EntreContos

Detox Literário.

Vem pra casa – Peça (Kelly Hatanaka)

PERSONAGENS

Maria Augusta

Maria Helena

Maria Clara

Ana

Ricardo

Valter

Neide

Lucia

Mateus

Paula

Leila

Denise

Ieda

Suzi

Nati

 

CENA 1

Rua da casa de Maria Clara.

Maria Clara, Lucia e Mateus, brincam de rouba monte na calçada. Todos eles têm 10 anos e estudam juntos.

M.CLARA        (joga uma carta)  1.

MATEUS          (joga uma carta)  2.

LUCIA             (joga uma carta)  3.

Todos se apressam em bater nas cartas. Maria recolhe todas. Os outros dois comemoram. Eles conversam enquanto jogam cartas no chão, um por vez.

LUCIA             Você está com visita em casa, Maria? Vi um carro…

M.CLARA        É. Meus tios vieram trazer minha avó.

MATEUS          E você pode sair? Quando tem visita em casa minha mãe não deixa.

M.CLARA        É que, agora, a visita vai ficar pra sempre.

LUCIA             Como assim?

M.CLARA        Minha avó veio morar com a gente.

LUCIA              Legal!

MATEUS          Você acha?

Todos se precipitam sobre as cartas. Mateus fica com todas as cartas.

LUCIA              Claro que é legal! Minha avó sempre tem doces na gaveta de costura.

MATEUS          (sabido) Tá. Mas onde fica a gaveta de costura?

LUCIA              Na saleta.

MATEUS          Que saleta?

LUCIA             A da casa dela, ué! Que coisa!

MATEUS          Então, se ela se mudar pra sua casa, não tem mais saleta, nem gaveta, nem doce.

LUCIA              Puxa, não tinha pensado nisso.

Novamente, todos se precipitam sobre as cartas. Lucia fica com todas.

MATEUS          Além do mais, você vai ficar sem quarto.

LUCIA              Como assim, sem quarto?

MATEUS          Ué, onde sua avó vai dormir?

M.CLARA        Não sei…

MATEUS          Vai vendo. Vai ser no seu quarto.

Todos se precipitam sobre as cartas, exceto Maria Clara, que não se move, perdida em pensamentos. Após algum tempo, Lucia e Mateus olham para ela, esperando que ela recolha as cartas. Ela volta a si e as recolhe.

LUCIA              Qual o nome da sua avó?

M.CLARA        Maria.

LUCIA              Também?

MATEUS          Igual você? Igual sua mãe? Que falta de criatividade…

Maria dá de ombros e continuam a jogar.

M.CLARA        Eu sou Maria Clara, mamãe é Maria Helena e vovó é Maria Augusta. Ah, e a titia é Ana Maria.

LUCIA              Eu acho legal.

MATEUS          Eu acho confuso. Quando alguém chama “Maria!”, como vocês sabem quem tem que ir?

M.CLARA        Se é minha mãe quem chama, só pode ser eu, né, porque a vovó ela vai chamar de “mãe”. Se é meu pai quem chama, ele chama minha mãe de “amor” e me chama de “filha”. Se sou eu quem chama, não chamo pelo nome, chamo de mamãe ou de vovó. E ninguém chama a titia de Maria, só de Ana.

MATEUS          E na rua?

LUCIA             Ah, só a gente chama a Maria de Maria. Todo mundo chama ela de Clarinha e a mãe dela de dona Helena. Aposto que a avó vai virar dona Augusta.

MATEUS          Então o “Maria” serve pra que, se ninguém usa?

M.CLARA        Sei lá… é alguma coisa que a gente tem em comum, acho.

Todos batem as cartas e Mateus bate por último. Ele recolhe as cartas enquanto as meninas comemoram.

LUCIA             E seus primos?

M.CLARA        Não tenho.

MATEUS          Por quê?

M.CLARA        Não sei e minha mãe disse que não é pra perguntar, que isso é coisa de adulto.

Os três se entreolham, dão de ombros e continuam jogando.

 

CENA 2

Casa de Maria Helena e Ricardo. Toca a campainha, Ricardo abre a porta e Valter, Ana e Maria Augusta entram na sala. Maria Helena dá as boas-vindas.

M.HELENA     Há quanto tempo! Ana, minha irmã, que saudade!

ANA                 Maria!

Abraçam-se, sem jeito.

RICARDO        (apertando a mão de Valter) Como foram de viagem? A estrada estava boa?

VALTER          Ótima. O pedágio tá pela hora da morte, mas pelo menos, o asfalto está bom, um tapete!

RICARDO       Bem sinalizada…

VALTER          Pois é.

RICARDO        Isso aí.

M.HELENA     Mamãe.

Maria Augusta olha para todos, sem dizer palavra e faz menção de se sentar no chão. Ana corre até ela e a acomoda na cadeira. Todos se sentam.

ANA                 Ela está assim.

M.HELENA     Assim?

ANA                 A maior parte do tempo, ela está alheia, não parece dar conta de nada. Come se derem comida, anda se for conduzida. Senão, fica parada, olhando para o nada.

M.HELENA     E no resto do tempo?

ANA                 (cansada) Tem horas em que ela parece criança. Fala do passado como se fosse hoje.

M.HELENA     Desculpe, Ana. Estive longe. Não deve ter sido fácil.

Ana faz um sinal de “deixa pra lá”.

Maria Helena traz uma bandeja com café e biscoitos.

RICARDO       E você, Valter? Uma cervejinha?

VALTER          Cla… (percebe o olhar feio de Ana e se interrompe) Não, melhor ficar só no cafezinho, daqui a pouco vamos pegar a estrada de volta.

