EntreContos

Detox Literário.

Noite Adentro (Gustavo Araujo)

Lembro como se fosse ontem. O estádio cheio, lotado, na verdade. Eu tinha uns oito anos ou nove. Olhava as arquibancadas ao redor. De longe, parecia uma tapeçaria imensa se agitando com o vento. Era a torcida empurrando o time, o nosso time, pai. Semifinal do Brasileirão. Precisávamos vencer de três. Era o jogo mais importante da minha vida. Nessa idade a gente acha que já viveu bastante, né? E você estava lá. Você, que não suportava futebol, que dizia que era ridículo ver vinte e dois caras correndo atrás de uma bola. Mas você foi comigo. Por mim. E quando saiu o terceiro gol? Nem acreditei! O estádio explodiu. A gente não era favorito e de repente tudo parecia possível. Todo mundo gritava e pulava. Até você! Foi isso que me deixou mais impressionada. Você comemorando o gol da classificação. Rindo, me erguendo do chão, me abraçando. Você não estava nem aí para aquele jogo, no fundo eu sabia, mas a sua alegria era verdadeira, talvez porque refletisse a minha própria felicidade. Jamais seríamos campeões, mas ali, naquele momento, isso não importava. A ignorância do futuro nos colocava a salvo de qualquer decepção.

Há quanto tempo foi isso? Uns trinta anos? Deve ser… Acho que foi nosso momento mais autêntico. Claro que houve outras ocasiões em que nos divertimos, em que demos risadas, mas ali, naquele jogo, foi como se o tempo tivesse parado. Se eu pudesse, colocava numa moldura e pendurava aí, sobre essa cama onde você está dormindo agora, o reflexo do que um dia fomos, do que poderíamos ter sido. Do que tivemos de mais verdadeiro e que poderia ter resultado em qualquer coisa, menos nesse seu pedido de ajuda para se suicidar.

Por que a gente cresce, pai? Não dá para ficar criança por mais tempo? Sempre achei idiotas as pessoas dizendo “o tempo passa muito rápido, então aproveite”. Bando de retardado vomitando frases feitas. Mas hoje, olhando você assim, é duro discordar. Quase imóvel, a voz um fiapo, conversando comigo como se nunca tivéssemos parado de nos falar. A criança agora é você e sou eu quem tem que tomar as decisões. Engraçado como isso funciona. Logo você, tão ativo, tão seguro. Como eu te admirava, pai… Por que você fodeu com tudo? E vem com essa agora…

Naquela época você vivia fora de casa. Te lembro sério, dizendo que não tinha jeito, que o trabalho te obrigava a viajar toda semana… Mas eu percebia, mesmo pequena, que você gostava daquilo. Ninguém chateado de verdade entra no carro e vai embora assobiando. Era difícil para a mamãe, apesar de você telefonar de vez em quando. É que tudo ficava nas costas dela: levar eu e o Marquinhos para a escola, ir no mercado, no banco, na farmácia… Mas a gente se resignava, pai. Era o seu emprego, né? E eu com aquele medo enorme de que você sofresse um acidente. Aliás, para mim era questão de tempo até um motorista bêbado invadir a pista contrária e passar por cima de você. Bastava o telefone tocar e eu já pensava que era isso, que a mamãe viria aos prantos dar notícia de que você tinha morrido por causa de um caminhão desgovernado e que a gente ia ter que morar com o tio Valdir e a tia Rebeca. Já me via aturando meus primos falando de pescaria o dia todo. Mas o pior seria ficar sem você. Era meu pior pesadelo.

Acho que de certa forma você sempre soube disso, desse meu temor. Até porque nunca te enxerguei como super-herói, como o mais forte. Havia algo de frágil na imagem que eu tinha de você, talvez pela calvície ou por você estar sempre acima do peso. Chega a ser irônico lembrar disso enquanto você está aí, pesando o mesmo que eu aos nove anos de idade.

