EntreContos

Detox Literário.

A Hora da Louca (Fátima Heluany)

 

A cidade ficou vazia de carros e a louca apareceu, inquieta, desgrenhada. Subia nas árvores, balançava, quebrava os galhos. Jogava pedras nos postes, as luzes tremeluziam, espatifando-se.  As mãos apanhavam varas, correias, não se cansavam de bater na carne dura, seca. O afiador de navalha lhe engrossara os lábios, arrancara-lhe sangue dos dentes. Agora, estava ali, sozinha nas ruas e as vozes se alongando a alcançá-la. 

Eu desviava os olhos, queria me opor às investidas furiosas contra a doida. Eu nunca a vira tão vulnerável, tão desalinhada… Estava boquiaberta e parecia muito confusa.

— Homem-de-saia! — ganhou o apelido porque tinha os cabelos curtinhos e amarrava a saia no meio das pernas. Até que descobriram seu nome: Ana. — Ana-de-saia? Não. Ela promovia uma zureta e Zureta seria… 

As crianças corriam atrás dela, sem preocupação. Foi então, sem saber se explicar, que ela saiu correndo em direção ao cesto de lixo. Apanhou uma garrafa e jogou… A garrafa acertou bem no meio do alarido. Tudo se aquietou para que o barulho do vidro feito em mil pedaços se fizesse sentir pleno e absoluto.

— É louca… Está louca — ficaram com medo: perigosa. A doida descobriu um sentimento novo pulando dentro do peito. Não era mais uma ave ferida, desesperada, saltando contra as varas da arapuca, o gosto de liberdade.  Ela se olhou com trêmulo orgulho: podia causar medo. Gosto de vidro estilhaçado, gosto de sangue. Lembrava, com nitidez, uma vaca empacada que deitada no chão, não queria seguir para o matadouro. Picavam-na com varas de ferrão, os cães lhe dilaceravam as orelhas, os grandes olhos brancos fitavam esgazeados. Tinha passado o limite da dor… 

— Sô uma véia! Não tenho força! Pode ajudá? — de casa em casa, de bar em bar; comida pouca, cachaça muita…  

— Ei! Acorde, você está dormindo no caminho — o passante, tampava o nariz, olhava para os lados e voltava os panos da saia rodada, que com o nó desmanchado, era erguida pelo vento.

— E prá mostrá memo! — a louca se remexia… 

Zureta, não se sabe de onde veio, ficou na cidadezinha. Um ser de nada. De nada ser. Só podia contar consigo mesma, embora tão pouco. Foi ganhando, a cada dia, a cada ano, as coisas amontoadas nela, o que ajuntou e o que ajuntaram. Quanta coisa se formou com cuidado, levou tanto tempo… Muitas coisas foram tiradas, mesmo arrancadas com dor, foram se desprendendo devagarinho, de manso, e foram ficando para trás, para sempre perdidas e a que a doida olhava, de longe, sem mágoa e sem rancor. Mente nublada. Noites sem sono, a vagar pelas ruas.

 

 

As histórias que ouvi sobre ela; ou, que ela mesma contou:

Havia o rumor das pombas, ruído modulado, de raros sobressaltos. Aninha baixava a cabeça para não as ver, reservando o encanto para depois. Sabia que elas estavam ali, num ângulo do telhado, deixava-se embalar pelos sons, perdendo também, por alguns instantes, a manhã estuporada de luz. A menina, de tudo esquecida, embalada pela orquestração conjunta dos pombos. E podia imaginar um pombo vermelho, entre os outros, mas sabia que o pensamento pulando dos pombos para o dia, tinha que necessariamente confundir as coisas.

Ana transformava os livros de estudo, plantando sonhos em sua aridez. O amarelo da capa do livro de Geografia a levava a distâncias incríveis, para muito longe dos oceanos; assim, durante as aulas, vagava por campos dourados, amolecia-se entre árvores perfumadas, no convívio excitante dos duendes, semideuses e guerreiros. Grutas se levantavam do fundo do mar, e os borrifos da água açoitada espirravam na cara do professor e dos colegas. Ana tremia de susto, mas lá continuava sua viagem… era bom vagar pelos mapas. 

Transportava-se com facilidade para as ilustrações dos livros, ia modificando as fábulas, espantando os animais moralistas. Quase sempre as histórias interessavam, mais pelo que tinham de aventureiro e profano. Inverteu a História do Brasil, fundou um império, expulsou jesuítas, brigou com portugueses, andou, andou pelo mundo… mundo da lua.  O é possível, o pode ser, sempre caberiam, sobretudo quando não tinham lá virtudes muito santas. 

Quando fazia exercícios, a mesma divagação. Os livros de Física, Química, Matemática, além de fornecerem algumas poucas explosões e muitos círculos perfeitos nos boletins, serviam para apanhar mosquitos pousados nas páginas ou encantavam pela maciez do papel, pela disposição dos números, pelo mistério das incógnitas. Enfim, eram porta aberta para corridas intermináveis através do tempo e do espaço. Era sedutor ficar à margem de um rio de águas selvagens atravessando, como gente estranha, para a outra margem em procura de um senhor verdadeiramente forte a quem servir.

Pena que a jovem era arrancada em violência de suas fugas, devolvida ao prosaico do dia-a-dia, da realidade presente, chocha e banal. Professores gesticulavam a apontar regrinhas sepultadas em pés de páginas.

— Ah. Não devemos fazê-la pensar — disseram. Alimentava-se então de brioches e brigadeiros, dedilhava o violão. O instinto a convidava a correr mais rápido…

 

Carnaval. Os hotéis mais que cheios… O povo em ânsia. A farmácia. Diazepam. Provigil.

— Uma caixa dá pra quanto tempo? — podiam ser adquiridos sem receita médica, ainda. Sorvia o curto prazer, mas não via aplicação imediata para a mercadoria. A inquietude exigindo cada vez mais o novo, diferente. Queria ser descolada. Buscava liberdade, mas era prisioneira das compulsões.  

—Não sei com que gastei todo o meu dinheiro, só sei que gastei. No fim do mês, estou sem nada e não tenho dinheiro nem para comida — repetia Ana, exausta — estou com fome de bicho, mergulho em meu corpo… corpo bom que me sacia. Dava um pulo no banheiro, escovava os dentes e arrumava os cabelos alisando-os com as mãos umedecidas em lavanda e um pequeno pente negro.