M.HELENA     Mas, já? Pensei que vocês passariam uns dias conosco.

ANA                 Não, não podemos. A mudança se aproxima e temos um mundo de coisas a fazer, a empacotar, ainda nem começamos a fazer as malas… Incrível a quantidade de coisas que a gente acumula.

RICARDO       Irlanda, hein, Valter!

VALTER          Pois é…

RICARDO       Promoção, mudança…

VALTER          É isso aí.

M.HELENA     Estou tão feliz por vocês! Uma mudança de vida tão grande!

ANA                 (exasperada) A esta altura da vida! Gostaria de ser mais jovem.

M.HELENA     Bobagem! Você está tão bem, parece a mesma de quando éramos meninas.

ANA                 Nós já fomos assim, tão jovens?

M.HELENA     Difícil de acreditar?

ANA                 Minhas juntas me lembram de todos os meus aniversários.

Maria Helena e Ana olham para a mãe, que saboreia um biscoito muito lentamente.

RICARDO       E esse calor, hein, Valter. El niño…

VALTER          Isso aí.

RICARDO       Pois é.

ANA                 Bom, vamos, Valter?

M.HELENA     Não vão nem almoçar?

ANA                 Não dá. Essa viagem está me deixando louca.

M.HELENA     Vai dar tudo certo, mana.

ANA                 Tudo é fácil pra você..

Silêncio constrangido, Maria Helena está confusa.

ANA                 Desculpa, não quis falar assim. Não sei de onde isso veio.

Maria Helena faz sinal de “deixa pra lá”.

M.HELENA     Não se preocupe, fique bem.

ANA                 A mamãe…

M.HELENA     Vou cuidar dela direitinho.

ANA                 Você não sabe.

M.HELENA     Vou aprender, vai ficar tudo bem.

ANA                 (para si mesma) Vai ficar tudo bem, vai dar tudo certo, parece uma vitrola quebrada, um disco riscado. Como é que se diz isso hoje em dia, nesse mundo sem discos e vitrolas?

Valter se levanta, vai até Maria Augusta.

VALTER          Adeus, dona Maria.

Maria Augusta sorri, sem parecer reconhecê-lo

ANA                 Tchau, mamãe.

M.AUGUSTA  Tchau, filha. Mande notícias. Eu te amo, Maria.

ANA                 (amargurada, para Maria Helena) Ah, e tem isso também: ela sempre me chama por seu nome.

Todos saem e ficam apenas Maria Helena e Maria Augusta se olhando.

 

CENA 3

Em preto e branco. Na pracinha, Maria Augusta, dez anos, pula corda com amigas. Paula e Leila batem corda.

PAULA            Vem, Maria! É sua vez!

LEILA              Depois sou eu!

M.AUGUSTA Não bate muito rápido, hein!

Chegam Denise e Ieda.

DENISE            A gente pode brincar também?

LEILA              Sim! Mas depois de mim.

Maria Augusta pula um pouco e sai da corda, entra Leila e Ieda fica no lugar de Leila.

IEDA                Com quem será, que você vai casar?

PAULA            Loiro, moreno, careca, cabeludo…

MARIA e DENISE    (dançando) Rei, ladrão, polícia, capitão?

TODAS             Rei, ladrão…

Leila tropeça e sai da corda.

TODAS             (rindo) Ladrão!

Agora, Paula pula corda, Leila e Ieda batem.

DENISE            (ainda girando com Maria) Currupio, pio, pio, na careca do titio, currupaco, paco, paco na careca do macaco.

NEIDE (voz)     Maria! Hora de jantar, vem pra casa!

M.AUGUSTA  Ah mãe, agora não! Agora que tá legal!

Paula, Lucia e Ieda deixam a corda de lado e fazem ciranda com Clara e Maria Augusta.

PAULA             Ciranda, cirandi…

IEDA                Ah, não esse é chato!

PAULA             Não é não, chata é você!

IEDA                É você!

PAULA             Não, é você!

LELIA              Vocês duas são chatas, pronto!

PAULA             (pensa um pouco e começa a cantar) Como pode o peixe vivo, viver fora da água fria?

NEIDE (voz)     Maria! Hora da janta! Tá escurecendo, menina!

TODAS             Como pode o peixe vivo, viver fora da água fria? Como poderei viver, como poderei viver, sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia? Sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia.

IEDA                Os pastores desta aldeia já me fazem zombaria, os pastores desta aldeia, já me fazem zombaria.

TODAS             Por me verem assim chorando, por me verem assim chorando, sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia. Sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia.

NEIDE              Maria! Vem pra casa!

M.AUGUSTA  (contrariada) — Já vou, mamãe!

Acena para as amigas e sai pela direita.

 

CENA 4

Ricardo e Maria Helena conversam com Maria Clara enquanto a conduzem pela casa.

RICARDO       Então, filha, agora que sua avó está morando conosco…

M.HELENA     Na verdade, é… agora, que você está grandinha…

RICARDO        Isso, isso mesmo. Agora que você está grandinha.

M.CLARA        Ah, pronto. Estão tentando me agradar. Sinal que eu não vou gostar da notícia. Vai vendo.

M.HELENA     Então, assim, agora que você está grandinha, a gente achou que você ia precisar de um espaço mais separado…

RICARDO        Separado, não!

M.HELENA     É, tem razão, separado não. É, um espaço, um espaço mais… hum, mais…

M.CLARA        Ai, ai, ai… com certeza não vou gostar.

RICARDO        Independente!

M.HELENA     Isso! Ufa! Independente! Um lindo, amplo, novinho em folha, espaço independente!

Maria Helena e Ricardo mostram a velha edícula do quintal, totalmente reformada e transformada no novo quarto de Maria Clara.

