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“À Deriva: 76 dias perdido no mar” – Resenha (Gustavo Araujo)

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Em fins de 1981, quando o navegador Amyr Klink começava a tirar do papel as ideias de navegação solo, intercontinental, muita gente já fazia isso. Talvez uma das figuras em quem o famoso navegador brasileiro tenha se inspirado seja o americano Steven Callahan.

Callahan projetou um barco pequeno, ao qual deu nome de Napoleon Solo, para navegar sozinho aonde quer fosse. Para por sua criação à prova, inscreveu-se em uma regata que partiria da Inglaterra com destino na ilha caribenha de Antigua. O início não pareceu muito auspicioso, já que depois de uma tempestade, diversos barcos competidores, entre os quais, o Napoleon Solo, foram obrigados a parar em La Coruña, na Espanha, para reparos.

Ao retomar o percurso, durante uma noite em que o mar se encontrava especialmente agitado, Callahan foi surpreendido com um baque em sua embarcação. Em poucos minutos percebeu que seu pequeno barco iria afundar. Teve tempo e, mais do que isso, calma para se preparar para o naufrágio. No bote salvavidas de dois metros de diâmetro, conseguiu armazenar tudo o que poderia ser útil: estojo de primeiros socorros, um colchão, dessalinizadores, fios, barbantes, facas, sinalizadores e um exemplar do livro “Sobrevivendo no Mar”, de Dougal Roberson.

Sem escolha, já no bote salvavidas, Callahan viu o Napoleon Solo se afastar e sumir em meio às ondas. A partir dali estava à deriva. Era hora de sobreviver apenas. Só isso.

Callahan era um marinheiro experimentado e com a vantagem de ser muito engenhoso. Mesmo assim viu-se face a face com a fome, a sede e a ameça constante de tubarões e peixes enormes que insistiam em roçar o fundo do Patinho de Borracha, como ele decidira chamar seu bote.

No quarto ou quinto dia, um navio surgiu no horizonte. Imaginando estar salvo, Callahan mandou para o céu uma série de sinalizadores, para ser completamente ignorado pela embarcação. Logo aprendeu que isso era mais comum do que se imagina. Um ponto diminuto, como ele, dificilmente seria notado por um navio de carga tão grande. Para completar, um dos dois dessalinizadores começou a apresentar defeito, o que levou à redução de sua cota de água para um copo por dia.

Demais disso, havia a solidão. Callahan passou a conversar com os mahi mahi, uma espécie de peixe parecida com o dourado, que perseguiam o Patinho de Borracha durante a deriva e que acabavam servindo de alimento.

Quarenta dias mais tarde, o Patinho começou a dar sinais de esgotamento. A costura de alguns de seus tubos começou a esgarçar. Num espaço tão pequeno, em que normalmente já era difícil se manter seco, Callahan se viu obrigado, em um esforço desesperador, a substituir as linhas.

A essa altura seu corpo já exibia evidências de uma jornada sacrificante, cheio de ferimentos causados pela água salgada e pelo sol. Suas pernas também haviam atrofiado e pescar se tornava cada vez mais difícil. Navios passavam ao longe sem notá-lo e ideias de suicídio começavam a passar por sua cabeça.

Contra condições cada vez mais adversas, tendo à sua frente apenas o mar e o horizonte vazio, Callahan procurava se convencer de que a deriva o levaria para o Caribe. Com uma carta náutica e um sextante, ele tentava se convencer de que havia chance apesar da piora de seu estado a cada dia. Porém, as manhãs chegam sem qualquer novidade. A fome apertava e a sede se transformava em um fantasma cada vez mais ameaçador.

Setenta e seis dias depois de abandonar o Napoleon Solo, Callahan foi resgatado por pescadores da ilha de Guadalupe, no Caribe. Havia perdido um terço de seu peso. Tinha o corpo coberto de feridas e exibia uma barba longa e dura. Mas logo estava recuperado e de volta aos Estados Unidos. Escreveu um livro contando sobre sua epopéia e tornou-se uma celebridade, tendo até mesmo trabalhado como consultor de Ang Lee em “As Aventuras de Pi”.

Callahan é tudo menos um oportunista. Seu livro é muito, muito bom. Embora saibamos, desde o início, que ele irá, sim, se salvar, não dá para deixar de sentir a agonia à medida que as condições no Patinho de Borracha vão se deteriorando. A história, naturalmente narrada em primeira pessoa, revela um autor arguto, observador e que sabe moldar as emoções de quem lê. Há passagens memoráveis com toques filosóficos que nos levam para dentro do bote salvavidas, que nos colocam ao lado de Callahan fazendo as mesmas perguntas. Afinal, o que nos torna homens? Indagamos a nós mesmos qual seria a nossa reação diante de tantas dificuldades: teríamos a força necessária para vencer mais um dia ou acabaríamos cedendo à sombra da morte que, a todo tempo, perscrutava a pequena embarcação?

“À Deriva” é muito mais do que um relato de sobrevivência. É um daqueles livros que nos colocam diante de incômodas questões acerca das nossas próprias escolhas em momentos dramáticos. Uma obra que transcende a imensidão do mar.

4 comentários em ““À Deriva: 76 dias perdido no mar” – Resenha (Gustavo Araujo)

  1. israel Reis
    28 de outubro de 2016

    aguem sabe como faço o donwoader dele???

  2. Bia Machado
    5 de março de 2014

    Que livro bacana! Gosto de histórias assim, coisa meio masoquista, né? No meio do texto, cheguei a pensar que a coisa terminaria mal para ele, ainda bem que estava errada…

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Publicado às 5 de março de 2014 por em Resenhas e marcado , , .