EntreContos

Detox Literário.

Ao Vento (Luiz Felipe Carvalho)

Um viajante solene, leia-se até um pouco entediado por ser conhecedor das próximas paradas, expecta a seguinte: sua afetiva cidade, de onde estivera longe há alguns dias que soavam como décadas. Ufa ! A diferença é que, por hora, a escala duraria uma extasiante semana a desfrutar, na qual, segundo o plano original, projetou nem dormir. Projetou-se também visita breve à um pacato litoral à norte de onde se reside, porém, a cidade-mãe reservou os mesmos dias para abstinência de sol, numa clara contra fotossíntese, mudando intuitivamente a intenção de deslocamentos maiores, ainda que breves, por rodovias das quais o viajante está cansado. Precisava reduzir os indicadores de vitamina D, apontavam os exames. Mas a cidade do viajante, ainda que doente, é tão foda que acerta até quando erra.

“(…) Mesmo num céu de outras cores,

Traçantes, balas e dores, és a beleza em diamante (…)”

Soam-se as cornetas, inicia-se a exígua e benzida licença do mundo de calar-se com boca de feijão e vestir camisas para defender ideias em troca de compensações financeiras:

Parte I: O Bairro

Se no bairro onde se mora tudo já é luz, imagine em férias; A localidade beira a perfeição nas atribuições, descontando-se margens de erro e considerando-se o que anseiam desde os de 8 aos de 80; é boêmio porém pacato, verdejante ainda que de trânsito angustiante; Posso apostar que nos horários de pico ainda há muito mais oxigênio que CO² nas narinas, e nunca deixará de ser. O crescimento desenfreado da metrópole impôs esta mazela à vizinhança enraizada à oeste bem como a todas as outras que compõem a rosa dos ventos, mas a localidade delimitada oficialmente é tão plena e segura de si que no contexto geral se permite seguir alheia aos problemas. Não tem uma ginga em cada andar como a que se avizinha à norte, mas tem cerveja demais para comemorar o que seja; Basta permeá-la a pé pra perceber a ostentação do sítio aqui personificado em amigo fiel; Cruzando a via expressa em diante à sul, ostenta-se outras coisas.

Devem ser loucos os engarrafados, pensam o viajante e os que residem sob o céu do jardim da praça central em meio à carteados, dominós, cães risonhos e grupos de orações em roda; Até índio de cocar já foi visto sem que fosse Fevereiro; Pode-se visar um carnudo peixe branco frito num fundo de quintal acolhedor, ou um chope de pé na calçada; ou até um Malbec num lajeado mais reservado; Ou uma dose etílica proibitiva num empreendimento de chão batido denominado “Reserva Alcoológica” (é verdade, tem placa e quiçá CNPJ), cada um decide; De filas para aquisição de galetos para viagem, daqueles que amansam as donas de casa mais turronas nos sábados à tarde, lembro-me de ao menos duas; Na esquina seguinte uma placa aparentemente oficial, afixada no poste de luz, alerta os motorizados quanto à travessia de bêbados, consagrando tudo de vez. Em algum momento na história do bairro houve sensibilidade e alguma mobilização para tornar público um lembrete de que a cidade é para as pessoas. Que baita apoteose. O leque de opções, nuances e humanidade fascina, faça chuva ou faça sol.

Parte II: A Bola

O estádio é o eterno maior do mundo, esqueçam arenas; Fora concebido para o povo e por acaso desvirtuado, mas ainda se mantém. Vão se suceder eras e este metro quadrado de chão seguirá sendo a capital dos mundos habitados no que diz respeito à futebol. O time da casa é jovem, e o público, diferentemente da instituição, é pequeno; ambos empenhados. Já se vende cerveja com álcool (indesejado pleonasmo), baita evolução pós copa, mais um indicativo de que a cultura da cidade é valente (puro pleonasmo); Assassinaram à olhos vistos os espaços destinados à outras modalidades, mas ao longe ainda há gente fazendo caminhada, a universidade, e barracões de zinco. Crianças uniformizadas de ponta à cabeça, adultos com as costas desnudas tatuadas de forma equivalente; Velhos de muleta puxam assunto, e quando tem gol todos se abraçam em êxtase derramando Brahmas nos pés dos leigos que vêm de calçado aberto. São segundos de um “tempo-espaço” que pretendo, um dia, ter capacidade de descrever. A massa é homogênea. O pôr do sol acima da nova cobertura tensionada coincide com o apito final, trazendo com os três pontos uma sensação de gratidão pela existência.