Ana enxergava apenas para um lado. Mesmo uma suave corrente de ar podia embaralhar suas lembranças. Era preciso assestar-lhe a vista em uma direção, num rumo determinado. Apontar-lhe um objetivo, nunca muito distanciado. Não sabia olhar para os lados e, o que era mais importante, nunca, jamais olhava para o fundo. A profundeza era um reino interditado. Também não ouvia muito, sensível apenas a músicas de estrutura linear e ruidosas: Enquanto você/ Se esforça pra ser/ Um sujeito normal/ E fazer tudo igual/ Eu do meu lado/ Aprendendo a ser louco/Um maluco total /Na loucura real…

O mundo oficial e organizado lhe mandou um ofício, dentro das normas exatas, lamentando a sua demissão da faculdade. Agradeceram os serviços; puseram-se à disposição cordialmente; os votos de felicidades são extensivos a toda a família… Foi com uma certa pena que ela desmanchou essa ordem perfeita, a simetria dos parágrafos, a data colocada no lugar certinho, a assinatura caprichada, o automatismo bem disposto das palavras — e jogou tudo no lixo, como coisa vazia, insossa e definitivamente sem préstimo.

Recebeu uma folha de caderno do namorado. Faltava o r da palavra sorvete; derretera. Tudo escrito à mão, caligrafia irregular. Verdade em cada palavra, sentimento em cada traço. Uma onda de afeto, crescente e irregular, impediu a organização dos parágrafos, até as vírgulas eram falsas. E, com avidez, ela ia jogando tudo para dentro de si, fortificando, alimentando-se da grande ternura findada. Estava grávida… Hora de entrar em pânico? Aguardar um sentimento de vergonha?  Uma enorme onda de insegurança a invadia como uma avalanche, enquanto pensava cuidadosamente no próximo passo… 

O filho nunca nasceu. Outro ponto final acontecia. 

— Faz muito tempo que estou descendo? — A mulher vivia em aventuras e aventurava-se para viver. — Não sei o que fazer — declarou, inquieta. — Talvez, se eu puder explicar o que aconteceu. — Merecia ser punida? Ou, talvez, tivesse chegado a hora de começar a aprender de novo…

— Não existe mais tempo para você. Só espaço! — a consciência restante refletia. Ana ofereceu a alma ao diabo em troca de um pedacinho do mundo. Podia dar uma olhada naqueles locais na volta, mas se sentia inquieta por essa tendência recente a se extraviar em estranhas ausências, como se um envelhecimento repentino a estivesse vencendo. Voltava a experimentar a estranha sensação de ter perdido de vista seu propósito. Qual era? Melhor seria se enfiar debaixo de uma pedra.  

Escolheu as ruas mais silenciosas e alternativas, sentindo-se como um rato fugindo pela sarjeta. Tornou-se personagem, encharcada de suor, tremendo, vomitando, chorando. Escrevia em notas e embrulhos varando a noite em convívio de amáveis cachaceiros e brigas e cansaços. No último bar escutou histórias de peixes estranhos, rios longos. Chegou o tocador de cavaquinho. 

— Meia garrafa. Precisa sobrar pro pão. Sola cavaquinho!!!

— Solar cavaquinho é difícil. Olha aqui meus dedos — bolhas sanguíneas nas pontas.

— Mais uma dose — copos semi molhados, o suor no rosto. Quando a embriaguez chegava, o abandono era urgente. Ao ar, os olhos se crucificavam em todos os pontos vagos, fazendo contas, somando disparates. O momento em que não mais se importava. Não havia pânico, nem remorsos. 

Ninguém quis servir-lhe o vigésimo gole. Alegaram o adiantado das horas. Era madrugada. Dormiu na porta do bar, à espera do sol. Acordou tarde, sentindo calor. Levantou-se e buscou sua própria sombra. Onde estava?  

Ana nunca teve coragem de contar o que realmente se passou. Ela se catalogava sem compaixão como aquela mulher que transita pela família, pelas escolas e pelos empregos sem deixar nenhuma marca nos outros. Nunca tivera nada de bom, nem nada de especial, e isso sempre lhe parecera justo. Enormemente. Por isso ela preservou, a partir de vestígios quase ilusórios, fragmentos de ocasiões ou sensações perdidas para sempre.  

Ficou inerte e amortecida pelas ruas, bicho esquisito se procurando, examinando as patas, experimentando os olhos, tocando as mãos… As pernas picadas pelos insetos, engrossaram como tomadas por elefantíase. Os cabelos ficaram grossos, suarentos. Seca, sem lágrimas, tapas estalando na cara; os meninos zombando das roupas muito grandes e disformes. Por companhia, um cachorro magro, com alguns bernes, faminto. Latia longe, modulando. 

Perdeu os mínimos, perdeu a mola, perdeu o sol, perdeu o só, perdeu a contextura. E de tanta ausência, de tanto nada, de tanto vago, de tanto só, fez-se aquela figura, ao seu dessabor e incoerência. Um ser sem nada. Era Ana? não era? era o quê, ou era quem? ninguém ou nada? coisa vivente?  

— Por que não tenho sede, nem fome, nem nada? — ela se indagava.

— Você está se alimentando de sua queda. Ela é tudo para você! — Veio do fundo, sem rumo sem setas, tentando estabelecer o contato entre o que fora e o que era. 

— Fala mais alto, não estou escutando — Zureta pedia. Queria saber, sem angústia, se para ela haveria o amanhã.

— Claro, pois ninguém está falando. Daqui por diante, ninguém fala mais. Uma queda tem que ser em silêncio. Não se compreende uma descida com palavras…

Ana rodava no mundo. Nos quartos, oferecia os seios, oferecia as ancas, oferecia promessas. O ventre se abriu… fecundada. 

— Vou mudar. Não é esse o caminho. Vou fazer uma romaria — tentava recomeçar na corrida, como se o movimento pudesse livrá-la dos estilhaços dessa nova tristeza adicional, acrescida. 

  Mas uma louca também se dilui entre as coisas, porque é pouco; impossível conter a multidão dos normais. O bebê nasceu. Uns dizem que morreu, outros que foi dado. E, ela se incorporou à rotina dos frutos nas árvores, dos homens nas ruas e até se diluiu nas cantigas pendentes de lábios no ar…

Assim ela viveu cada dia, buscando respostas, tentando entender… Perdida numa certeza firme. Uma pequena parte dela ainda se agarrava à racionalidade; sabia que aquilo não condizia com a realidade, que não era certo. Doía-lhe a dor que causava em torno. O coração batia forte, as chinelas rangiam no chão, tinha que dar um passo de cada vez. Sentia-se fraca.

 

 

— Eu me escondia da louca. Fazia e refazia em rápida corrida a longa rua deserta e iluminada. O cansaço me liquidava, mas a louca era, estava, fazia… e me procurava. 

Quando por fim me escondi e me julgava em paz (pais ao lado, uma casa de vários cômodos, grande e vazia) chegaram com a louca. 

