EntreContos

Detox Literário.

Com quem me casei (Michele Mourão)

Mais uma madrugada de chuva torrencial e eu acordada pesquisando. Ontem terminei de ler um livro nacional que me fez debulhar em lágrimas, acabei indo dormir quase de manhã,  ainda bem que era sábado, e não precisaria estar de pé e banho tomado no horário de sempre. Passei horas em claro, insônia total investigando sobre o autor da obra, lendo resenha e conhecendo outros leitores como eu, enfeitiçados pelas palavras mágicas narradas no livro.

Quando levantei essa manhã, ainda anestesiada de amores pelo personagem principal, deixo o banheiro com a pele em volta do olho inchada os cabelos molhados, e segurando o celular digitando rápido sem nem olhar para o chão a minha frente.

Ouço um grito vindo em minha direção. Meu marido estava dentro do closet há uns dez metros de distância, não sei ao certo quanto tempo, mas me vigiando provavelmente. Levantei a cabeça e vi quando os punhos dele se fecharam na cintura, pude ouvir que no mesmo instante, pingos de água caiam sobre o chão de madeira. A pequena lagoa se formou ao meu redor.

Meleca de sobrado resmungo mentalmente

Aqueles expressivos olhos arregalados, parece-me cara de assustado, mas na verdade era irritado. – Não sabe mesmo secar o corpo dentro do banheiro?  – as sobrancelhas grossas, somada a voz de tenor, grave, surtem um efeito imediato. Deito na cama para não deixa-lo mais colérico. Então percebo que fiz outra besteira que pode azedar o dia inteiro que só estava começando. Deitar molhada na cama.

Dono da casa, dono do mundo e da mulher a sua frente: eu – É deita do seu lado da cama e não molha o MEU lado – informa para meu alivio que há esperança no fim do túnel.

Agora percebo que ele já caminhou na minha direção. Continuo com meu amigo falando sem parar – digitando  pelo celular – sobre o livro e o autor que nos uniu.

– Desculpa amor, eu…você sabe.. – Ufa, me livro da segunda. Mas ele ainda não parou de reclamar. – Eu me enxugo, mas a toalha é que não seca direito.

– A velha ladainha. – ele faz charme – é que você me faz ser o chato do casal. – Com o peitoral peludo do meu lado espero que me cubra com seu corpo, mas ele não faz nada. Está zangado. – e com quem você está teclando?  – Celso veste um jeans italiano da ultima viagem, está se preparando para ir trabalhar. – E nua? Posso saber? Quem é seu amiguinho?

– ah amor é um escritor, editor, uma pessoa que lê como eu. Você sabe. – meu cabelo está longe do diagnostico que um bom secador seria capaz. – Vem pra cá vem. Deita em cima de mim, estou com frio.

Meu novo melhor amigo conta como ficou surpreso com o fim do livro. Narrando em detalhes a cena final. Quase suspeito que troco mensagem o com autor. No quarto, ouço o som dele tirando a calça longe. Tira as meias e os sapatos e caminhando enquanto reclama. – você fica falando com outro e ainda por cima, nua.

– A pessoa está do outro lado do país. Só por que estamos conversando sobre livros – deixo claro, simplesmente por não haver outro assunto e só consigo pensar no personagem do livro que estamos comentando.

– Seu editor, amigo ou leitor fanático, seja lá o que for, sabe que minha esposa tem bigode? – Fecho a cara e o encaro. Séria, isso não tem a graça que ele pensa que tem.

– Não sei do que você está falando. Olha para parede, vira para o outro lado. Por que aqui, na sua frente tem uma deusa – ordeno num tom que releva minha ira ameaçando meu bom humor.

Ele passa os dedos sobre meu rosto apontando os pelinhos que nascem no meio do meu delicado nariz e lábio superior. Bato na mão dele com os dedos da mão livre e meu amigo leitor no celular, esperando minha resposta.

