“Nam Sibyllam quidem Cumis ego ipse oculis meis vidi in ampulla pendere, et cum illi pueri dicerent: Σίβνλλα τί ϴέλεις; respondebat illa: άπο ϴανεΐν ϴέλω.”(*)
Para Ezra Pound, il miglior fabbro.
A Terra Inútil
I – O Enterro dos Mortos
ABRIL é o mais cruel dos meses, gerando
Lilases que saltam da terra morta, misturando
Lembranças e desejos, excitando
Raízes inertes com as chuvas da primavera.
O inverno manteve-nos aquecidos, cobrindo
A terra com a neve do olvido, nutrindo
Com os seus tubérculos ressequidos um pouco de vida.
O verão pegou-nos de surpresa no Starnbergersee
Com uma pancada de chuva; esperamos sob a colunata
E, com o sol, prosseguimos pelo Hofgarten,
Tomamos café e conversamos bastante.
Bin gar keine Russin, stamm’aus Litauen, echt deutsch.
Quando éramos crianças, em visita ao arquiduque
Meu primo, ele me levou a passear em seu trenó
E tive medo. Marie, Marie, disse ele,
Segura firme. E começamos a descer.
É nas montanhas que nos sentimos livres.
Leio a noite quase toda e vou para o Sul no inverno.
Que raízes se agarram, que ramos se entrelaçam
Nestes destroços pedregosos ? Filho do homem,
Não poderás dizê-lo, nem mesmo imaginá-lo, pois conheces apenas
Um amontoado de imagens quebradas, onde o sol bate,
A árvore morta não dá abrigo, o grilo não dá trégua,
E a pedra seca nenhum murmúrio d’água. E há
Somente sombra debaixo desta rocha rubra
(Vem para a sombra desta rocha rubra)
E vou mostrar-te uma coisa que não é
Nem a tua sombra, de manhã, avançando atrás de ti
Nem a tua sombra, ao cair da tarde, erguendo-se ao teu encontro.
Vou fazer-te medo com um punhado de pó.
Frisch weht der Wind
Der Heimat su
Mein Irisch Kind, Wo weilest du ?
“Há um ano me deste jacintos pela primeira vez,
Passaram a chamar-me a moça dos jacintos.”
No entanto, quando voltamos, tão tarde, do Jardim dos Jacintos,
Teus braços carregados, molhados os teus cabelos, eu nao podia
Falar, meus olhos se toldaram, eu não estava vivo
Nem morto, sem saber de nada,
olhar no âmago da luz, o silêncio.
Oed’ und leer das Meer.
Madame Sosostris, famosa vidente
Tinha um resfriado crônico, no entanto
É tida como a mulher mais sábia da Europa
Com um baralho maldito nas mãos. Aqui, disse ela,
Está a sua carta, o Marinheiro Fenício afogado.
(Those are pearls that were his eyes. Olhe !)
Aqui está Belladonna, a Dama dos Recifes,
Senhora das situações difíceis.
Este é o homem dos três bastões; aqui, a Roda da Fortuna.
Aqui, o mercador caolho; esta carta em branco
É alguma coisa que ele carrega às costas,
A qual sou proibida de ver. Não consigo achar
O Enforcado. Fuja da morte por afogamento.
Vejo multidões a caminhar em círculo.
Obrigada. Se encontrar minha boa Madame Equitone,
Queira dizer a ela que eu mesma levarei o horóscopo.
A gente precisa ter tanto cuidado hoje em dia !
Cidade fantasma
Sob o fulvo nevoeiro de uma aurora de inverno,
A multidão fluía sobre a ponte de Londres, tanta gente.
Jamais pensei que a morte destroçara tanta gente.
Suspiros rápidos e espaçados se exalavam
E cada homem fixava o olhar adiante dos pés.
Fluíam colina acima e King William Street abaixo,
Onde Santa Maria Woolnoth dava as horas
Com um som morto na pancada final das nove.
