Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
Carlos Drummond de Andrade
Gabriela escutava vozes.
Começou lá pelos seis, sete anos de idade. Ouvia sussurros que outras pessoas não escutavam. E estas estranhas vozes falavam com ela. Às vezes, até mesmo sobre ela tratavam. Boatos, rumores, meras digressões… Porém nunca ingênuas; jamais ficavam sem fundamento.
Eram premonições.
Gabriela ouvia, na esmagadora maioria das ocasiões, advertências. Avisos sobre acontecimentos futuros que lhe eram soprados ao ouvido no presente, como agulhas quentes a furarem seus tímpanos, apagando as luzes de sua inocência e, sem a menor parcimônia, estourando os balões de uma singular infância.
Foi exatamente assim em seu sétimo aniversário.
As vozes tornaram-se tão intensas e assustadoras que explodiram, em uníssono, todas as coloridas bolas previamente fixadas no enfeitado teto. Bem acima da mesa onde o derradeiro bolo, feito com muito carinho e cuidado, tinha a primeira fatia cortada bem fininha e oferecida à menina por sua já saudosa mãe.
— Pra você, Gabyzinha… — Dona Dora tentava animar a filha após a inesperada crise de choro causada, segundo o que ela acreditava, pelo barulho dos balões — Aproveita, que é só hoje… pois cê sabe que é alérgica!
Sim… Gabriela já sabia. Sabia tudo que não queria saber. Soubera ali mesmo, ao apagar a vela em forma de número. E, logo depois, veio a cena da mãe afundando uma brilhante pazinha de sobremesa dentro daquela imensidão molenga e… Negra. A idiossincrasia deu-se com o recheio de morango se espalhando pelas bordas da bandeja, como um mar de rubra intermitência a lhe afogar o coração.
A mesma angústia foi sentida por Gabriela ao despedir-se de Dona Dora na semana seguinte, já do lado de dentro do portão do colégio, acenando-lhe com tamanha força que as lágrimas brotavam de seus pequenos olhinhos, embaçando-lhe a visão.
Sua última imagem da mãe ainda viva.
Poucas horas mais tarde, um brilhante objeto de aço, perfurante, invadia o estômago de sua genitora e fazia jorrar, como um chafariz de sangue, a vida de dentro daquela barriga.
Com a mesma vazão, e em total sincronia com o pressentido crime, o vômito era expelido em plena sala de aula por Gabriela, que botava para fora o Mirabel e o Toddynho comprados e ingeridos maquinalmente durante o recreio.
Aquele assalto seguido de morte figurou em quase todos os jornais e telejornais do país. Durante semanas, a foto de sua eternamente jovem mãe ilustrou o noticiário nacional e a atormentada mente de Gabriela, agora também torturada pelo saudoso passado.
Cinco anos depois, ao completar os doze, foi a vez de seu pai…
Visitavam o sul do Brasil quando, de súbito, seu maior herói tornou-se irremediavelmente humano, caindo do alto de uma forte cachoeira de vozes e inundando os pensamentos da menina com os insuportáveis sussurros que somente ela ouvia.
Presságios.
A fábrica inteira parou para assistir aquele ato de assustadora métrica que acontecia dentro da cabeça de Gabriela, causando-lhe incessantes lágrimas. Do lado de fora, viam apenas uma menina em convulsão…
Temendo tratar-se de um caso de contaminação de amostras, classicamente oferecidas aos visitantes durante o percurso feito, a fabricante de renome optou por cuidar do indigesto fato com extrema precaução.
Consulta, medicamentos, devolução do valor das entradas e, mesmo após descartada qualquer ocorrência de contágio das provas ingeridas pelos clientes naquele tenso dia, Gabriela e os demais ainda ganharam um considerável valor, na forma de vale-presentes, para uso exclusivo na convidativa lojinha de produtos da multinacional marca.
Alguns dias depois da farta Páscoa que tiveram, repleta de gigantescos ovos e caixas de bombom, quando Gabriela já nem se lembrava mais do fato que ocasionara tudo aquilo, foi que seu amado e benevolente pai veio então a óbito, em um acidente idiota de trabalho.
Funcionário de uma hidrelétrica no norte do Estado do Rio de Janeiro, seu Orlando realizava serviço de rotina, reparando uma das comportas da usina, quando houve um curto-circuito e, em questão de segundos, milhares de litros d’água jorraram de uma vez para cima dele, afogando-o numa cachoeira inesperada, violenta e fatal.
Gabriela não atendeu ao telefone naquela madrugada. Havia sido acordada pelos sussurros que a tinham deixado em relativa paz por algum tempo. E despertara já consciente de sua orfandade; agora total.
Contudo, a adolescente só recebeu a ‘notícia oficial’ da morte de seu pai muitas horas depois, vinda diretamente da boca de uma jovem, bonita e atenciosa assistente social, chamada Catarina.
Passado o período de luto, foi exatamente para essa competente e simpática profissional que Gabriela, alguns meses após a segunda grande — e prevista — tragédia ocorrida em sua vida, resolveu contar sobre as vozes que tanto a agourentavam.
Ambas estavam sentadas no banco de uma praça, no centro do Rio, em frente ao prédio onde a jovem funcionária governamental trabalhava e, desde a morte de seu Orlando, acompanhava o caso da menina órfã.
Haviam terminado de comer um sanduíche de atum, comprado por Catarina para a garota que, após somente duas mordidas, entregara-lhe o mesmo, dizendo-se ‘satisfeita’, para então passar a atacar o pacote de biscoitos recheados trazido do escritório, como sobremesa, pela assistente social.
— É uma voz ou são várias, Gaby? — Catarina tentou ao máximo disfarçar sua preocupação, utilizando-se do tom mais casual que conseguiu representar diante da inesperada revelação.
— Várias… — a menina respondeu entre as mastigações, com a boca cheia de uma massa farelenta e doce.
Exatamente assim, como se fosse a coisa mais normal e simples do mundo, Gabriela decidira conversar sobre seu, até então, maior segredo.
— E você… — Catarina falava devagar, buscando cuidadosamente as melhores palavras — Já contou isso para alguém?
— Não. Só pra você, agora. — a menina passou a observar o topo dos enormes prédios de cimento ao redor da praça.
— Entendi. E… Me diz uma coisa, Gaby… Isso começou quando? — Catarina olhava com atenção para Gabriela, analisando cada movimento que a menina realizava — Foi agora?
— Não. Escuto elas desde que eu era pequena… — a garota, na grandiosidade de seus doze anos, continuava olhando para o alto.
— E… O que é que estas vozes te falam, Gaby? — Catarina cruzara as mãos sobre as próprias pernas, espremendo os olhos focados na já nem tão falante adolescente.
Gabriela voltou momentaneamente sua atenção para o rosto de Catarina e, como se tivesse percebido algo que a deixasse incomodada, no instante seguinte elevou novamente o olhar para o topo dos prédios que as cercavam.
— Você não quer mais falar sobre isso, minha flor? — a assistente social percebera a reação da menina, que parecia ter se travado por algum motivo alheio à percepção dela.
Demonstrando ainda não ter se decido para o topo de qual prédio fixar seu olhar, Gabriela passou a ficar agitada. Seu rosto começou a estampar um semblante de ansiedade.
— Vamos voltar lá pra sala? — a menina sugeriu, demonstrando pressa.
Frente à sugestão obtida como resposta para as duas perguntas feitas anteriormente, Catarina levantou-se. Em seu olhar também havia apreensão. Gabriela ajudou a assistente a juntar suas coisas e, praticamente, a puxou pela mão.
Cedendo à aflição da menina, Catarina apressara os passos, mas parou ao perceber a direção na qual estava sendo levada pela garota.
— É pra lá, Gaby… — disse, já voltando-se para o lado correto.
— Não! Vamos por aqui.
— Mas…
— Vamos por aqui!
A jovem e bela funcionária pública estranhou o tom de voz utilizado pela menina. Até aquela data, nunca tinha visto Gabriela tão alterada. Nem no enterro do pai… Era, ao contrário, uma adolescente tímida, triste, calada. Vítima de duas duras tragédias familiares e que agora, pela primeira vez também, demonstrara infelizmente traços sintomáticos graves — as vozes que revelara ouvir em sua cabeça — com prováveis consequências psiquiátricas.
Eram estes os pensamentos a perpassarem a mente da profissional quando, sem conseguir acreditar, ouviu a menina lhe dizer, de súbito:
— Confia em mim, Cacau! Por favor! Vem por aqui!
“Cacau”…
Era assim que a mãe de Catarina a chamava quando criança. Era assim que, SOMENTE sua mãe, lhe chamava. Sua fofíssima, lindíssima, e saudosíssima mãinha…
Catarina entrou em uma espécie de umbral; um tipo de saudosismo físico que se instaurou nas junções de seu corpo, impossibilitando toda e qualquer forma de movimentação. Gabriela ainda tentou por um tempo puxá-la para trás, na direção que queria, mas não teve jeito e nem força para tal.
— Por… que… você… me… chamou… de… — Cacau foi aos poucos tomando posse de seu corpo novamente, olhando para o rosto da menina que acabava de desistir de seu plano.
Gaby deu um suspiro e encarou a face ainda atordoada da outra, antes de responder:
— As vozes…
Cacau não sabia o que pensar sobre aquilo. Era racional demais; profissional demais; capacitada demais para ser capaz de, simplesmente, aceitar o inexplicável.