— Está morta — disseram — conseguimos apanhá-la. Deixaram no chão uma casca de corpo. Uma vida subterrânea silenciada. Trazia, às escondidas, nos recônditos do crânio oco uma minúscula porção de nexo? Não. Não trazia nada. Havia muito já descrera.  

Mesmo morta, amarelada, aquela louca era terrível. Imaginei, de repente, ela se levantando, num ímpeto fúria. Arrebentar as cabeças dos mais próximos, com duros estalidos, arfante, a baba grossa caindo em fios até o chão. 

Era a louca.

Enquanto eu estava no processo de olhar para os próprios pés e respirar profundamente, a porta se abriu. Pisquei uma, duas, e na terceira vez, sabia que deveria começar a fingir, já que não me faria nenhum bem perceber a verdade. Pensei em algo para dizer, mas as palavras me faltaram. Não havia nada de engraçado, nem de trivial, nenhum assunto em que conseguisse pensar. Meus olhos continuavam se desviando como se fossem atraídos por uma força magnética que os levava a coisas que não remetiam à revelação.

— Acredito que todo mundo merece saber de onde veio — disse a especialista. 

Foi naquele momento que entendi tudo, por inteiro. A resposta abriu caminho lentamente em minha cabeça, como todas as decisões difíceis.  Zureta-Ana deu-me a vida. Ela não queria que eu fosse como ela. Abandonou-me, de fato. E eu corri… 

Descobri a verdade. Desolação. Perifericamente sentia e comecei a descobrir situações. Uma dor no peito, no coração, para ser mais precisa, que começava com o pensamento de ter de ir até o limite, que aumentava diante do fato de realmente estar ali e que piorava ainda mais por saber que aquilo não era um sonho, nem um alarme falso. Era a vida na sua forma mais cruel. Uma vida que desafiava. 

E fui me projetando no rosto de Ana, buscando as perdidas origens. Parecia com ela? Certos gestos e trejeitos? Não. Uma onda de náusea me invadiu. Só isso. 

 

Pela cortina da janela, um brilho pálido anunciava o romper do novo dia. Meus pés doíam, a cabeça pesava uma tonelada e algo como uma armadura invisível mantinha meu corpo aprisionado. Meu quarto surgia da penumbra. Demorava-me em cada item: fotos, quadros, guarda-roupas, espelho, cama, banqueta, livros … Destrinchei as imagens da infância. Entre elas, as mais recorrentes, ligavam-se à solidão. Incapaz de falar ou me mexer. Presa no próprio corpo, com a mente intacta.

Quem eu era? era a louca? não era? era o quê, ou era quem? era eu? Podia chamar-me de eu? Experimentei: eu! mundo! e tudo era inútil, assustadoramente inútil. Não abri um espaço na minha vida. Mesmo sabendo que ocorreria uma soma, como se a família tivesse crescido. Era tarde…

 

E esse caminho / Que eu mesmo escolhi / É tão fácil seguir / Por não ter onde ir / Controlando /A minha maluquez /Misturada / Com minha lucidez…

Publicidade

22 comentários em “A Hora da Louca (Fátima Heluany)

  1. Marcia Maria da S. Anaga C.
    16 de dezembro de 2019

    Querida madrinha do mundo das letras! PARABÉNS, E MINHAS SINCERAS REVERÊNCIAS.
    A vi em plena atividade na criação literária no conto. Seu ímpeto nato em esmiúçar, pelo dom da palavra, a encenação do(s) ser(es) na coragem do perder os remos da representação, mergulhando e chafurdando seus interiores pelo não método, e lá, alcançando, com o auxílio da luz do seu discernimento, através da capacidade criativa, o expressar dos dejetos que os aprisionavam, chegando no limite. A loucura.
    Amei!!!!

  2. Rafael Penha
    14 de dezembro de 2019

    Um conto profundo. Não pode ser lido e forma indolente, exige tempo e atenção, e ainda assim, é impossível pescar cada metáfora ali imiscuída. As construções frasais são belas, criativas, enigmáticas. Me parece uma grande jornada para explicar uma mente inexplicável. O autor(a) se saiu muito bem ao dar essa impressão e sensação.
    Entretanto, não é o tipo de narrativa que me apetece, pessoalmente, apesar de eu reconhecer o valor.
    A proposta não é muito narrar a história, mas sim os sentimentos, a confusão.
    Assim, é uma temática que não me prende muito.
    Assim, o conto não me agradou muito, apenas por meu gosto pessoal, mas creio ter atingido com maestria o objetivo do autor e provavelmente é um prato cheio pra quem gosta desse estilo.

    Grande abraço!

  3. Leo Jardim
    14 de dezembro de 2019

    🗒 Resumo: uma mulher louca na rua, daquelas que ameaçam os transeuntes. Aos poucos, a história dela é contada e descobrimos que teve uma filha. Quando ela morre, é revelado que a narradora é a filha da louca. E ela acaba ficando tão louca como sua mãe (ou ela é a louca original?)

    📜 Trama (⭐⭐⭐▫▫): caótica, como a mente da louca. Troca de ideia e tempo no meio dos parágrafos, deixando a leitura confusa… maluca. Mas acredito que era a intenção do(a) autor(a).

    No final entendi que ficou aberto se ela era a mesma louca do início ou se criou mesmo uma circularidade. Isso é bastante interessante, mesmo deixando a leitura ainda mais confusa.

    A confusão em excesso, porém, na minha opinião de leitor, acabou prejudicando o entendimento da trama.

    📝 Técnica (⭐⭐⭐⭐▫): muito bem escrita, mas é uma leitura complexa, difícil, exige uma releitura

    🎯 Tema (🆓️): insanidade 🤪

    💡 Criatividade (⭐⭐▫): na média.

    🎭 Impacto (⭐⭐▫▫▫): reconheço os méritos do conto e acredito que deixei bem pontuado nos critérios acima, mas esse estilo caótico me deixou perdido e tornou a leitura um tanto densa demais. Há, com certeza, leitores que se conectarão mais com o texto, mas esse aqui não se adapta muito bem a essa falta de estrutura.

  4. Fabio Baptista
    14 de dezembro de 2019

    RESUMO:
    O processo de enlouquecimento de Ana, que toma remédios, depois vai se afundando na bebida e perdendo a identidade até se tornar Zureta.
    No final, descobrimos que Ana-Zureta é a narradora.

    COMENTÁRIO:
    O conto tem uma técnica excelente, ótimas construções de frase e tudo mais. A maior parte da nota é devido a esse fator, porque, infelizmente, não posso dizer que gostei do conto. O começo, com a louca atirando a garrafa e tal, é muito promissor. Ali a técnica faz toda diferença e ainda tem ar de novidade. Depois as coisas vão ficando meio repetitivas e o conto começa a se arrastar até a revelação final. Interpretei que ela própria era a louca, mas primeiramente fiquei com impressão de que era ela filha. Enfim… certamente esse conto ficará bem classificado, mas pra mim acabou não funcionando muito bem.

