havia sim uma história sendo contada. Cristo observa a sociedade e reflete sobre os próprios ensinamentos, disfarçado de garoto, utilizando-se de um de seus nomes. A história que se lê aqui é a de um homem – que não é só homem – refletindo sobre si mesmo, entendendo a limitação de um discurso, por mais sagrado que este seja. Sim, nem sempre há algo que o emissor possa fazer por aquilo que fazem de sua mensagem. Por isso, nunca um trabalho tamanho como esse missionário poderá estar plenamente acabado. Há muito o que fazer.
Sou ateu e não tenho religião, mas é um belo conto e, tecnicamente, impecável (apesar de ter lido um “Hereus”, descuido da revisão). As alegorias são sutis e até engraçadas, como na ocasião da Arca de Noé. Parabéns.
Em verdade vos digo (Quarentena)
Resumo:
Emanuel “volta” para avaliar a sua obra. E, através de parábolas, as cenas são elaboradas e narradas.
Comentário:
Emanuel (protagonista) foi o nome dado pelo profeta Isaías ao filho de Deus que nasceria de uma jovem virgem. Significa: Deus está conosco.
Texto impecavelmente escrito. A colocação pronominal primorosa nos remete à escrita lusitana. Elegância pura.
A narrativa discorre através das parábolas:
“Se alguém possui bens neste mundo e, vendo o irmão em necessidade lhe fechar o coração, como permanecerá nele o amor de Deus?” 1 João 3:17
“Não esqueçais o dever da hospitalidade. Foi por ela que alguns receberam anjos sem o saber.” Hebreus 13:2
“Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei, que dessa mesma maneira tenhais amor uns para com os outros.” João 13:34
Dentro da temática do desafio, ENVELHECER, acredito que o autor procurou passar que, através da perspectiva religiosa (bíblica), a palavra de Deus ainda não “envelheceu”, não “amadureceu”, não se “consumou” nas atitudes dos homens. Emanuel ainda terá muito a fazer.
Boa sorte no desafio!
Abraços…
Em verdade vos digo (Quarentena)
Resumo: Homem passeia em torno de uma igreja. Chama-se Emanuel. Encontra um cão, uma velha, vê televisão, toma água e ouve as conversas em um bar, encontra-se com a mulher que recolhe cães das ruas. Ele se chama Emanuel. Deus está conosco.
Comentários: Conto excelente. Um transporte para os dias atuais da realidade pregada no Testamento, jogando valores entre ideias mundanas e as palavras da Bíblia, entre outras coisas.
Bem estruturado, passeia pela simplicidade da vida, notando a desconsideração das coisas “santas”, da “modernidade”, de uma nova forma de salvação, de uma nova Arca de Noé.
Muito bem escrito, não derrapa nas construções, embora, pareceu-me, a opção por palavras pouco usuais tenham criado lombadas na leitura. Ressalto o termo “níveo”, que significando “como a neve”, transporta-se à cor da cal nas paredes tingida pelo amarelão da urina do cão. Belíssima passagem, embora a opção pela palavra usada tenha excedido em exigência do leitor. De qualquer maneira, muito bonito o texto.
Um conto que mostra sem dizer. Legal isso. Jesus Cristo está entre nós. É Emanuel revisitando aquilo que cerca Sua Casa, revendo, reavaliando as consequências temporal daquilo que acreditou importante.
Tem uma passagem, que julguei precisar de revisão (ou não a entendi ou mostrou-se pouco usual). Passo a ela:
“…enxovalhado por com quem se cruzava, com mais sorte ignorado.”
Imaginei que deveria ser:
“…enxovalhado por quem com ele cruzava, com mais sorte ignorado.”
Entendo que o “se” seja “ele”, mas, ainda assim, pareceu-me uma construção difícil, embora correta.
Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.
Resumo: homem testemunha situações que, ao que parece, contrariam os ensinamentos bíblicos. Ao final, percebe-se que esse homem era o próprio Cristo, numa espécie de revisita ao plano terreno.
Impressões: é um conto ousado, eu diria, quase uma parábola, porque vemos aqui um Jesus reencarnado, escondido, e que se defronta com situações muito parecidas com aqueles vivenciadas originalmente na Bíblia. Consigo mesmo, percebe que pouco mudou, que os ensinamentos de tolerância que pretendeu passar acabaram esquecidos.
É uma metáfora interessante, mesmo para quem não é religioso, já que o gatilho do texto está justamente na comparação entre o que aconteceu supostamente há dois milênios e o que ocorre hoje — valores que se perderam e que independem de crença para serem percebidos.