Lá, vi alguém que eu conhecia, e o abordei, gritando: “Stetson!
Tu que estiveste comigo na esquadra, em Milas!
Aquele cadáver que plantaste o ano passado em teu jardim
Já começou a germinar? Vai florir este ano?
Ou a geada repentina desarrumou-lhe a cama? ”
Oh keep the Dog far hence, that’s friend to men,
Or with his nails he’ll dig it up again!
Você! hypocrite lecteurl… mon semblable… mon frère!
II – Uma Partida de Xadrez
THE chair she sat in, like a burnished throne.
Esbraseava-se sobre o mármore, onde o espelho
Erguendo-se do suporte lavrado de vinhas generosas
Entre as quais um Cupido dourado despontava
(Escondia o outro os seus olhos sob a asa)
Duplicava as chamas do candelabro de sete braços
Que sobre a mesa irradiava a sua luz, e a luz
Vinha encontrar-se com o fulgor que subia de suas joias
Derramadas em soberba profusão de escrínios de cetim;
Nos frascos de marfim, abertos, nos vidros coloridos
Dormiam seus traiçoeiros e exóticos perfumes,
Unguentos líquidos e em pó, perturbando, confundindo,
Afogando em fragrâncias os sentidos; avivados pela viração
Fresca que chegava da janela, os aromas ascendiam,
Dando alimento às chamas esguias das velas,
Projetando o fumo sobre os laquearia,
Animando os motivos esculpidos no teto.
Grandes toras de naufrágio, ainda impregnadas de cobre,
Ardiam, verde e laranja, dentro da moldura de pedra colorida.
Em cuja luz melancólica nadava um golfinho cinzelado.
Acima da antiga e preciosa lareira se ostentava,
Como de uma janela dando para o cenário silvestre,
A metamorfose de Filomela, pelo bárbaro rei
Tão rudemente violada; todavia, o rouxinol
Povoava todo aquele ermo com um canto improfanável,
Sempre a chorar, e o mundo a seguir sempre,
“Diag Diag” para ouvidos sujos.
E outras lascas de tempo esmaecidas
Eram contadas nas paredes; vultos de olhar arregalado
Inclinavam-se, impondo silêncio à sala confinada.
Ruídos de passos se arrastavam nos degraus.
Ao clarão do fogo, sob a escova, seus cabelos
Esparziam-se em dardos ardentes,
Fulgurando em palavras, e em selvagem mudez quedavam logo.
“Estou com os nervos à flor da pele esta noite. Horríveis. Fica comigo.
Fala comigo. Nunca falas nada. Fala.
Que estás pensando? Em que pensar? Em quê?
Nunca sei o que pensas. Pensa.”
Penso que estamos na viela dos ratos
Onde os mortos perderam seus ossos.
“Que barulho é este ? ”
O vento sob a porta.
“Que barulho é este agora ? O que o vento está fazendo?”
De novo não e nada nada. “
Não ?
Conheces o nada ? Não vês o nada ? Não te lembras do “Nada ? ”
Eu me lembro
Those are pearls that were his eyes.
“Estás vivo ou não ? Não tens nada na cabeça ?”
Mas
Ó Ó Ó Ó este Rag Shakespeheriano…
Tão elegante
Tão inteligente
“Que vou fazer agora ? Que fazer ?”
“Vou sair correndo como estou e andar na rua
Com os meus cabelos desnastrados, assim. Que faremos amanhã?
Que faremos agora e sempre ?”
Banho quente às dez.
Se chover, o carro fechado às quatro.
Jogaremos em seguida uma partida de xadrez,
Apertando os nossos olhos sem pálpebras, à espera de que batam à porta.
Quando o marido de Lili deu baixa, eu disse…
Ah não tive conversa, disse mesmo pra ela
DEPRESSA POR FAVOR ESTÁ NA HORA
Agora que o Alberto vai voltar, precisas dar um jeito em ti.