    NOTA: 3,5

  5. Daniel Reis
    14 de dezembro de 2019

    Resumo: a louca da cidade, apelidada de Zureta (era Ana) era perseguida na rua pelas crianças, e nelas botava medo. Ao perceber isso, percebeu que era livre, mesmo tendo que sobreviver como pedinte, vagando nas ruas. Depois, como Aninha, ficamos sabendo que ela tinha família, estudo e muitas divagações. Nisso, achavam que ela não era normal, o que a levou a experimentar as drogas e o prazer, embalada a Raul Seixas & cia. Pelo que entendi, chegou a professora universitária, mas foi demitida. Engravidou do namorado. Não nasceu o filho e ela entrou numa espiral descendente, pelo bares. Até que Zureta e Aninha conversam, mesmo sendo a mesma pessoa. E entre idas e vindas, perdas, sofria. Até que trouxeram a louca, morta, para a filha que ela não conheceu.

    Método de avaliação: “Análise Jacquiana”

    Receita: um prato com ingredientes da descrença e do desencontro, entre mãe e filha, identidade e des-identidade.

    Ingredientes: o ser diferente, a loucura e a lucidez, as escolhas da vida, mãe e filha que não se conhecem.

    Preparo: entre a narrativa e a loucura, o autor mesclou boas figuras poéticas com uma história doída (ou doida).

    Sabor: no geral, um prato bem preparado, com sabor triste e suave.

    Frases motivacionais (quase aleatórias) do Eric Jacquin (ou coisas ele possivelmente diria) :“Tá com gosto esquisito isso aqui”.

  6. rsollberg
    13 de dezembro de 2019

    A hora da louca (aninha)

    Então, esse é um dos melhores textos que já li aqui no E.C! São tantas camadas, tanta fluidez apesar da complexidade do que é dito. Tudo é sentido, uma rara sinestesia dessa loucura, absolutamente verossímil.
    Adorei essa passagem, imagem tão real “Lembrava, com nitidez, uma vaca empacada que deitada no chão, não queria seguir para o matadouro. Picavam-na com varas de ferrão, os cães lhe dilaceravam as orelhas, os grandes olhos brancos fitavam esgazeados. Tinha passado o limite da dor… “

    O texto é permeado de belas imagens, visual habilmente construído. Toquei as pombas do telhado aqui no alto da tela do meu computador, senti o gosto de álcool e vi as bolhas no dedo. O suor, o cabelo, os ossos por baixo da pele.
    Podemos acompanhar a construção da loucura, um ensaio sobre a progressão das coisas, a lógica sem sentido da evolução da mente, a escalada da sanidade: “Quando fazia exercícios, a mesma divagação. Os livros de Física, Química, Matemática, além de fornecerem algumas poucas explosões e muitos círculos perfeitos nos boletins, serviam para apanhar mosquitos pousados nas páginas ou encantavam pela maciez do papel, pela disposição dos números, pelo mistério das incógnitas.”

    Pérolas por todos os lados “Ela se catalogava sem compaixão como aquela mulher que transita pela família, pelas escolas e pelos empregos sem deixar nenhuma marca nos outros.”
    “Perdeu os mínimos, perdeu a mola, perdeu o sol, perdeu o só, perdeu a contextura. E de tanta ausência, de tanto nada, de tanto vago, de tanto só, fez-se aquela figura, ao seu dessabor e incoerência. Um ser sem nada. Era Ana? não era? era o quê, ou era quem? ninguém ou nada? coisa vivente? “
    Comentários cretinos e aleatórios:
    Fantástico! Só consigo sentir inveja e ciúmes!

  7. Fernando Amâncio (@fernandoamancio)
    12 de dezembro de 2019

    O conto narra a história de Ana Zureta, criança de imaginação ampla, que se torna uma jovem indomável e sucumbe à loucura. Em sua decadência, ela vive nas ruas, em condições indignas, hostilizada por crianças. Após a morte de Ana Zureta, a narradora (“Aninha”) descobre ser filha da louca, o que a faz ter reflexões existenciais.

    É o primeiro conto do desafio que leio e fico feliz em encontrar um trabalho com tanta poética. A escrita é refinada e descreve de forma bela uma situação bastante triste, mas fácil de ser reconhecida.

    Enquanto narrativa, acredito eu, o texto ficaria mais completo se a figura da narradora, a filha, fosse mais explorada. Se criada a empatia entre o leitor e a personagem narradora, teríamos um impacto maior com a revelação. Acredito que haveria espaço para isso, a decadência de Ana talvez seja descrita de forma um pouco morosa. Mas é um ponto de vista. De um modo geral, é um bom trabalho.

    Ainda sobre a narrativa, acredito que o texto seja um pouco lento em demasia. Entendo que isso pode ser justificado pelas opções poéticas da autora. Entretanto, poética não é sinônimo de morosidade. Acredito que um texto que participa de um desafio na internet deve prezar, e muito, pelo ritmo da história. Afinal, estamos competindo com as trocentas abas do navegador que o leitor irá abrir, o Spotify, Youtube… Não é meu caso, leio offline, mas penso que devemos pensar nesse leitor “real”. Portanto, minha sugestão é observar melhor esse aspecto nos próximos desafios. Boa sorte!

  8. Fil Felix
    12 de dezembro de 2019

    Resumo: a história de vida de Ana Zureta a Louca, do princípio ao fim, todas as suas divagações e sofrimento. E como ela pode ainda estar presente na vida da filha.

    Um conto bastante poético, subjetivo e que traz abstrações incríveis, adorei. O começo é como uma explosão, mostrando a Louca como uma personagem que a maioria conhece, que já presenciou. Todo bairro ou cidade pequena tem essa personagem, a mulher ou o homem louco que vagueia pelas ruas, falando sozinho ou chutando as coisas. Mas não sabemos a história por detrás da loucura. E o conto mostrou justamente isso, humanizou essa figura caricata. A escrita é ótima, recheada de metáforas e questionamentos, do jeito que gosto de ler e tento escrever. Mostra o universo dentro da Louca, mesmo quando criança, e ao mesmo tempo mostra o destino dos criativos, dos sonhadores e excluídos: a loucura. A dificuldade as vezes de se viver consigo mesmo, suas limitações, suas frustrações e desejos. E o conto comenta em algumas partes que, num certo nível, ela sabia que estava um pouco fora da realidade. O trecho em que ela fala consigo mesma sobre a queda (ou seriam vozes?) ficou muito bom também. Certa vez eu viajei pra São Tomé das Letras e passei a viagem toda ouvindo Raul Seixas por tabela (porque a maioria no ônibus era louco também) e peguei um ranço, mas o modo como foi vinculado a música Maluco Beleza acabou tirando esse ranço de mim. Muito bom.