M.CLARA        (surpresa) A edícula?!

RICARDO       Nããão! Aqui era a edícula. Agora é o novo, novíssimo, supimpa, estúdio independente da Maria Clara.

M.HELENA     Gostou, filha?

M.CLARA        Hum. Ok.

RICARDO        Já trouxemos todas as suas coisas para cá.

M.HELENA     Aproveitamos, e trocamos seus lençóis velhos. Olha, este é do filme da Barbie.

M.CLARA        Hum. Legal.

M.HELENA     Bom, então, vamos deixar você curtindo seu quartinho novo. Vem, Ricardo.

RICARDO        (baixinho) Ela odiou.

M.HELENA     (baixinho) Que nada. Ela amou. E, supimpa, Ricardo? Supimpa?

Maria Clara fica parada séria no meio do quarto até seus pais saírem. Espera um pouco, olha para os lados e, quando tem certeza de que eles não estão olhando, liga o som e começa a dançar, comemorando o quarto novo. Mexe em tudo, revira os armários, dança e rodopia, feliz.

Quando olha para a janela, leva um susto. Sua avó está observando. Ela abre a porta para a avó.

M.AUGUSTA  Oi. Vamos brincar?

 

CENA 5

Preto e branco. Maria Helena, 14 anos, está fazendo lição de casa na mesa da cozinha junto com duas amigas, enquanto Ana, 17 anos, se prepara para sair. Valter espera por ela no sofá da sala, ansioso.

ANA                 (passando) Mãe, cadê meu vestido azul?

M.HELENA     Droga… por que só a Ana pode sair e eu tenho que ficar fazendo lição de casa?

ANA                 (pega o vestido e volta para o quarto)  Porque você é criança, Maria.

M.HELENA     Nhonhe nhonhe nhé nhinhãnhã, nhanhinha.

SUZI                 Ela não é tão mais velha que a gente.

M.HELENA     Também acho. Só é mais chata mesmo.

NATI                 Três anos é bastante coisa.

ANA                 (passando) Ai, alguém viu meu sapato preto?

M.HELENA     É nada. Ela bem que podia me levar junto. Não ia atrapalhar nada.

SUZI                 Mas a gente nem pode entrar na matinê. Tem que ter mais de quinze.

NATI                 Nada a ver. Por que com quinze pode entrar e com quatorze não? Diferença nenhuma!

M.HELENA     Quanto tempo falta pra gente existir?

Ana passa, se arrumando, olha para Valter e manda um beijinho.

Suzi e Nati olham para Valter.

SUZI                 Aiai, ele é um gatinho…

NATI                 Aham. Aham…

SUZI                 (venenosa) Pena que vai ser seu cunhado, né, Maria?

M.HELENA     Não dou a mínima. Se a chata da minha irmã gosta, deve ser um chato também.

NATI                 Pois eu bem que ia gostar de ir pra matinê com esse chatão ao invés de ficar fazendo lição de casa.

M.HELENA     Não é justo.

Ana passa arrumando o vestido e o cabelo, Valter se levanta, dão-se os braços e saem, felizes.

 

CENA 6

Maria Clara está mostrando a casa para a avó.

M.CLARA        E aqui, vovó, é a sala.

M.AUGUSTA Menina estranha, fica me chamando de vovó. Eu hein.

M.CLARA        Vamos brincar de desenhar?

M.AUGUSTA Oba! Você tem papel e lápis de cor?

Maria Clara abre sua mochila e mostra, orgulhosa, uma grande caixa de lápis de cor.

M.AUGUSTA  Nossa! Quarenta e oito cores! Tem até cores metálicas!

M.CLARA        Ganhei de Páscoa. Pedi esses lápis no lugar de ovo.

Maria Clara estende uma folha de papel para Maria Augusta e ela tenta se deitar no chão para desenhar. Não consegue.

M.AUGUSTA Que estranho, minhas costas estão duras, minhas pernas doem. O que aconteceu comigo?

M.CLARA        Aqui, vovó. Senta aqui, na cadeira, olha. Tem espaço na mesa pra nós duas.

M.AUGUSTA Ai,ui… deu.

Começam a desenhar, compenetradas.

Maria Helena entra na sala e se surpreende com a cena.

M.HELENA     Ora… essa é nova (observa por um tempo, sem saber o que pensar). Minhas meninas…

 

CENA 7

Em preto e branco.

Valter e Ricardo, nos seus vinte e poucos anos, estão sentados na sala, esperando Ana e Maria Helena, que estão se aprontando no quarto.

RICARDO       É… Valter, né?

VALTER          Isso. E você é o…

RICARDO        Ricardo.

VALTER          Ricardo. Prazer.

Apertam-se as mãos.

VALTER          Você trabalha…

RICARDO        No banco. Sou caixa.

VALTER          Ah, muito bom. Muito trabalho, não é?

RICARDO        Ô!

Longo silêncio.

RICARDO        E você? Trabalha onde?

VALTER          No cartório.

RICARDO        Ah, que interessante…

VALTER          Pois é.

Longo silêncio.

RICARDO        É… sábado.

VALTER          A semana passou rápido.

RICARDO        Pois é.

Longo silêncio.

VALTER          Para qual time você torce?

RICARDO        Não gosto de futebol.

VALTER          Ah.

RICARDO        Oi?

VALTER          Eu disse “ah”.

RICARDO       Ah.

VALTER          Isso aí.

Longo silêncio.

RICARDO        E você?

VALTER          Eu?

RICARDO        Sim, você. Para que time torce?

VALTER          Para o Quinze.

RICARDO        De Jaú ou de Piracicaba?

VALTER          De Limeira.

RICARDO        Ah, Limeira. Nem sabia que tinha Quinze lá.