Claro que ele vai querer saber onde meteste o dinheiro que te deu
Para consertares a boca. Deu que eu vi.
Falou: Arranca tudo, Lili, e arranja uma bonita dentadura…
Disse até: Palavra que não aguento mais te ver assim.
Aí, eu disse: nem eu … Pensa um pouco no Alberto, coitado,
Depois de quatro anos de exército, ele vai querer aproveitar…
E se você não quiser, meu bem, sempre alguém há de querer,
Ah, é assim ?! ela disse. Como pensavas que fosse ? eu disse.
Ela falou: Pois nesse dia vou saber quem é minha amiga — e me dá um olhar de alto a baixo.
DEPRESSA POR FAVOR ESTÁ NA HORA
Se não te agrada, vai aprendendo, eu disse.
Quem não toma conta do que é seu, bicho carrega.
Mas se o Alberto ter der o fora, não vá dizer que não foste bem avisada.
Devias ter vergonha de estar assim tão acabada.
(E ela nem fez ainda trinta e dois).
Não é minha culpa, ela disse se fazendo de santinha,
É aquelas pílulas que tomei pra botar pra fora, ela disse.
(Já teve cinco e quase morreu do Jorginho).
O farmacêutico disse que não havia de ser nada mas nunca mais eu fui a mesma.
Você é uma completa idiota, eu disse.
Bem, se o Alberto não ter deixar mais em paz, você vai ver, eu disse.
Falei ainda: Quem manda casar se não quer ter filho?
DEPRESSA POR FAVOR ESTÁ NA HORA
Pois no domingo que o Alberto chegou, fizeram leitão assado,
E me convidaram pra jantar, aproveitar ainda bem quente.
DEPRESSA POR FAVOR ESTÁ NA HORA
DEPRESSA POR FAVOR ESTÁ NA HORA
Té manhã, Bill, Té manhã, Lou. Té manhã, May. Té manhã.
Bai-bai. Boa-noite. Boi-noite.
Good night, ladies, good night, sweet ladies, good night, good night.
III – O Sermão de Fogo
A tenda do rio foi rompida: os últimos dedos de folhagem
Agarram-se e se entranham à úmida barranca. O vento
Sem ruído atravessa a terra parda. As ninfas se foram.
Sweet Thames, run softly, till I end my song.
O rio não carrega papéis de embrulho, garrafas vazias.
Lenços de seda, caixas de papelão, pontas de cigarro
Ou qualquer outro testemunho das noites de verão. As ninfas se foram.
Seus amigos, os ociosos herdeiros dos pontentados da cidade,
Também se foram, sem deixar endereço.
A margem do Leman eu me sentei e chorei.
Sweet Thames, run softly, till I end my song.
Desce suavemente, que não falarei muito alto nem demais.
Mas atrás de mim, em uma rajada fria, escuto O chocalhar dos ossos e o riso gutural e reprimido.
Uma ratazana insinuou-se, furtiva, por entre as moitas,
Arrastando pela barranca a sua barriga viscosa
Enquanto eu estava a pescar no canal tristonho
Uma noite de inverno, detrás do gasometro
A meditar no naufrágio do rei meu irmão
E na morte, anterior, do rei meu pai.
Corpos brancos, desnudos, no terreno baixo e úmido
E ossos jogados em um sótãozinho baixo e seco,
Entra ano, sai ano, apenas remexidos pelo pé do rato.
Atrás de mim, no entanto, de quando em quando,
Escuto o som de trompas e motores que há de guiar
Sweeney para a sra. Porter na primavera.
O the moon shone bright on Mrs. Porter
And on her daughter
They wash their feet in soda water
Et O ces voix d’enfants, chantant dans la coupole!