– Esse aqui. – Celso aponta. – seu selo de autenticidade de mulher portuguesa, mulher macho sim senhor. – Meu marido aproveita que tem uma esposa como eu, deixa o trabalho para mais tarde, já que ele pode atrasar. Molhar a plantinha do amor deve é obrigação diária. Agora já está sem roupa como eu e vamos aproveitar as primeiras horas matinais.

Largo o telefone, tenho algo mais importante para fazer agora. Nos minutos seguintes sinto que meu cérebro recebe a dose necessária de ar e oxigênio, uma gasolina chamada de sexo capaz de nos recarregar. Um  tempo depois, levanto rápido para uma nova ducha, dessa vez tenho a intenção de provocar.

– Vou cortar o cabelo. Assim você não reclama mais dele estar molhando tudo.

– E quem disse que deixei. Não pediu. – Interessado e atrasado ele pula num salto correndo para o banheiro mais rápido que eu. – E o que está pretendendo, sem minha permissão?

– Cortar Joãozinho. – revelo, puxando os fios molhados para trás. Indicando o tamanho que vai sair com o novo corte. – Você não disse que sou homem, agora vou fazer o que Deus não fez, errou feio me fazendo nascer mulher.

– Ah, agora virar homem e assumir por que é tarado por sexo? Por que na verdade te falta uma perna? E eu vou virar gay para sociedade.

Ele sai caminhando de costas, catando as peças pelo chão e rindo do seu monologo.

O único som no recinto são suas gargalhadas. Ele nem nota meu tédio embutido no olhar.

– Socorro casei com homem! – anuncia aos quatro ventos. Por sorte os vizinhos moram longe.

Acabei esquecendo do meu novo melhor amigo e leitor compulsivo que mora em alguma outra parte do país.

24 comentários em “Com quem me casei (Michele Mourão)

  1. rsollberg
    12 de julho de 2014

    É uma boa cena sobre um relacionamento. Gostei do humor, mas fiquei um pouco perdido na estrutura. Identifiquei-me com algumas coisas da personagem. No fim, não me arrebatou.
    De qualquer modo, parabéns e boa sorte no desafio.

  2. tamarapadilha
    10 de julho de 2014

    Não gostei… No começo me pareceu interessante e assim como outros aqui que comentaram também me identifiquei com a personagem quando ela conta ter passado a noite toda lendo um livro e depois ficou pesquisando sobre o autor e resenhas… já fiz isso dezenas de vezes. Mas não gostei do rumo que tomou, muito sem graça, talvez porque eu goste de contos mais profundos e esse de profundidade não teve nada.
    Boa sorte.

  3. Thata Pereira
    10 de julho de 2014

    O conto é simples e isso não me incomoda, mas gosto quando contos assim têm um objetivo. Achei esse aqui um pouco vazio, pareceu o rascunho do conto (espero não ser rude dizendo isso).

    Boa sorte!

  4. Bia Machado
    10 de julho de 2014

    Hum, gostei das personagens, mas achei que a narrativa podia ter sido melhor desenvolvida. Mais para o final, achei divertida a situação do corte joãozinho, talvez me agradasse bem mais se fosse mais para o humor, não escrachado, um pouco mais leve, com mais ironias.Talvez tenha ficado ameno demais, céus, imagine viver essas amenidades dia a dia… o.O Boa sorte pra você.

  5. felipeholloway2
    2 de julho de 2014

    O texto é de uma banalidade ímpar. Parece aqueles tuítes que nos informam da localização geográfica de uma pessoa, dentro da própria casa. Bom, pelo menos os tuítes têm, no máximo, 140 caracteres.

  6. britoroque
    30 de junho de 2014

    Gostei desse conto. Gostaria de votar nele para segundo lugar.

    • felipeholloway2
      2 de julho de 2014

      Putz, cara, vai lá no tópico da votação, plmdds!