VALTER          Pois é.

Longo silêncio.

Entram Maria Helena e Ana.

ANA                 Estamos prontas!

Ricardo e Valter se levantam num pulo.

JUNTOS           Graças a Deus!

 

CENA 8

Em preto e branco.

No parque, Maria Augusta, dez anos, brinca com as amigas de pega-pega.

M.AUGUSTA  Tá com a Leila!

DENISE            Foge, foge!

PAULA             Pique!

Correm.

LEILA              Peguei! Tá com a Maria!

NEIDE (voz)     Maria! Hora de jantar, vem pra casa!

M.AUGUSTA Ah mãe, agora não! Agora que tá legal!

Correm

M.AUGUSTA Peguei, tá com a Denise!

DENISE           Pegou nada, não valeu!

M.AUGUSTA Peguei sim!

NEIDE (voz)     Maria! Hora da janta! Tá escurecendo, menina!

Correm.

DENISE            Peguei a Paula.

Correm.

NEIDE              Maria! Vem pra casa!

M.AUGUSTA  (contrariada) Já vou, mamãe!

Acena para as amigas e sai pela direita.

 

CENA 9

Maria Helena serve um lanche para Maria Augusta, que derrama o suco.

M.AUGUSTA ­ Desculpe… estou fazendo uma bagunça.

M.HELENA     Isso acontece. Limpo num minutinho.

M.AUGUSTA Nós já nos conhecemos?

Maria Helena fica desconcertada.

M.AUGUSTA Desculpe, minha memória… a idade…

M.HELENA     Sou eu… (ela se interrompe, hesita). Nós nos vimos algumas vezes. Não se preocupe.

M.AUGUSTA Não lembro de nada, parece (pausa). Tenho medo.

M.HELENA     Não precisa ter medo. O médico disse que a senhora vai sarar.

M.AUGUSTA É mesmo? Que bom! Quando eu ficar boa, vou poder visitar minhas filhas.

M.HELENA     (esperançosa) A senhora tem filhas?

M.AUGUSTA Ah, tenho sim! Minhas duas meninas! Tão inteligentes, tão teimosas. Não as vejo há tanto tempo! Que saudades!

M.HELENA     Tenho certeza de que elas também têm muita saudade da senhora.

Maria Augusta sorri, feliz. De repente, olha para a mesa.

M.AUGUSTA Ai, derramei o suco. Desculpe… estou fazendo uma bagunça.

M.HELENA     Sem problema, limpo num minuto e já trago outro suco.

M.AUGUSTA Obrigada, Ana, minha filha.

 

CENA 10

Maria Clara e Maria Augusta brincam na sala.

M.HELENA (voz)  Meninas, venham tomar lanche. Tem bolo!

M.CLARA        Oba! Vamos vovó?

Maria Clara sai correndo pela esquerda.

Enquanto Maria Augusta se levanta com dificuldade, o palco se enche de crianças brincando.

NEIDE (voz)     Maria! Vem pra casa!

Maria Augusta hesita. Olha para a esquerda, olha para a direita. Por fim, responde.

M.AUGUSTA  Já vou, mamãe!

Acena para as crianças e sai pela direita.

 

FIM

28 comentários em “Vem pra casa – Peça (Kelly Hatanaka)

  1. Renato Silva
    26 de março de 2024

    Faz muito tempo que eu não leio uma peça de teatro. Puxa, que experiência agradável. Gosto de histórias cheias de personagens, interações e diálogos; e o gênero dramático é essencialmente feito deles.

    Cenas bem curtas, diálogos certeiros e essa alternância entre três núcleos, marcados pelo tempo, ficaram perfeitamente encaixados.

    As falas, maneirismos, gírias, tudo respeitando cada época, idade e até o gênero dos personagens. Sim, homens e mulheres interagem de modo diferente. Eu ri na conversa entre os cunhados. Aparentemente, não são muito próximos, mas tentam de modo bastante sincero manter uma relação de cordialidade. Enquanto as irmãs tem aquela rivalidade bastante típica entre irmãos, principalmente do mesmo sexo, onde os interesses covergem e entram em conflito.

    A menina Maria Clara, pensei que ela faria algo que me fizesse antipatizar com ela, mas, pelo contrário, ela se mostrou uma criança adorável. Mostrou bastante maturidade ao entender a condição de sua avó, a dificuldade que seus pais terão de enfrentar ao lidar com uma idosa com Alzheimer (ou algum tipo de demência). Ela se relacionou bem com a avó e deu à velhinha uma motivação para continuar vivendo, o que é clinicamente recomendado para aumentar a expectativa de vida de um idoso, com demência ou não.

    Histórias de velhinhos com Alzheimer sempre me deixam bastante emocionado. Fico aflito e um tanto desesperado vendo uma pessoa perdendo sua sanidade, percepeção de quem é, pois neste momento é que o “eu” vai deixando de existir, o que eu considero a morte para aquela pessoa. Meu nonno e o irmão dele tiveram essa maldita doença. Pelo menos o nonno não definhou até perder a dignidade, ele estava com a mente bem debilitada, mas ainda tinha certa autonomia, falava bem pouco. O que o levou foi uma pneumonia.

    A peça termina num momento tranquilo, sem nenhum grande impacto que possa estragar nosso fim de noite. Obrigado.

    Espero que ela seja encenada. Como é bem curtinha, dá para apresentar em escolas. Faria sucesso.

    • Kelly Hatanaka
      27 de março de 2024

      Oi Renato.

      Que bom que vc curtiu a leitura!