Tiu Tiu Tiu
Diag diag diag diag diag
Tão rudemente violada
Tereu
Cidade Fantasma
Sob a fulva neblina de um meio-dia de inverno
O sr. Eugênides, o comerciante de Esmirna,
Barba por fazer, o bolso cheio de passas
C. I. F. London: documentos à vista,
Convidou-me em francês demótico
Para almoçar no Cannon Street Hotel
E depois… fazer week-end no Metrópole.
Na hora violeta, quando os olhos e a espinha
Desprendem-se da mesa de trabalho, quando a máquina humana espera,
Como um táxi, palpitando, espera,
Eu, Tirésias, cego embora, palpitando entre duas vidas,
Um ancião de enrugados peitos femininos, posso ver
Na hora violeta, a hora crepuscular que se empenha
A caminho de casa, e faz voltar do mar o marinheiro,
E a datilografia, à hora do chá, tira a mesa do café,
Acende o fogo, e prepara a sua refeição de conservas.
Perigosamente penduradas fora da janela,
Secam suas combinações, beijadas pelos últimos raios do sol.
Sobre o divã (sua cama à noite) empilham-se
Meias, chinelas, corpetes, espartilhos.
Eu, Tirésias, um ancião de tetas enrugadas.
Observada a cena, predisse o resto…
Também eu aguardava a esperada visita.
Ei-lo que chega, o carbunculoso moço
Empregado subalterno de agência imobiliária, de olhar superior,
Um desses coitados em quem o ar de segurança faz lembrar
Uma cartola em um milionário de Bradford.
O momento agora é propício, imagina ele.
Terminada a refeição, ela, entediada, sente sono;
Ele procura envolvê-la por meio de caricias
Que, sem ser repelidas, não são retribuídas.
Inflamado, decidido, ele desfecha o assalto final;
Mãos aventureiras não encontram resistência;
Sua vaidade não faz questão de resposta
E toma a indiferença por aquiescência.
(E eu, Tirésias, como que sofri de antemão
Tudo o que se cumpriu nesse divã ou cama;
Eu que me assentei junto aos muros de Tebas,
Eu que caminhei entre os mortos amaldiçoados).
Por fim, com um beijo protetoral, êle se despede
E desce, tateando, a escada às escuras…
Ela se contempla ao espelho por um momento,
Mal pondo cuidado no amante que partiu.
Seu cérebro produz um quase-pensamento:
“Bem, agora a coisa está feita: antes assim.”
When lovely woman stoops to folly
E se encontra, sozinha, vagando em seu quarto.
Com um gesto mecânico alisa os cabelos
E põe um disco a tocar no gramofone.
“This music crept by me upon the waters”
E ao longo do Strand, rua Queen Victoria acima.
Ó Londres, Londres, eu às vezes escuto,
Perto de um bar da Lower Thames Street,
A doçura plangente de um bandolim,
A bulha e o vozerio lá dentro, lá
Onde os peixeiros espairecem ao meio-dia, lá onde as paredes
De Magnus Mártir guardam
O inexplicável esplendor, branco e ouro, da Jônia.
O rio sua
Óleo e alcatrão As barcaças à deriva
Na maré montante
As velas vermelhas
Enfunadas
A sotavento, dançam sob os mastaréus.
As marolas vão chapinhando
Toras ao léu Rumo a Greenwich, descendo
Além da Ilha dos Cães
Weialala leia
Wallala leialala
Elizabeth e Leicester
Ao ritmo dos remos
A pôpa tinha a forma
De uma concha rubra
E dourada
As marolas
Encrespavam as duas margens
O vento sudoéste
Levou água-a-baixo
O clangor dos sinos
Torres brancas 290
Weialala leia
Wallala leialala
“Bondes e árvores poentas.
Highbury me fez. Richmond e Kew
Destruiram-me. Diante de Richmond ergui meus joelhos
Do fundo da estreita canoa onde eu estava estendida.”