  9. fabiodoliveirato
    11 de dezembro de 2019

    Um belo conto, que se perde em sua personagem, mas uma perca que valoriza.

    Resumo: Conhecemos Ana por inteiro. Desde sua infância, presa desde sempre dentro de si, até sua fase adulta, onde encontra conforto em vícios. Ela é a louca da cidade, a única que desafia os padrões da sociedade e não tem medo de mergulhar em si, ou assim acredita ser.

    Querida autora, no final da leitura, perdi-me com Ana. Escrita tão poderosa, que absorve minh’alma. Amei a experiência, mesmo com leitura densa e estilo um pouco duvidoso em alguns momentos.

    O ponto forte do conto é a psiquê de Ana. Seu desenvolvimento, enriquecido por detalhes que mais somam que subtraem, remete aos excluídos da sociedade. Aqueles que decidem olhar para dentro. Estamos tão acostumados a olhar para fora, reprimindo nossos sentimentos e essências, que somos, inclusive eu, parte da multidão que ria dela no primeiro ato.

    O lado poético do conto é sua faca de dois gumes. Algumas colocações são ricas, outras, infelizmente, deixam o texto mais pesado e cansativo, com repetições de ideias que poderiam ser descartadas. Acredito na harmonia no texto. O leitor, em geral, não quer apenas mergulhar na poesia sem parar, ele quer um pouco de tudo. A beleza do poema e a simplicidade de uma narrativa reta. Eu costumo prezar por isso, apesar de entender que alguns autores procuram fixar-se num único estilo, mesmo que seja um extremo. O que posso dizer… Gosto de tentar abraçar todos, mesmo me machucando com alguns cactos vez e outra.

    Gostei muito desse trabalho. Foi uma leitura cansativa, mas prazerosa.

  10. Carolina Pires
    11 de dezembro de 2019

    Resumo: A história de Ana, uma moradora de rua de uma cidadezinha. Ela é conhecida como louca. Após alguns relatos de sua vida e o caminho que a levou à solidão e à loucura, descobrimos que o narrador é, senão, a própria filha (acho que é do sexo feminino por causa do pseudônimo do conto).

    Um conto inquietante e incômodo. E exatamente por isso: maravilhoso! As passagens de violência contra Ana, a Zureta, nos fazem refletir sobre quantos invisíveis estão por aí, pelas ruas, os quais evitamos como se fossem cascas de banana. Eu me senti tão Ana algumas vezes, e essa verossimilhança fez seu conto se tornar tão real, tão próximo de mim, e isso é o ponto mais alto que um ficcionista pode alcançar. Achei algumas partes exageradas (as de violência), mas isso não tirou a realidade incômoda e tão próxima, tão cotidiana. O fato do narrador ser a própria filha da Ana fez com que o final do conto tivesse um ápice muito interessante. Gostei muito da estética também, comparações com a arte de escrever (vide a carta do namorado de Ana) e como nossas emoções interferem, diretamente, nessa coisa que é a criação, a escrita (em certa – grande – medida proposital no caso de escritores profissionais como você). Os períodos curtos também me agradaram, porque casaram perfeitamente com a narrativa seca, enxuta, mas muito rica em sentido de vida, existência e entrega. Parabéns ao autor ou autora, A Hora da Louca (possível inferência à “Hora da estrela”) mexeu comigo, incomodou, doeu, me fez ser Ana, me fez ser Aninha.

  11. Catarina Cunha
    10 de dezembro de 2019

    O que entendi: Uma mulher criativa, com transtorno de personalidade, vê-se em ampla decadência rumo à miséria e à loucura. Sua filha, que ela abandonou para adoção, narra a história com profundo sentimento de auto perda.

    Técnica: Estilosa e marcante. Expressões costuradas com requinte de bordadeira. Um exemplo do primor: “Professores gesticulavam a apontar regrinhas sepultadas em pés de páginas.” e “Mesmo uma suave corrente de ar podia embaralhar suas lembranças. “

    Criatividade: A história é simples, a grande complexidade reside na intensa interiorização das sensações da louca. Como o narrador sabia tanto dos sentimentos da louca? Eu me perguntava. A resposta está lá, nas entre linhas da genética.

    Impacto: Atropelamento. O fantasma da loucura se agarra aos ossos desta leitora aqui.

    Destaque: “Só podia contar consigo mesma, embora tão pouco.”. Há aqui uma síntese da personalidade de Ana.

    Sugestão: Eu terminaria o conto na frase “Só isso”, por si só avassaladora. E cabe uma enxugada das ideias repetidas. Mas está lindo.

  12. Gustavo Araujo
    3 de dezembro de 2019

    Resumo: os desvarios de uma mulher considerada louca e a surpresa final em saber que a narradora era sua filha.

    Impressões: achei o conto muito bem escrito, com ritmo bastante interessante, em que a prosa poética e o fluxo caótico de consciência se misturam levando o leitor para lá e para cá, como num baile em que se tenta dançar mesmo sem saber a música. De fato, as palavras escolhidas, os trocadilhos, as idas e vindas casam bem com a existência triste e desesperançada da protagonista — que por vezes parece alheia à desgraça que a ronda. O texto exige do leitor certa entrega, não sendo indicado àqueles que buscam uma experiência superficial. Não é uma narrativa no estilo clássico, aproximando-se, ao contrário, de um experimentalismo bem pensado. Também traz à tona indagações desconfortáveis, sobre o sentido da existência de nós, seres humanos. Sartre poderia gostar deste conto, imagino, já que subverte a direção de nossos interesses formatados – nascer, casar, trabalhar, morrer. Talvez seja uma ode à plenitude da vida, mesmo que sob certos aspectos possa ser considerada miserável. Houve momentos em que me indaguei se Ana seria realmente uma pessoa ou um bicho, como um gato desses que vagueiam pela ruas. Mas, de todo modo, talvez ela tenha superado o dilema que há entre viver e existir. A âncora com a realidade surge no fim, quando se revela a relação entre a narradora e a protagonista. Enfim, uma ótima experiência de leitura. Espero que outros possam apreciá-la. Parabéns e boa sorte no desafio.