  7. Pétrya Bischoff
    25 de junho de 2014

    Gostei. Divertido, sem surpresas, confortável. Sem nada a apontar, me parece uma escrita característica desse autor, não que o conheça ou tenha palpites, mas senti esse conforto na escrita. Boa sorte.

  8. Brian Oliveira Lancaster
    24 de junho de 2014

    Pequenos probleminhas, mas nada demais. Senti certa confusão na definição de quem está fazendo o quê, mas deve ser de propósito. Diferente e “diário”, não muito comum neste desafio.

  9. Tiago Quintana
    23 de junho de 2014

    Lamento, mas não gostei. Sinto que falta um refinamento na prosa e na estruturação da narrativa.

  10. Anorkinda Neide
    18 de junho de 2014

    Gostei dos personagens, do bom humor do casal, mas o conto em si, nao apresenta nenhum acontecimento, ou reflexão…
    A piada final do marido é boa.. mas não alcançou um clímax de fim de conto.
    Parece-me uma introdução.
    é isso.
    abração!

  11. Edivana
    16 de junho de 2014

    Uma leitura leve, sem surpresas, com uma ponta de humor! Vejo seu conto assim, simples. Difícil não se identificar com o começo da leitura, quem, apaixonado por leitura, nunca atravessou a noite lendo, obcecado? Enfim, gostei e não gostei. Boa sorte!

  12. Davi Mayer
    15 de junho de 2014

    De certa forma o conto foi legal… Trata de um relato sem muitas pretensões, mas que cairia bem como uma parte de um texto longo, pois os dois personagens são legais e se complementam em suas crises e brigas.

    Mas faltou trabalhar mais algum climax, desfecho, etc.

  13. Cristiane
    13 de junho de 2014

    Me senti perdida durante toda a leitura. Quanto as cenas a única coisa que consegui visualizar foi ela teclando no celular o tempo todo.

    Acredito que seja necessário trabalhar mais o texto e o contexto.

    Boa sorte!

  14. Thiago Tenório Albuquerque
    12 de junho de 2014

    Não me agradou.
    Espero que outros gostem, mas não me atingiu em nenhum momento.
    Boa sorte no desafio.

  15. Jefferson Reis
    10 de junho de 2014

    A ideia é interessante, mas o que foi escrito, como foi escrito, não me agradou. No começo, cheguei a me encontrar na protagonista.

    Quando li “O Morro dos Ventos Uivantes”, fiquei obcecado. Depois de passar a madrugada toda lendo e terminar a leitura na hora do almoço, fui pesquisar sobre a autora, descobrir curiosidades, imagens etc.

    Fora isso, o conto não me fisgou.

  16. Rafael Magiolino
    9 de junho de 2014

    Não me agradou muito. Achei um tanto corrido e o enredo um tanto perdido. Não consegui me identificar com a personagem principal também. Entretanto, o texto está bem estruturado e bem escrito, o que já o deixa em um nível razoável para mim.

    Abraço!

  17. Eduardo Selga
    9 de junho de 2014

    A mim me parece que o texto foi escrito como quem digita amenidades no celular, como quem olha para o teto. Perdeu-se, desse modo, alguns caminhos narrativos bem interessantes. Na verdade, mais um conto que é apenas ensaio.

    As atitudes, um tanto desconexas entre si, vistas em seu todo, podem indicar certa teatralização das atitudes, o uso de máscaras para esconder sentimentos outros. Um jogo de ocultos. Os personagens seriam, então, marionetes de si mesmos, ou de fatores sociais. Mas essa possibilidade, muito produtiva, não se conclui, dando a sensação de que o(a) autor(a) não planejou o texto. Simplesmente foi escrevendo.

    Quase tudo está por fazer.

