EntreContos

Detox Literário.

Rosa Negra (Raquel Barros)

rosa

 

I

 

O vilarejo situava-se no alto de um morro, numa paisagem verdejante e de montanhas no horizonte.  Um riacho cristalino cortava o vale, e serpenteava em direção a uma densa floresta.

Karine correu por entre as pessoas do povoado, enquanto carregava um balde de madeira cheio d’água, apanhada do riacho. Sorria satisfeita, acenando para aqueles que falavam com ela.

– Essa menina é muito ativa. – disse um.

– Ela é tão bonitinha! – disse outro.

Na sua inocência, a criança corria sem prestar muito atenção aos comentários. Chegou de frente a uma humilde residência feita de troncos de madeira e pedras, e gritou a plenos pulmões:

– Mamãe, cheguei!

Apareceu um rosto feminino redondo e de cabelos lisos e negros.

– Quantas vezes já não te falei para não gritar deste jeito? – ela fechou a cara, mas suavizou quando a menina estendeu o balde com as duas mãozinhas pequenas. – está bem. Entre logo que já está serenando ai fora.

A menina disparou para o interior da casa, depositou o balde ao lado da mesa e sentou numa cadeira. Seus pés ficaram balançando enquanto se acomodava.

Seu pai surgiu de uma sala adjacente. Ele deu um sorriso quando viu os cabelos caracolados e loiros da menina, e fez um cafuné nas madeixas dela.

– Pai! – ela gritou, sem se incomodar com o olhar repreensivo da mãe. – vamos jantar galinha assada e arroz!

– Vamos sim. – ele sentou ao lado dela e se dirigiu à mulher. – não vamos, Meredith?

Ela virou os olhos contrafeita e pegou uma bandeja com uma galinha assada fumegando, em seguida um pirex de arroz, e os colocou na mesa. Guardou o pano de prato e se juntou a eles.

A família, os cotovelos à mesa, entrelaçaram os dedos e oraram baixinho, cada um para si. Concentrados, mexiam os lábios imperceptivelmente. Até mesmo Karine esquecera por um momento da comida, e se envolveu na sua prece. Quando Meredith abriu os olhos, viu uma pessoa vestida de negro, com o rosto oculto, com uma espada curva embainhada na cintura.  Ela deu um grito, e seu marido, assustado, caiu da cadeira. Karine gritava com os olhos marejados, um grito estridente que sua mãe conhecia bem.

A primeira reação dela foi proteger a filha.

– Thomas, pegue uma faca! – ela gritou.

Quando Thomas se levantou, o estranho se aproximou rápido e furtivamente, pressionando com dois dedos um ponto entre o pescoço e o trapézio. O homem caiu desacordado.

Meredith viu o marido imóvel e gritou o seu nome até a garganta arder. Os dedos tremiam em volta do corpo pequeno da filha, e esta molhava com suas lágrimas o avental da mãe.

Ela se ajoelhou, impotente, suas mãos firmes em torno do rosto e corpo da menina. Soluçando, percebeu que nada podia fazer a não ser implorar pela vida de sua família.

– Por favor, não nos mate! Eu dou tudo o que tenho, mas não nos machuque! – rogou com um eco lamentoso.

Karine agarrava-se mais a mãe, segurando o vestido velho dela tão forte que os nós dos dedos ficaram brancos. Agarrava-se a progenitora como uma rocha na tempestade, sentindo as lágrimas e o corpo em espasmos.

O estranho contornou a mesa e fitou demoradamente as duas. Meredith reconheceu as vestes do estranho pelas histórias narradas pelo falecido pai, tanto a vestimenta quanto o comportamento, que se tratava de um membro do clã da Lua Vermelha. Estes eram terríveis assassinos treinados desde pequenos na arte do assassínio. Apenas alguém com muitos recursos poderiam pagar o preço deles. Mas o que ele fazia ali? O que teria feito para despertar a atenção de uma guilda de assassinos seculares? De histórias ouvidas pelo pai, sabia que eles nunca hesitavam, nunca falhavam, e nunca tinham misericórdia para com suas vítimas.

– Me entregue a criança. – uma abafada voz saiu do assassino. – se assim o fizer, não farei nenhum mal.