O gozado é que naqueles dias quando eu era criança você era o sujeito mais generoso do mundo. Um dia te pedi dinheiro para comprar sorvete e você disse para eu pegar na sua carteira. Só tinha uma nota de dez cruzeiros lá e você disse que era minha, que eu podia fazer o que quisesse com ela. Nenhuma amiga minha tinha essa sorte. A maioria delas nem sonhava com isso, em mexer na carteira do pai. Chamavam o pai e a mãe de senhor e senhora, tinham que ir à missa, dormir cedo e prestar contas até dos centavos que gastavam no lanche do colégio. Algumas até apanhavam de cinto se faltasse alguma moedinha. Você era mesmo diferente e eu tinha consciência disso, nunca levantou a mão para nós por motivo nenhum, nunca ergueu a voz, nunca deu sermão. E ainda me deixava assistir “Desejo de Matar IV” depois dos Gols do Fantástico, só porque o Charles Bronson era o seu ator favorito e precisava ser o meu também.

Eu era ingênua demais. Você e a mamãe… Eu não tinha dúvidas de que vocês se gostavam de verdade, ao contrário dos pais das minhas amigas, que viviam discutindo. Você sempre tinha alguma coisa legal para a mamãe, um presente, um brinco, qualquer coisa que trazia depois de uma semana fora. Até eu e o Marquinhos ganhávamos nossas lembrancinhas. Eu sorria, feliz, mas imaginava que era uma maneira de você compensar a ausência de casa. Que tocante… A pequena pirralha se achando madura, comovida com o pseudo-sacrifício paterno.

Aí veio minha adolescência. Foi quando suas viagens aumentaram. Agora duravam quinze ou até vinte dias. Mamãe falou de ir junto uma vez, mas você convenceu ela de que não ia ser bom me deixar sozinha com o Marquinhos, que eu não tinha maturidade para cuidar dele, mas que talvez no próximo ano fosse diferente. Só que essa próxima vez nunca chegou. Os sinais estavam lá, só que eram tão evidentes que ninguém percebia. É como dizem as pessoas desprovidas de criatividade: “simples assim”.

Nessa época minha ingenuidade cedia lugar à autoafirmação e a um mau humor constante. Mas você estava lá, pai. Me procurava para conversar e até me ensinou a dirigir. Eu era a única da minha turma que podia pegar o carro emprestado. Todo mundo morria de inveja. Eu lotava nosso Escort e saía com as meninas escutando a fita do Tears for Fears.

Foi nos dias em que eu me preparava para o vestibular de engenharia que tudo veio à tona. Clichê dos clichês: você tinha outra família. Outra mulher e outro filho, lá em São José. Nem sei como a mamãe descobriu, mas ela ficou arrasada, você sabe. Não tinha nem o que explicar… Foram dias terríveis. Mamãe tentando disfarçar a tristeza diante de mim e do Marquinhos… Era inútil. Queria mostrar força, a coitada, manter a rotina, fazer de conta que podia seguir em frente, que era só um obstáculo a mais na vida… Só que era difícil demais. Ela dizia que sempre confiou em você, que tinha certeza de que você nunca ia fazer nada para magoar a gente… “Nenhum homem presta nesta merda de mundo”, ela arrematava, mesmo com meu irmão por perto. Depois vinha se desculpar com ele às lágrimas.

Você nunca viu isso, pai. Talvez nem tenha ideia do que foi esse inferno de choro e lamentação constante. E por quê? Porque você sumiu, desapareceu de vergonha. Ali eu percebi que você era um coitado, um covarde. Nunca passou na minha cabeça que você pudesse fazer isso. Nem a desculpa de que você tinha uma vida miserável com a gente cabia nessa história, porque nós éramos uma família feliz. Você, a mamãe, nós… E o mais doloroso foi ouvir a mamãe falando baixinho, por anos a fio, “um dia ele se arrepende e volta.”

E quanto a mim? Achava que a gente tinha uma conexão especial, que você nunca ia me esconder nada. Que se um dia você deixasse de gostar da mamãe eu seria a primeira a saber… Que otária… Pensava que mesmo com outra família na jogada eu continuaria sendo a sua favorita, que de alguma maneira íamos permanecer ligados. Claro, queria me enganar, me agarrar à esperança de que nossos melhores momentos não iriam simplesmente evaporar. Ingênua eu… Igualzinha à mamãe.