Meus pés estão em Morgate, e meu coração
Foi pisado. – Depois do acontecido,
Ele chorou. Prometeu começar tudo de novo”.
Eu não disse nada. “De que me ofenderia? ”
Na praia de Margate.
Não posso juntar
Coisa com coisa.
Unhas estragadas, mãos pouco limpas.
Minha gente humilde gente que não espera Nada.”
la la
Para Cartago então eu vim
Ardendo ardendo ardendo ardendo
Ó Senhor vós me arrebatastes
Ó Senhor vós me arrebatastes
Ardendo
IV – A Morte por Água
FLEBAS, o Fenício, morto há duas semanas,
Esqueceu o grito das gaivotas, a preamar profunda,
Lucros e perdas.
Uma corrente submarina
Descarnou-lhe os ossos devagarinho. Subindo e descendo,
Ele cruzou os palcos da velhice e da juventude,
Caindo no rodamoinho.
Gentio ou Judeu,
Ó tu que alas o leme e olhas a barlavento,
Lembra-te de Flebas, que tinha um porte e um rosto belo como o teu.
V – O Que Disse o Trovão
Depois da rubra luz das tochas em faces suadas
Depois do gelo do silêncio nos jardins
Depois da agonia em lugares de pedra
Dos gritos e clamores
Do cárcere, do palácio e da repercussão
Do trovão de primavera em remotas montanhas
Ele, que vivia, ei-lo morto;
Nós, que vivíamos, começamos a morrer
Com alguma resignação
Não há água aqui, apenas a rocha
Rocha sem água e o caminho arenoso
A estrada que sobe se contorcendo entre montanhas
Que são montanhas de rocha sem água
Se houvesse água poderíamos parar e beber
Mas entre as rochas como fazer uma pausa ou pensar
O suor é seco e os pés afundam-se na areia
Houvesse ao menos água entre as rochas
Montanha morta, bôca de dentes cariados que não cospe
Aqui é impossível ficar de pé, deitar ou sentar-se
Nem sequer o silêncio existe nas montanhas
Mas o trovão estéril árido e sem chuva
Sequer a solidão existe nas montanhas
Mas rostos avermelhados soturnos escarninhos a rosnar
À soleira das casas de barro batido
Se houvesse água
E não a rocha Se houvesse a rocha
E também água
Água
Uma nascente
Uma poça em meio às pedras
Se ao menos se ouvisse o murmúrio da água
Não a cigarra Não a relva seca a crepitar
Mas o murmúrio da água sobre uma rocha
Com o tordo-eremita a cantar nos pinheiros
Drip drop drip drop drop drop drop
Mas não existe água
Quem é essa terceira pessoa a caminhar sempre a teu lado ?
Se conto, estamos apenas os dois juntos, tu e eu
Mas quando contemplo ao longe o caminho branco
Sempre existe caminhando a teu lado outra pessoa
Suavemente avançando, embuçada em um manto pardo
Não sei dizer se é homem ou mulher?
— Quem é, quem é essa pessoa a teu lado?
Que som é esse tão alto nos ares
Murmúrio de choro maternal
Que hordas embuçadas são essas que se atropelam
Sobre planícies sem fim, tropeçando na terra gretada
Cingida apenas pelo raso horizonte
Que cidade é aquela nas montanhas
Que se fende se refaz e no ar violeta se esfacela
Torres a ruir
Jerusalém Atenas Alexandria
Viena Londres
Inacreditável!
Uma mulher esticava sua comprida cabeleira negra
E dessas cordas extraía suspirosa música
Morcegos de rosto de criança à luz violeta
Guinchavam tatalando as asas
E se precipitavam de raspão ao muro enegrecido
Havia no espaço torres invertidas
Onde repicavam os sinos da lembrança (antes davam as horas)
E cânticos subiam de cisternas secas e poços exauridos
Neste sinistro grotão da montanha
Ao pálido luar, a relva canta
Sobre tumbas revolvidas, em torno da capela
Uma capela vazia onde semente o vento mora.