– Por favor! – desesperou-se a mulher. – faça o que quiser comigo, mas deixe minha filha! Por favor! Por favor!

– Não quero perder mais tempo. Se quisesse matar todos dessa família, faria isso em silêncio e sem pestanejar. – e frisou friamente. – agora me entregue a menina.

Meredith acreditava nas palavras do assassino, mas seu coração de mãe não permitiria. Suas mãos abraçaram ainda mais forte, como a reter aquele corpinho quente, aquela linda menininha de cabelos cor do sol, e olhos azuis límpidos como o céu. Ao lembrar-se do terno sorriso da criança, lamuriou estridentemente, alto o suficiente para alcançar a casa mais próxima. Mas ninguém apareceu. Ninguém se importava com o seu sofrimento.

O assassino já esperava aquela reação. Por isso aproximou-se da mulher agarrada à filha, levantou os dedos treinados na arte da morte, e tudo se tornou escuridão. Meredith caiu no chão, corpo mole, dissolvido na inconsciência. O membro do clã da Lua Vermelha apanhou uma garotinha chorona, estridente e birrenta. Ela arranhava, chutava e mordia, mas o assassino era habilidoso, e fugia a todas as investidas da ferocidade insistente e inútil da cativa. Saiu da casa e subiu em um cavalo treinado que o aguardava. O animal foi instigado a galopar, descendo o morro em direção à floresta, deixando o povoado no silêncio e na escuridão. Todos estavam acordados, deitados nas suas camas, temerosos olhando o teto, sem se atreverem a fazer qualquer movimento que despertasse a fúria para suas casas.

 

II

 

O sol despontava no horizonte, espantando o frio e delineando as montanhas ao longe. O cavalo galopava as margens de um riacho caudaloso.

O assassino contemplou a menina dormindo nos seus braços. Demorou muito para dormir, e até cansou um pouco seu braço, mas parecia ter desistido de lutar e enfim ter aceitado seu destino. Não se escutou qualquer som estranho a sua volta. Desceu do cavalo e depositou a jovem no seu saco de dormir, e de frente a ela, sentou numa rocha.

– Você é esperta. – disse o estranho. – não precisa mais fingir que está dormindo.

Karine insistiu por mais um minuto, mas desistiu. Levantou-se de supetão e fugiu por entre os arbustos e árvores da floresta que não conhecia. Correu até cansar. Era diferente correr com muitos obstáculos pelo caminho. Arfou de cansaço, com as mãos apoiadas nos joelhos.

– Não adianta tentar fugir de mim.

Ela levantou os olhos e viu o estranho vestido de negro em cima de um galho de árvore. Parecia se divertir. Ela não gostava de ser feita de boba, por isso chorou. O choro alto e estridente.

– Se chorar mais alto atrairá lobos. Soube que tem muitos nessa parte da floresta.

Instantaneamente Karine parou de chorar e, assustada, observou temerosa a floresta ao redor. Tudo parecia estranho e ameaçador. A tranquilidade e segurança que sua família proporcionava se esvaia como o liquido de um copo furado. Fungando, voltou a correr de onde partiu. Chegou novamente ao riacho e ficou um pouco mais aliviada, mas não livre do medo. Olhou sobre o ombro o assassino sair dos arbustos.

– O que o senhor quer de mim? – ela passou a mão no nariz vermelho de tanto chorar. – vou logo avisando que meu pai é um ferreiro, e ele é muito forte.

– Não duvido disso.

– E minha mãe é muito encrenqueira. Ninguém pode mexer comigo que ela vira um bicho. Meu pai sempre diz que ela é osso duro de roer. Eu estou avisando!

O estranho baixou a cabeça e levantou o punho fechado em direção à boca, tentando conter um riso.

– Por isso, é melhor me deixar voltar para casa! – ela sentenciou.

– Não será possível. Não agora. – respondeu com uma firmeza de ferro. – não irá embora agora.

Karine fez cara de choro, mas o estranho apontou com o indicador para a floresta.

– Vai querer atrair os lobos?

Com os olhos marejados e vermelhos, ela fez que não com a cabeça, fazendo seus cabelos loiros balançarem em volta da cabeça.

– Ótimo. – respondeu ele. – sente-se ai que vou preparar alguma coisa para nós comermos.