Parte III: O Samba

O viajante chega à zona norte da cidade para almoçar. Não é de se curvar à noticiários que intimidam. Muito pelo contrário, contesta, peita e até se exalta se este é o tema. É segunda feira e a esposa, daquelas que se amansam pelos galetos supracitados, acompanhados de farofa em quentinhas nos sábados à tarde, veio, pois ele faz aniversário. O Bar eleito serve purês com carne desfiada em copos americanos usualmente usados para bebidas, ainda que a viscosidade do conteúdo o impeça de ser ingerido por goles. Apreciada a iguaria, não resta fome nem frestas vazias entre pré-molares à sisos (x4); A cerveja trincando de gelada na mesa posta na calçada, e no balcão de mármore, vale a pena se acotovelar por batidas de frutas da estação concebidas em garrafas pet. O atendimento é tão cordial que faz lembrar casa de mãe, o qual abraça e só se aceita dinheiro em espécie como pagamento. A zona norte é tão maravilhosa que nem sabe. Mas sabe, e como sabe. Dali adiante ao invés de sesta é samba, a maior identidade cultural da cidade e também do pais, diria. O ídolo de música, líder do movimento, já houvera citado em outras passagens que tal evento só vingou lindamente por se dar nesta cidade com toda sua composição retalhada de características comportamentais. Há fervo de comida baiana, latas de cerveja submersas em gelo nos baldes de plástico (daqueles de lavar roupa) e muita gente feliz. Dentre os músicos destacam-se o plangente violão de sete cordas próximo à cabeceira (projeto de vida), uma voz gorda dessas que preenchem o ambiente, e uma outra rouca e grisalha, todas com repertório impecável. O batuqueiro é competentíssimo. Os versos cantados de dós à sis inebriam o viajante que se mostra sensível e chora, sabendo que a escala se encaminha para acabar. Mas como a aeronave ainda abastece e não fechou as portas, no caminho que cruza o curso d’água em direção à serra ainda tem espetinhos primorosos para acalentar e cantarolar de boca cheia…

A cidade do viajante é resistente na essência, como uma rocha; Já fora capital federal, e, contumaz, se nega a deixar de ser capital cultural. Segue em frente, e quando vai mal se reinventa deixando espectadores com cara de máscara de Dalí; é como o time jovem que perde um ídolo e promove um púbere para herdar a camisa, e esse dá conta; como sua região portuária que, outrora erma, hoje reluz orgulhosa e emociona. Quisera o viajante ser o espelho da sua cidade. A escala se encerrará em breve e ele, creio, seguirá tentando.

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3 comentários em “Ao Vento (Luiz Felipe Carvalho)

  1. Cleo Miranda
    24 de junho de 2018

    Algumas pessoas fazem a sua risada um pouco mais alta, seu sorriso um pouco mais brilhante e a sua vida um pouco melhor. Parabéns pelo blog. Podemos ser amigos?

  2. rubemcabral
    21 de junho de 2018

    Olá, Luiz.

    Uma boa crônica, um olhar generoso sobre a zona norte do Rio de Janeiro, com algumas passagens poéticas. Achei que o futebol ficou mais como pano de fundo, enquanto o protagonismo era mesmo da ZN.

    O texto, contudo, pede certo “enxugamento”, pois há trechos muito longos e “quebrados”, que atrapalham o ritmo e a fluidez da leitura. Há de se tomar cuidado também com o uso da crase: “à um”, por exemplo. Lembre-se que a crase não ocorre antes de substantivos masculinos.

    Abraços!

    • Luiz Felipe Ribeiro Monteiro de Carvalho
      24 de junho de 2018

      Olá Rubem,
      Muito obrigado pelo feed back, bastante construtivo.
      Sim, o intuito era de uma crônica mas o texto fluiu e de fato acabou por ficar muito longo; Talvez melhor seria se cada “capítulo” enumerado fosse uma crônica, acho. E os erros de português passaram na última revisão…
      Aprimorarei nas próximas.
      Grande abraço !

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Publicado às 18 de junho de 2018 por em Copa do Mundo e marcado .
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