Por sorte, não tivemos que morar com o tio Valdir e a tia Rebeca, mas a gente passou um aperto gigante por sua causa. Pensão? Responsabilidade? Isso não rimava com você, pai.  Fora um ou outro cheque que chegaram pelo correio, você jamais assumiu o seu papel. Mamãe até pensou em entrar com um processo, mas preferiu virar a página. Tinha medo de que algum juiz tirasse eu e o Marquinhos dela e nos entregasse a você. No fim ela vendeu umas joias que a vovó tinha deixado de herança e a gente foi morar lá em Santa Luzia, onde o aluguel era mais barato. Achou emprego num escritório de contabilidade e virava a noite estudando. Queria passar num concurso da prefeitura. Já eu nunca entrei em engenharia, por óbvio… Arranjei uma vaga de balconista numa farmácia cujo dono parecia um nazista de tão sádico. Pior foi o Marquinhos, que foi trabalhar de ajudante numa creche. Era só um tantinho mais velho do que as crianças de lá, ninguém respeitava ele.

Isso faz tempo, você não sabe. Mamãe acabou passando para agente de trânsito, mas nunca mais se relacionou com ninguém. O Marquinhos se tornou diretor de um asilo perto de casa e nunca se casou. Até gostou de um cara, um encostado que vivia bebendo. Enfim, não tinha como funcionar. Eu, apesar dos pesares, fui promovida a gerente da farmácia. Me casei com um rapaz chamado Ângelo e tivemos dois filhos, o Bruno e o André, mas tem um terceiro a caminho, o Lucas. Não, você não conhece nenhum deles. Enfim, nosso salário é curto e a criançada estuda no grupo escolar. Temos um Uno velho na garagem, mas pelo menos não enganamos ninguém. Nossa alegria é assistir jogo no estádio com os meninos de vez em quando.

Num mundo perfeitamente justo, o Marquinhos ia topar com você no asilo. Alguém ia te deixar lá, todo fodido, sem grana, e desaparecer. Era essa a minha ideia de justiça, que você definhasse sem ninguém para te acudir. Mas o mundo dá voltas estranhas.

Ontem, na farmácia, recebi um telefonema dizendo que você estava mal. Era alguém da família da Tânia. Cadê a Tânia, perguntei, por que você não incomoda ela com esse assunto? A Tânia morreu, o sujeito respondeu, já faz tempo. E o Ricardo? Também, os dois num acidente de trânsito faz uns anos, um caminhão desgovernado invadiu a pista. Que ironia, não, pai? Por um instante pensei na balança da justiça, mas depois me envergonhei. Eles nunca tiveram culpa de nada.

Resumo: você estava no hospital e tinha pedido para alguém me chamar. Aqui vim eu, nem acreditei… Não contei à mamãe nem ao Marquinhos. Enquanto viajava me via invadida por mil memórias. Ensaiei mil discursos, frases em que te chamava de egoísta, em que vociferava como você destruiu todo o nosso futuro, o meu futuro. Quando cheguei, porém, fiquei sem reação. Você, assim, velho e acabado, com os olhos inchados de expectativa infantil. Foi um misto de pena, raiva e angústia.

Conversamos eu e você, mesmo aos trancos. Você disse que estava muito orgulhoso de mim e do meu irmão, que se considerava feliz porque que tinha feito a sua parte, já que, mesmo de longe, nunca deixou de cuidar de nós. Foi o que você falou. Senti vontade de vomitar, sério. À beira da morte você queria se convencer de que teve uma vida exemplar, isenta de grandes erros. Pior, queria minha confirmação, que te absolvesse.