Não há janelas e a porta estremece;
Mas que mal podem fazer uns ossos calcinados?
Somente um galo ficou na cumieira
Cocoricó Cocoricó
No clarão do relâmpago. Depois, uma rajada úmida
Trazendo chuva
Ganga estava submerso, e as folhas do tronco
Ansiavam por chuva, enquanto nuvens escuras
Concentravam-se ao longe, acima do Himavant.
A selva se dobrou, encurvada em silêncio.
Aí, falou o trovão
DA
Datta: que demos nós?
Meu amigo, o sangue me acorre ao coração
A tremenda ousadia de um instante de fraqueza
Que toda uma época de prudência jamais redimiria
Por isso, e tão só por isso, chegamos a existir,
O que não será encontrado em nossos necrológios
Nem nas lembranças tecidas pela aranha caritativa
Nem sob o lacre rompido pelo notário descarnado
Em nossos quartos vazios
DA
Dayadhvam: Escutei a chave
Girar uma vez na porta, uma só vez girar
Pensamos na chave, cada qual em sua prisão
E pensando na chave, cada qual confirma a sua prisão
Apenas ao cair da noite, rumores etéreos
Fazem reviver por um momento um Coriolano desfeito
DA
Damyata: o navio respondia
Alegremente à mão habituada às velas e aos remos
O mar estava calmo, o teu coração poderia ter respondido
Alegremente, ao convite, pulsando obediente,
Das mãos controladoras
Sentei-me junto às águas
pescar, tendo a árida planura atrás de mim
Chegarei pelo menos a por minhas terras em ordem?
London Bridge is jailing down falling down falling down
Poi s’ascose nel foco che gli affina
Quando fiam uti chelidon… ó andorinha andorinha
Le Prince d‘Aquitaine d la tour abolie
Com êstes fragmentos escorei minhas ruínas
Why then lie fit you. Hieronymo’s mad againe.
Datta. Dayadhvam. Damyata.
Shantih shantih shantih
(*) Vi com meus próprios olhos a Sibila em Cumae pendurada em uma gaiola e quando os meninos lhe disseram: “Sibila, o que você quer?”, ela respondeu: “Eu quero morrer”.
………………………..
Nota do Autor:
Não só o título, mas também o plano e boa parte do simbolismo episódico do poema foram sugeridos pelo livro de Jessie L. Weston sobre o ciclo de lendas do Santo Graal: “From Ritual to Romance” (Cambridge). A tal ponto, de fato, chega a minha dívida para com o livro de Miss Weston, que o mesmo poderá, melhor que as minhas notas, elucidar as dificuldades do poema; recomendo essa obra (à parte do seu interesse intrínseco) a todos quantos julguem tal elucidação compensadora do esforço. De caráter mais generalizado é a dívida que tenho para com outra obre de antropologia, obra essa que influenciou profundamente a geração a que pertenço: refiro-me a “The Golden Bough”; usei, principalmente, os dois volumes intitulados “Adonis, Attis, Osiris”. Quem conhecer as referidas obras reconhecerá imediatamente no poema certas referências a cerimônias relacionadas com o mundo vegetal.
Tradução de Paulo Mendes Campos
Publicado em 1956 pela Editora Civilização Brasileira
lindo
A parte final, que fala das notas, o livro que tenho deixa dúvida sobre a sua autoria, que coloquei aqui, por estar assim no Clássicos da Cultura como sendo do tradutor, embora possa ser do autor. Ficou-me essa dúvida, embora nem tão relevante no que possa retratar as dificuldades do poema.
Essa mesma nota que vc transcreveu, que alude a Jessie L. Weston, também está na versão que me serviu de fonte, do PMC. Lá está indicada como de autoria do próprio T.S. Eliot. Pode ser acessada clicando-se AQUI.