      Escrevi esta peça pensando na minha turma de teatro e, no fim, optamos por outra peça, uma comédia (tbem escrita por mim). Esta ficou lá, meio abandonada. Gostei da sua ideia de, apresentar em escolas. Seria possível sim, até pq a classificação indicativa tbem permite.

      Agora, uma pergunta… vc não achou o final um tantinho triste?

      Muito obrigada pela leitura e por comentar!

      • Renato Silva
        28 de março de 2024

        Vou usar uma palavra que eu aprendi faz pouco tempo para descrever este sentimento… eu achei o final “agridoce”. Não vou dizer que o final é triste, pois não houve um evento para isso. No caso, a Maria Augusta idosa e com demência já estava ali o tempo todo.

        Isso também não quer dizer este final bem encenado não nos faça derramar algumas lágrimas. Temas familiares, principalmente quando envolvem idosos e doenças, mexem muito com a gente.

  2. Andre Brizola
    24 de março de 2024

    Olá, Kelly!

    Bem que seus contos tem essa cara mesmo de peça de teatro, focado em diálogos, deixando bastante para uma ambientação que, num conto, acaba ficando pra imaginação do autor.

    Essa sua peça tem aquele pé no drama puro e simples, mas acho que as coisas são tão palpáveis, por serem muito realistas, que fica a sensação de ser algum acontecimento real seu, ou de algum conhecido. A primeira parte, focada no diálogo das crianças, expondo a lógica infalível da nomenclatura, é ótima.

    Mas acho que esse comentário acabará sendo mais um questionário do que qualquer outra coisa. Como você mede para saber quanto tempo cada ato vai ter? Quando você começa o enredo, imagino que já tenha ele mais ou menos inteiro, mas como você faz para adequar ao tempo que você pretende para a peça? Eu nunca fiz, li ou estudei nada técnico para o teatro, então durante a leitura, foi surgindo esse monte de dúvidas.

    Achei muito legal. Quando era criança também tive uma visita que não foi embora, e também era a minha avó. Os problemas eram outros, mas acabou despertando algumas memórias.

    • Kelly Hatanaka
      26 de março de 2024

      Oi Andre!

      Não tem nada de real meu não. Só de raspão: quando eu era criança, minha avó morava conosco por alguns meses, todos os anos (era um arranjo entre os filhos, uma espécie de guarda compartilhada). Mas eu nem chegava a perder o quarto, minha mãe ajeitava um espaço para ela. O que acontecia é que eu ia formando na minha cabeça o que era aquela coisa estranha de envelhecer…

      Minha outra avó não morava conosco, mas era muito próxima, convivíamos bastante e acompanhei de perto a memória que sumia, a confusão permanente,os estranhamentos.

      Pensando bem, talvez tenha até bastante coisa real minha, que eu não tinha notado até agora…

      Sabe, não meço o tempo dos atos, ou das cenas. Eu só meço o tempo total da peça que, para minha turma, todos nós amadores, precisa ter no máximo 40 minutos montada. Para isso, precisa dar uns 15 a 20 minutos de leitura fria. Já sei que este tamanho, esta quantidade de páginas é mais ou menos o que preciso.

      Mas a primeira peça que escrevi, não tinha a menor noção. Escrevi um monte, achei. Era nada.

      O que acho complicado mesmo é dar um tempo de palco decente para todos os personagens, uma pira minha…

      Obrigada por ter lido e comentado!

  3. claudiaangst
    21 de março de 2024

    Como a leitura flui neste formato, não? Diálogos deixam tudo mais ágil, e a narrativa desliza sem engasgos. Gostei bastante da história contada, das Marias que se revezam em cena e em memórias. A vida como ela é, diria Nelson Rodrigues. A vida também pode ter desses momentos – preciosos porque são breves, breves porque a memória vai se apagando. Parabéns, Kelly.

    • Kelly Hatanaka
      23 de março de 2024

      Sim! O texto parece grande, mas são quase só diálogos, passa rapidinho. Tinha que ser, porque somos um grupo amador e queríamos uma peça curtinha, que montada desse, no máximo, 30 minutos.

      Que bom que gostou! Obrigada pela leitura!

  4. Regina Ruth Rincon Caires - Caires
    21 de março de 2024

    Texto tocante, escrito de maneira simples para mostrar quanto existe de puro e de ordinário no seio da família. A avó, aqui, ficou sensibilizada. Linguagem leve, certeira.

    Fazia décadas que não lia qualquer texto teatral. Muitas décadas. No início dos anos 70, quando cursava Letras, o nosso grêmio estudantil era “meio” subversivo.  E as páginas de Plínio Marcos e de Guarnieri corriam de mãos em mãos (Dois perdidos na noite suja, Navalha na carne, Eles não usam black-tie). Eu, medrosa, gostava de ler. No ano de 1972, escrevemos um roteiro para um júri (copiando o modelo do que ocorria no programa domingueiro de Flávio Cavalcanti). Eu interpretei a jurada Danuza Leão (misericórdia)! E o “réu” era Gregório de Matos Guerra – Boca do Inferno). Sentiu o cheiro de naftalina, né?

    Parabéns pelo seu trabalho!

    Abração…

    • Kelly Hatanaka
      23 de março de 2024

      Olá dona Regina.

      Eu estava chorando em posição fetal porque a senhora pulou meu texto, mas agora seu comentário está aqui e posso enxugar as lágrimas.

      Grêmio estudantil de Letras devia ser o lugar onde tudo acontecia naqueles tempos, né? Eu, particularmente, não curto tanto o teatro daquela fase. Na verdade, não é que não gosto, é só que o tema me cansou, ainda mais pq eu não sou uma pessoa política, sou mesmo bem alienada. Mas é inquestionável a importância das peças que foram escritas nos anos 70.

      Danuza Leão! Essa eu queria ter visto!