Minha vontade foi dizer que graças à mamãe é que a gente sobreviveu – sobreviveu –, e que você não teve nada a ver com isso. E sim, que aqueles cheques de merda não fizeram qualquer diferença. Queria ter dito isso na sua cara, mas foi tão surreal ver você bancando o pai presente, aí, nessa cama, mais morto do que vivo, que de novo eu não consegui. Tudo é ilusão, você comentou em seguida, com um ar de falsa sabedoria. Mas talvez seja mesmo.

Isso foi hoje de manhã, quando você disse também que não acreditava em deus, anjos, nessa lenga-lenga toda. Que não era justo sofrer assim e que precisava de ajuda. Tinha certeza de que ia entrar em coma e não queria ter a vida sustentada por aparelhos. E que eu podia pegar um remédio na farmácia para acabar rápido com essa agonia. Pensa bem, você falou, quanto antes eu morrer, Celine, mais cedo você dá um jeito na sua vida por causa da herança… Uma graninha sempre ajuda a recomeçar.

É madrugada agora. Você dorme profundamente. Observo seu corpo esquálido, os ossos despontando sob o lençol. Ouça o que eu te digo, pai, não existe porcaria nenhuma de recomeço. É tudo uma coisa só, a vida. Herança? Quem quer saber de herança ou graninha? Por que você desapareceu de mim? Por que nunca procurou a gente? Era essa a verdade que eu queria, não essa tentativa patética sua de permanecer no controle até o fim. Por que não tenho coragem de te confrontar com isso?

Imagino você dando presentes à Tânia, indo ao estádio com o Ricardo, vocês pulando e se abraçando com um gol qualquer. Será que você assistia aos filmes do Charles Bronson com ele também? Ensinou ele a dirigir? Ah, pai, é isso que me faz chorar de verdade. De raiva, de saudades de você. Eu te amava, cara. Você era meu mundo.

Talvez você esteja delirando, talvez me veja como a menina que um dia fui. Dizem que na hora derradeira as pessoas buscam conforto em suas memórias mais cândidas, mais remotas. Isso explicaria sua ingenuidade, esse seu quase retorno à infância, seu pedido por mim, por um remédio mágico para te libertar do sofrimento. Só que isto não é um filme imbecil que passa de madrugada, pai, em que eu te ajudo a se suicidar e saio tranquila pela porta da frente.

Escute o bipe dos monitores. A hora está chegando. A sua, a minha. Teria você sofrido com esse afastamento da gente tanto quanto nós sofremos? Sentiu saudades? Inútil pensar nisso. Já não importa… No fim, a vida te demoliu também, não é? Penso no meu filho que está para nascer, o Lucas. Fico imaginando se o lugar para onde você vai é o mesmo de onde ele vem.

Lembro daquele nosso dia no estádio e sinto um aperto no peito. Posso estar delirando como você, presa àquelas memórias… Se sou a criança daqueles dias, você também é o pai daqueles dias.

Ouço sua respiração entrecortada, os batimentos cardíacos lentos e espaçados. É nessa hora que percebo: ainda que jamais tenhamos sido campeões juntos, ficarei aqui noite adentro. Até o fim. Porque só desse jeito é possível recomeçar de verdade.

Te amo, pai.

……………………………..

Texto atualizado em 10/03/2024

Sobre Fabio Baptista

25 comentários em “Noite Adentro (Gustavo Araujo)

  1. Jussara Araujo
    19 de março de 2024

    A história é triste, mas muito bem narrada pela Celine que fez da construção de um pai, aquele Pai idealizado como herói. Mas ele era humano com todos seus erros e acertos capazes de evocar sentimentos de culpa e perdão e reconciliação. Nem todas as realidades são boas, este texto mostrou também a fragilidade do ser humano “NOITE ADENTRO”! Boa sorte no Desafio do ENTRE CONTOS!😘👏👏👏

  2. Marlo Werka
    18 de março de 2024

    Velho do céu…
    “Noite adentro”, li agora. Que paulada!
    Excelente. E nem me importei com a variação de um texto mais visceral da Celine com uma narrativa, por vezes, mais sólida. Achei genial.
    É daqueles contos contos de aplaudir de pé, com a alma feliz.