  13. Pedro Teixeira
    1 de dezembro de 2019

    Um bom conto, que nos insere na perspectiva da protagonista, perdida em meio a uma confusão de pensamentos. Esse fluxo de consciência é muito bem escrito e desenvolve com esmero a personagem. Senti uma influência de Guimarães Rosa e Graciliano, o que é ótimo. Creio que foi uma escolha do autor(a), mas tenho a impressão de que mais lembranças, especialmente do núcleo familiar de Zureta, teriam enriquecido ainda mais a narrativa.Mas de modo algum essa ausência prejudica o resultado um final. Um belo trabalho.

  14. Priscila Pereira
    30 de novembro de 2019

    Resumo: A narradora conta a história e as divagações de uma louca da cidade, no final descobre que essa louca é sua mãe e analisa quem ela realmente é agora que sabe disso.

    Olá, Autor!
    O conto todo tem uma pegada poético caótica, as frases são estranhas, tudo é narrado de uma forma meio louca propositalmente (eu acho) o que dá uma maior imersão na história da louca. Eu gostei… Imaginei que um maior cuidado dos pais e professores na formação dessa menininha sonhadora que viva no mundo da lua talvez a tivesse livrado do destino de viciada e louca… ela mesmo conseguiu livrar sua filha do mesmo destino, ou quis livrar, não sabemos o peso que a revelação de ser filha da louca que está morta na sua frente pode trazer para uma mocinha…
    O conto é difícil de ler, de entender, mas tem uma história profunda e triste. òtimo trabalho! Parabéns!!

  15. Leila carmelita
    27 de novembro de 2019

    Resumo
    Zureta é uma louca. Vive os dias errando as ruas, sem eira, sem beira. Vazia razão, cheia de insanidade. Busca refúgio no álcool, mas a droga não pode mais lhe trazer a vida anterior, quando Zureta era Ana, e Ana gozava da liberdade da imaginação sem ser sufocada por ela. Quando vaguear na mente era escape e não prisão. O protagonista descobrirá ao longo do conto que seu passado estará intimamente ligado com o dessa mulher.

    Comentário
    Certa vez me deparei com a frase de um filósofo: “Num mundo caótico, loucura é tentar seguir uma ordem”, ou algo que o valha. Em Soul Eater, a loucura é caos, mas também é força, é poder, se bem usado. Liberdade, quando muito. O que nasce do sonho da razão. Se tomarmos Foucault, será motivo de segregação… são tantas maneiras de entender e conceber a loucura, mas que seria a loucura mesmo? O autor nos traz uma maneira assertiva de qualificá-la: loucura é descer. Não descer o nível, não é uma hierarquia aqui. Descer é inexistir como ser social, é estar acompanhado de um milhão e estar só, ou melhor, acompanhado de tudo que é nada. Deus lhes retira o juízo para que não pequem, reza o Alcorão, modo lisonjeiro de lhe dar com ela. Velocidade das mudanças, simulacros, discursos meritocráticos que inviabilizam a isonomia, vidas artificiais e a loucura cobrindo a sociedade como as formigas em cima de um doce. Excesso de trabalho, de pensamento de ação… excesso de tudo, ausência de tudo também. Produz-se riqueza aos borbotões no capitalismo, e pessoas morrem de fome e nas filas do SUS. Somos tão frágeis, somos caniços se partindo ao vento. Uma única decepção, uma palavra de morticínio, um “Não!” berrado ou em silêncio, um descaminho, um desencontro, tudo é passível desse vírus chamado loucura. Mas como diria minha professora Ieda: não adoecemos ou enlouquecemos por sermos fracos, ao contrário, somos tão fortes, tão rijos que nossa matéria cria fraquezas para que nos desfragmentemos até a autodestruição. Um conto que me trouxe questionamentos profundos sobre a razão, essa coisa sem mensura, que só tomamos dimensão em meio à loucura. A narração entra no viés psicológico e descamba numa crítica social profunda, com uma linguagem bela. Se peca em alguns erros de português um tanto ridículos (palavras que deveriam estar em maiúsculas após a interrogação, por exemplo) não erra a mão na história. São três atos de uma unidade impecável. Parabéns entrecontista!

    Notas de Leila Carmelita
    – A Gata de Luvas – 4,0
    – A Hora da Louca – 4,5
    – A Onça do Sertão – 3,6
    – A Pecadora – 5,0
    – App Driver – 1,0
    – Estantes – 5,0
    – Famaliá – 3,5
    – Festa de Santa Luzia: Crônica de uma Tragédia Anunciada – 5,0
    – Lágrimas e Arroz – 1,0
    – Muito Mais que Palavras – 1,5
    – Na casa da mamãe – 3,5
    – O Legado da Medusa – 4,5
    – O que o Tempo Leva – 1,8
    – O Regresso de Aquiles – 4,0
    – O Vírus – 2,5
    – Suplica do Sertão – 5,0
    – Trilátero Ourífero – 4,5
    – Uma História de Amor Caipira – 1,0

    Contos favoritos:
    Melhor técnica – Estantes
    Mais criativo – Festa de Santa Luzia: Crônica de uma Tragédia Anunciada
    Mais impactante – A Pecadora
    Melhor conto – Suplica do Sertão

  16. Fernanda Caleffi Barbetta
    26 de novembro de 2019

    Resumo
    O conto relata a vida de Ana, uma mulher diferente, que por ter muita imaginação, por não sentir-se parte do mundo, acaba sua vida como uma louca, renegada e humilhada pela sociedade. A história é narrada pela filha de Ana, que depara com esta realidade assim que a louca morre.

    Comentário
    Um conto bastante sensível, parabéns. Gostei da forma como encaminhou a história, contando sobre a vida de Ana, nos levando a um final emocionante, apensar de triste. A protagonista foi muito bem desenvolvida, você conseguiu gerar empatia tanto por ela quanto pela própria narradora. É um texto muito bom tecnicamente também.
    Muito bem escrito. Encontrei apenas duas coisas que posso citar:
    uma vaca empacada que (vírgula) deitada no chão, não queria seguir para o matadouro
    num ímpeto (de) fúria

    Destaco esta parte que gostei bastante: “Enquanto eu estava no processo de olhar para os próprios pés e respirar profundamente, a porta se abriu. Pisquei uma, duas, e na terceira vez, sabia que deveria começar a fingir, já que não me faria nenhum bem perceber a verdade. Pensei em algo para dizer, mas as palavras me faltaram. Não havia nada de engraçado, nem de trivial, nenhum assunto em que conseguisse pensar. Meus olhos continuavam se desviando como se fossem atraídos por uma força magnética que os levava a coisas que não remetiam à revelação.”