O estranho soltou uma mochila presa do cavalo, e tirou alguns utensílios para preparar algo. Juntou gravetos e os colocou em um circulo de pedras, acendeu uma fogueira com duas rochas escuras e pegou uma panela de ferro. Retirou dois pedaços de carne salgada e jogou na frigideira.

– Minha mãe faz comidas deliciosas. – falou a menina. – muito melhor que você.

O assassino parou as mãos no meio de uma tarefa, por alguns segundos, e voltou a trabalhar na comida.

– Que bom que ela é uma boa mãe. Queria ter tido uma assim.

– Você não tem mãe?

– Não… – pensou melhor. – tive, mas faz tanto tempo, que não lembro mais dela.

– Eu nunca esqueceria a minha mãe.

O estranho apertou com força desnecessária o cabo da panela, e prendeu a respiração que nem sentiu. Ficou imóvel por instantes. Levantou-se com uma tigela de madeira e jogou-a para a criança.

– Vá pegar água do riacho e pare de falar besteiras. – disse com voz ríspida.

A menina sentiu hostilidade naquelas palavras e foi de imediato. O assassino observou a menina ir obedientemente ao riacho. O seu caminhar, o jeito que jogava os cabelos amarelos para os lados, o jeito das mãozinhas protegendo os olhos da luz do sol. A cada novo gesto que descobria da menina, o estranho se encantava.

Ela voltou, chutando algumas pedrinhas no chão e entregou a tigela com água.

– Muito bem. – respondeu, com voz mais tranquila.

A menina não respondeu, sentando no lugar que estava antes.

Em silêncio, o estranho voltou a fazer o almoço. Karine observava ao redor. As copas das árvores, os voos dos pássaros, alguns animais que iam até o riacho beber água para depois correr de volta à floresta. Voltou-se para o estranho.

– Qual o seu nome?

Tomado de surpresa, este levantou a cabeça para a menina.

– Meu nome é… – pensou por um momento, um pouco desconcertado. – Rosa Negra.

A menina pensou por um momento e deu um meio sorriso.

– Que nome esquisito. – os olhos azuis observando os movimentos delicados e suaves do seu captor.

– E o seu? – perguntou Rosa Negra, sem parar de cortar a carne e pôr em dois pratos de madeira.

– Karine.

– Bonito nome. Karine. Um nome bonito para uma menina bonita.

– O seu nome não é um nome. Parece um apelido.

– E é mesmo.

– Então qual é o seu nome?

– É esse mesmo. Quando fui adotada recebi este nome.

– Adotada por quem?

– Adotada pela minha família.

– Que família?

Rosa Negra bufou. Entregou o prato com carne para Karine e ficou com o seu. Subiu a máscara negra até um pouco acima do nariz e deu uma mordida e mastigou demoradamente. Enquanto os dentes mordiam, escutou uma oração sussurrada. A menina estava ajoelhada com os dedos entrelaçados, diante do prato com a refeição. Por causa de seus treinamentos de assassino, conseguia escutar o menor dos ruídos, em virtude disso entendeu cada palavra dela.

“Senhor, obrigada por mais esta refeição. Obrigada pela minha vida, e pela vida dos meus pais. Sei que onde quer que eles estejam, estarão preocupados comigo. Peço que não os faça sofrer, e nem quero sofrer também. Abençoa minha vida e a de todos, amém.”

A oração era algo mecânico, dito num fôlego, mas atingiu o assassino como um banho frio no mais terrível inverno. Engoliu o pedaço de carne que ainda estava na boca, e subitamente perdeu o apetite. A menina, delicada, comeu pedacinho por pedacinho, olhando a carne assada em seus dedos. Depois que terminou, limpou-os na grama.

– Descanse um pouco. Vamos partir daqui a pouco. – falou Rosa Negra, deitando-se apoiando a cabeça numa pedra.

 

III

 

Duas horas de descanso depois, Rosa Negra já estava recuperado. Olhou para a cativa e esta brincava com um graveto, desenhando no chão. Levantou-se e proferiu:

– Vamos indo.

Karine não respondeu. Enxugou uma lágrima da bochecha e se levantou, limpando os joelhos. Enquanto Rosa Negra prendia a mochila no cavalo, viu o desenho que a criança tinha feito. Uma casa e três bonecos, que pensou representar sua família e ela.