    Mesmo a construção de certas orações é muito apressada, sem se preocupar com o efeito estético e de significado. Em “[…] deixo o banheiro com a pele em volta do olho inchada os cabelos molhados […]” há uma inversão de posições de algumas palavras e ausência de vírgulas que não geram efeito estético e, portanto, ficam desagradáveis. Provavelmente o(a) autor(a) quis dizer “[…] deixo o banheiro com a pele MOLHADA em volta do olho, inchada, os cabelos molhados […]”.

    Em “[…] e segurando o celular digitando rápido sem nem olhar para o chão a minha frente” a ausência de vírgula entre CELULAR e DIGITANDO causa a estranha sensação de que é o aparelho que está digitando, não a personagem. Claro, é impossível, mas é, objetivamente, o que está escrito.

    E em produção textual o importante não é o que se pretendeu escrever, e sim o que está de fato escrito, não desconsiderando, evidentemente, a existência de diferentes níveis de leitores.

  18. britoroque
    9 de junho de 2014

    Muito bom esse conto. Parece um pouco com a Menina 2D. Talvez seja do mesmo autor. Só que esse é mais realista. Quer dizer, não exatamente realista, mas mais crívei. Acho que vou votar nesse.

  19. Adriane Dias Bueno
    8 de junho de 2014

    Bom, acredito que o tédio, o fastio dessa esposa não é verdadeiro. A parte sobre a maneira que a esposa lida com a questão do bigode é engraçada.
    Infelizmente, isso não me ajudou a gostar mais da história, que parece ter sido escrita às pressas;.
    O conto em si não me agradou. O tema poderia ser mais interessante, embora corriqueiro, se houvesse um melhor trabalho em cima da descrição psicológica dos personagens.
    Mesmo assim, sucesso.

  20. mariasantino1
    8 de junho de 2014

    Olá!
    .
    Não sei o que comentar. Senti como se assistisse uma vinheta e por mais que o conto tenha extensão em número de caracteres, para mim, foi como se lesse um miniconto. Adoro minimalismos, pelo muito oferecido em poucas palavras, entretanto, não posso dizer que gostei do que foi oferecido.
    .
    Fecho desejando boa sorte.

  21. Claudia Roberta Angst
    8 de junho de 2014

    Uma cena do cotidiano de um casal, acostumado a uma rotina de tapas e beijos, tudo traduzido em um diálogo espontâneo. Senti estranheza em uma passagem – não me pareceu que fosse a primeira vez que o marido tirava sarro do “bigode” da mulher. Se isso era de fato irritante, por que ela não teria resolvido isso com uma rápida depilação? (coisas de bastidores femininos). Enfim, a narrativa não apresentou nada profundo, ou mesmo surpreendente. Uma leitura tranquila, como um agradável passatempo enquanto se espera a chuva parar de cair. Boa sorte.

  22. Swylmar Ferreira
    8 de junho de 2014

    Oi
    Ainda estou tentando entender o conto. O Fabio parece ter razão ao comentar que parece ser o recorte – momento – da vida de um casal. Creio que o autor(a) tentou mostrar as nuances da vida de um casal jovem, nas primeiras horas do dia. Ao menos para mim isso não não ficou claro, parecendo que faltou alguma coisa,
    Boa sorte.

  23. Fabio Baptista
    8 de junho de 2014

    Hum… um texto diferente, totalmente despretensioso. Um recorte da vida do casal, sem grandes surpresas ou emoções (justamente como é, de fato, a vida de um casal! :D).

    Ainda estou assimilando o conto… decidindo se gostei ou não.

    Enquanto isso, vou falar sobre a escrita: achei muito corrido o começo. As frases vão se encadeando sem dar tempo de respirar. Acredito que um ritmo um pouco mais cadenciado ficaria melhor. Faltou um pente fino na revisão, acentuação em algumas palavras e edição de algumas frases, onde palavras sobraram ou foram invertidas:
    – mensagem o com autor
    – Molhar a plantinha do amor deve é obrigação diária

    Abraço.

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Publicado às 8 de junho de 2014 por em Tema Livre e marcado .