      Muito obrigada pela leitura e pelo comentário.

      • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
        25 de março de 2024

        Relendo o meu comentário e a sua resposta, queria fazer uma correção. No meu tempo de Letras, havia o Diretório Acadêmico liderado pelo Lima, aluno “subversivo” do curso de História (ele que espalhava os textos mimiografados e “proibidos”). O grêmio estudantil fez parte do meu tempo de Normalista! Kelly, você deve estar assustada com as palavras “mimiografados” e “Normalista”, né? Juro que é verdade! Abraço…

      • Kelly Hatanaka
        25 de março de 2024

        Imagina! Eu adorava mimeografar as provas, era meio viciada naquele cheiro bom de álcool… kkkkkk

  5. fabiodoliveirato
    21 de março de 2024

    Buenas, Kelly!

    Não costumo consumir muita dramaturgia. E admito que tenho pouco interesse, rs. Sou um completo ignorante quando se trata do formato, das possibilidades de ambientação no palco, etc. Mas gosto de coisas corajosas. E as cenas em preto e branco me pareceram assim. Estou com planos pra começar a frequentar teatros quando voltar para o Rio, conhecer um pouco mais sobre esse mundo que desconheço, hahaha.

    Sobre a história, sabe que não sou fã da literatura rotineira, da vida como a gente conhece, contemporânea. Adoro seus contos fantásticos. E não vou mentir: li com pouco interesse. Porém, admiro bastante sua sensibilidade na hora de retratar os relacionamentos humanos. Você é bastante habilidosa na criação dos personagens, suas personalidades e manias/vícios. E é tudo muito sutil.

    Um bom conto, só não é pra mim, hahaha.

    Continue escrevendo, Kelly!

    • Kelly Hatanaka
      21 de março de 2024

      Leu com pouco interesse??? Ah não, volta lá e lê de novo! kkkkkk

      É sei, que esta não é muito sua praia mesmo. Mas, tenho fé que, frequentando teatros no Rio você venha para a luz. Teatro é um mundo à parte e, ao mesmo tempo, está em todo lugar.

      Obrigada por ler, mesmo não sendo o seu tipo, e pleo seu comentário.

  6. Priscila Pereira
    19 de março de 2024

    Olá, Kelly! Tudo bem?

    Gostei muito da sua peça! Ficou tão natural, tão verossínil, dá pra gente realmente imaginar tudo acontecendo, como se estivéssemos no teatro.

    O melhor do texto é a naturalidade das relações retratadas, as crianças, os cunhados, as irmãs, avó e neta, tudo muito real, sem apelação, sem artifícios. Com poucas palavras, só nos diálogos você conseguiu mostrar o psicológico de cada um.

    Fiquei curiosa com o “em preto e branco”, como fariam isso no teatro? 🤔 Imagino que seja só para a versão conto, né… 😁

    Gostei bastante! Parabéns!

    Até mais! 😘

    • Kelly Hatanaka
      19 de março de 2024

      Oi Pri!

      Que bom que vc gostou! Estava preocupada se o formato agradaria, afinal, não é conto e as necessidades são diferentes. Numa peça não é bom explicar muito, tem que deixar lacunas a serem preenchidas pelo ator, pelo diretor, pela plateia. Uma peca muito explicadinha, muito fechadinha, fica chata de assistir. A platéia precisa participar da criação da história.

      Por outro lado, se explicar de menos a história fica confusa, a plateia não entende patavinas e ai, ja viu, ne?

      E o preto e branco é possivel sim, viu. Ja vi isso em algum lugar: só com iluminação, figurino e maquiagem, fizeram uma cena em preto e branco e foi show. Mas, como eu comentei abaixo, acho que qualquer diretor ignoraria totalmente esse negócio do preto e branco e faria do jeito dele, usando uma iluminação diferenciada para cada tempo, por exemplo. Mantive essa rubrica, do preto e branco, muito mais para evocar na cabeca do leitor a ideia de uma cena antiga.

      Obrigada!

  7. Angelo Rodrigues
    19 de março de 2024

    Olá, Kelly

    Peça boa de ler. Embora você não aborde diretamente o tema, creio que se trate de uma espécie de processo regressivo à idade infantil por decorrência do Alzheimer ou de alguma outra forma de demência.

    Interessante a abordagem, sem ligar diretamente os fatos, trazendo as crianças para junto de Maria Augusta e a assimilando como criança.

    Algumas cenas, pelo que notei, chegam em flashback, em preto e branco. Acho que nesse ponto houve uma fuga do teatro em direção ao filme, ou livro. O modo de representação, como proposto, fica comprometido. Ao que me pareceu, salvo se isso fosse representado em um telão, no teatro, mostrando que a avó, menina então, tem suas ações.

    O uso da palavra edícula me pareceu um pouco fora de contexto. Não seria dito por uma criança, não seria compreendido por ela.

    A questão de todas se chamarem Maria é bem legal, e tenho duas lembranças sobre o tema:

    A primeira é que tenho dois primeiros nomes, um de meu avô paterno, espanhol, e o segundo de meu avô materno, italiano. Meu pai, para me chamar, não usava o nome do seu próprio pai, preferindo o nome do pai de minha mãe; e minha mãe não me chamava pelo nome do próprio pai, preferindo o nome do meu avô paterno. Então, para mim, nome significava uma divisão familiar, eu era duas pessoas distintas, uma para cada genitor.