Subiram no cavalo e galoparam. Rosa Negra não escutou nem pressentiu qualquer perseguidor. Povoados isolados tremiam de medo ante a menção do nome do clã Lua Vermelha. O riacho ladeava o galopar do cavalo, e a floresta ficava para trás, dando lugar a uma paisagem de rochas e árvores raquíticas que nasciam por insistência entre as rochas e pedras.

A noite chegou fria, trazendo os sons noturnos. Pios de coruja, grilos, asas de morcego. Escutaram o som forte de uma cachoeira. Rosa Negra lembrava-se dela, uma visão magnífica durante o dia. Decidiu acampar ali mesmo, diante do imenso monólito, onde a água caia com força e estrondo.

A menina já estava embalada pelo sono. O assassino a carregou de forma delicada e a colocou no saco de dormir. Olhou a escuridão ao redor, nenhum pressentimento. Deitou-se para dormir, mas não conseguiu. As estrelas no céu hipnotizavam, e demorou muito até ser imerso num sono leve e sem pesadelos.

 

***

 

Karine acordou com o barulho da água caindo na rocha. Esfregou os olhos. Um peixe frito estava posto no prato e foi um bálsamo para a sua barriga que roncava. Ela deu uma mordida, quando lembrou que tinha que orar. Sempre fazia isso com sua mãe antes da refeição. Lembrar-se dela lhe trouxe lágrimas aos olhos. Mesmo chorando, orou baixinho. Prometeu a si mesma que faria isso para o resto da vida. Depois que comeu saiu para sondar o lugar. Foi até a cachoeira, que tinha uma lagoa de águas tranquilas. Um par de braços nadava com desenvoltura, de um canto a outro, como um peixe. Maravilhada, a menina observava a força e os músculos que impulsionava o corpo.

O nado se interrompeu e apenas uma cabeça ficou para fora. Aproximou-se, todo o corpo submerso.

– Enfim acordou. Não quer tomar um banho?

Sem o pano da mascara para abafar a voz, Karine percebeu tratar de uma voz feminina. O estranho se levantou e se revelou uma mulher, de músculos firmes e definidos. Usava um pano cobrindo seus seios e o quadril. Algumas cicatrizes no corpo, brancas sobre uma pele bronzeada. Os olhos azuis escuros, cabelos loiros quase raspados, e apenas uma mecha entrelaçada com uma fita caindo na lateral do rosto.

O que mais espantou Karine foram os olhos, azuis e ferozes, com um tom mais escuro ao redor deles, a dar uma sensação sinistra.

– Venha tomar banho. Demorará até termos outra oportunidade desta. – voltou a dizer a mulher.

Karine estava petrificada. Muda. Observando ora a mulher, o braço estendido dela e a lagoa convidativa.  Mas antes que Karine respondesse qualquer coisa, escutou a voz de um homem reverberando pelas paredes da montanha.

– Que bom que te encontrei!

Um homem surgiu. Ele vestia a mesma roupa negra do clã Lua Vermelha. Uma espada curva embainhada e um sorriso franco. Observou a mulher seminua e a criança, que o olhava estupefata. Coçou a barbicha analisando-a de cima abaixo por um momento, por fim deu uma risada.

– Ela é mesmo a sua cara, Rosa Negra.

– O que faz aqui, Tornaq? – perguntou bruscamente a mulher, ficando entre a menina e ele.

– Nada demais. O clã mandou te procurar e te levar.

Eles se encararam duramente. Karine percebeu uma hostilidade pairar no ar, como das vezes que seus pais brigavam, mas desta vez era diferente. Tinha algo a mais que dava uma sensação terrível em seu coração. Um frio súbito percorreu seu corpo, um medo pungente daquele homem de sorriso fácil e olhar estranho. Um olhar parecido com o de um cachorro raivoso.

– O clã está disposto a perdoar a sua falha, a sua tentativa de escapar. Somos uma família, Rosa, e não estamos dispostos a perder ninguém assim tão fácil. Venha irmã, o que passou, passou. Não direi nada a eles desta criança, desde que venha comigo de livre vontade.

Rosa Negra permaneceu impassível, os punhos trêmulos de uma raiva avassaladora.

– Eles sabem que eu tive uma filha?