    Me pareceu realmente aquele discurso em carta ou direto mesmo a alguém prestes a partir, não ensaiado, em que o narrador quer dizer um monte de coisas mas nada ensaiou…
    Então, as emoções vêm em montanha-russa. Às vezes desaceleram e ficam mais racionais, para depois entrar em mergulho profundo.
    Bah…👏👏👏👏

  3. claudiaangst
    13 de março de 2024

    Olá, Gustavo, tudo bem?

    Estou lendo aos poucos os contos que não constaram da minha lista obrigatória. E cá está o seu texto, bem escrito, carregado de emoção. Não sei por que imaginei uma cena entre um pai e um menino, acho que são os estereotipos que vamos formando e nos deformando com o tempo. Muito linda a relação pai e flilha, ele o herói da pequena, como muitas vezes acontece. E como também acontece na vida real, o desencanto chega mais cedo ou mais tarde. Os castelos de areia se desfazem na primeira maré alta… Tudo muito frágil nessa terra de ilusões. E como são contraditórios os sentimentos de quem amou tanto e se sentiu amada por um pai, mesmo quando esse parte … ou se parte em mil pedacinhos de decepção. Vidro ordinário, nem cristal era. E a menina perde o castelo, o cavaleiro, os sonhos… Triste. Gostei muito do seu conto, do recomeçar que está na necessidade de acordar e seguir em frente, de começar tudo de novo mesmo sem um pedaço do coração. Parabéns.

    • Gustavo Castro Araujo
      13 de março de 2024

      Oi, Claudia. Muito obrigado pelo comentário, em especial pelo trecho “E como são contraditórios os sentimentos de quem amou tanto e se sentiu amada por um pai, mesmo quando esse parte … ou se parte em mil pedacinhos de decepção”, que é o que consolida o que pretendi passar no conto. Valeu mesmo!

  4. Sílvio Vinhal
    10 de março de 2024

    Texto muito bem escrito, um dos meus preferidos, embora não tenha sido parte dos meus obrigatórios. A história se desenvolve de forma sensível, gerando identificação por parte do leitor – principalmente aqueles que tiveram um relacionamento difícil com o pai. Percebe-se domínio da escrita e talento. Parabéns!

    • Gustavo Castro Araujo
      13 de março de 2024

      Obrigado pelo comentário, Silvio. Sim, relações entre pais e filhos são matéria de primeira grandeza na literatura. Que bom que você gostou. Agradeço mais uma vez por suas impressões, considerando principalmente que o conto não figurou entre os seus obrigatórios. Valeu!

  5. Alexandre
    9 de março de 2024

    Contos focados em reminiscências sai sempre pesados. É injusto e até inglório resumir uma vida em alguns parágrafos. Mas o autor fez um bom trabalho, foi conciso, escolheu bem as palavras de impacto. O conto foi muito bem escrito, apresentou uma história realista e bem estruturada. Fiquei em dúvida se não passou o limite de palavras, mas não chequei. Parabéns ao autor. Nota 8.

  6. Karina Dantas Nou Hayes
    7 de março de 2024

    Celine, personagem narradora do conto escreve para o pai que está no seu leito de morte. Um desabafo dolorido. Uma carta escrita e umedecida pelas lágrimas. Celine conta tudo o que viveu com o seu genitor. Suas mais doces lembranças, e também as amargas, suas boas e más impressões, ilusões, conclusões, suas infinitas mágoas. Faz uma reflexão sobre as experiências vividas, mal vividas e também sobre as que ele deixou de viver com ela. Lamenta muito pelas suas infelizes escolhas. Não compreende o seu jeito de amar ao oferecer-lhe uma herança a troco de um possível recomeço. Seu sofrimento era tanto que chegou ao ponto de tentar comprá-la com essa ideia de ajudá-lo a suicidar-se. Mas para Celine, foi um sofrimento necessário para que podendo estar ao seu lado até o fim, podendo estar com ele como diz o título: Noite adentro, ela poderia ver o dia florescer. Só assim, organizando todas essas memórias, todos esses sentimentos, ao seu lado, a dor da perda não seria tão inconsolável. Porque para ela, seria uma grande oportunidade de, enfim, mais leve, recomeçar.