  17. Regina Ruth Rincon Caires
    17 de novembro de 2019

    A Hora da Louca (Aninha)

    Resumo:

    A menina (Aninha) conta a história de Zureta, Ana-de-saia, uma louca que andava pelas ruas. Ao final, descobre que ela é sua mãe e questiona a própria lucidez. (Raul Seixas Maluco Beleza – “controlando a minha maluquez, misturada com minha lucidez”)

    Comentário:

    Um conto poético, muito bem escrito, daqueles que mexem com o leitor. Não há parágrafo que não encante pela construção e pelo “saber lidar” com as palavras. É leitura para ser degustada. A profundidade da narrativa, o relato inundado de emoção da vida da louca, a descrição dos nós internos que amarravam a vida de Zureta, tudo isso foi brilhantemente construído. O autor cuidou de cada palavra. Se há deslizes na escrita, nem vi. Aqui estão algumas pérolas que certamente brilham (no contexto):

    “Não era mais uma ave ferida, desesperada, saltando contra as varas da arapuca,…”

    “Tinha passado o limite da dor…”

    “Um ser de nada. De nada ser.”

    “… e muitos círculos perfeitos nos boletins,…”

    “… pelo mistério das incógnitas.”

    “A profundeza era um reino interditado.”

    “… a simetria dos parágrafos, a data colocada no lugar certinho…”

    “A mulher vivia em aventuras e aventurava-se para viver.”

    “Ela se catalogava sem compaixão como aquela mulher que transita pela família, pelas escolas e pelos empregos sem deixar nenhuma marca nos outros.”

    “Perdeu os mínimos, perdeu a mola, perdeu o sol, perdeu o só, perdeu a contextura….”

    “Uma queda tem que ser em silêncio.”

    “Mas uma louca também se dilui entre as coisas, porque é pouco; impossível conter a multidão dos normais. “

    “Doía-lhe a dor que causava em torno.”

    Confesso que, ao terminar a leitura, pensei: este é um trem que eu gostaria de ter escrito (com algumas mudancinhas). Muito bom, é dos meus… (do meu gosto). Agora, também preciso comentar que fiquei um pouco perdida no desfecho. Não entendi muito a “especialista”, achei uma chegada inesperada. E também não entendi bem a “mostra” do corpo da louca (morta). Mas, não se preocupe, querido autor, sou meio complicada para “sacar” as coisas. Ah! Adorei o paralelo do “Maluco Beleza”!!!

    Parabéns pelo trabalho, Aninha!

    Boa sorte no desafio!

    Abraços…

  18. Pedro Paulo
    15 de novembro de 2019

    Neste conto, lê-se sobre a decadência de uma mulher. A autora fez de cada parágrafo uma dúvida, sem se importar em situar o leitor em que momento da vida de Ana estávamos e se centrando em descrever o que a menina pensava e queria, o tempo avançando sem aviso prévio, novas situações, desejos, dúvidas e angústias vindo sem esperar que processássemos o que estava acontecendo. Vejo nisso um mérito, pois o caráter fragmentário do conto espelha a mente quebrada da personagem, as memórias sendo contadas envoltas na mesma incerteza que provavelmente desmantela a mente de Ana. Além disso, a autora também escolheu elencar duas perspectivas, a de uma narradora personagem e, depois, a de Aninha a partir do que essa narradora personagem sabe sobre ela, passando a contar a história em terceira pessoa. O fato de termos uma pessoa contando a história de outra contribui para a imprecisão e a falta de linearidade na narrativa. Esse caminho tortuoso pelas memórias atormenta da mesma forma como a loucura deve atormentar Ana. A revelação final, de que a narradora é a filha perdida da famigerada “louca”, é impactante e, ao mesmo tempo, esperançosa, apagando a linha tênue entre uma pessoa consumida pela vida e outra que ainda está a viver, mas que, inegavelmente, guarda ligação com aquela primeira pessoa decrépita. Com esse fim, a fragilidade da humanidade se expõe e, mãe e filha se veem, tão afastadas e diferentes de si, mas ainda ligadas.

    Boa sorte!

  19. Luis Guilherme Banzi Florido
    12 de novembro de 2019

    Bom dia/tarde/noite, amigo (a). Tudo bem por ai?
    Pra começar, devo dizer que estou lendo todos os contos, em ordem, sem saber a qual série pertence. Assim, todos meus comentários vão seguir um padrão.
    Também, como padrão, parabenizo pelo esforço e desafio!
    Vamos lá:
    Tema identificado: drama, talvez. Um pouco de vida cotidiana, também. Vale ressaltar que tem um quê de poesia

    Resumo: a história de uma louca que mora na rua da cidade. Aos poucos, vamos acompanhando sua trajetória desde a infância até a condição atual, e acabamos descobrindo que o narrador é filha da louca, que começa a questionar a própria sanidade.

    Comentário: olha, sendo totalmente sincero, apesar de seu conto tem várias qualidades (que vou expor mais detalhadamente abaixo), eu acabei não gostando muito, pois achei a leitura bastante arrastada e lenta. Mas vamos por partes.

    Pra começar, acredito que meu maior problema na leitura do conto foi com o tipo de texto/linguagem escolhida. Quer dizer, é inegável que sua escrita nesse conto utiliza um tom poético que é agradável a princípio, usando muito bem as metáforas e uma espécie de linguagem indireta que dá um pouco de musicalidade ao conto. Porém, pelo menos pra mim, achei que isso não funcionou tão bem num conto desse tamanho. Talvez eu conseguisse me manter no clima se o conto tivesse até umas 500 palavras, mas não rolou. Acabei cansando da leitura depois de um tempo, e meio que queria terminar de ler logo.
    Por outro lado, o enredo é interessante, então eu fiquei interessado em saber o que rolaria, mesmo que a escrita tenha me cansado na leitura. A descrição da vida dela, mostrando o desenvolvimento da personagem até chegar à loucura total foi bem legal.
    O desfecho me agradou bastante. Gostei do plot, da revelação sobre o parentesco da louca com a narradora, e como a narradora termina questionando a si própria.
    Enfim, é um conto com potencial, mas a técnica utilizada acabou sendo uma faca de dois gumes: por um lado, dá um toque poético ao conto, por outro, acaba sendo cansativo pra uma leitura tão longa.
    De qualquer forma, parabéns e boa sorte!

  20. angst447
    9 de novembro de 2019

    RESUMO:
    A história de Ana-Zureta, da infância com suas fantasias, cheia de imaginação, passando por uma adolescência com sentimentos intensificados pelo temperamento que buscava liberdade, até a vida adulta afundada em uma série de frustrações que a levaram à loucura. Teve uma filha, que abandonou, ou entregou para alguém com melhores condições criar. A filha narra a vida daquela que só conheceu de fama, a louca, que agora também se pergunta se é.