– Não. Eles não sabem. Descobri agora, como pode ver pela minha surpresa.

– Eu não…

– Tenha cuidado com o que vai falar. – ele disse, e sorriso desapareceu, transformando seu rosto numa máscara fria e assassina. – o clã me autorizou a acabar com sua vida caso recuse voltar. Sabe que não temos misericórdia.

– Eu sei disso. E sei também que somos honrados.

Ele viu as vestes e as armas dela no chão, e deu um sorriso honrado.

– Se é isso que prefere… – ele disse, estendendo as mãos para que ela se vestisse. – pois saiba que matarei você e a criança. Ela viu meu rosto.

– Entendo.

Karine viu que ele a olhava como um louco. Ela se assustou e deu alguns passos para trás. Trêmula, viu o riacho, que era seu guia para fugir dali.

– Fuja. – disse Rosa Negra depois que se vestiu e empunhava sua lâmina curva. – corra filha, e não olhe para trás.

Rosa Negra chorava. Karine não compreendeu. Por que ela chorava? Mas não se deteve a esse pensamento por muito tempo, pois seus pés venceram o medo, e agora corria ladeando o riacho.

Ao longe, Karine escutou os sons de aço se chocando. O que aconteceria àquela mulher? Rosa Negra. Ela chorou, e sentiu um imenso vazio no peito ao deixá-la para trás. Correu com mais força, enquanto escutava outros retinidos de aço. Queria parar de escutá-los.

Correu até não aguentar mais. Seus pés doíam. Sentou numa rocha e observou as sombras descerem sobre as árvores, o sol se esconder por trás das copas verdes escuras. Escutou o farfalhar das folhas, e o uivo do vento. Tremeu e abraçou a si mesma. Não podia ficar parada, esperando, tinha que continuar.

Levantou-se quando escutou um rosnado. No meio da escuridão da floresta viu um par de olhos dourados e dentes pontiagudos e brancos. O lobo se aproximou lentamente, encarando a presa num silêncio palpável.

Karine deu um grito, e a fera acordou do transe. Ele deu um bote, mas interrompeu a investida por uma tocha jogada contra seu corpo. Ele deu um ganido, mas avançou. Thomas ficou entre o lobo e sua filha, e tentava enxotar o lupino com outra tocha. A menina sentiu um par de braços a envolvê-la.

– Minha filha. Minha filha. Você está bem? – perguntou Meredith, apalpando o corpo da filha a procura de algum ferimento.

Ela só fez abraçar a mãe o mais forte que pôde. Eles tinham ido procurá-la sozinhos. Sabia que nunca iria ser abandonada por eles.

Thomas brigava com o lobo, dando golpes com a tocha, tentando escapar das mordidas. Não se importava com a segurança, apenas com a filha e a esposa. Não iria fracassar de novo. Deu mais um golpe, mas desta vez o animal mordeu seu braço, e a tocha caiu no chão. O lobo saltou sobre ele, mordendo o antebraço. Thomas gritava, sentindo os dentes afiados cortar sua carne, sentindo o osso do antebraço na bocarra do animal, que mordia e o encarava com olhos amarelos e desejosos por sangue.

A cabeça do lobo foi seccionada do corpo, que quicou no chão. O corpo do animal tombou para o lado. Thomas levantou, sentindo-se sujo pelo sangue em suas vestes e rosto. Rosa Negra estava com a espada molhada de sangue, o olhar cansado e triste. Arfava de cansaço. Viu sua filha nos braços de Meredith e sorriu contente em saber que ela estava bem e segura. Quanto tempo não sorria?

Meredith se aproximou e pôde enxergar bem a mulher, pois a tocha iluminava seu rosto.

– Você! – ela quase gritou, ao reconhecer o rosto dela de sete anos atrás. – você quem raptou Karine?

Rosa Negra não respondeu. Deixou seus joelhos caírem no chão, sem forças. Thomas e Meredith se aproximaram mais e puderam ver uma espada curva fincada nas costas da mulher. Ela respirava com dificuldades, levantou a cabeça para eles, e olhou demoradamente para a filha nos braços de Meredith, que chorava copiosamente no pescoço dela.