Isso, certamente é mesmo do Eliot, embora, provavelmente por falha editorial, ela conste no trabalho do Junqueira apenas como “Notas sobre A Terra Desolada”.
Lá pelos anos 1920, quando Eliot deve ter começado a escrever Terra Inútil (Terra Desolada), possivelmente, ele imaginou: Vou escrever um poema modernista, com uma linguagem bem coloquial; e escreveu um poema em que há o francês, o alemão, o inglês (por óbvio), o grego, o italiano…, dedicou-o a Ezra Pound (Il miglior fabbro), e fez um epígrafe que mistura o latim com o grego, de autoria de Petrônio (Satyricon, Cap. 48).
Não é um texto fácil, ao contrário, é um texto difícil, não fossem aqueles os anos difíceis de início de século (1922). Imagino-o numa espécie de paralelo com o Finnegans Wake ainda que poético, e sem a questão do malabarismo léxico, mas bastante aplicado no passeio por clássicos, caminhando pelas hipérboles e pelas metáforas, criando cenários cheios de enigmas, como a presença esperançada de alguma elucidação da cartomante com o seu Tarô, se apenas isso.
Não conhecia essa versão (tradução de Paulo Mendes Campos). Tenho comigo a versão com tradução e notas de Ivan Junqueira, publicado no volume “Poesias de T.S.Eliot”, pelos Clássicos da Cultura.
De posse de ambas, por você, Gustavo, haver manifestado seu interesse pelas traduções (lá no meu artigo Modos de fazer um livro), resolvi comparar uma com a outra e, surpresa!!, encontrei coisas impagáveis, uma delas me lembrou muito a colocação que fiz do tradutor cleptomaníaco, Dezsö Kosztolányi, por meio do Senhor Gallus, assim:
Paulo Mendes Campos:
Pois no domingo que o Alberto chegou, fizeram leitão assado,
Ivan Junqueira:
Bem, naquele domingo em que Alberto voltou para casa, eles serviram um pernil assado
Junqueira, como um tradutor cleptomaníaco, roubou o leitão inteiro, deixando no lugar apenas um pernil para que fosse servido aos convidados. E a coisa segue por aí, e se não fizeram ambos os tradutores um segundo e um terceiro poema (porque há mais, como a existência de um aborto numa tradução e na outra, não), deram-nos a chance inequívoca de conhecer trabalho tão espetacular de Eliot.
E escrevendo isso, lembrei que Virginia Woolf foi importante na carreira dele, produzindo e reeditando suas poesias pela The Hogarth Press. Aí foi um pulo para ir até aos seus diários e encontrar, lá nos anos 1920 (Domingo, 5 de Dezembro), o seguinte texto dela:
“[…] Por que leio Coleridge? É em parte por causa do Eliot, que não o li; mas o L. [Leonard Woolf] leu, fez a crítica [Virginia se refere ao primeiro ensaio de Eliot incluído no The Sacred Wood] e elogiou-o inclusivamente. Eliot e Goldie jantaram cá na outra noite – uma reunião bem-sucedida. Ri-me na cara dele, severa e marmórea, e recebi como resposta uma piscadela de olho. Como a sua cara é grande e branca ao lado da cara do Goldie, versátil, morena e marota! Uma boca torcida e fechada; sem um único vinco livre e suave; tudo contraído, comprimido, inibido; mas com grande potencia motora algures – e, palavra, que concentração do olhar quando argumenta! Discutimos a crítica e descobri que se acha um poeta [sublinhado meu]. Um pouco de riso humano seria nele muito bem vindo, calculo eu, e penso que de boa vontade romperia com os seus modos formais. Calculo que se queira afastar de grupos e acolhe-nos como uma fuga. De que pretendo eu falar? De como nós trabalhamos arduamente – é o que me impressiona este Inverno: cada compartimento a abarrotar, principalmente devido à editora [Hogarth Press]. Se podemos continuar assim, não sei. Depois, ambos tão populares, tão conhecidos, tão respeitados – e o Leonard [Woolf] com 40 e eu lá perto, por isso não temos muito de que nos gabar. No meu íntimo, aliás, prefiro os dias indefinidos e anônimos da juventude. Gostos de espíritos jovens; e da sensação de que não se é ainda alguém.”