Gostei do fato de que a revelação sobre quem o homem era só ter surgido no final. Foi uma boa ideia e, confesso, me vi realmente surpreendido. Nesse momento o conto fez ainda mais sentido e me deixou com um sorriso no rosto. Uma epifania, talvez, ainda que eu não seja do tipo que frequenta igrejas.
No mais, achei o conto bem escrito, com um linguajar a que não estamos muito acostumados a ver por aqui, mas que ainda assim — ou talvez exatamente por isso — encanta pelo cuidado com que o vernáculo é tratado. Enfim, um ótimo trabalho. Parabéns e boa sorte no desafio.
Nota: 4,0
Resumo: Jesus volta ao mundo sem que ninguém saiba, e constata que, depois de dois mil anos, a humanidade continua a ignorar seus ensinamentos.
Comentário: O argumento é muito simples, comum, porém a forma como a história é contada, dá a ele uma beleza inigualável. Gostei da narração, da escrita. A ambientação me fez lembrar de um filme de Luchino Visconti, com os casarões brancos, num dia de verão, um homem solitário andando a esmo. Boa sorte.
Olá, autor.
O “Deus conosco” (Emanuel) que é um dos vários nomes de Jesus, vem dar uma olhada em como andam seus ensinamentos por aqui. Ao observar as contradições e as ações dos seres humanos em situações diversas, ele percebe que o que ele representa “envelhecera” na nossa sociedade. Contudo, encontra fiapos de esperança no fim da história. Bom, assim entendi…
AVALIAÇÃO: Utilizo os seguintes critérios: Técnica + CRI (Coesão, Ritmo e Impacto) sendo que, desses, o impacto é subjetivo e é geralmente o que definirá se o conto me conquistou ou não.
Técnica – Parece-me escrito no português originário, o que é para mim motivo de alegria, pois amo o requinte dessa linguagem. O texto é absolutamente bem escrito, conciso, cada palavra no seu devido lugar e não podendo ser outra. Sem explicações desnecessárias, permitindo que o leitor interprete.
CRI – Coeso, sem desperdícios ou divagações do passado. Ritmo adequado ao tema e um impacto muito interessante (para quem compreende as entrelinhas da narrativa). Pode ser que leitores menos habituados a pensar teologicamente (ou historicamente) não percebam de QUEM se trata, e aí te acusarão de fugir do tema do desafio. Mas por culpa deles e não sua, claro.
Agora que já disse o que penso tecnicamente do texto (maravilhoso), gostaria de parabenizá-lo pela ousadia de trazer o tema de um modo tão sutil. Como sou Cristã Protestante, sinto-me à vontade (e permita-me) para dizer que não cabe nas escrituras a ideia de um Jesus que fica chateado e impotente com a rejeição à sua mensagem, menos ainda um Jesus que aceite a perversão da sua imagem. Mas veja, isso é uma certeza teológica minha e não compromete a minha avaliação do seu precioso texto.
Parabéns.
Emanuel repara a presença de um cão velho que mijara no muro da igreja. Logo depois encontra uma velha a lhe oferecer um terço. Ele compra o terço, mesmo reprovando a atitude dela em vender em solo sagrado.
Depois entra em um café. Em sua evolução Emanuel cita passagens bíblicas a moderar seu comportamento. Então, saindo do café, encontra uma voluntária acolhendo aquele cão velho para o tratar. Emanuel pensou sobre o fato e concluiu que o cão não fosse tão velho assim, deixando uma brecha em seu ser para agir a seu favor.
O autor descreve a cena incluindo passagens bíblicas a permear a ação do protagonista. O personagem alimenta uma esperança através dessas passagens.que influenciam em suas conclusões. nota 03.
“Mijara a igreja, o desgraçado. E era ainda assim a mais inocente das criaturas.”
– Muito bom esse trecho!
Emanuel – que é um religioso – caminha pelos cantos de uma cidadezinha e coloca em confronto sua crença com os objetos que analisa. Primeiro uma senhora, depois alguns clientes de bar, cachorrinho e por fim uma mulher de algo que me parece a carrocinha.
Sente-se no texto a empatia e a curiosidade do protagonista em relação ao mundo, ele valoriza cada momento para filosofar com os trechos da bíblia e a relação deles com o que observa. O conto pondera bem descrições, diálogos, cenários acabados e personagens cativantes em suas peculiaridades.