– Eu… Queria ver minha filha pela última vez. Minha querida filha… – ela chorou, percebendo que sua vida se esvaia lentamente. – me perdoem. Vocês são melhores do que eu esperava. Tenho certeza que ela será muito feliz. Muito feliz…

– Meredith. – disse Thomas, não tirando os olhos dos ferimentos infligidos a mulher e esquecendo-se dos seus próprios. – ela é… É a mãe de Karine? Naquele dia que você trouxe nossa filha para casa, foi ela quem a entregou?

Meredith não respondeu. Os olhos de Rosa Negra brilharam uma última vez, e se apagaram como uma lamparina se apaga pelo vento. E assim se foi a sua vida.

– Vamos embora. – sussurrou Meredith, pensativa.

Thomas fez que sim e apoiou o braço nos ombros da mulher. Eles deram as costas a assassina e caminharam de volta ao povoado. Karine estava com mãos e pés enlaçados no corpo da mãe, agarrada com todas as forças que possuía. Levantou o rostinho vermelho, os olhos azuis brilhando ante as chamas da tocha que seu pai empunhava, e viu pela última vez aquela mulher que dizia ser sua mãe.

Rosa Negra ajoelhada, as mãos juntas, parecia fazer uma oração.

 Fim.

 

20 comentários em “Rosa Negra (Raquel Barros)

  1. Bia Machado
    12 de julho de 2014

    Estava gostando até o rapto. Após esse fato, desanimei um pouco, deixei de me envolver. Talvez por isso tenha achado o texto um pouco além do que poderia ter sido na realidade. Mas gostei das personagens femininas. Boa sorte!

  2. Cristiane
    12 de julho de 2014

    É um texto simpático, tem uma boa execução mas falta alguma coisa de emoção, a forma como é narrado não cativa tanto quanto deveri.

    Infelizmente não consegui me encantar com os personagens. #: (

    Boa sorte no desafio!

  3. Thata Pereira
    11 de julho de 2014

    Gostei. Principalmente na hora que a mulher é revelada. Fiquei realmente surpresa e gostei disso. Apenas não gostei das muitas repetições de palavras que acontecem em frases muito próximas. Outra coisa, o pai não saber da história da menina, sendo que narrava histórias sobre a família de Rosa achei pouco provável se levarmos em consideração que algumas explicações não são dadas.

    Boa sorte!

  4. Pétrya Bischoff
    11 de julho de 2014

    Não me envolvi com a trama. Pensei que seria melhor se o cara do clã tivesse matado a Rosa e levado a menina para ser criada na “família”. Slá. Boa sorte.

  5. tamarapadilha
    8 de julho de 2014

    Gostei. Fiquei surpresa, achei que seria algo com mais magia o que automaticamente não me faria gostar. Mas é tranquilo e eu fiquei surpresa, simples mas é um enredo bem bacana. Alguns errinhos, faltas de acentos mas nada que comprometa muito fortemente a história. Parabéns.

  6. Marcelo Porto
    2 de julho de 2014

    O arco dramático foi bom, apesar de clichê e com cara de filme americano de fantasia.

    Acho que se essa história fosse ambientada aqui, com personagens mais “abrasileirados” traria um frescor para a trama e talvez a tornasse menos quadrada.

    O autor(a) tem potencial.

    • Jefferson Reis
      7 de julho de 2014

      Marcelo, hoje vou discordar de você. Não acho sensato “abrasileirar” nada neste conto.

      • Marcelo Porto
        7 de julho de 2014

        Você tem razão, simplesmente “abrasileirar” o conto não ficaria legal. Minha sugestão vai no sentido do autor pensar (ou subverter) as tramas e as ambientar aqui no Brasil, pelo que mostrou na narrativa ele tem talento, mas está totalmente dominado pela mitologia anglo-saxã (rs).

  7. Thiago Ténorio Albuquerque
    30 de junho de 2014

    Gostei do texto.Só achei a narrativa um tanto parada, mas nada que comprometa o trabalho.
    Parabéns e boa sorte.