    A segunda lembrança vem de um conto do Sam Shepard. O conto não tem nome, e fala de uma personagem, que acho que é o próprio Sam, que diz que seu nome vem de sete gerações de homens da família, todos com o mesmo nome. Todos tinham apelidos que os diferenciavam, e durante muito tempo, vivendo no interior, todos achavam que seus nomes eram seus apelidos, até crescerem e descobrirem que todos se chamavam Sam (creio que Sam). Este conto está no livro Crônicas de Motel, que em Portugal se chamou Crônicas Americanas. Tenho os dois porque achei que eram livros diferentes e os comprei.

    Por falar em Sam Shepard, para compreender um pouco mais sobre peças de teatro modernas, recomendo que leia seus trabalhos. Há no Brasil poucos trabalhos dele traduzidos. Sua melhor peça se chama Buried Child (A Criança Enterrada), mas nunca foi traduzida para o Português. Eu tenho uma cópia traduzida. Há um livro muito bom, “Quatro peças de Sam Shepard”, que recomendo. Tem também um livrinho, bem fininho, que é a peça Loucos por Amor, que é muito bom.

    Essa peça, Buried Child, com Ed Harris no papel de Dodge, um fazendeiro dos anos 70, foi exibida aqui no Brasil pelo canal Film&Arts, da NET, há alguns anos. Excelente.

    Gosto muito de escrever peças teatrais. Tenho muitas já escritas e… guardadas.

    Parabéns pelo texto. Legal saber que você escreve peças teatrais.

    • Kelly Hatanaka
      19 de março de 2024

      Oi Angelo.

      Fazer a cena em preto e branco é possível sim, com iluminação, figurino e maquiagem. Já vi algo assim em alguma peça, que não lembro agora. Mas, imagino que esta é uma parte que qualquer diretor ignoraria e faria do jeito dele. Por exemplo, usando acetato lilás e criando uma iluminação sépia. Fica ótimo também e já dá aquela sensação de antiquidade.

      Interessante essa história do seu nome! Uma coisa que para os pais significava uma coisa, ganhou outra dimensão na sua cabeça quando criança.

      Não conhecia Sam Shepard, já entrou na minha listinha.

      Não vejo a hora de ler suas peças. Manda aí!

      Obrigada!

      • Angelo Rodrigues
        19 de março de 2024

        Kelly,

        esqueci de falar. Para escrever minhas peças, uso, como de modo geral uso para outros escritos, um software muito bom, que se chama Scrivener, que tem modelos específicos para escrever peças com muita facilidade, tanto na forma americana quanto Reino Unido (você usou o modelo UK), pelo que vi.

        Você pode testar o Scrivener fazendo download de uma versão trial no seguinte endereço:

        https://www.literatureandlatte.com/scrivener/download

        Tem pra Mac, iOS e Windos. é só escolher.

      • Kelly Hatanaka
        19 de março de 2024

        Sabe, eu tenho o Scrivener há algum tempo. Baixei qdo fui escrever minha noveleta. Mas não curti muito e voltei pro word véio de guerra. Porém, nunca pensei em usar para peças. Talvez eu dê uma segunda chance.

  8. rubem cabral
    19 de março de 2024

    Olá, Kelly.

    Fazia tempo que não lia uma peça! Acho que a última foi do Suassuna ou foi Macbeth, por causa de um estudo que fiz.

    Fiquei meio assustado qdo vi a lista extensa de personagens, mas quase que só o núcleo feminino realmente importa. Gostei da história, achei que o drama teve uma pegada suave, e que a amizade entre a menina e a avó com demência foi algo belo, assim como as lembranças da senhora, de sua infância, de sua juventude e tudo mais.

    Gostei do final, achei os diálogos bem construídos e que a trama fluiu muito bem, tornando a leitura fácil e prazerosa: começa-se pensando num texto longo, mas chega-se ao final tão facilmente, que até gostaríamos de mais, bem mais.

    Obrigado pela oportunidade de ler sua peça!

    • Kelly Hatanaka
      19 de março de 2024

      Oi Rubem.

      Pois é, um monte de personagens! Mas, como expliquei pro Antonio logo abaixo, é que escrevi esta peça para minha turma de teatro e éramos 15. E, por sermos amadores, achei bom também que cada um tivesse um bom tempo de palco.

      E que bom que deu gosto de quero mais. Eu estava meio preocupada com o tamanho do texto. Se bem que ele é quase inteiramente de diálogos e diálogos ocupam espaço.

      Obrigada por ler! Fico contente que vc tenha gostado!

  9. Antonio Stegues Batista
    18 de março de 2024

    Olá Kelly. Gosto de todo tipo de arte, incluindo o teatro, é claro. Acho que o mais importante são os diálogos, a postura e o gestual, são a essência do espetáculo. O cenário, ou, a ambientação fica em segundo plano, em alguns casos, o cenário pode ser formado por objetos que simbolizam o cenário, como uma âncora, cordas, boias e um bote, estrela do mar, etc. representando uma sala de navio. Na sua peça, em algumas cenas o cenário é minimalista, creio, em outras, paredes corrediças compõe uma cozinha, sala de estar ou quarto. É o que eu imagino.

    Tem gente que não gosta de histórias com muitos personagens, principalmente em contos. Pra mim não faz diferença. A sua peça tem 15 personagens, entendo que são essenciais para compor o enredo. Eu não sei se é a autora da peça que deve descrever o gestual dos atores, de acordo com o que dizem, ou é o diretor que faz isso?. Por exemplo; “Maria hesitou, torceu os dedos, fez uma careta”. Notei que faltou o gestual das crianças, além de pular e sentar no chão, em algumas partes dos diálogos, porque a arte do teatro inclui a postura dos atores em cena, é o que eu acho.