— E foram elas também que pediram pra você me puxar pra cá?
— Não… — Gaby pareceu entristecer-se.
— Por que você ent…
— Agora não importa mais.
Então veio o vulto; de cima. E o estrondo…
O hediondo barulho atrás da menina foi extremamente alto e diferente de qualquer outro que Cacau já tivesse escutado. Ela demorou muito tempo até conseguir juntá-lo com a imagem vista e, somados aos gritos logo surgidos ao redor da praça onde estavam, compreender a cena que acabara de testemunhar ali.
Uma tragédia.
A crescente poça de sangue continuava expandindo-se em volta do amontoado de carne, ossos e roupas rasgadas, que se fizera presente a poucos metros de distância das duas.
Despencando do topo de um dos vários arranha-céus que as cercavam, aquele corpo causou imensa náusea em Cacau, fazendo-a lembrar-se imediatamente do sanduíche de peixe, desprezado por Gaby, que ela então comera.
Sentimento logo compartilhado com a menina, após a mesma ter se virado e também visto os restos mortais estatelados bem ali, remetendo-a aos biscoitos recheados ingeridos em demasia de uma vez só.
O mais estranho nem foi o vômito conjunto, manchando na sequência ainda mais o verde do gramado, mas sim o laço que se criara entre as duas, a partir daquele incidente. Uma resposta emocional comum em episódios como aquele, testemunhado por ambas.
Gaby, afinal, não foi direcionada a um psiquiatra ou mesmo para um psicólogo. Cacau não escreveu relatório profissional algum sobre o ocorrido na praça e muito menos mencionando a revelação anterior feita a ela pela menina, a respeito das vozes premonitórias.
Um laço cada vez mais forte nasceu ali e foi intensamente sentido por ambas, aproximando-as, unindo-as como se passassem a necessitar disso. Uma junção cármica, cósmica, neural…
Mortal.
Cacau continuava sem saber o que pensar sobre aquilo tudo. Era racional demais. No entanto, como profissional, estava deixando os livros de lado. Ela pouco experimentara do irracional para poder julgar-se especialista no assunto e, consequentemente, apta a solicitar medicamentos ou internações, segundo constatações recém-internalizadas…
Catarina, portanto, tornara-se cúmplice. Era, agora, ‘conhecedora’ do desconhecido; mesmo que ainda apenas uma iniciante. Havia sido, inclusive, salva por ele… Pelas vozes que avisaram a doce Gaby sobre o iminente perigo do alto que as rondava. Salva por estar, exatamente, junto de Gabriela naquele momento. Naquele que poderia ter sido o seu derradeiro momento aqui na Terra…
Por isso o laço. Cada vez mais forte e intensamente desejado. Cacau necessitava disso. Precisava dessa segurança, dessa certeza com respeito ao incerto. Não compreendia, mas aceitava o fato. Acatava, racionalmente, o inexplicável que desrespeitava a razão. Respeitava-o. Mais do que isso…
Temia-o!
O que Cacau não sabia — nem poderia saber — era o que Gaby não lhe dizia. E Gaby não lhe falava muitas, muitas coisas… A menina não contara para a jovem assistente social, por exemplo, o que as vozes na verdade, e de fato, lhe disseram naquela tarde. Em uma verde praça, que de vermelho se mancharia.
Uma praça relutantemente verde, cujas vozes para Cacau apontaram. Elas não disseram que a jovem e bela assistente social sobreviveria ao que estava por vir, mas sim o contrário: Cacau ali iria morrer. Suas entranhas, ossos, sangue… Todo seu belo e jovem corpo, com o do falido e depressivo suicida se misturaria.
Eternamente.
Por isso o laço. Cada vez mais forte e intensamente esticado… A outra não sabia, mas havia sido salva por Gaby em desrespeito, audaz, às vozes. E elas não gostaram nada disso! Diziam-lhe que agora seria muito pior. Bradavam e riam da menina, zombando de seus atos altruístas, bobos… E vãos.
Para a morte, os escolhidos são infungíveis.
No trabalho, Cacau passou a ser visitada com frequência maior por Gaby, que de tudo fazia, pela primeira vez, para evitar o inevitável. Porém, à noite, em casa, em sua cama, no seu travesseiro, as visitas de Catarina eram os sonhos. Na verdade, pesadelos…
Cacau despertava sem respirar, agoniada, com a sensação de que se demorasse apenas mais alguns segundos para abrir os olhos acabaria não os abrindo mais; nunca mais. Sua garganta parecia pressionada pelo próprio ar para, ironicamente, impossibilitar a entrada de oxigênio em seus pulmões.
Foi nessa época que as marcas começaram a surgir em seu pescoço. Cacau viu-se obrigada a comprar novas roupas. Camisas de gola alta, cachecóis, lenços… Passou também a ser olhada com desconfiança pelos colegas de trabalho.
Uma ou outra mancha roxa acabava em algum momento ficando à mostra, e no escritório logo souberam da existência delas. Cacau foi se tornando assunto cada vez mais falado — cochichado — e quanto mais ela negava, maior era a pseudocerteza dos colegas sobre a origem dos impressionantes hematomas.
E mais afrontosos os sussurros se tornavam.
Desacreditada por todos, inclusive por sua chefia direta, aos poucos foi recebendo menos e menos casos para cuidar. Perdeu o trabalho, o namorado, teve de se mudar para um apartamento menor e mais distante e logo começou a tomar remédios controlados que, paradoxalmente, a deixavam ainda mais descontrolada.
Cacau emagreceu. Muito… Chegou ao ponto de perder mais de um terço do peso que tinha. Seus atributos físicos se desintegraram juntamente de suas carnes. Tornou-se uma mulher feia. E, na sequência, tornou-se apenas feia.
Em contrapartida, Gabriela foi sentindo-se mais e mais cheia de vida. Festejou os treze anos de idade, mas era como se completasse dezesseis. Teve torta, rocambole, mousse, brigadeiros mil… Seus hormônios haviam florescido como um jardim primaveril e Gaby ganhado corpo e formas angulares, tantas quanto as viradas de pescoço nas ruas, em sua direção.
E não… Não escutava mais tantas vozes.
Foi ficando cada vez mais suportável; cada vez mais fácil, mais silencioso, sossegado. Um ou outro sussurro, somente, às vezes identificava. Gabriela passou a sorrir mais, a conversar mais, se alimentar mais… E ficava doente com menos frequência, por menos tempo, com menor intensidade. Resfriados, viroses, alergias…
Gabriela estava imune.
Sua felicidade só não era total por causa da saudade de seus pais, que de vez em quando batia. No entanto, com a passagem do tempo e a inusitada sensação de liberdade daquelas nefastas vozes, ela até conseguia pensar menos neles. Ou melhor, na falta que eles faziam.
Mas não conseguia deixar de pensar em Cacau…
Catarina não ouvia vozes. Não escutava nada além dos próprios pensamentos. Estava imersa em si mesma, afundada… Perdida. Muito, muito distante de quem era; sentia-se sozinha, abandonada. Logo ela, que a tantas pessoas ajudara. Logo ela, que de tantas situações difíceis a outros retirara. Logo ela… Logo, ela.
Ela.
Sabia que sua vida havia mudado, da água para o vinagre, a partir daquele momento vivido na praça. Com ela, a Gaby. Gabri… Ela. Sua anja da guarda. Era para Cacau ter morrido ali. Aquele corpo, caído do alto de um dos prédios, estava destinado a ela; apontado para ela. Mas, Gabriela a salvara. Gabriela alterara o destino; um destino a ela subjugado.
Sim, ela deveria ter morrido naquela tarde. Na praça onde Gabriela lhe chamara de Cacau. No dia e local em que Gabriela lhe fizera recordar-se de sua mãinha… Tão nitidamente, tão perfeitamente, tão… Igual. Não era uma lembrança. Não foi uma recordação.
Sua mãinha… Gabriela.
Sim, sua mãe também se chamava Gabriela. E sua mãe, Gabriela, sua falecida mãe, lhe chamava de… Cacau! Somente sua mãe lhe chamava assim. Somente a sua mãe…
— Minha mãinha tinha vindo me buscar!
Catarina vociferava os próprios pensamentos. Proclamava, em alto e rouco som, aquela verdade. Fato. Havia chegado sua hora, o momento de partir deste para o próximo mundo. A hora da colheita que, após uma vida bem vivida — mesmo que curta, porém justa e de prática do bem, ajudando aos mais necessitados — tinha chegado.
— Mãinha tinha vindo me buscar!
A única certeza realmente certa desta vida: a morte.
Catarina agora, enfim, já sabia o que pensar sobre aquilo, sobre uma experiência mais do que testemunhada… Compartilhada! Uma vivência irrefutável do sobrenatural; do místico. Do porvir.
E Catarina era racional demais; profissional demais; capacitada demais para ser capaz de, simplesmente, aceitar o inexplicável… Na antítese de si mesma — louca, desempregada, desacreditada — tornara-se finalmente capaz de entender o incompreensível.
— Me levar!
Racionalizá-lo…
— Me salvar.
E até mesmo explica-lo.
— Mas eu não fui. Não fui com mãinha…
Suas pústulas, câimbras e tonturas não lhe incomodavam mais. Não sentia dores, nem sabores, nem medos. Os dedos finos e tortos, desprovidos das unhas, discaram os números sem o menor sinal de fadiga. Cacau sabia exatamente o que fazer.
Estava pronta.
Subiu sem dificuldade no banco da cozinha e, como se tivesse cronometrado previamente tudo aquilo, terminou de ajeitar o encardido lençol no exato instante em que a voz de Gaby ecoou, estridente, através do microfone do aparelho.
— Alô?
No momento em que atendeu, Gaby já soube possuir apenas tempo para se despedir da moça, em agonia final do outro lado da linha.
As vozes haviam voltado, com força. Contavam em detalhe o que acontecia no interior de uma cozinha, a quilômetros de distância dali, onde um banquinho acabara de tombar rente a uma parede repleta de azulejos, respingos de comida, e assustadas baratas.
— Eu sinto muito, Cacau…
A chamada logo caiu, no mesmo instante em que um melecado copo plástico, ainda pela metade, virou sobre a bandeja com a logomarca de uma famosa lanchonete, onde Gaby estava junto de sua tia.
— O que foi, meu anjo? Quem era? — Dona Drica, com quem a menina morava desde a morte do pai, sensibilizara-se ao ver as lágrimas da sobrinha.
Gaby apenas chorava, enquanto brados e gargalhadas ecoavam em contraste na sua mente.
— Quer que eu compre outro milk-shake pra você, meu anjinho? — insistiu a tia.
Anjinho…
Gabriela percebeu algo naquele momento. Deu-se conta de uma coisa que, se confirmada, poderia mudar tudo. As lágrimas cessaram.
— Tia Drica…
— Fala, meu anjinho…
— Eu aceito outro milk-shake!
E Gabriela tomou com gosto aquela bebida escura, pastosa, gelada e doce. Fechou os olhos, concentrando-se enquanto sorvia pelo grosso canudo o sorvete batido com a calda.
Havia feito uma descoberta importante.
As risadas foram ficando longe, bem longe… Assim como os sussurros. Logo, toda a algazarra em sua mente foi dando espaço para um lento e, pela primeira vez controlável, avançar.
Novas vozes, novos sons… Gabriela descobria, aos poucos, distintos territórios dentro dela mesma. E avançava lentamente, mas de forma ininterrupta, em busca do que decidira apostar ser possível encontrar.
Num grau de concentração capaz de causar inveja em qualquer budista, sem parar em momento algum de sorver sua bebida, Gabriela finalmente reconheceu o tom de uma voz.
A princípio muito distante e baixinha, a menina aproximou-se daquela fonte sonora, até conseguir distinguir as duas únicas palavras que formavam uma frase, repetidamente dita na voz da única pessoa que ela havia ousado tentar salvar na vida; em vão.
E que agora ecoava, ad aeternum, no interior de sua própria mente…
“— Bênção, mãinha!”
* * *
Um conto de loucura, bem escrito, sem grandes novidades, mas consistente no que propõe.
gostei do seu conto, achei bastante possível de acontecer nessa nossa vida louca, e ao mesmo tempo aterrorizante.
Olá, entrecontista. Para este desafio me importa que o autor consiga escrever uma boa história enquanto em bom uso dos elementos de suspense e terror. Significa dizer que, para além de estar dentro do tema, o conto tem que ser escrito em amplo domínio da língua portuguesa e em uma boa condução da narrativa. Espero que o meu comentário sirva como uma crítica construtiva. Boa sorte!
O conto aqui acompanha a jornada de Gabriela e as vozes na sua cabeça. A trama não é bem delimitada em um caso específico, mas na maneira que a menina cresce enquanto influenciada por essa maldição. Lemos sobre como ela ficou órfã e depois conhecemos Catarina, ponto em que a história toma um rumo mais claro. Com Gabriela salvando a vida da assistente social, elas criam um laço. Acredito que nesse ponto a escrita tenha sido meio forçada, apontando o novo teor dessa relação com muita ênfase, como se precisássemos saber daquilo. Após isso, Gabriela aparece com umas manchas e Catarina é demitida, entrando em uma trajetória decadente que a arruína totalmente, enquanto Gabriela cresce para ser uma bela menina. É um pouco destoante o fato de que elas teriam essa ligação tão importante, pois ela não parece não ser considerada na ruína de Catarina. Além disso, o suicídio de Catarina, embora atrelado a momentos importantes da trama, como quando Catarina rememora que só a mãe chamava de Cacau, ainda parece forçado. No entanto, segue uma lógica, em que a morte vem para reclamar o que é dela, mesmo que isso não tenha sido explicitado no texto. Faltou um desenvolvimento maior da natureza das vozes de Gabriela, não em explica-las em tudo, mas em esclarecer sua relação com a realidade. Poderia ter poupado os momentos em que dedica a narrativa a nos descrever a trajetória da garota.
Eu senti falta de uma história que ousasse um pouco mais. O autor preferiu deter-se demasiadamente nos devaneios dos personagens e acabou deixando de dar consistência à trama. O pior é que, mesmo os personagens acabaram não cativando para compensar tal escolha. Não que a história seja confusa, pelo contrário, mas faltou criar aquela empatia com o leitor para que o que acontecesse com elas, depois, impactasse. Sobretudo Cacau, que foi-se e meio que nada deixou.
Ola, autor
Quanto ao conto, vejo mas uma vez o clichê de vozes na cabeça. Parece uma saída simples para se inspirar terror mas não o é, podendo acabar sendo mais um conto.
Achei a leitura um pouco cansativa, mas pode ter sido só comigo.
Não percebi problemas na gramatica que sejam dignos de nota.
Infelizmente, achei o terror muito tímido neste conto, se limitando a mortes.
Um bom conto, mas carecia mais da veia terror.
Grande abraço.
=====TRAMA=====
É uma história simples. Penso que Gabriela é vítima de uma maldição, mesmo que isto não tenha sido citado no conto; afinal, além de ouvir vozes que sussurram o futuro, ela ainda atrai as mortes das pessoas que ama. Tadinha da tia Drica… acho que será a próxima!
Eu gostei da história pelo sentimento de suspense que ela gera. O leitor fica o tempo todo querendo saber o que vai acontecer com Cacau e também tentando entender o que diabos acontece com Gabriela, e se ela, algum dia, se verá livre dessa maldição. Essas indagações mantém o leitor grudado na tela, curioso; aflito.
O problema é que você não conseguiu alcançar o esclarecimento almejado no clímax da história.
Esta é daquelas histórias que acabam e… bem, é isso. Acabou. Nada de diferente aconteceu desde o início da trama: Gabriela tinha premonições e via pessoas morrendo. E, no final, ela continuava tendo premonições e vendo pessoas morrendo. Ela não pareceu evoluir em sentido algum.
A relação Gaby-Cacau foi boa; a principal relação do conto. O fato de Catarina entender que sua mãe havia vindo lhe buscar foi interessante. Ela parecia já estar morta, ainda que ainda viva… então a decisão de terminar com aquele suplício foi natural. Infelizmente, isso não adicionou muito ao conto. Como falei anteriormente, o status-quo se manteve.
Também achei estranho as pessoas abandonarem Cacau apenas por ela estar com manchar no corpo, inclusive o namorado. Que doideira!
Por fim, todo o conto me lembrou muito o personagem “Desmond” de “Lost”. Ele tinha exatamente a mesma premissa: via o futuro, via as pessoas morrerem, e um dia tentou salvar o seu amigo da morte, mas a morte o perseguia vez após vez. Até que, enfim, o amigo decidiu aceitar o próprio destino.
=====TÉCNICA=====
Seu estilo é diferente. Ao contrário do que o Fábio falou, sua inversão de palavras não me desagradou muito. Achei apenas uma forma autoral de escrever. Gostei de como você escreveu o conto inteiro com um ritmo bom, sem travas. O conto não fica tedioso em momento algum, já que você conseguiu manter a pegada de suspense em todas as partes do texto.
Acho que o maior problema no seu estilo foram os diálogos. Todos eles são muito superficiais e sem sentimento. Note, por exemplo, a sequência a seguir:
“— Quer que eu compre outro milk-shake pra você, meu anjinho? — insistiu a tia.
Anjinho…
Gabriela percebeu algo naquele momento. Deu-se conta de uma coisa que, se confirmada, poderia mudar tudo. As lágrimas cessaram.
— Tia Drica…
— Fala, meu anjinho…
— Eu aceito outro milk-shake!”
Nenhuma criança responde assim. Imagina este diálogo:
“- Oi meu anjinho, você quer um sorvete?
– Tio Marco, eu aceito um sorvete!”
Muito robótico, não acha? Este tipo de diálogo está presente em todo o texto. As falas dos personagens são importantes pois conferem a eles um grau de personalidade. Este é um aspecto importante que todo autor tem que aprender a dominar.
De resto, também achei que você abusou um pouco dos pontos de exclamação e das reticências. Mas, no geral, foi um conto bom de ler.
Confesso que esse lance de vozes na cabeça já me deu no saco, mas aqui ficou legal porque elas interferem não só na vida da protagonista, mas principalmente no destino dos outros. A personagem, como receptáculo dessas vozes, acaba interferindo no processo ao tentar salvar a amiga, mas dá ruim. O definhamento de Cacau me lembrou o processo de emagrecimento do personagem do livro A Maldição do Cigano.
Não tenho muito o que dizer, confesso. É um conto bem escrito, a história é legal. Acho que faltou um pouco mais de clima macabro, que é um ponto forte dos melhores contos que li no desafio, mas ainda assim foi uma boa leitura.
A escrita é clara, consegue transmitir as ideias com sucesso e gramaticalmente está OK.
Porém o(a) estimado(a) autor(a) teve um colossal exagero no indiscriminado uso de enormes quantidades de melosos adjetivos. E, ainda, na maioria das vezes, usou invertendo-o com o substantivo.
Putz, sendo bem sincero… isso me deu nos nervos durante quase toda a leitura, me impedindo de ter uma imersão completa.
Pra não dizer que estou exagerando, segue a lista:
estranhas vozes
coloridas bolas
enfeitado teto
derradeiro bolo
saudosa mãe
inesperada crise
brilhante pazinha
rubra intermitência
pequenos olhinhos
brilhante objeto
pressentido crime (ok, aqu não é necessariamente um adjetivo, mas o efeito da inversão foi o mesmo)
jovem mãe
atormentada mente (bônus cacofonia)
saudoso passado
forte cachoeira
insuportáveis sussurros
assustadora métrica
incessantes lágrimas
indigesto fato
extrema precaução
tenso dia
considerável valor
convidativa lojinha
multinacional marca
farta Páscoa
gigantescos ovos
amado e benevolente pai
cachoeira inesperada, violenta e fatal (aqui não está invertido, mas vieram 3 adjetivos em combo)
adolescente tímida, triste, calada (idem)
relativa paz
bonita e atenciosa assistente social
competente e simpática profissional
jovem funcionária
inesperada revelação
A jovem e bela funcionária
duras tragédias
Sua fofíssima, lindíssima, e saudosíssima mãinha
hediondo barulho
Uma junção cármica, cósmica, neural… Mortal. (aqui achei que a sequência ficou legal. O problema é que ao chegar aqui já estav saturado de adjetivos)
doce Gaby
iminente perigo
derradeiro momento
jovem assistente social
verde praça
Uma praça relutantemente verde
jovem e bela assistente social
belo e jovem corpo
falido e depressivo suicida
nefastas vozes
alto e rouco som
encardido lençol
assustadas baratas
melecado copo plástico
famosa lanchonete
bebida escura, pastosa, gelada e doce (combo McAdjetivo)
Ufa!
Só pra deixar claro: não sou totalmente contra o uso de adjetivos, acho muito radical aquela dica que não sei quem deu de “corte todos eles”. Mas, como quase tudo na vida, o exagero acaba se tornando um problema.
Outros apontamentos na parte técnica:
– invadia o estômago de sua genitora e fazia jorrar, como um chafariz de sangue, a vida de dentro daquela barriga.
>>> achei essa frase rebuscada demais. Acredito que uma descrição crua e direta daria mais peso à cena.
– entregara-lhe o mesmo
– após a mesma ter se virado
>>> costumo dizer que esse “o mesmo” não fica bem nem em placa de elevador.
— E você… — Catarina falava devagar, buscando cuidadosamente as melhores palavras — Já contou isso para alguém?
— Não. Só pra você, agora. — a menina passou a observar o topo dos enormes prédios de cimento ao redor da praça.
>>> A marcação de diálogos não está correta. Se terminou a frase com ponto, a próxima letra deve ser maiúscula. Se não tem ponto, deveria ser minúscula.
– Despencando do topo de um dos vários arranha-céus que as cercavam, aquele corpo
>>> Pela descrição do barulho, pensei que fosse algo bem maior. Nunca ouvi um corpo caindo (e espero nunca ouvir rsrs), mas não sei se causaria um “estrondo / hediondo barulho”.
– não lhe falava muitas, muitas coisas
>>> não entendi o porquê dessa repetição de muitas
– Mortal. / Temia-o! / Eternamente. / E mais afrontosos os sussurros se tornavam. / Gabriela estava imune. / Ela. / Sua mãinha… Gabriela. / A única certeza realmente certa desta vida: a morte. / Estava pronta.
>>> Eu gosto desses parágrafos curtos, dão um bom impacto quando bem empregados. O problema aqui, assim como no caso dos adjetivos, foi o exagero.
– infungíveis
>>> sem esse segundo N, talvez?
– sua mãe também se chamava Gabriela]
>>> foi inevitável não lembrar do fatídico “Martha” em Batman vs Superman
– Não sentia dores, nem sabores, nem medos.
>>> essa ficou legal
O início me pareceu enrolado, tipo meio desnecessário detalhar as mortes do pai e da mãe. Um deles já teria dado a ideia do “dom” da garota.
Comecei a gostar da trama quando percebi que não seguiria a linha daquele filme “Premonição”: quando a bela e jovem assistente social escapou da morte, foi a primeira coisa que me veio à cabeça.
Cheguei a pensar que a menina estivesse sorvendo a vitalidade da assistente e fosse a grande vilã. Talvez tivesse sido melhor seguir por esse caminho, daria um tom mais macabro.
Sobre o tema: com tantos doces e achocolatados adjetivos, o terror acabou ficando bem em segundo plano, mas há, sim, elementos do gênero.
Abraço!
Meu caro colega entrecontista: No geral, eu gostei da premissa e do início do conto. Mas algumas construções realmente soaram estranhas, pela pomposidade: “Como um mar de rubra intermitência a lhe afogar o coração”; outras parecem até diálogo do seu Rolando Lero, da Escolinha: “Sua fofíssima, lindíssima, e saudosíssima mãinha…”. Em outros casos, a escolha vocabular é que foi equivocada: “Para a morte, os escolhidos são infungíveis.” – não seria “insubstituíveis”? Até um oxímoro: “para evitar o inevitável.” – para dizer o indizível, intraduzível. Não senti muita firmeza na tentativa de gerar desconforto/horror com o corpo despencado. E, principalmente, achei pouco plausível que demorasse para lembrar que “Sim, sua mãe também se chamava Gabriela”. Enfim, uma história que merece revisão, pois é promissora, mas ainda tem muitas arestas. Sucesso para você, Cachorro Doce!
Olá, amigo, td bem?
Como tenho dito, este desafio eh especial pra mim, que amo terror. Por issso, tenho lido oa contos com bastante expectativa. Dito isto, vamos ao seu:
Seu conto tem um bom enredo, criativo e curioso. Conforme avançava na leitura, me questionava de onde viria o terror: da menina, que poderia ser uma espécie de psicopata mirim, deixando uma trilha de cadaveres para trás? Das vozes, que a atormentavam desde moça? E onde entraria o chocolate?
Admito que esperava mais do titulo, pois fiquei realmente bastante curioso em saber como o chocolate apareceria no terror, e achei que a participação dele no conto nqo justificou o titulo.
Como eu falei, o clima de misterio se mantem no conto todo, mas achei que o tom da escrita nao casou bem com o suspense que deveria ter sido criado. Achei descontraído demais, talvez. Acredito que no terror, espera-se uma linguagem maissombria e truncada, talvez. Nao sei como expressar melhor.
Resumindo, o tom descontraido em excesso impediu que eu sentisse a tensao que o enredo tinha potencial pra criar.
Enfim, eh um bom conto, com um enredo bom, um desfecho excelente, em especial no momento em que a menina ouve a voz da catarina, fechando o conto com chave de ouro. Porem, acho q uma linguagem mais seria e sombria valorizaria o conto. So uma opiniao particular.
Parabens e boa sorte!
Olá, Cachorro Doce
Gostei do seu conto.
Lembrei daquele filme Premonição. Onde as pessoas têm uma hora certa para morrer, e quando, por algum fator externo, elas escapam, a vida delas vira um caos, acho que foi o que aconteceu com a pobre Catarina. A menina Gabriela, no intuito de ajudar, acabou destruindo a vida da outra.
A ideia é boa e foi bem executada. Não encontrei problemas gramaticais que travassem a leitura, a história é bem bolada e tudo se encaixa bem, o texto é fácil de ler, as vozes na cabeça da menina têm um propósito. É um conto sem problemas.
Acho que, mesmo sendo um conto ótimo, para ser classificado como terror, ele teria que ser mais misterioso, ter suspense. Acabou ficando muito “Sessão da Tarde”, fora as cenas das mortes, claro, que foram bem violentas (um assassinato, um acidente e dois suicídios) o conto em si não consegue ser assustador.
É isso. Li aqui de um comentarista que em contos bons a gente não tem muito o que falar.
Beleza, moça (acho que vc é mulher)
Iolanda.
Este é um conto diferente. A pegada aqui puxa mais para a fábula e, em determinados pontos, para o terrir. O título me lembrou de uma das cenas mais aterradoras que testemunhei na infância – do filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (a versão original, com o Gene Wilder, claro, e não a refilmagem idiota com o Johnny Depp), quando Augustus Lump mergulha sem querer no rio de chocolate e é sugado para a tubulação. Não dormi por dias depois de assistir haha
Então, voltando ao conto, achei legal a relação entre Gaby e Cacau, a fuga do destino já traçado, o salvamento, as vozes… No entanto, sempre havia aquela observaçãozinha sarcástica para quebrar o clima. Não que seja ruim, mas num desafio terror – com “o” – meio que a imersão vai para o espaço. Aliás, lembrar do Mirabel foi o máximo. Ri com vontade aqui. Acho que foi esse tom mais solto, mais desinteressado, que tirou a trama do rumo “medo”, e a colocou no trilho do “engraçado”. Tá bem escrito pacas, envolvente e bom de ler, mas como terror ficou longe do objetivo. Parabéns pela ideia. Num desafio terrir – com “i” – é forte candidato!
Candy Dog, a sua escrita é irretocável, a narrativa idem. Começando pelo início, acho que o nome e o pseudônimo, muito doces, causaram um efeito subliminar e jogaram contra em relação a tensão/terror esperada no conto. De qualquer forma, em relação aos fatos apresentados, enquadreio-o como um drama. Não ficou claro a cena do chocolate no Sul do Brasil, envolvendo o seu pai, li e reli para entender que era o presságio da morte do pai na fábrica de chocolates (de Gramado?), a princípio achei que ele tinha caído de uma cascata de chocolates. E também um certo conformismo da menina em relação aos seus dons catastróficos. No mais, o que ficou pra mim do seu conto foi a escrita, uma das melhores que encontrei nesse desafio, como em “Avisos sobre acontecimentos futuros que lhe eram soprados ao ouvido no presente, como agulhas quentes a furarem seus tímpanos, apagando as luzes de sua inocência e, sem a menor parcimônia, estourando os balões de uma singular infância”. Parabéns, abçs.
É um conto muito palatável. Desde seu título, passando pela abertura, pela descrição muito boa do bolo de chocolate e morango, até a relação dos doces com a protagonista mediúnica. Há um trecho, quando faz a brincadeira com a palavra “Ela”, que achei fantástico. Apesar das mortes e de Cacau definhando, ao melhor estilo Premonição de ser, não me foi um conto tão aterrorizante, talvez por conta dessa beleza.
As vozes avisam Gabriela do que está por vir, é o inevitável, o tão temido destino. Uma sina que ela carrega, saber e não poder fazer nada. E quando muda o curso da morte certa, traz as mais variadas desgraças pra vida da Catarina, que percebe que não pode fugir de seu destino. Enquanto uma cai, a outra levanta. Esse final foi bem sensorial (o conto como um todo tem essa característica, que destaco), Gabriela conseguiu, a partir do milk-shake, poder concentrar sua consciência ou mediunidade, indo pelo vazio das vozes, até localizar aquela de Cacau, que finalmente encontrou com sua mãe no além mundo. Acaba mostrando que, por mais triste que possa ser a morte, o suicídio, há vida e também beleza desse outro lado.
Será que foi coincidência termos Chocolate, Cacau, Gabriela, Cravo e Canela num mesmo lugar? Acho que não.
ENREDO: Acho que esse é o segundo ou terceiro conto com o mesmo subtema; menina que ouve vozes. Li e não achei nenhuma novidade, nada de original. No fim e ao final, as vozes eram de fantasmas, acho eu, pois ela reconhece a voz da mãe(?).
PERSONAGENS: Nada, ou, ninguém se sobressai.
ESCRITA: Boa, mas as ideias nem tanto. Então? Uma escrita boa, não torna uma historia no mesmo nível se o enredo não o é. Faltou boas ideias.
TERROR: Fraco. Não entendi a importância do chocolate na história.
Conto interessante e muito bem escrito…Portanto de fácil leitura. Gostei da tematica de associação da ingestão de chocolates a premonições das mortes. Muito criativo.O autor (a) soube conduzir muito bem a trama retratando por vez algumas cenas fortes de uma forma suave e lírica. Porém esse romantismo talvez tenha aplacado um pouco o clima de terror que o texto deveria apresentar. Chamou-me atenção por ser uma história simples baseada na construção de uma personagem e na desconstrucao de outra…Porem a autora soube fazer disso algo muito diferenciado. Parabens
A trama traz uma premissa interessante, com a inevitabilidade da morte, as premonições. A protagonista foi bem construída.
É um texto bem escrito e bem revisado, a leitura flui com facilidade. Por outro lado, achei o tom muito ingênuo, sabe?Como naquele trecho sobre o bolo, a vida tirada da mãe… Inclusive a palavra “barriga” para mim quebrou a dramaticidade que a cena poderia ter. Aquela reação de repulsa ao suicida foi outro exemplo desse tipo. A abordagem acabou me parecendo sentimental demais, açucarada até. E isso pra mim tirou qualquer sensação de terror que o conto pudesse ter racional demais,
Há muitas repetições de “profissional demais, racional demais” num trecho curto.
Enfim, um texto interessante, com boas ideias, cuja execução, no entanto, não me agradou totalmente por não ter explorado mais o terror.
O conto está muito bem escrito, é algo que se percebe só de ler os primeiros parágrafos. As construções me soaram um pouco exageradas, dando um ar de grandiosidade que não cabe a um conto de terror, ainda mais que não trata de nada épico. Contudo gostei do conto, o estilo é envolvente, apesar de eu ter tropeçado em algumas passagens, o que me forçou a reler para entender.
Entendi que as vozes são um terror para Gabriela, pois, além de a infernizarem com uma balbúrdia em sua mente, o pior era que revelavam o porvir, e um porvir que não tem como escapar, a exemplo de Cacau. E essa passagem me incomodou um pouco, pois se falou (com exagero) que as duas passaram a ser unidas por um laço espiritual, carnal e inexplicável. Porém as duas logo se separam, enquanto a menina floresce a amiga Cacau se desvanece, como um chocolate fora da geladeira no verão. Mas eu também entendi que não poderia ser de outra forma, o que mais a menina podia fazer pela amiga? Ela já fez e, como se viu, não deveria ter feito, então por esse ângulo pode-se aceitar o afastamento de Gaby.
Entendi também que ao ingerir açúcar, Gaby conseguia se afastar das vozes, ou então entrar em melhor sintonia com elas e suportá-las melhor. No começo ficamos sabendo que ela é alérgica a coisas doces, só que essa alergia não foi mais comentada e nem demonstrada os seus efeitos em Gaby, a não ser que fosse uma alergia mental, causada pelas vozes. Já no final o milk-shake ajudou-a a distinguir uma voz, que a principio pensei tratar-se de sua mãe, mas depois fui levado a considerar ser a voz de Cacau, que pedia benção à sua mãe. Agora, Gaby escutou o contato das duas ou Cacau falava com Gaby (sendo esta sua mãe reencarnada)?
É isso, a trama tem algumas escorregadelas, mas o bom prosear ajuda a criar empatia.
Parabéns!
T (tema) – O conto está dentro do tema proposto pelo desafio.
E (estilo) – Linguagem clara, mas cuidado com a adjetivação excessiva. A forma de contar o “causo” da menina que ouve vozes funcionou bem para mim. Conseguiu prender minha atenção desde o início. Utilizar a metáfora do chocolate como algo doce, que derretido se transforma em quase uma lama, uma areia movediça que invade tudo,no caso os pensamentos de Gabriela, foi uma boa ideia. No final, já entendendo melhor todo o processo, Gabi se permite outro milkshake, mergulha nele, e não rejeita mais o chocolate, vomitando ou chorando. Inclusive o apelido de Catarina, Cacau remete ao mesmo chocolate.
R (revisão) – Não percebi erros, nada que atrapalhasse a leitura.
R (ritmo) – O ritmo do conto é bom, mantendo-se uniforme durante todo o desenrolar da trama. A leitura flui que é uma beleza.
O (óbvio ou não) – A morte de Catarina fica um tanto óbvia sim. Entendo que os hematomas que surgem ao redor do seu pescoço nada mais são do que o anúncio de seu enforcamento. A tia Drica apareceu tarde demais, pois eu logo depois da morte do pai, fiquei pensando – quem vai ficar com a garotinha? O óbvio (com algum parente) aí não ficou claro na hora certa.
R (restou) – Uma sensação de que a morte é mesmo uma sacana inevitável. Também fiquei com a dúvida quanto à benção de mãinha. Gabriela era a reencarnação da mãe de Catarina? Ou todos os mortos passam a ser parte das vozes?
Boa sorte!
Gostei da sua história, Cachorro Doce. Interessante esta ligação que você faz das vozes com o chocolate. E, mais legal, o fato de que ao sacar esta questão a garota aceita o segundo milk shake. Um conto que me gerou tensão, ou seja, que está bem escrito e bem desenvolvido. Bacana também reparar essa integração entre as duas protagonistas da história, tão forte que a saúde de uma é a perdição da outra. Parabéns pelo belo conto. Só um senão: achei um pouco forçada a entrada da assistente social na história. Acho que poderia ser melhor preparada a sua chegada. Mas coisa de somenos isto.
Um conto bem escrito e que vai logo ao ponto.
Gostei do fato de possuir apenas duas personagens, já que assim elas tiveram mais tempo de desenvolvimento. Achei interessante como elas foram sendo aprofundados conforme a história se desenrolava, o que deu uma boa fluidez para o texto.
Outro ponto positivo é a gramática, não vi nenhum erro.
Quanto aos aspectos negativos do conto: achei que faltou terror. Poderia ter ido mais fundo nesse quesito, já que é o tema do desafio.
Um texto bom, mas que não deu medo.
🙂
Não entendi bem essa calma que a menina tem em relação as mortes. Se ela viu que as vozes dizem a verdade, quando sua mãe morreu, não seria mais natural ao saber (pelas vozes) da morte do pai, que ela tentasse impedir? Chorasse, gritasse, implorasse para que ele não fosse trabalhar naquele dia? Mas não, ela, só uma criança, apenas esperou. Tirando isso, todo o conto é muito bom, li de um fôlego só. Sobre Cacau, senti uma pena grande dela. Realmente driblar a morte não é uma boa solução. Um bom drama, mas não senti terror.
Olá.
De início, pareceu-me estar a reler a primeira parte do romance A casa dos espíritos, de Isabel Allende. Também aqui a personagem principal tem visões. Gostei do desenvolvimento da história, mas achei o final bastante confuso. Consegui sentir a tensão e estabeleci uma ligação emocional com a personagem, o que só testemunha a qualidade do texto.
Enredo e criatividade – Premonição é chavão no terror, mas aqui receberam uma vestimenta diferente: são vozes dos mortos — outro clichê? Bem, o conjunto ficou interessante, a leitura fluida, a linguagem terna com a adjetivação exagerada, porém justifica o título e o pseudônimo.
Terror e emoção – O texto se enquadra no terror, mesmo minimizado pela doçura. E temi o que poderia a morte fazer por se sentir ludibriada. Personagens bem construídos, porém ficaram meio distantes do leitor.
Escrita e revisão – Nenhuma falha grave, colocações pronominais típicas da oralidade, repetições de palavras, de cognatos, de informações, falhas na pontuação, nada que fizesse o texto travar. Ao contrário, leitura prazerosa, ritmo bom.
Parabéns. Abraços.
É um conto peculiar. Uma narrativa bem desenvolvida, com uma escrita fluída, corrente. Entretanto, com muitos floreios, às vezes desnecessários, quase tão doces quanto o enredo. Cheio de palavras meladas, porém uma trama inovadora. As personagens bem construídas dão firmeza ao conto. Porém, em algumas cenas senti falta de mais algum complemento, mas que não prejudica o todo. É um conto de razoável qualidade.
# Chocolate (Cachorro Doce)
Autor(a), desculpe-me por não ter tempo para formatar o comentário melhor. Em caso de dúvida, é só perguntar.
📜 Trama (⭐⭐⭐▫▫):
– a trama correu e ficou estranha depois do incidente com o suicida
– não entendi direito a decadência de Catarina nem a relação que ela fez com a mãe
– a tia, Dona Drica, apareceu do nada na trama
– é uma ideia boa, inventiva, mas precisa ser melhor trabalhada
📝 Técnica (⭐⭐▫▫▫):
– exagerada, como na cena do corte do bolo ficou ou na morte da mãe
– adjetivada em excesso, exemplo: para uso exclusivo na convidativa lojinha de produtos da multinacional marca
– parágrafo longo, de frase única: “Haviam terminado de comer um sanduíche de atum…”
– pontuação do diálogo, exemplo: Não. Só pra você, agora. — a menina
– o narrador optou por chamar Catarina por Cacau logo depois da revelação de Gabriela… acredito que ele, para se manter distante, poderia continuar chamando-a de Catarina
🎯 Tema (▫▫):
– não achei adequado, não vi cena de terror
💡 Criatividade (⭐⭐▫):
– um mote comum, mas com algumas doses de novidade
🎭 Impacto (⭐⭐▫▫▫):
– assim como um doce com muito açúcar, no meio já estava enjoado
– a história, porém, me prendeu, queria saber onde ia dar tudo aquilo
– Catarina morrer era previsto
– o fim, com ela ouvindo a voz de Cacau, infelizmente não chegou a me impactar
OBS.: sobre pontuação no diálogo, sugiro essa leitura: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/5330279
Caro(a) Autor(a),
Achei criativo, mas sem muito terror. Isso não quer dizer que esteja fora do tema. Ele está, sim, dentro do tema. A criatividade está no doce. Que coisa… Fiquei a imaginar essa ligação. A leitura é agradável, sem entraves. Não percebi erros. Se existem, acho que são muito poucos, mas sempre vale uma revisão. Boa sorte no desafio.
Olá!
Este conto me incomodou, pq eu não conseguia discernir se gostei ou não dele. Reli agora com cuidado para anotar mentalmente o que poderia ter me afastado desta narrativa tão gostosinha de se ler!
Eu discordo de que as personagens tenham sido bem construídas… E muito menos conciliei o fato de Gabriela comer doces com a sua clariaudiência. Catarina nao tinha família, além do marido e da mãe falecida? Pq ela definharia tanto e tao sozinha e as duas nao haviam se unido numa uniao cosmica depois do incidente na praça? Entao pq Gabriela estava tao feliz ao passo que a nova melhor amiga d e infancia definhava? E Catarina fazer uma ligação para a menina na hora de sua morte?? que coisa mais tacanha e cruel!!
Ok, que eu tenho conhecimentos do espiritismo, portanto da vida após a morte que nem todos crêem e que são muitisssimo diferentes da visao q vc expôs aqui, tentei nao deixar este fato influenciar a minha visao do texto.. mas as incongruências sao muitas… nao achei coerente as vozes, a não-morte e a consequência da não-morte de Catarina.
Lá no fim do conto ela lembra que o nome de sua mãe era Gabriela?! ok, apenas foi fornecida esta informação ao leitor la no fim da narrativa, mas ficou tao artificial isso, so sorry…
Entao o enredo não me ganhou mesmo, embora a linguagem eu ache linda, poética, pesou demais no poético ´no início é verdade e depois a leitura fluiu melhor.
E apenas pra terminar a minha crítica ruim.. rsrs não vi qualquer resquício de terror aqui. As vozes nao deram medo, a não -morte nao gerou medo, o auto-enforcamento nao gerou medo.
Fiquei com mais medo mesmo foi de ver o resultado do exame de glicose desta menina 🙂
Abração e boa sorte
Olá,
A premissa do sobrenatural sempre suscita curiosidade e, nesse conto, onde há dúvida sobre se seriam vozes sobrenaturais ou não, funcionou muito bem. Concordo com os colegas quanto à dar uma enxugada nos adjetivos, que vão dar uma agilidade e concretude maior ao texto. Também sugiro que, após a morte do pai, a tia Drica seja introduzida, porque é justamente o que o leitor indaga: como fica essa criança órfã que exige a ajuda de uma assistente social. no entanto, a tia Drica só aparece ao final, o que é um descuido.
No mais, um bom texto. Boa sorte no desafio.
* vai dar
Salve, Cachorro!
Eu não li os comentários dos colegas ainda, mas imagino que alguns deles vão comentar sobre um (suposto) excesso de adjetivos, principalmente no inicio do texto. Para alguns pode ser uma espécie de exagero, mas eu sinceramente gosto desse estilo, que por vezes me remete ao do também “exagerado” H. P. Lovecraft, guardadas as devidas proporções.
O enredo é simples, mas é incrementado com boas configurações das duas personagens principais. Gaby, sobretudo, me pareceu bastante rica e plausível, embora seja uma criança recebendo premonições. Se entendi bem, inclusive, essas premonições são enviadas por vozes dos mortos, correto? Seria legal ter uma continuação para ver se ela buscaria as vozes de seus pais, um desdobramento até lógico.
Eu gostei do conto, mas não entendi de onde surgiu a tia no final. Na cena com o suicida, Gaby estava na praça com Cacau, meses após o falecimento do pai, e nada é comentado sobre uma adoção, ou sobre um tutor. A tia não deveria estar presente naquela cena, ou Cacau tinha essa liberdade de passear com a garota?
É isso! Boa sorte no desafio!
Oi,
Preciso confessar que adorei seu estilo. Limpo e direto. Algumas construções diferentes, mas nada que atrapalhasse a fluidez da história.
Achei que tudo o que deveria ser contado foi contado sem aquela gordura básica que a gente costuma ver de vez em quando (digo isso me incluindo nesse grupo rs).
O enredo é interessante…a mudança que Cacau sofre ficou otimamente desenvolvida, muito bem construída mesmo, mas acredito que morte dela poderia ser mais detalhada… acho que para mim era um momento esperado que acabou acontecendo do jeito que eu (leitor) esperava.
Você preparou o terreno tão bem com aquela tensão crescente, que nos faz ranger os dentes e acabar com as unhas premeditando a morte da Catarina, mas, no ato em si… fiquei esperando um punch que não veio.
Assim, claro que essa questão é pura e completamente de gosto pessoal, mas talvez a descrição do enforcamento em si, de Catarina agonizando com o pescoço parcialmente quebrado, ainda com um vestígio de vida, os nervos do pescoço latejando de dor e as vozes bradando na sua cabeça, sei lá… esse é o tipo de cena que me impacta em histórias como essa.
De qualquer maneira, o conto como um todo é ótimo.Também gostei bastante do final, com a descoberta de Gaby e a margem para uma continuação da história.
Parabéns e boa sorte no desafio!
Olá, Autor(a),
Tudo bem?
Se os doces realmente abrissem algum canal mediúnico em nossas percepções, acho que eu seria uma sensitiva ultra desenvolvida. rsrsrs Agora mesmo, comentando aqui, como um chocolate. Seu conto me deu fome.
Bem, deixando as gracinhas de lado, vamos ao conto.
Quando leio alguns textos, fico admirada com a criatividade dos escritores. Imaginar o açúcar como uma espécie de catalizador para a comunicação com o além é, no mínimo, uma ousadia. Construir todo o conto calcado na premissa do doce, mostra que, mais que ser ousado(a), o(a) autor(a) sabe o que quer. Arrisco dizer que o(a) escritor(a) não sendo simpatizante do gênero, buscou mostrar que, sim, pode haver poesia no terror. E há. Eu ao menos gosto de textos no qual se perceba esse tecido de palavras.
A premissa parte (ao menos para essa leitora aqui), de uma menina com poderes paranormais e capaz de intuir o momento da morte de pessoas próximas. Primeiro acontece com a mãe, depois com o pai e, anos mais tarde e já bem mais madura, com uma amiga. Incapaz de salvar a vida das pessoas que mais amava na vida, Gabriela decide salvar a da amiga. Mas isso é algo impossível. A morte, maior de nossas certezas, a única, não podendo ser driblada, perseguirá aquela que perdeu sua hora, até realizar seu trabalho.
Em minha interpretação, as vozes que a moça ouve, são as dos entes queridos daqueles que deverão levar para o mundo dos mortos. Assim, a mãe da amiga surge com força no momento de sua morte (ou melhor, no momento em que esta estava previamente marcada).
“— Mãinha tinha vindo me buscar!
A única certeza realmente certa desta vida: a morte.
(…)
— Mas eu não fui. Não fui com mãinha…”
E como um bolo que passa da hora, perdendo seu sabor, a vida da amiga já não é nada até que esta cumpra o seu destino. É isso que Carol descobre. É isso, igualmente que Gabriela entende no momento do milkshake com a tia. Ela deverá aceitar as vozes, não como algo do mal, mas como algo “natural”. E, visto que não se pode driblar a morte, tampouco adiá-la, o melhor é relaxar e aproveitar o tempo que aqui nos resta, tomando um saboroso milkshake. No caso da protagonista, com o bônus extra de poder ouvir o que há do outro lado.
Parabéns.
Desejo-lhe sorte no desafio.
Beijos
Paula Giannini
Escrita: Gostei da simplicidade. A leitura é fluída e agradável. As cenas foram muito bem construídas, os personagens são carismáticos em bem trabalhados. Só uma observaçãozinha: O leitor já sabe que a assistente social é bonita na primeira vez que o narrador revela isso; repetir isso durante o texto é errado? De maneira nenhuma. Mas repetiu tanto que incomodou um pouco. Frescura minha mesmo. hehe.
Terror: Achei que está mais para um drama sobrenatural do que propriamente o terror.
Nível de interesse durante a leitura: Fiquei totalmente envolvido com a trama até o final. Um bom final, inclusive.
Língua Portuguesa: O texto está muito bem revisado. Só tem um “explica-lo” escrito assim, sem acento no “cá”.
Veredito: Um bom enredo. Bem construído e bem desenvolvido.
Olá Cachorro Doce. Bem é um conto todo ele em torna do sobrenatural, sem dúvida, mas que em momento algum percorre as trilhas do terror – nem contado, nem proposto à imaginação.
Gostei do que li, mas irei fazer algumas críticas que poderá ignorar completamente, não apenas porque sim, como também porque não há nada a apontar quanto à sua capacidade de escrita, bem expressa e evidente.
A revisão está perfeita, encontrei palavras que desconhecia, mas admito que existam, por exemplo: “agourentavam”. Captei o significado de agouravam e não fui verificar se existe ou não, pois considero que somos livres de inventar e reinventar as palavras; e também de não as usar. E se compreendo o significado e não vou usar, para quê procurar se existe ou não?
Houve duas coisas que me incomodaram um pouco ao ler: a quantidade de adjetivos antes dos substantivos – e felizmente isso vai-se atenuando ao longo do texto, apesar de permanecer como marca até ao final e o bater muito na mesma tecla do profissionalismo e racionalidade de Cacau, algumas vezes até construindo frases com a repetição de palavras com a mesma raiz.
Se há momentos em que a inversão de que falo funciona muito bem, o seu excesso torna-se cansativo e muitas vezes até inapropriado. Só para dar um exemplo: “assustadoras baratas”. Qual o quê! Baratas assustadoras que é o que elas são! Este “adoçar” de imagens (daí o “Doce”?) retira ao conto a pouca carga de terror nele quase inexistente.
Mas se esta é a sua forma de escrever, não vou afirmar que não é válida, apenas que não se adequa ao tema do desafio. E isso é importante: todos nós escrevemos propositadamente para “Terror”. E se é certo que a maioria, eu incluída, andou longe de atingir plenamente o objetivo, também o é que tentámos. E a sua forma de narrar (suponho que não seja este o seu tipo habitual de escrita) não se coadunou ao género.
Por outro lado, gostei muito do estilo que usou de parágrafos mínimos. Dão uma força muito maior ao que se diz. Foram um excelente suporte que percorre todo o conto.
Quanto à história, é imaginativa. Penso que deixou ao critério do leitor interpretar a natureza das vozes que o povoam. Dentro do modelo “terror” (também sou bastante racional) aceito-as como manifestações sobrenaturais vindas do além.
Só não entendo porque razão o além assusta tanto as pessoas, quando quase todas preferem acreditar que existe algo mais. Se existe que seja bom. De preferência, até doce.
A história – As premonições são um clichê do terror, mas Cachorro doce trabalhou a trama de forma bastante original.
A escrita – O autor é habilidoso, sabe construir bons quadros (apesar de concordar que, em alguns momentos, a beleza da escrita chegava a ser exagerada). As personagens são profundas o suficiente para segurarem a trama.
A impressão – é curioso, mas a imagem do chocolate me causou mal-estar. Parabéns e boa sorte no desafio.
É um conto interessante. Primeiro: no sentido de que o enredo é bem original e criativo. Segundo: a escrita corre leve e progressivamente, embora em alguns momentos pareça querer explicar o inexplicável, através de frases enfeitadas de lantejoulas, ou de doces,bexigas e glacê, como assim usa o autor, em todo o corpo do texto. Usando de frases que me soaram como que dando muitas voltas para expressar o que deveria ser simples. A história é convincente e bem narrada. As personagens, Gabriela e Catarina, bem consistentes quanto à trama. Embora eu tenha sentido falta de mais alguma coisa que não estou sabendo explicar. Mas um trabalho muito bom.
Boa noite, autor (a)!
Ah, esse maldito limite de palavras… Então, a sensação após a leitura é que sobrou palavra e faltou história. Tudo condensado aí poderia ser contado em umas três laudas no máximo,
com a manutenção das antagonistas — as vozes — em alto relevo (opinião).
Bem, eu não gostei muito forma que os acontecimentos se desenrolaram, mas achei a trama bacana. Você escreve e isso é fato, mas pelo menos neste conto, há voltas e voltas e explicações que fazem o texto perder a agilidade.
Se você me permite, digo para cortar 70% dos adjetivos, pois eles acabam dando ideia de coisa grandiosa, além de travar a fluidez narrativa. E, particularmente, o conto perde intensidade (ou pelo menos eu fiquei menos interessada) quando o foco mudou para a Catarina.
Enfim, o conto inicia bem, mas pede força no decorrer dos fatos. O autor não conseguiu me fazer afeiçoar a nenhum dos personagens a ponto de me importar ou torcer por eles, e sendo assim o conto acaba e a gente (EU) não está nem tchum para a vida da Gaby ou da Catarina.
Um abraço!
Hey, por que CHOCOLATE? Por que CACHORRO DOCE? Fiquei curiosa. 😀
Impacto sobre o eu-leitor: médio.
Narrativa/enredo: jovem ouve vozes premonitórias ou spoilers da morte das pessoas. Deu certo com os pais e sua assistente social.
Escrita: boa, sem erros graves ou que dificultassem a leitura.
Construção: bom texto, bem distribuído e apresentando uma conclusão bastante criativa.
A parte do terror me cismou, pois as “vozes” ficaram bastante relegadas quando o autor preferiu mostrar mais o psicológico da protagonista. Elas existiram de verdade ou eram alucinações ? Seria um poder mental e não “vozes” sobrenaturais ? Não sabemos.
Para mim isso tirou o “medo”, digamos assim.
O conto é bem escrito e as premissas são boas, mas não senti empatia por ninguém, talvez pelas “vozes” coitadas que foram inundadas com açúcar (risos).
Olá! Segue abaixo o resultado da Leitura Crítica feita por mim em seu texto, com o genuíno intuito de contribuir com sua caminhada neste árduo, porém prazeroso, mundo da escrita:
GRAMÁTICA (1,5 pts) –> Sim, escrever é a arte de cortar palavras… Mas sem se esquecer de cuidar das que foram poupadas! Ou seja, uma boa e atenciosa revisão é FUNDAMENTAL — e não apenas para este quesito — em um texto, ainda mais em um trabalho que estará concorrendo com os de outros escritores… Por isso, caro Cachorro Doce, dou-lhe os parabéns pelo cuidado e zelo que demonstrou neste trabalho com a questão da revisão. Não encontrei nada que me assustasse durante a leitura (e encontrar o terror aqui, neste ponto em específico, definitivamente não seria boa coisa), lembrando que tenho consciência de ser bem chatinho nessa questão da revisão dos trabalhos e, mesmo assim, você conseguiu se livrar de mim nessa… 😉
CRIATIVIDADE (2 pts) –> Este é, sem a menor sombra de dúvida, o quesito MAIS IMPORTANTE (e consequentemente possuidor do maior peso em sua nota final) de todos… Gostei da abordagem, embora confesse que não tenha compreendido — acredito eu — do que exatamente se trata esta história (principalmente com relação ao título que você escolheu). Reencarnação, vozes do além, monstros diabéticos… O importante, pelo menos para mim, foi a forma (doce) que você escolheu para aterrorizar o leitor (e é isso que chamo de inovação), que acaba tomando as dores tanto da garotinha com a glicose nas alturas, quanto da assistente social que deixa até de ser mulher, de tão feia (rs!) que você, digo “as vozes”, a fizeram ficar. Parabéns!
ADEQUAÇÃO ao tema “Terror” (0,5 pt) –> Como estamos em um Desafio TEMÁTICO, não tem como avaliar sua obra sem levar em consideração este “pequeno” detalhe, rs! Assim sendo, mesmo eu o tendo valorizado apenas com meio ponto, ao final do somatório isso poderá representar a presença (ou não) de seu trabalho lá no pódio e, caso você seja uma pessoa competitiva… Não precisa se preocupar com este quesito! Vi mais terror aqui neste conto açucarado (achocolatado?) do que em alguns outros repletos de criaturas mirabolantes e monstros da Disney…
EMOÇÃO (1 pt) –> Beleza! Imaginemos que você escreveu tudo certinho… Sem erros de pontuação, acentuação, troca de caracteres, conjugação, sentido… Teve uma belezura de ideia para a sua história; inovadora, inédita, daquelas que só vislumbramos em nossas mentes uma vez na vida… Tudo dentro do tema proposto pelo Desafio e tal… Pronto! É pódio na certa, correto? Bem… Não se eu DORMIR durante a leitura do seu conto! Ou preferir parar novamente de ler o seu texto para, após já ter agendado a consulta anual com o proctologista, decidir marcar a extração daquele dente sobrando lá atrás da boca… O que, definitivamente, NÃO aconteceu aqui (ufa!, te assustei agora, hein autor/a…)! Li de uma só vez sua história e a curti bastante, principalmente pela forma doce, quase poética, que você decidiu contá-la; mas confesso que um pouco mais de tensão ou rapidez para os acontecimentos chegarem aos seus ápices poderia resultar em um impacto mais forte ao final da leitura. #Ficadica! 😉
ENREDO –> Se você for bom em Matemática (como aliás todo escritor de ficção gostaria de ser…), vai ter reparado que a soma dos pontos totais dos quesitos prévios já atingiu o limite de pontos da nota máxima a ser atribuída aos trabalhos do presente Desafio (5,0), conforme as regras estipuladas pelo nosso Anfitrião aqui no EntreContos! Portanto, como já levei em conta o Enredo da história ao avaliar (e notificar) a Criatividade da sua obra, este quesito aqui será utilizado apenas para demonstrar que eu, enquanto avaliador, li realmente o seu texto… Sua história conta o crescer de uma garotinha gulosa que ouvia vozes premonitórias e que perde seus pais. Viciada em chocolate, após tornar-se órfã, faz amizade com uma assistente social que ela decidiu salvar a vida, mas que também acaba morrendo (se suicidando), após enlouquecer, e vai parar (pelo que entendi) dentro da cabeça da garotinha, juntando-se às demais vozes.
Boa sorte no Desafio!
Nota Máxima: 5,0
Sua Nota: 1,5 + 2,0 + 0,5 + 0,5 = 4,5
Caro Cachorro Doce,
como se já não bastasse termos um Cão de Palha, temos também um Cachorro Doce.
Caríssimo, o que vou dizer tem o objetivo apenas de expressar o meu sentimento quando li o seu conto, talvez passar esse sentimento e, se for o caso, se isso se mostrar de algum valor e proveito, tirar alguma coisa de útil daí. Se não for assim, se parecer que sou um cara implicante, esqueça.
Confesso que durante a leitura fui tendo um sentimento de que estava diante de um imenso pote de doce de leite e que cada parágrafo era uma colherada que eu dava.
Explico: você adotou um estilo – cada um tem o seu e isso não se discute nem há qualquer problema nisso – que fazia com que cada substantivo parecesse buscar o esplendor e a grandeza de um adjetivo ou de um advérbio. Isso me cansou. Mostro porquê:
– “As vozes tornaram-se tão intensas e assustadoras que explodiram, em uníssono, todas as coloridas bolas previamente fixadas no enfeitado teto. Bem acima da mesa onde o derradeiro bolo, feito com muito carinho e cuidado, tinha a primeira fatia cortada bem fininha e oferecida à menina por sua já saudosa mãe.”
– “A idiossincrasia deu-se com o recheio de morango se espalhando pelas bordas da bandeja, como um mar de rubra intermitência a lhe afogar o coração.”
– “Poucas horas mais tarde, um brilhante objeto de aço, perfurante, invadia o estômago de sua genitora e fazia jorrar, como um chafariz de sangue, a vida de dentro daquela barriga.”
Anotei outras frases e parágrafos mas acho que com esses três me fiz entender. Poucas palavras poderiam dizer que a mãe foi esfaqueada e o sangue jorrou; que lhe afogava o coração ver o recheio de morango; que curiosamente os balões estouraram a um só tempo. Sei lá, algo assim. Fiquei com a sensação de que o texto era um piloto que me levava do Rio até São Paulo numa sucessão de loopings intermináveis.
Notei também alguns problemas de circunvoluções – pra ficar no clima – lógicas. Cito duas: “… dessa certeza com respeito ao incerto…” e “…o que Cacau não sabia – nem poderia saber – era o que Gaby não lhe dizia.”
O que estou dizendo com tudo isso é, com certeza, que não há nada errado com seu estilo, salvo se o leitor não estiver afinado com ele. A simplicidade na linguagem tem um valor imenso, infinito, pois agarra o leitor, que não se sente passeando por termos e frases que estão ali como se escritas em neon. Dói as vistas.
Boa sorte com o desafio e obrigado por nos deixar conhecer seu conto.
“O seu santo nome”… É. Não brinque com a palavra amor…
Gostei muito do conto. Traz um enredo de sobrenatural, premunição, desassossego. O texto, apesar de desafiar o terror, tem uma imensa carga de ternura, de quase pureza. Narrativa com fluência, serena, não há um crescente suspense. O autor constrói frases bonitas, faz descrições cuidadosas, tece uma ambientação que prende a atenção do leitor:
“Tornou-se uma mulher feia. E, na sequência, tornou-se apenas feia.”
“Para a morte, os escolhidos são infringíveis.”
Não há deslizes de linguagem que atrapalhem a leitura. A narrativa tem estrutura, tem nexo, é bem costurada. Um bom conto.
Boa sorte, Cachorro Doce!
Foi um bom trabalho.
Ao contrário de alguns contos que já li até o momento, esse obedece algo que, embora não seja indispensável ao conto, é tido como fundamental por muitos, dentre os quais não me incluo: a pouca quantidade de personagens. A rigor, duas, ao lado de personagens “figurantes”. O importante, sendo pouco ou muitos personagens, é eles serem importantes no todo.
Tanto Gabriela quanto Cacau são bem construídas, e o narrador em terceira pessoa mostra de maneira bem firme as transformações pelas quais ambas passam. Nesse particular, merece destaque a personagem Cacau, cujo perfil psicológico foi virado do avesso sem, contudo, perder sua consistência. A racionalidade profissional cede ao que consideramos irracional.
Esse processo pelo qual passa Cacau é um desmonte. A racionalidade pragmática é uma fôrma que nos impede de enxergar muitas coisas pertencentes a outra lógica. É algo tão endurecedor que sair dela pode significar a morte. Seja simbólica (a personagem perde credibilidade profissional), seja “real” (ela se suicida). No entanto, essa morte “real” é também simbólica, na medida em que a personagem se despe do engessamento e passa a existir em outro plano.
Fica uma dúvida, felizmente não esclarecida: Gaby é de fato a reencarnação da mãe de Cacau ou é uma impressão desta personagem, em função de aquela ter-lhe dito num momento crucial o apelido de infância? É que o fato de Gaby ter dito o apelido pode ser por obra e graça das vozes, não do espírito materno reencarnado. Essa penumbra, contudo, ilumina o texto.
Na construção frasal há algumas inconsistências. A principal, talvez, esteja no uso imoderado dos adjetivos anteriores aos substantivos. Claro, é um recurso muito usado em literatura, em função do efeito de beleza estética e de cadência, mas é preciso tomar cuidado para não parecer exagero. Dois exemplos: “[…] convidativa lojinha de produtos da MULTINACIONAL MARCA” e “Alguns dias depois da FARTA PÁSCOA que tiveram […]”.
Há pelo menos duas informações que aparecem repetidas: a excessiva racionalidade de Cacau (três vezes) e o fato de que “ela deveria ter morrido naquela tarde” (duas vezes). O recurso da repetição funciona muito bem quando é equivalente a um tambor numa orquestra, ou seja, é pontual e é claramente perceptível sua função no todo. Um exemplo disso é o conto concorrente “Como nascem os monstros”, em que a palavra “click” exerce tal função. Em “Chocolate”, creio, isso não se deu, ficando as repetições sem expressão estética.
Em “[…] capacitada demais para ser capaz de […]” a aproximação dos termos cognatos CAPACITADA e CAPAZ poderia ter sido evitada.
Em “[…] por exemplo, o que as vozes na verdade, e de fato, lhe disseram naquela tarde […] há uma redundância em NA VERDADE e DE FATO.