  8. Eduardo Selga
    26 de junho de 2014

    O texto se apresenta excessivamente melodramático e clichê, em função de algumas escolhas oracionais que lembram muito a estética Walt Disney, tão ao gosto da indústria cultural. Tal padrão também o encontramos nos 10 mais vendidos que repetem ad infinitum uma fórmula concebida para certa parcela do público adolescente. É a estorinha emocionante. Mas se trata de uma emoção rasa, sustentada em clichês comportamentais e arquetípicos (toda menininha é linda, toda mãe é santa, um espaço ficcional meio árcade é o paraíso). Estou a me referir, por exemplo, a construções como estas: “[…] paisagem verdejante”, “Um riacho cristalino cortava o vale, e serpenteava em direção a uma densa floresta”.

    Essa tentativa de arquitetar uma atmosfera similar à dos contos de fada (a mulher de negro, o lobo, o pai que faz as vezes do caçador em Chapeuzinho Vermelho…) soa profundamente falsa, pois é claramente artifício. O(a) autor(a) parece acreditar que a construção dessa atmosfera demanda, necessariamente, o uso dessas frases que transmitem imagens exauridas, retiradas de uma visão romântica solúvel em lágrimas e estereotipada de personagens-tipo como a menina. Assim como as garotinhas dos contos de fadas tradicionais, que nos transmitem uma concepção idealizada da infância, a protagonista é inocente, é alegre e risonha e, conforme convém às menininhas habitantes desse gênero, mora em “uma humilde residência feita de troncos de madeira e pedras”. Ou seja, o protótipo da infância feliz. Do mesmo modo, Rosa Negra: uma exaltação à maternidade enquanto “padecimento no paraíso”, é a mãe com Deus lutando por sua prole.

    Ah, então é pecado escrever textos que se aproximem dos contos de fada? Absolutamente. Temos belos textos contemporâneos que se valem deles. Com um detalhe que faz toda a diferença: há releitura do modelo, não a crença de que ele, modelo, é garantia de qualidade literária.

    Não se pode achar que Literatura e Ideologia se encontram em campos opostos, pois esta perpassa todos os campos da atividade humana. “Arte pela arte”, no sentido de considerar possível o texto literário ser “higienizado”, sem que fiquem visíveis as marcas ideológicas é uma doce ilusão. Assim, sendo impossível fugir, o autor precisa se perguntar, ao compor seu enredo, quais ideias estão explícitas e implícitas nele e para qual espectro ideológico ele trabalha. Este conto, sob esse prisma, possui um viés profundamente conservador. O último parágrafo ilustra bem isso.

  9. Anorkinda Neide
    24 de junho de 2014

    Olha, estava bacana a história até o banho no rio. Aí, a historia despencou pra mim… não ficou claro o porquê do rapto da menina… só a colocou em apuros e se condenou à morte.. só por um ‘ataque de maternidade’?
    A cena final tb não me conectou, infelizmente.
    Sorte aí!
    Abraço

  10. Tiago Quintana
    23 de junho de 2014

    Gostei, mas acho que algumas escolhas estilísticas no texto não foram as melhores. Por exemplo:

    “(…)o estranho se aproximou rápido e furtivamente” – Como o estranho se aproximou “furtivamente” quando estava bem diante de Thomas e Meredith? Será que você não quis dizer que o estranho foi tão rápido que Thomas nem percebeu quando ele se aproximou?

    “Ela não gostava de ser feita de boba, por isso chorou.” – Ela chorou porque foi feita de boba, não porque foi sequestrada por um estranho que atacou seus pais?

    “O choro alto e estridente.” – “Um choro”. Se preferir, pode juntar este fragmento à oração anterior: “(…)por isso chorou, um choro alto e estridente.”

    “(…)Karine percebeu tratar de uma voz feminina.” – Acredito que isto tenha sido intencional, mas Karine (e o leitor) tiveram oportunidade de perceber que Rosa Negra era uma mulher antes disso: “Quando fui adotadA, recebi este nome.”

    Aliás, os nomes: Thomas, Meredith e Karine são nomes comuns, Rosa Negra (como dito na história) não é um nome, e Tornaq parece ser um nome de fantasia. Qual a razão destas diferenças?

    Finalmente: “(…)e deu um sorriso honrado.” – O que seria um sorriso “honrado”?