    Gostei da peça que mostra um drama de família, costurou muito bem as brincadeiras das crianças até chegar o drama da demência da avô que, por alguns momentos, se torna criança. Gostei também, da estrutura, ou, de cada cena alternando o tempo, ora indo ao passado dos personagens, e retornando ao presente. Não entendi como fazer uma cena em preto e branco para representar o passado, ou isso é apenas linguagem figurada? Ou simbólico, como no cinema, os flashback são em preto e branco. Gostei. Parabéns.

    • Kelly Hatanaka
      19 de março de 2024

      Oi Antonio!

      Pois é! 15 personagens! Mas é que escrevi esta peça pensando na minha turma de teatro e nós éramos 15. Também tinha uma preocupação de que todos os personagens tivessem um bom tempo de palco. Por isso este monte de gente.

      Quanto aos gestuais e movimentações, isto é com os atores e com a direção. Eu só descrevo ações que julgo importantes, como Maria Augusta sempre sair do palco pela direita. Na última cena, Maria Clara sai pela esquerda e Maria Augusta, ao invés de segui-la, sai pela direita, para onde sempre vai quando a mãe a chama. De resto, prefiro não detalhar muito para não engessar os atores nem o diretor.

      Sobre o preto e branco, é possível sim, na base da iluminação, figurino e maquiagem. Mas também poderia ser em sépia, o que seria mais fácil de obter e já daria aquela sensação de antiguidade. Este é o tipo da coisa que um diretor ignoraria na hora da montagem kkkkk.

      Muito obrigada!

  10. Givago Domingues Thimoti
    18 de março de 2024

    Olá, Kelly! Espero que esteja bem

    Gostaria de te parabenizar pelo conto!

    Bom, o que eu acho que é necessário de ser destacado e elogiado é a forma como foi apresentada a história. Detesto o adjetivo “melodrama”, especialmente quando mal utilizado. Acho que se alguém usasse essa palavra para definir essa história, eu seria um dos primeiros da fila pra criar caso. É uma história dramática, sim, real, contada de uma forma simples e lúdica. Não há nada mais para nós leitores pedirmos. Toda a complexidade da situação, da relação turbulenta entre as irmãs até a relação entre a neta e a avó desmemoriada, está demonstrada, e nos resta pensar e refletir e, acima de tudo, sentir.

    É uma peça sensível, que varia do olhar puro das crianças (alô Gonzaguinha) até o olhar cru dos adultos.

    Espero ler mais das suas obras, Kelly!

    Parabéns!!

    • Kelly Hatanaka
      19 de março de 2024

      Oi Givago.

      Nossa, nem fala! Como foi difícil não cair no melodrama! É um tema dramático por si só.
      Fico muito feliz que você tenha gostado.

      Obrigada!

      • givago99dthimoti
        19 de março de 2024

        Oi, Kelly!

        Às vezes eu acho que a linha é tão tênue entre o drama e o melodrama que eu nem gosto muito de citar – igual quando falam que um conto é panfletário. Mas eu gostei muito da peça.

  11. Gustavo Araujo
    18 de março de 2024

    Gostei da peça. O maior mérito é tratar com leveza um tema que tem tudo para cair no melodramático. A chegada da avó à casa, padecendo de demência, é o gatilho para que compreendamos a maneira como funciona a cabeça das pessoas ao redor — as filhas, a neta, os genros — sem cedermos ao drama fácil. Ao contrário, esse fato nos permite entrever a infância da própria avó, passando pelas brincadeiras infantis, observando um mundo há muito desaparecido, idealizado talvez, em que tudo era mais fácil, mais puro, mais seguro. Bem, talvez não fosse, mas é assim que nos parece hoje. Também a relação entre os genros é bem contada, em especial pelo que eles não conseguem dizer um para o outro — um problema surgido logo quando se conhecem e que persiste mesmo passados muitos anos. A relação entre as irmãs, com uma espécie de conflito não declarado entre ambas, também é visível. Sem falar na cena inicial, com as crianças jogando rouba-monte. Enfim, tudo é mostrado de forma natural, sem apelação, contribuindo para com uma experiência de leitura bem agradável.

    Destaco também a habilidade com os diálogos. Não é fácil montar um enredo com base apenas em perguntas e respostas, em opiniões e contestações. Aqui o efeito foi ótimo porque mesmo nas conversas mais simples é possível enxergar tudo o que há nas entrelinhas, com destaque para os pequenos embates não declarados entre os personagens.

    Por fim, mas não menos importante, temos a relação entre Maria Clara e Maria Augusta, neta e avó, transformada em amizade de crianças. É o maior trunfo da peça justamente porque não resvala no sentimentalismo barato. Não que o texto abdique dos problemas causados pela demência — como mostram os trechos entre Maria Helena e Maria Augusta — mas é na relação entre neta e avó que reside o gancho que torna o conto, ou melhor, a peça, muito boa.

    Parabéns!

    • Kelly Hatanaka
      19 de março de 2024

      Oi Gustavo!

      Que bom que você gostou! Eu estava meio ansiosa, afinal, o formato é novo por aqui, fiquei com receio que as pessoas não curtissem. Mas já vi que a recepção foi boa. Tomara que tenhamos mais dramaturgias.

      Esta peça foi escrita no final do ano passado. Minha turma de teatro queria falar sobre velhice e eu rabisquei um começo, pra gente desenvolver juntos. Rabisquei também outra peça, humorística, que tangenciou o tema (eu descontei 0,5 ponto de tema de mim mesma kkkkk). E no fim eles escolheram a peça humorística para encenarmos. O “Vem pra casa” ficou na gaveta, tadinho.

      Até que surgiu este espaço dentro do EC e o Vem pra casa achou outra casa.

      Obrigada pela sua leitura e pelo seu comentário generoso!

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Informação

Publicado às 18 de março de 2024 por em Dramaturgia e marcado .