Virginia parecia ser assim, nem muito importante achava Joyce com seu Ulisses, nem achava Eliot tão importante com a sua poesia, embora tivesse a capacidade de se reconstruir passando não só a amar a ambos, como a publicá-los em sua editora.
Interessante ver na poesia de Eliot o seu passeio pela Londres dos anos ’20, e por ser um relato, assemelha-se ao naturalismo posto por Virginia em Cenas Londrinas, particularmente nos capítulos “As docas de Londres” e “Maré da Oxford Street”.
Terra inútil é um texto difícil, e isso pode ser expresso no que nos diz o tradutor que tenho comigo, Ivan Junqueira, que diz assim, em suas notas:
“Não apenas o título, mas também o plano e o simbolismo incidental do poema, foram-me sugeridos pelo livro da srta. Jessie L. Weston sobre a Lenda do Santo Graal: From Ritual to Romance (Cambridge). Na verdade, é tamanha a dívida que tenho para com o livro da srta. Weston que a leitura do mesmo será capaz de elucidar as dificuldades do poema muito melhor do que o poderiam fazer as minhas notas; e recomendo-o […] àqueles que porventura julguem valer a pena elucidar o poema. Devo muito também em âmbito mais geral, a uma outra obra de antropologia que exerceu profunda influência sobre a nossa geração. Refiro-me aqui a The Golden Bough, de que utilizei em particular os dois volumes dedicados a Adonis, Átis, Osíris. Qualquer pessoa suficientemente familiarizada com esses trabalhos reconhecerá de imediato no poema certas alusões a ritos ou cerimoniais relativos à fertilidade.
Terra Inútil não é para muitos, é, talvez a profundidade mais reservada de um poeta imenso.
Grande abraço, Gustavo, valeu pela publicação.
Caro, Angelo, que comentário interessante. Esses bastidores por trás das obras clássicas são sempre geniais, mas raramente acessíveis. Agradeço muito a você por ter compartilhado conosco essas observações.
Curioso é que, assim como o Ivan Junqueira,também o PMC aludiu às dificuldades da tradução, especialmente sobre o título. Disse ele:
“Difícil é também traduzí-lo, sobretudo para um tradutor desarmado e não especialista, como sou. Mas, se a presente tradução me parece longe do trabalho e da arte ideais, eu seria insincero se chegasse a repudiá-la. No fim do poema, os leitores encontrarão as notas auxiliares de T. S. Eliot. 0 adjetivo “ waste” tem uma grande franja de significado: deserto, ermo, desabitado, despovoado, bravio, lesolado, árido, inculto, etc. A Terra Inútil não me satisfaz como equivalente de The Waste Land, mas não consegui achar melhor palavra.”
Eu desconhecia completamente essa história por trás da história, da Virginia Woolf. Engraçado pensar que antigamente as pessoas que hoje temos como referência máxima em literatura eram só pessoas comuns, com desejos comuns, que falavam sobre outros como eles e elas, analisando-os, adivinhando-lhes as intenções.
Enfim, só estou divagando. Mais uma vez obrigado pela aula, meu amigo.
Esqueci de citar (erro irreparável) que as referências foram tiradas de alguns livros que me acompanham:
1 – Vidas Literárias, Virginia Woolf, de John Lehmann, da Zahar;
2 – Cenas Londrinas, Virginia Woolf, da J.O. Editora;
3 – Diários, Virginia Woolf, da Relógio D’água (Portugal), um calhamaço de 730 páginas que vou lendo aos poucos.
Abraços.