    Talvez tenham outros, mas esses foi o que percebi à medida que lia.
    Fora isso, sugiro apenas um pouco mais de cuidado com a ortografia e com a formatação dos diálogos (por exemplo: em vez de “- Fuja. – disse Rosa Negra depois que se vestiu e empunhava sua lâmina curva. – corra filha, e não olhe para trás.”, deveria ser “- Fuja – disse Rosa Negra depois que se vestiu e empunhava sua lâmina curva. – Corra, filha, e não olhe para trás.”).

  11. Jefferson Reis
    23 de junho de 2014

    Gostei!

    Gostei das descrições dos cenários e personagens, da trama, do ritmo.
    Discordando de meus colegas comentaristas, acredito que o enredo coube muito bem no tamanho do conto (não é necessário um romance).

    Só achei o clímax muito clichê.

    O desfecho, por outro lado, é ótimo.

    Obs: O texto precisa de uma revisão apurada.

  12. Edivana
    20 de junho de 2014

    Legal a história, bem escrita, uma pitada de humor, fofura da garota… só a cena do lobo que foi clichê demais. Mas gostei. Parabéns.

  13. Claudia Roberta Angst
    19 de junho de 2014

    Longo, né? Tudo bem, eu sou chata mesmo, reconheço…rs. A história é boa, há passagens interessantes, mas acho que não cabe no formato do conto porque precisaria de mais espaço para elaborar bem o desenvolvimento. Criancinha poupada, leitora feliz. Gostei bastante do final. Boa sorte!

  14. Fabio Baptista
    18 de junho de 2014

    Não gostei.

    O conto apresenta um ritmo cadenciado e uma descrição rebuscada de cenários que não me agrada, ao menos não em histórias curtas (na verdade, nem em romances).

    O estilo da escrita não me agradou, apesar de alguns bons momentos:
    – “uma paisagem de rochas e árvores raquíticas que nasciam por insistência entre as rochas e pedras”
    – “como um banho frio no mais terrível inverno”
    – “Escutou o farfalhar das folhas, e o uivo do vento”

    Algumas frases, na minha opinião, ficaram meio redundantes, por exemplo:
    – “terríveis assassinos treinados desde pequenos na arte do assassínio”

    Outras passagens e descrições desnecessárias, por exemplo “cavalo treinado”
    >>> poderia deixar para o leitor deduzir que o cavalo era treinado, demonstrando uma de suas habilidades adquiridas no tal treinamento

    Sobre a história em si… acho que muitas pontas ficaram soltas. Conforme já comentado, um bom desenvolvimento dessa trama pedia mais páginas. Comprimir tudo em um espaço relativamente curto resultou em algo meio desconexo. Afinal, qual era o plano da assassina? Viver com a filha no meio do mato?

    Alguns apontamentos gramaticais:

    – Apenas alguém com muitos recursos poderiam
    >>> concordância

    – Repetições de palavras em intervalo muito curto – “riacho”, “braço”, “cabeça”, “filha”

    – circulo / mascara
    >>> acento

    – e sorriso desapareceu
    >>> faltou um “o”

    Abraço.

  15. Ana Santiago
    18 de junho de 2014

    Achei bem interessante, gostei do final. Acho que esperei outra coisa. Parabéns!

  16. mariasantino1
    17 de junho de 2014

    Olá, Chocolate!
    .
    Que final foi esse? Gostei muito da última prece 😀
    .
    Achei muito bom, em minha humilde opinião, e creio que o maior pecado deste texto seja o fato dele ser um CONTO. Uauau! Digo isso por me envolver com a trama, com os personagens, de uma forma que queria ler mais. Acho que dará um bom romance, caso queira transformá-lo em um.
    .
    Os diálogos me ganharam e achei tudo muito fluido até a parte do banho no lago, depois senti uma corridinha nos acontecimentos. Me perguntei: Mas, ela não temeu que fosse seguida? Sendo treinada deveria estar ciente disso.
    .
    Reitero que gostei e para mim foi um dos melhores textos deste desafio.
    .
    Parabéns e Sucesso 😉

    • mariasantino1
      17 de junho de 2014

      Voltei para dizer que é boa a mensagem de que o amor maternal se sobrepôs as ordens previamente estipuladas a Rosa Negra.

  17. Davi Mayer
    17 de junho de 2014

    Interessante a história, só um pouco parada, mas o contexto, a narrativa e si muito boa.

    Parabéns.

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Publicado às 17 de junho de 2014 por em Tema Livre e marcado .