    AVALIAÇÃO:
    Conto lindamente narrado em terceira pessoa, pela filha da protagonista. Palavras que carregam emoção e desenrolam um novelo de pura poesia. Imagens muito bem construídas que apresentam a mescla da fantasia com a loucura. Onde termina uma e começa a outra? Ou tudo já era loucura desde o princípio?
    Ritmo próprio de uma composição musical, com pausas suaves, arranjos inesperados de palavras a tecer uma trama que poderia ser apenas triste, mas que ganha ares de uma aventura pela mente humana.
    O autor soube conduzir muito bem a narrativa, puxando o leitor pelo braço, mostrando toda a beleza que a escuridão de uma mente enlouquecida guarda em si. É tocante, assustador e impossível de ignorar. Ana-Zureta é poesia!
    Não encontrei falhas na revisão, apenas sugiro que depois dos pontos de interrogação(?) se use letra maiúscula. Decerto, o autor é um poeta.

    Parabéns pela sua participação no último certame do ano. Feliz Natal e um 2020 cheio de belas realizações. 🙂

  21. Angelo Rodrigues
    6 de novembro de 2019

    A Hora da Louca
    Resumo:
    Narrador conta a história de uma mulher louca, suas dificuldades em atravessar a vida, seus sonhos, seus delírios. Ao final ele, o narrador, se depara com o fato de que ele é aquele filho não sabido de Aninha. Põe-se então, esse narrador, a questionar a si mesmo. Um louco como a mãe? Ele mesmo? Muitas as coisas que se pode pensar quando se descobre de onde se saiu.

    Comentários:
    Cara Aninha,
    Ótimo conto. Gostei bastante da construção, o modo como foi tratada a narrativa, o cuidado afetivo para com a personagem.
    Quando um conto se apresenta como este, fica difícil falar algo além. O tempo está correto, os personagens também, a linguagem é limpa e, embora bem cuidada e palavras inusuais, não dificulta a leitura, que flui.
    Há, entretanto, por conta da opção narrativa, um momento “degrau”, quando é rompida a visão corrente da personagem para retornar à sua origem, contar sua trajetória. Um momento de estranhamento, embora compreensível com a continuação da leitura. Talvez, como sugestão, diria para derrubar esse muro, simplesmente entrando em sua história sem dizer que está entrando em sua história, contando o passado de Aninha sem dizer literalmente que o faz.
    Este é o ponto: “As histórias que ouvi sobre ela; ou, que ela mesma contou:”. Talvez seja desnecessário este aviso ao leitor, causando uma ruptura narrativa. Afinal, se eu ouvi, eu estou contando, se ela mesma contou, ela é transformada em narradora, o que não é o caso, ainda que seja o narrador a falar.
    Há uma passagem bonita e reveladora, embora necessite atenção do leitor no decorrer da leitura:
    “— Eu me escondia da louca. Fazia e refazia em rápida corrida a longa rua deserta e iluminada. O cansaço me liquidava, mas a louca era, estava, fazia… e me procurava.”
    Esse trecho revela que Aninha sabia do filho, ao procurá-lo, ou seria casual. Creio que não. Vaga a dor de saber daquele menino que repudiava a mãe, certamente por não saber-se filho dela.
    Um conto íntimo e sincero. Parabéns.
    Pra não dizer que não falei algo crítico, ainda que o faça de maneira desnecessária, digo que o apoio textual em referenciais externos (letras de músicas, Raulzito na área), embora não fique ruim, acho que conspiram contra o seu texto, dado que ele prescinde de tais referência por ser bom o bastante.
    Boa sorte no desafio.

  22. Evandro Furtado
    6 de novembro de 2019

    Car(x) autor(x)

    Estou aproveitando esse desafio para desenvolver um sistema de avaliação um pouco mais técnico (mas não menos subjetivo). No geral, ele constitui nas três categorias propostas no tópico de avaliação: técnica, criatividade e impacto. A primeira refere-se à forma, à maneira com a qual x autor(x) escreve, desde o uso de pontuação, passando por ortografia e mesmo escolhas de estruturação. A segunda refere-se ao conteúdo, ou seja, a que o conto remete e quais as reflexões que podem ser levantadas a partir disso. Por fim, a terceira refere-se ao estilo, quais as imagens construídas e as emoções que elas evocam. Gostaria de pontuar, também, que, muitas vezes, esses critérios têm pontos de intercessão entre si, sendo que uma simples palavra pode afetar dois ou mesmo três deles. A pontuação final é dada, portanto, pela média dos três critérios, sendo que uma nota elevada em um deles pode elevar a nota final. Dito isso, prossigamos à avaliação.

    Resumo: a história da queda de uma mulher em um vórtice de solidão, miséria e loucura.

    Técnica: No geral, o conto me agradou muito. A narrativa é extremamente consistente e original. As construções de frase são muito próprias e interessantes. O uso de vocabulário é criativo, e os diálogos são bem estruturados. Tudo dialoga muito bem com a trama e serve à proposta do texto. As únicas duas coisas que me incomodaram foram: “As histórias que ouvi sobre ela; ou, que ela mesma contou:”, que aparece de forma desnecessária e quebra a continuidade da narrativa; e as citações à música do Raul, que soaram brega dentro do contexto do conto (apesar de eu amar a música em si). Acredito que x autor(x) visualizou a cena dentro de outra mídia (possivelmente áudio-visual), mas acabou por utilizar um recurso que não se encaixa bem no âmbito literário.

    Criatividade: A história não tem nada de extraordinário, mas o trabalho realizado pelx autor(x) levanta questionamento importantíssimos. Abordar a questão da solidão é uma tarefa complicadíssima, mas aqui isso foi feito espetacularmente. A evolução da personagem em questão é cadenciado com precisão. O desenvolvimento é feito com cuidado e o resultado final é pra lá de verossímil. As razões são dadas, e a relação causa-consequência fica clara.

    Impacto: A brilhantia do conto está presente aqui. X autor(x) tem tamanho controle sobre sua escrita que opta por, primeiro, causar asco em quem lê ao apresentar a personagem para, logo em seguida, desenvolver o sentimento de empatia por ela. Isso é de um nível de dificuldade absurdo, mas aqui é feito com maestria. As imagens construídas ao longo do texto, também, contribuem para essa construção empática. A catarse se dá na elaboração poética do texto e nos paralelos traçados com a trama. Os traços, meras linhas marcadas no papel, constroem castelos que arquiteto nenhum seria capaz de conceber. O sentimento final, deixado pelo texto, é que x leitor(x) acabou de contemplar uma obra prima.

    Sabe o que falta, né?

    Oooooooooooooooooooooooutstanding!!!

Deixe uma resposta para Daniel Reis Cancelar resposta

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Informação

Publicado às 1 de novembro de 2019 por em Liga 2019 - Rodada 4, R4 - Série B e marcado .
%d blogueiros gostam disto: