Em meio aos gritos, José Vaz segurou com força o braço do filho, Miguel. Não conseguia vê-lo, mas por nada neste mundo soltaria o braço do menino. Sob a noite sem estrelas, duzentas pessoas se amontoavam em um barco à vela, de madeira, cuja capacidade prevista não ultrapassava cinquenta ocupantes. Um dos contrabandistas mandou que calassem a boca, que parassem de se mexer, pois do contrário a embarcação poderia virar. Algumas mulheres reclamaram. Pelo sotaque, deveriam ser de São Paulo. Uma delas, engolindo o choro, dizia não sentir as pernas. O contrabandista soltou um xingamento entre os dentes, chutando a mulher e ameaçando jogá-la no rio.
Por alguns minutos, a embarcação ficou em silêncio. José sentia os dedos pequenos do filho entrelaçados aos seus. Queria lhe fazer um afago, mas isso era impossível. Devia dar-se por contente por senti-lo assim próximo.
“Tudo bem?”, sussurrou.
“Tudo, pai. Eu tô bem…”
A ondulação do Prata jogava o barco acima e abaixo, de um lado para o outro, como um dado dançando ao cair sobre o tabuleiro. Outro contrabandista dissera há pouco que aguardavam uma embarcação maior, para onde todos seriam transferidos. Só então prosseguiriam. Muito tempo havia se passado, contudo, fazendo com que a noção das horas se esvaísse qual areia de um punho fechado.
“Pai…”, disse Miguel, a voz como o sopro de um canarinho.
“Sim, filho?”
“Eu tô com fome…”
Não comiam nada desde que haviam chegado à praia, em Colônia, ainda pela manhã. José havia escondido dois pacotes de biscoitos sob a camisa. Não queria que outras pessoas percebessem que tinham comida. Mas agora estava escuro, ninguém notaria. Lentamente, apanhou um biscoito e o entregou ao menino.
Talvez passasse das onze, imaginou José. Mas bem podia ser madrugada… Tinha o direito de imaginar que Buenos Aires estava próxima? Quem sabe a uma ou a duas horas dali? Deus, onde está esse maldito barco?
Ouviu alguém vomitar. O odor nauseabundo e amargo logo se espalhou, conclamando outros passageiros a sucumbir ao enjoo. José percebeu quando um líquido quente escorreu por seu colete. Graças a Deus tinham um colete, ele e Miguel. Muitos ali não conseguiram arcar com o preço. Velhos, mulheres e crianças sem qualquer proteção a não ser as roupas que usavam. Se o barco virasse, muitos morreriam, como aliás era comum. Mas não ele e seu menino. Estavam seguros. Seguros.
Alcançou outro biscoito ao filho. Depois deu-lhe um gole d’água.
Podia perceber o medo das pessoas pelos sussurros que serpenteavam as sombras. Gente de São Paulo, do Rio e até de Pernambuco tentando disfarçar a angústia com palavras de incentivo. “Vai dar tudo certo”, dizia alguém. “Estamos quase lá”. “Na Argentina é vida nova”.
Mais chutes e mais ameaças.
Cada um ali havia pago cerca de mil dólares americanos aos contrabandistas, acreditando – ou ao menos querendo acreditar – que o sacrifício valeria a pena, que teriam uma nova chance ao atravessar o Prata. Com José não era diferente. Por Miguel, certamente valeria.
***
Em treze de maio de 1940, José Vaz chegou em casa mais cedo. Miguel contraíra um resfriado deixando Regina apreensiva. Dizia que seria melhor levar o menino a um médico, que ele estava fraco e perdendo peso. Quando José entrou, o filho veio correndo em sua direção, o sorriso banguela e o nariz escorrendo. José o tomou nos braços e perguntou se estava tudo bem. O menino fez que sim, com aquela convicção inocente de quem tem certeza de tudo. De algum cômodo no interior da casa Regina disse: “Só mais cinco minutinhos e podemos ir.”
Foi quando José ouviu alguém batendo na porta. Uma batida impaciente. Já sabia o que era. Testemunhara vizinhos passando por situações semelhantes. Colocou Miguel no chão e girou a maçaneta. Lá estavam os policiais.
Até há algum tempo, era improvável que a situação política do país se deteriorasse a passos tão largos. Campinas era muito longe de São Paulo, quiçá do Rio de Janeiro. Era uma cidade pacata e sonolenta, pontilhada por casas pequenas, lar de gente reclusa. Por que alguém se interessaria por um lugar assim? Até que começaram os interrogatórios, as prisões para averiguação. Alguns vizinhos haviam sido levados pelos agentes, passando dias sem poder se comunicar com suas famílias. Agora chegava a sua vez.
Após as apresentações de praxe, deixou Miguel e Regina na varanda, entrando na viatura, sem sobressaltos. Por sorte, não fora agredido pelos soldados na frente da esposa e do filho. Seguiu com outros três detidos até um barracão na periferia da cidade, próximo ao terminal ferroviário, onde havia mais presos. Procurava racionalizar o motivo de sua detenção. Jamais havia se manifestado politicamente, muito menos contra o governo. Embora soubesse que milícias se organizavam em diferentes pontos do território, espalhando panfletos com palavras de ordem visando à derrubada do Presidentes, sempre fizera questão de manter os ouvidos fechados. Não queria saber, pura e simplesmente. Não era com ele. Que o deixassem viver seus dias em paz.
***
Enfim, o segundo barco chegou, vindo de um lugar incerto. Pelos fachos de lanterna disparados de forma errática, dava para ver que se tratava de uma embarcação de fato maior, também à vela, porém com dois mastros. Já havia pessoas a bordo. Aos poucos, todos foram comprimidos na nova embarcação, em meio a pontapés e empurrões. Em uma situação normal, seria impossível acomodar tanta gente num barco como aquele, mas à luz do desespero, isso não passava de mero detalhe.
Por um segundo, José viu o rosto do filho, a expressão séria demais para quem contava com apenas oito anos. Seguramente, o menino já não acreditava em finais felizes. José envolveu-lhe o pescoço com o braço livre e sussurrou “estamos juntos”, uma prece destinada muito mais para si mesmo. O abraço em retribuição veio em seguida. “Estamos, sim.”
Acomodaram-se no canto, próximo à amurada, comprimidos como dedos em um sapato pequeno demais. Há quanto tempo tentavam fugir? Um ano e meio? Dois? José lembrou-se de casa. Tudo o que havia sobrado era a chave da porta em seu bolso. O resto da construção fora mandado pelos ares depois de um bombardeio das tropas leais ao Presidente.
Apoiado na beirada do bote, José teve um vislumbre de seu reflexo nas águas turvas. Veio à mente a imagem de Regina. Balançou a cabeça. Não adiantava pensar nela. Precisava se concentrar em Miguel.
***
Os detidos haviam sido agrupados no centro do barracão, todos sentados com as pernas cruzadas e as mãos estendidas sobre os joelhos, com ordens expressas para não se mexer. Não tardou até que um caminhão se aproximasse e um soldados surgisse empunhando uma mangueira de incêndio, encharcando a todos com jatos violentos e intermitentes, em meio a gargalhadas de outros sujeitos uniformizados.
Ensopados, os detidos foram levados em grupos para outro local ao entardecer. Alguns passariam os próximos dias em interrogatórios. Outros seriam privados de sono. Outros, ainda, sofreriam eletrochoques e espancamentos.
Em geral, a polícia buscava informações sobre Plinio Salgado e seus seguidores. Desde a Revolução de Novembro de 1935, com a morte de Getúlio Vargas e a assunção do poder por Luís Carlos Prestes, os Integralistas haviam sido banidos e colocados na ilegalidade. Reagindo, passaram a promover ataques a prédios do governo e a instalações militares, chegando a incendiar o Forte de Copacabana. Haviam se estruturado como força paramilitar e, em 1937, conquistado o território do Mato Grosso, prometendo libertar o restante do Brasil do que chamavam “jugo comunista”. Em tempos recentes, suas operações se tornaram mais ousadas, com a instalação de células de apoio em locais próximos dos grandes centros.
Até então, José considerava isso tudo um exagero, uma desculpa para que Prestes declarasse Estado de Sítio. Os homens de Plínio Salgado dificilmente teriam condições de atacar São Paulo ou o Rio de Janeiro. Pareciam conformados com o controle exercido ao redor de Cuiabá, ainda que os jornais divulgassem manchetes sensacionalistas vaticinando a guerra iminente. “O inimigo está entre nós”, costumava alertar O Globo.
Passou cinco noites com as mãos amarradas à retaguarda de uma cadeira pequena demais para seu corpanzil de 1,80m e 90 quilos. Os braços latejavam e adormeciam em espasmos insuportáveis. A agonia era tanta que ele não conseguia distinguir se estava sonhando ou acordado. Três homens vieram interrogá-lo em intervalos irregulares, simulando afogamentos e repetindo perguntas que ele não sabia como responder.
***
O sol demorou a surgir, como se, incerto, preferisse avaliar a amplidão opressora do rio antes de se esparramar sobre as águas. O calor tímido se derramou em ondas breves, por fim iluminando os rostos assustados daqueles que se apinhavam na embarcação. Expressões fechadas estampando rostos vincados e barbas malfeitas.
Ao lado de José, Miguel dormia, os braços cruzados sobre o peito, as pernas encolhidas e o semblante ainda contorcido. Havia muitas crianças no barco, agora percebia-se, muitas delas sem coletes salva-vidas.
Ofuscado pelo reflexo do sol, José enxergou um dos contrabandistas, um rapaz que provavelmente não contava com a metade de sua idade e cujo rosto era protegido por um lenço axadrezado. Tinha um fuzil mauser a tiracolo e esquadrinhava o horizonte usando um binóculo.
A embarcação flutuava feito rolha no vai-e-vem da maré. Ao longe, outros contrabandistas conversavam em castelhano e apontavam para o vazio. Talvez esperassem notícias de la guardia costiera. Sim, podia ser isso, José pensou forçando o otimismo goela abaixo. Os argentinos viriam resgatá-los, como ocorrera com outras embarcações. Podia ver essa esperança nos olhos das pessoas, o desejo de que se materializasse no horizonte um barco grande e com sirenes, trazendo uma dúzia de com botes salva-vidas a reboque. Todos explodiriam em alegria, gritando “Ar-gen-tina! Ar-gen-tina!”
Adormeceu.
***
“Precisamos ir embora daqui”, disse a Regina, quando foi liberado. “Campinas não é mais segura.” Para onde iriam, ela perguntou. “Piratini”, foi a resposta óbvia em meio a ombros encolhidos. Uma sombra riscou o semblante da esposa. “Eu sei…”, disse José. “Mas de lá podemos atravessar o Prata até Buenos Aires.”
“Tenho medo do Piratini… Talvez até mais do que do nosso próprio governo”, disse Regina.
“Não temos opção…”
“Não confio em Veríssimo… Aqueles discursos entusiasmados sobre a Guerra dos Farrapos, as estátuas em homenagem a Bento Gonçalves… Não me convencem. Escritores são péssimos presidentes.”
“É isso ou nadar até a África.”
“E Miguel?”
“Ora… É preciso responder?”
Deixaram Campinas no início de junho, vendendo a casa por um valor irrisório, mas o suficiente, imaginou José, para chegarem à capital argentina.
Tomaram um ônibus da Cometa com destino a Laguna, já no extremo sul do país. Percebiam pelo semblante dos passageiros, que muitos, como eles, se adiantavam, prevendo o pior dos cenários. Quando os Integralistas atacassem, as fronteiras seriam fechadas e deixar o país seria praticamente impossível. Em Laguna conseguiram passaportes falsos. O sujeito que providenciou os documentos, um rapaz magro como um espanador de pó chamado Sebastião, garantiu que não teriam problemas para entrar no Piratini.
“Aproveitem enquanto é tempo.”
A fronteira era guardada com um forte aparato militar. Apesar das relações amistosas entre o Brasil e a República do Piratini, as ameaças integralistas se faziam sentir além, em diversos países. Não obstante, José, Regina e o pequeno Miguel passaram pela imigração sem muitas perguntas. À saída do edifício, viram-se saudados por uma enorme estátua de Davi Canabarro, onde se lia: “Mártir da Independência – 1840.”
***
José trabalhava na lavanderia de um hotel de Porto Alegre quando ouviu a notícia de que os Integralistas haviam atacado simultaneamente Recife, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Reservistas foram convocados pelo Ministro Góes Monteiro. Era a guerra.
Em poucos dias, os combates avançaram com o uso de artilharia. Cidades suspeitas de abrigar Integralistas foram arrasadas. Cidades como Campinas. Páginas do Zero Hora reproduziam as imagens da destruição e das pessoas em fuga. Veríssimo mandou fechar as fronteiras. Todos os brasileiros deveriam se apresentar às autoridades para controle.
“Você precisa pegar sua família e ir embora daqui”, avisou o chefe de José, um homem atarracado chamado Renato. “O presidente vai apertar o cerco contra os imigrantes por causa dessa situação… Quem não estiver com tudo em dia será deportado…”
José não tinha visto de trabalho. Seus documentos eram falsos.
“Aqui…”, disse Renato, entregando-lhe um envelope.
José abriu e retirou de lá três passaportes Nansen.
“É para apátridas”, disse Renato. “Isso pode ajudar a conseguir asilo em Buenos Aires.”
Era a hora. Não tinha dinheiro bastante para pagar a travessia, mas não havia escolha. Negociaria com os contrabandistas no sul. Talvez os convencesse, talvez não. A única certeza era que não poderiam mais ficar ali.
Chegou em casa pronto a dar a notícia. Encontrou Miguel sentado à mesa.
“Onde está sua mãe?”, perguntou-lhe em um só fôlego.
“Não sei… Ela ainda não chegou… Eu fiquei sozinho até agora…”
Temeu pelo pior. Regina podia estar apenas atrasada. Ou podia ter sido levada do local em que trabalhava pela polícia. Se fosse isso, era provável que viessem atrás dele. E do filho. Sem pensar, juntou algumas mudas de roupas e todo o dinheiro que tinham.
Escondeu-se na casa de Renato por três dias. Regina não apareceu. José sabia, claro, onde ela estava. O que fazer, então? Entregar-se e juntar-se a ela para ser deportado para um Brasil em guerra, onde seriam suspeitos naturais de pertencer às hostes integralistas? O dilema lhe corroía os ossos, mas sabia o que deveria fazer.
***
Se o general Rosas não tivesse perdido as províncias de Corrientes e Entre Ríos para Solano López no Guerra contra o Paraguai, a travessia para Argentina seria muito mais fácil. Porém, foi esse revés que, de alguma forma, colocara os argentinos nos eixos e, meio século depois, lhes garantira o epíteto de “Jóia da América Sul”.
José e Miguel subiram num pequeno ônibus alugado, juntamente com cinquenta pessoas, desde Montevidéu. O destino era o pequeno povoado de Colônia, cuja geografia privilegiada permitia o acesso mais rápido e seguro a Buenos Aires. Pelo menos era do que os contrabandistas se gabavam. Todos no ônibus queriam acreditar nisso, preferindo esquecer a extorsão que sofriam por um lugar em um barco qualquer e ignorando as notícias cada vez mais corriqueiras sobre acidentes e mortes na jornada.
“Mamãe vai ficar bem?”, perguntou Miguel, a voz pequena driblando a rouquidão do motor do veículo.
“Vai, filho”, respondeu José. “A gente traz ela depois.”
No fundo, não acreditava em milagres. Mas tudo valeria a pena se chegassem ao outro lado. Por Miguel.
***
Foi despertado por gritos ao longe. “Terra!”, Miguel disse, sacudindo-lhe os ombros e apontando para o horizonte. Esfregando a vista, José percebeu a praia a uns trezentos metros de onde estavam. Pessoas se abraçavam, alvoroçadas. A salvação diante dos olhos. O local parecia deserto. Não havia polícia ou barco de resgate, mas certamente poderiam avançar até lá.
Um grupo de homens começou a remar com as mãos, no que foi seguido por outros. No afã de chegar ao destino, fizeram o barco girar. Os contrabandistas reagiram com chutes empurrões, levantando os incautos pela camisa e atirando-os contra outras pessoas. De todo modo, a ondulação ganhou força e o barco ameaçou adernar. José segurou Miguel junto de si, certificando-se de que o colete salva-vidas estava bem apertado.
“Aconteça o que acontecer, não saia de perto de mim”, disse ao menino. O filho fez que sim com a cabeça, agarrando o braço do pai.
Duzentos metros agora. Entravam na área de pré-arrebentação, com o barco subindo até a crista e espatifando o casco no cavado da onda. “Vai virar!”, alguém gritou. “É melhor pular na água”. Uma série jogou o barco para cima e para baixo, levando alguns dos passageiros ao mar. Gritos de incentivo se seguiram: “Nadem! Não desistam!” Entre uma e outra onda podiam ver os braços se agitando na superfície. Talvez nadassem de fato, mas podiam estar se debatendo simplesmente, afogando-se.
“Pai”, disse Miguel, “tô com medo.”
“Não se preocupe. Confie em mim”, respondeu o pai, sem disfarçar a apreensão. A praia tão próxima e ainda assim distante.
“E se a gente cair?”, perguntou o menino, as sobrancelhas em arco.
“Temos os coletes!”, disse José piscando um olho, o sorriso forçado ferindo-lhe o rosto.
Outra vertigem. Agarraram-se às amuradas e às pessoas que os cercavam, até que o barco virou.
A água fria do Prata o envolveu instantaneamente, os movimentos travados pela roupa pesada. Miguel, onde está Miguel? O desespero invadiu-lhe o coração. Procurou chegar à superfície, lutando contra o embotamento dos sentidos. Só então percebeu que o colete não funcionava. Não funcionava. Era falso. Filhos da puta!
Miguel? Miguel não sabia nadar! Meu Deus, alguém ajude meu filho!
Homens, mulheres, velhos e crianças lutavam para permanecer na superfície. Entre as ondulações, a praia se descortinava, convidativa, inatingível. Desesperadas, os passageiros ao mar subiam uns sobre os outros, na esperança de ganhar tempo e ar.
“Miguel!”, gritou José. “Miguel!”
Livrou-se do colete e do casaco. Mergulhou. A água barrenta era quase opaca. Tateou às cegas, sem sucesso. Não era justo… Depois de tanto tempo, depois do vislumbre de uma nova vida. Por que o barco estava tão cheio? Mergulhou de novo. E de novo. Com a cabeça fora d’água, percebeu que alguns dos imigrantes chegavam à margem, desabando de cansaço.
Não queria encarar a verdade. Miguel não sabia nadar. O colete era inútil. Com as roupas encharcadas, jamais o filho conseguiria chegar à superfície. Jamais conseguiria… Mesmo assim, mergulhou uma vez mais. De que adiantava permanecer vivo? Qual a razão de encarar o futuro? Um futuro solitário, sem sentido…
“Miguel…” disse, as lágrimas aflorando. “Por quê?”
Nadou na direção da praia. Exausto, deixou-se cair na beira, onde as águas avançavam e recuavam suavemente. Ouviu gente chorando. Outros gritavam em desespero, amaldiçoando a jornada infame.
Como pôde? Como pôde?
Sucumbiu ao cansaço, por fim.
Sem que pudesse precisar quanto tempo depois, sentiu o gosto acre do estômago vazio. Tinha o rosto coberto de areia. Tentou abrir os olhos, mas o sol o cegou por um instante. Quando recuperou a vista, deparou com Miguel.
O menino sorria e lhe estendia a mão.
“Vamos, pai?”
Fiquei com vontade de chorar no final do texto, quando ainda faltavam algumas linhas. Só não chorei porque não estou em casa hahahah se estivesse, as lágrimas seriam certas.
A RHA é muito bem explorada e explicada, inclusive, conseguimos sentir na pele os sentimentos dos protagonistas, principalmente o do pai preocupado.
A história me prendeu do início ao fim, e a narrativa é muito bem escrita, deu gosto ler um conto tão bem desenvolvido. Achei só umas duas ou três bobeirinhas bem “inhas” mesmo, como “um soldadoS”.
As cena entrecortadas funcionaram muito bem. Fiquei me perguntando o que tinha acontecido com a “mãe”, o que só foi narrado quase no final, aumentando o meu nervosismo, rs.
Algumas frases meio poéticas são belíssimas, enriquecendo ainda mais o texto.
Só posso te dar os meus parabéns e torcer para te ver no pódio. Abraços!
O conto já começa bem, apresentando uma técnica descritiva muito boa, vívida, com profusão de cenas e cenários. A riqueza de detalhes produz um estilo próximo da perfeição. O final é estilo “Lost”, mas é muito bem feito.
Só acho que vocẽ pegou muito leve com o Prestes. Se ele tivese chegado o poder, o Brasil teria afundao como a Atlãntida (opinião pessoal, brincadeira).
Oii… puxa, parabéns pelo trabalho, o conto está muito bom e desperta o interesse logo no início, contando a história em flashbacks! O autor soube ser bem realista e o legal é que foca em uma pessoa comum que só quer salvar o filho… é bem triste essa travessia, e o título pode significar tanto a travessia do rio quanto da vida pra morte, depois que o barco vira… muito emocionante e envolvente, escrita perfeita!
Conto muito interessante em flashbacks. Enredo interessante envolvendo desde uma fuga alucinada pelo rio da prata para a Argentina, passando pela guerra do Paraguai, voltando sempre à fuga. Muito bem escrito e gostoso de ler apesar do final triste.
Oribe,
Excelente obra!
Linhas escritas esmeradamente e com construções gramaticais bem elaboradas. Os flashbacks serviram para contextualizar a história e conferir um cenário desesperador decorrente das agruras de uma mudança político-ideológica no país.
O povo é quem sofre, sempre.
Acredito que o pai e o menino morreram e se encontraram em alguma outra existência.
Meus parabéns.
Muito boa sorte no desafio.
Excelente conto!
RHA concisa, flashbacks muito bem amarrados.
Metáforas e (principalmente!) emoções muito bem exploradas pelo autor.
É um texto denso, mas sem perder a leveza.
Parabéns Oribe!
Olá, Oribe,
É muito bom ter a oportunidade de ler um conto de alta qualidade e, ao mesmo tempo, poder entrar em contato com o autor.
Adorei o seu texto. As mudanças entre o momento atual e os flashbacks ficaram na medida. Da mesma maneira, achei muito interessante que você conseguiu contar uma história sem, no entanto, explicitar o que aconteceu mesmo com os membros da família. (Não sabemos ao certo se a mãe morreu, se o menino morreu e, por fim, se o pai também está morto ou não!) Fica tudo para a interpretação do leitor, mas, sem perder a consistência do texto. Gostei muito.
Parabéns!
Olá, Oribe. Esta é minha nona leitura no desafio.
Observações: devo admitir que foi o melhor conto, em minha opinião, até agora. É o tipo de escrita que nos desperta certa inveja (principalmente diante da minha dificuldade de criar personagens profundos e situações emocionantes). Parabéns pela obra. O relacionamento entre pai e filho, expostos a uma situação extrema como a narrada, é realmente emocionante, principalmente pelo modo como um tenta dar força ao outro.
Destaques: gostei muito da intercalação das duas faces da história. Ao mesmo tempo em que queria saber o que aconteceria com o barco e seus tripulantes, a ausência da mãe gerava uma angústia tremenda e só poderia ser explicada voltando ao passado.
Sugestões de melhoria: fora uma breve revisão para corrigir questões como “do Presidentes”, este conto me parece perfeito. Aliás, não sei se melhoraria ou pioraria o conto, mas senti uma necessidade de mais detalhes sobre o final da mãe.
Parabéns, mais uma vez, e boa sorte no desafio.
Prezado escritor: para este desafio, adotei como parâmetro de análise um esquema PTE (Premissa, Técnica e Efeito). Deixo aqui minhas percepções que, espero, possam contribuir com a sua escrita.
PREMISSA: amigo, no seu caso não é premissa, são (várias) premissas! Tantas e tão diferentes que a RHA é praticamente desfigurada pelos diversos eventos históricos alternativos. E, principalmente, como boa literatura, mostra uma alegoria, um reflexo da atualidade, que nos faz refletir sobre o que está acontecendo no mundo.
TÉCNICA: segura e firme, em alguns momentos apenas os diálogos resvalam para o piegas. Mas a arquitetura da história é fantástica e a construção do clímax, muito bem feita.
EFEITO: ótimo resultado, um conto para guardar na memória como referência. Parabéns!
Esquecendo o ano referido no texto e o local, para mim, aqui em Portugal é um texto atualíssimo. O texto para além de muito bem escrito, apresenta muito bom domínio de técnica. Muitos parabéns pelos cortes temporais e pronto só reforçar os parabéns, “Vamos Oribe?”
Olá. O conto é muito competente e extremamente bem escrito. Quando li o primeiro parágrafo, já percebi que seria fácil de ler.
A grande sacada do conto foi martelar na cabeça do leitor a relação pai e filho. Considero como pontos chave a cena no passado, em que José chega em casa e encontra a criança doente e as situações no barco. Cenas bem naturais.
Somente com esse martelamento, a emoção do final funciona. As mudanças históricas aqui estavam bem interessantes, e sinceramente, deu muita vontade de saber o que aconteceria quando os personagens chegassem a terra firme. Porém, o conto acaba ali. Eu já esperava uma tragédia, mas mesmo assim fiquei meio tenso quando o cara diz que os coletes eram falsos. O conto acaba com o emocionante momento, mas mesmo assim fiquei meio: e aí? Acabou?
Acredito que botar um parágrafo explicando o que aconteceu depois podia dar ao conto uma cara de fim de filme, quando aparecem letreiros dizendo o fim dos personagens (entendo se o autor não quis arriscar isso, pode ficar meio trash mesmo), e também mergulharia por água abaixo a tentativa de tornar o final aberto. Apesar de eu achar que o menino estava sim vivo, e preferir assim. Mas eu fiquei encucado com o que viria depois. Queria um desfecho concreto para a saga de tão bacanas personagens. Mas beleza, isso não tornou o conto ruim de forma alguma. Um texto muito massa, de quem sabe o que faz.
Parabéns.
Olá, autor! Um conto muito bom, que talvez tenha sido um dos que mais trouxe RHA desse desafio. Gostei da tensão gerada pela situação desesperadora em que os protagonistas estavam e das descrições. Acho que faltou alguma coisa para o final do conto poder ser entendido como aberto, uma palavra ou outra que mudasse talvez deixasse isso como evidente. De resto, um enredo executado com bastante competência. Parabéns e boa sorte no desafio!
Minhas impressões de cada aspecto do conto (antes de ler os demais comentários):
📜 História (⭐⭐⭐⭐▫): muito boa, intercalando com sucesso dois momentos distintos. A parte que contava do passado só ficou un pouco corrida na parte de Piratini, acabou sobrando informação. O resto, principalmente a parte da travessia que dá nome ao conto, ficou muito bom. A última parte teve emoção na medida certa e o final me arrancou um grato sorriso (a gente sempre espera o pior em um conto).
📝 Técnica (⭐⭐⭐⭐▫): muito boa, narra con facilidade de um profissional e contém algumas boas cenas com ar poético. Encontrei só alguns errinhos bobos revisão:
▪ derrubada do Presidentes (Presidente)
▪ um soldados (soldado) surgisse
▪ no (na) Guerra contra o Paraguai
💡 Criatividade (⭐⭐▫): algumas partes são clichês, como o barco lotado de imigrantes, mas ganha pontos pela RHA pensada.
🎯 Tema (⭐⭐): Getúlio Vargas morreu, Prates assumiu o poder, criando uma ditadura tão ruim qto seu antecessor. O Sul conseguiu sua independência. E o Paraguai venceu a guerra.
🎭 Impacto (⭐⭐⭐⭐⭐): a última cena no conto vale todas as estrelas! Fiquei apreensivo, me peguei segurando o ar. Em algum momento estava triste, aceitando o final trágico. A última frase trouxe novamente luz pra minha alma tão amargurada pelas últimas notícias. Acho que estamos precisando de mais finais felizes… 🙂
💬 Destaque: “O sol demorou a surgir, como se, incerto, preferisse avaliar a amplidão opressora do rio antes de se esparramar sobre as águas.”
o conto travessia é muito envolvente, a relação de José com miguel é muito bonita , e traz sentimentos fortes, o conto soube explorar bem isso , é realmente emocionante o final , que conseguiu fechar com chave de ouro, pois o final aberto encaixou. enquanto a gramatica e a linguagem fora muito bem trabalhadas, o conto é claro e coeso, só uma vez que o narrador passa de primeira para terceira pessoa ( ” Miguel? Miguel não sabia nadar! Meu Deus, alguém ajude meu filho!”) você poderia ter posto aspas para indicar o pensamento da personagem, mas não é algo que prejudica a leitura. gostei do tema, você conseguiu mostrar os horrores de uma guerra em uma RHA no Brasil
o conto é emocionante, muito bem escrito, praticamente sem erros na revisão. Vc trabalha com um bom ritmo, gostei da forma como vc intercala as partes da história, com o período pré-travessia. Só achei q a RHA ficou meio solta no ar, é como se vc tivesse inserido uma situação alternativa num texto q vc quis escrever sobre essas terríveis travessias de refugiados. Bom, o texto emociona, de qualquer forma, porque vc escreve muito bem. O final aberto, pelos vistos, causou alvoroço! Sou do time que preferia que vc não tivesse posto palavras na boca do garoto no final… Parabéns!
O COMEÇO é intenso, mas perde força com passagens desnecessárias para um conto curto; como, por exemplo, a prisão de José, que prejudica o FLUXO . A TRAMA é densa e com boas referências como ALTERNATIVA. No FIM o conto volta a crescer e emociona.
Olá, como vai? Vamos ao seu conto! O Paraguai ganhou a guerra, pelo que entendi, e isso alterou a história de América do Sul. Brasileiros fogem de uma ditadura em frágeis barcos, numa situação análoga aos imigrantes da Síria e norte da África que tentam chegar à Europa no mundo atual real. Um final aberto permite muitas interpretações: o menino foi encontrado pelo pai; o menino morreu, e pai tem uma alucinação com ele; o pai morreu.. Não entendi porque fazer essa analogia entre Brasil-Argentina e Síria-Europa, ficou meio forçado, dificilmente ocorreria aqui, na América do Sul, uma situação que tornasse a relação entre Argentina e Brasil similar a que ocorre entre a Europa e a Síria. Mas tudo bem, é RHA, tudo ou quase tudo é possível. Apesar disso, é uma história bemdesenvolvida, realmente um RHA eficiente. Gostei do final com múltiplas leituras. Parabéns! Desejo Boa Sorte no Desafio!
Muito muito muito bom!
Você é aquele autor filho da mãe que faz a gente chorar no final… não tem perdão! (vou falar com Deus!)
.
Mas, claro, o texto é maravilhoso a historia é completa, é bem conduzida, e todos o etcs que um elogio de grande porte abarca.
Como Selga falou o nome da cidade de Colônia me confundiu também, acho q seria bom colocar sempre Colônia de Sacramento é como falamos por aqui, pode ser e nao tenho certeza que se chame de Sacramento apenas, mas não de Colônia, posso estar errada, mas é o q sinto como gaúcha.. rsrs Temos a cidade de Santana do Livramento e atualmente estao chamando de Livramento, coisas da modernindade, mas nunca de Santana, me fiz entender?
.
Olha parabens mesmo!
Considerei esta realidade alternativa uma distopia, pq.. céus! Luis Carlos Prestes? odeio dicumforça e desde os meus tempos esquerdistas! Vou até me privar de imaginar um Rio Grande do Sul separado pq isso me dói o coração! hahaha
Abração!
LEAO (Leitura, Essência, Adequação, Ortografia)
L: História de clima tenso, bem pontuada com divisões que dão fôlego para o enredo. Aprecio essas pausas entre eventos, que contam mais detalhes do acontecido e depois voltam ao presente. Pode ser confuso para alguns, mas pra mim funcionou.
E: Mistura bem a realidade com um fato que poderia acontecer, fazendo referência a uma história bem sulista, como outra por aqui. Jornal Zero Hora é bem conhecido e traz o peso necessário ao abordar o tema, que foi bem pesquisado (ou o autor tem conhecimento prévio dos fatos). O enredo o tempo todo causa uma sensação perturbadora de opressão, de guerra iminente e de refugiados. Bem sucedido nesse quesito.
A: O clima de tensão política colabora para o efeito de Rha embutido nas entrelinhas, com Argentina e outros países ao sul sendo os salvadores da “pátria”.
O: O autor consegue transmitir muito bem as sensações e os tons de “cinza”, tanto da família, quanto do cenário escolhido, por meio de palavras simples, bem pontuadas e eficientes.
Adendo: o final ficaria melhor se tivesse ocorrido somente a tragédia mesmo, e pronto, pois a construção estava se direcionando para isso.
É uma narrativa competente, sem muitos escorregões comprometedores em sua construção, com um final que pode sugerir que o menino está vivo ou não, ou seja, o pai pode ter visto um espectro do filho, na medida em que o narrador não dá informações seguras quanto à morte da criança. Tanto pode estar morto, quanto pode ter conseguido chegar à praia em função das ondas. Ou nada disso: o antepenúltimo parágrafo, no qual o protagonista não sabe precisar o tempo decorrido, pode não se referir ao factual e sim ao onírico, pois quando o narrador afirma que José “sucumbiu ao cansaço, por fim” supõe-se que tenha dormido na areia. Essa indefinição eu considero muito positiva no resultado da narrativa.
No entanto, a despeito de bem elaborado, o conto, em seus dois últimos parágrafos apresenta um tom ligeiramente piegas, e mesmo clichê, com o menino dizendo “vamos, pai” enquanto sorri e estende a mão.
Interessante a utilização, no texto, de elementos referenciais de hoje, mas que de fato existiam à época situada na narrativa, como os jornais O Globo e Zero Hora, além da viação Cometa. Pode parecer bobagem, mas funciona como uma âncora para o leitor, que sente a narrativa mais “concreta”.
Ainda quanto a referenciais, na primeira vez que a cidade Colônia surge no texto eu tomei um susto: estariam viajando para a Alemanha? só depois, buscando na internet, dei-me conta de tratar-se de uma referência à cidade uruguaia de Colônia do Sacramento ou ao departamento (estado) de Colônia, naquele país. Acredito que pouca gente saiba desse local na América do Sul o mesmo tanto que se sabe de Colônia na Europa, por isso talvez tivesse sido mais interessante usar outro local ou explicitar melhor.
Algumas questões de construção textual:
Em “[…] com a morte de Getúlio Vargas e a assunção do poder por Luís Carlos Prestes […]” o correto seria “com a morte de Getúlio Vargas e a assunção ao poder por Luis Carlos Prestes” ou “assunção de luis Carlos prestes ao poder”.
Em “[…] um rapaz magro como um espanador de pó chamado Sebastião […]” há uma ambiguidade que imediatamente se desfaz por motivo óbvio, mas há palavra mal posicionada. Sebastião, é claro, não é nome do espanador de pó, mas faltou virgula entre DE PÓ e CHAMADO SEBASTIÃO, ou outra construção que evitasse a ambiguidade.
Em “Ou podia ter sido levada do local em que trabalhava pela polícia”, a expressão PELA POLÍCIA não está em sua melhor posição, na medida em que é possível entender que a personagem prestava serviço para a polícia. Assim, acredito que “Ou podia ter sido levada, pela polícia, do local em que trabalhava” tivesse ficado melhor.
Olá Oribe. Excelente narrativa, dá gosto de ler um texto assim. Viajei ou dentro da RHA está um Rio Grande do Sul separado do Brasil e cujo presidente é Érico Veríssimo, que na história verdadeira muito escreveu usando a Revolução Farroupilha como cenário em seus livros?
A única coisa que penso ter destoado do ritmo do conto foi o final, ao menos pra mim pareceu uma escolha fácil para um texto bem detalhado e se for isso até é justificável tamanho empenho e pesquisa num texto muito bem trabalhado. É como se o autor tivesse cansado realmente da Travessia e colocado um final até digamos, clichê e ponto final, do tipo ah, chega agora. Nada, nem isso retira o brilho e mérito do seu conto que é primoroso. Parabéns, e acho que ainda vou te parabenizar mais uma vez nesse desafio…
Ups: Trama e personagens desenvolvidos com perfeição. Universo muito bem apresentado, com fatos históricos bem claros. Também uma linguagem clara, diálogos bem construídos. Bom uso de figuras histórias. Narrativa interessante no segundo terço final, construindo muito bem o clima de suspense.
Downs: Só acho que um final aberto teria um efeito melhor, por mais que a escolha possa ter agradado os de estômago mais forte.
Off-topic: me veio a imagem daquele garotinho refugiado jogado à praia. Acho uma das imagens mais poderosas do século.
Olá, Evandro. Na realidade, o final é, sim, aberto. No entanto, percebo que você tem suas conclusões. Na sua opinião, o menino Miguel (e o pai) estão vivos ou mortos no fim?
Pois bem, meu caro Manuel, eu considerei isso sim, mas não encontrei no texto elementos que justificassem tal possibilidade.
RHA: Vargas deposto. Guerra civil no Brasil entre o Capitão Am… ops Comunistas e Integralistas.
Muito bom o conto. Gostei dos tempos intercalados, foi um bom recurso para poder passar mais o ambiente do barco sem ficar alongado demais, e contar em “drops” o cenário e como a família foi parar ali. Tem uma critica ao comunismo que se faz presente pelo paralelo das barcas de cubanos que vão para os EUA. Ainda que seja um drama que ocorra em várias partes do mundo (como os refugiados sírios indo para a Europa), acho que a ideia tinha endereço certo (Se não for isso, tanto faz). Como disse no meu comentário no conto do Mujica, é sempre mais fácil encontrar Ideologia, quando ela não é a nossa. Cada um usa a que tem, mesmo que sem intenção. O que me importa, contudo, é o conto em si e este é muito bom, caro autor. Repito que a estrutura, alternando a travessia e os motivos que levaram os personagens até ali, ficou muito bom. A escrita tem qualidade e deu tensão nos momentos decisivos. O final aberto ficou excelente. Dá pra ficar viajando nas possibilidades. Parabéns!
Em off: Não que faça diferença, mas o que Manuel Oribe tem a ver com a estória do conto?
Repare que a fuga de José e Miguel poderia ter sido muito mais fácil se eles, em vez de ir até o sul, para atravessar o Prata, tivessem rumado para oeste, e entrado nas províncias argentinas de Corrientes e Entre Rios. Como resolver isso? Como justificar para o leitor a opção por um bote de Colônia para Buenos Aires em vez de uma travessia por terra, mais segura, na direção oposta?
Talvez, se Corrientes e Entre Rios tivessem sucumbido à expansão promovida por Solano López, eu tivesse a justificativa. Nesse contexto, o Paraguai teria sido vitorioso na Guerra da Tríplice Aliança, anexando parte do território argentino. Foi o que fiz. Há uma pequena alusão a isso no texto.
E Oribe? Bem, Oribe era o presidente uruguaio na época da guerra e foi o responsável, nesse universo, pela manutenção da integridade territorial da antiga Cisplatina. Logo, foi o cara que, indiretamente, permitiu a José e Miguel enfrentar a jornada pelo Prata – a única opção viável. Ou seja, sem Oribe esta história não poderia ser contada. Daí a alusão.
Faz todo o sentido. Gerson Lodi-Ribeiro ia gostar de ler essa RHA. Parabéns.
Olá, autor! Desta vez, resolvi montar um esquema para comentar. Espero te encontrar no pódio.
* Título – Bastante simples, objetivo. Entrega tanto quanto a imagem escolhida.
* Revisão – Não encontrei desacertos que valham a pena comentar. Bom domínio das palavras.
* Enredo – Narrativa baseada em fatos atuais. Acho que a maioria aqui vai se lembrar logo do garotinho que morreu afogado. Para mim, Miguel morreu afogado mesmo. Não só ele, mas o pai também. E os dois se encontraram só depois, Miguel chamando o pai para seguir além da morte. Bom enredo!
* Tema – O conto abordou o tema proposto pelo desafio.
* Aderência – O conto prende a atenção, pois o leitor fica querendo saber o que vai acontecer com José e o pequeno Miguel. O clima afetuoso entre os dois sensibiliza a trama, o que ajuda o conto a não parecer pesado demais. Há uma esperança e nós, os leitores, ficamos guardando a mesma até o último momento.
Boa sorte!
Bela escrita que conferiu bastante fluidez à narrativa e soube alternar com bastante competência entre os trechos passado/presente. Encontrei apenas um “no Guerra contra o Paraguai” na revisão.
A trama é interessante, o cenário da fuga bem construído e chega a dar agonia a confusão na água ali perto do final, deve ser uma situação terrivelmente desesperadora pela qual espero nunca passar na vida, ainda mais com filho envolvido na história.
Sendo bem sincero, não gostei muito do final feliz, com o garoto aparecendo tranquilo, como se nada tivesse acontecido. Pensei que o autor faria uma alusão ao recente (e triste) episódio do garoto refugiado morto na praia após um naufrágio. Acho que ficaria mais interessante dentro do tema, inclusive.
Sobre o tema… obviamente a história se enquadra. Porém, acabou ficando algo meio “genérico”, tipo, uma história de refugiados que poderia ocorrer em qualquer lugar, sem precisar de nenhuma RHA. Claro, para que ocorresse entre Brasil/Argentina é necessária a RHA, mas acaba perdendo um pouco do impacto, na minha opinião.
Conto muito bom, no apanhado geral.
Abraço!
Olá, Fabio! Será que o final é mesmo feliz? Tem certeza?
“O menino sorria e lhe estendia a mão”
Ouvi até aquelas músicas da Disney como trilha sonora! hauhauhauha
Droga, errei o disco huahauhua
Bom… vamos analisar as possibilidades:
1 – O menino morreu e o homem também, então, na verdade o “vamos, pai?” é um chamado para o além, ou algo do tipo.
Nesse caso, há a confirmação de uma vida pós-morte e, se o menino estava sorrindo, supostamente os dois estavam de malas prontas para o céu, onde viveriam felizes (literalmente) para sempre.
2 – O menino sobreviveu milagrosamente ao afogamento e encontrou o pai em meio ao caos dos refugiados.
Aqui, mesmo supondo que terão uma vida difícil de refugiados pela frente, teoricamente a alegria de encontrar vivo o filho que pensava estar morto trouxe alegria ao coração do pai, naquele instante ao menos.
Talvez eu tenha perdido a terceira possibilidade… mas, se for algo na linha de alguma dessas duas, para mim, foi um final feliz, sim.
Final triste seria algo do tipo: “exausto e quase afogado, foi tirado das águas revoltas por outros refugiados e ali, na areia, encontrou o que tanto procurara no mar. Ali estava o corpo sem vida de Miguel”.
Preferi deixar aberto o fim. Dependendo do humor do leitor, dá para entender que o menino viveu ou morreu. Não quis amarrar isso. Vamos ver como a galera encara essa ideia. Valeu pela leitura!
Talvez um reencontro sobrenatural ?
Uma interpretação, Fabio…
o garoto morreu nas águas e o pai tem uma alucinação com ele, podendo ficar doido pro resto da vida 😦
RHA: Situação política e governo brasileiro alterada com o poder nas mãos dos comunistas confessos.
Tempo da ação: meados das décadas de 1930 e 1940
Idioma: Dominio seguro, se houve erros, não são graves, uma revisão geral resolveria.
Ritmo e desenvolvimento: Excelentes. Embora não haja diálogos, recurso mais comum para a fluidez, o estilo usado garante a atenção do leitor – os pequenos saltos entre a viagem de fuga com os motivos da viagem ficaram ótimos, o desfecho, para o bem de todos, foi muito bem elaborado.
Conclusão: Excelente conto, prende a atenção, desperta a curiosidade, nos faz torcer pelas personagens, a exemplo de outros aqui no desafio, desconfio que o autor seja profissional, tamanha a facilidade da empatia, embora não seja um tema fácil. Parabéns