  7. iolandinhapinheiro
    6 de março de 2024

    Pensei muitas coisas lendo este seu conto. Pensei em pessoas que conheci, e nas suas vidas solitárias. Em um tio problemático que a vida inteira foi hostilizado pelos parentes que se deram bem na vida, na tia solteirona que acabou sendo a mãe de tantos sobrinhos, e também nas pessoas que, por egoísmo, destruíram as próprias vidas e de quem estava por perto. Este seu conto é sobre lembranças e resgates, e de como sempre estaremos dispostos a perdoar e amar.

    Agora mesmo estou ajudando o meu antigo sogro a superar um AVC. Nestas horas é que a gente descobre que os laços desfeitos ainda podem se recompor se existe carinho, consideração e boa vontade, mesmo que a convivência não tenha sido a mais agradável quando era próxima. Tenho visto o meu ex sogro com mais frequência do que via quando ainda era casada com o filho dele.

    Isso também tem sido um ensinamento para o meu próprio filho, de desprendimento e de amor.

    Parabéns pelo conto e sorte no desafio.

    • Gustavo Castro Araujo
      13 de março de 2024

      Obrigado pela leitura, minha amiga. É sempre um prazer ser lido por alguém com tamanha sensibilidade. O fato de você não estar participando do desafio torna sua disposição ainda mais admirável. Valeu mesmo!

  8. Priscila Pereira
    2 de março de 2024

    Olá, Celine! Tudo bem?

    Seu conto não está na minha lista de obrigatórios então não poderei avaliá-lo, mas quero deixar meu comentário.

    Gostei bastante do conto, está bem escrito, é sensível e direto, as lembranças do passado se misturando com o presente ficaram harmoniosas gerando interesse na leitura.

    A história em si é bem triste… o abandono sofrido na adolescência, a imagem do pai se despedaçando, como a família conseguiu se reerguer, e o final, com o pai a beira da morte procurando o consolo da ajuda da filha para morrer… Mas o final com o aceno de um possível recomeço é esperançoso.

    Seu conto me fez pensar que os traumas sofridos pelos filhos, por conta dos pais, muitas vezes são tão profundos que impedem que levem uma vida realmente boa e feliz, mesmo que tudo pareça bem… É muito triste mesmo.

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

  9. Regina Ruth Rincon Caires - Caires
    2 de março de 2024

    Noite Adentro (Celine)

    O desenrolar deste conto é todo feito entre amor e mágoa. Triste, denso, profundo. Num curto tempo, uma noite, a personagem revive as alegrias e dores trazidas pelo pai durante a vida.  Percebe-se a ligação intensa que havia entre eles. Interessante a elaboração perfeita das características psicológicas que o autor faz do “pai”. Um pai liberal, generoso. E um homem sem peias, de espírito livre. É um personagem tão bem construído que, já de início, o leitor vai colocando um pé atrás, vai assimilando um certo enjeitamento…

    A linguagem coloquial foi muito bem trabalhada, deixa o contar bem próximo, tocante. E o relato desenfreado, feito aluvião, faz com que a leitura siga o mesmo ritmo. E também o desconforto. Um texto que carrega o leitor, puxa pela mão. E o desfecho aberto, excelente…

    Celine, o seu trabalho é excelente. Posso dizer que é fruto de talento, de competência e de encontrar muito prazer naquilo que faz. Obrigada por nos presentear com este texto. Quando crescer, eu quero ter um tiquinho deste dom.

    Parabéns pelo trabalho!

    Boa sorte no desafio!

    Abração…

  10. Antonio Stegues Batista
    1 de março de 2024

    O conto é um drama de família. A história de um homem que tinha duas famílias e passava algum tempo com cada uma delas, sem que uma soubesse da existência da outra. Quando estava ausente, dizia que estava viajando a trabalho. A narrativa é feita pela  filha da família original, que foi assisti-lo no hospital quando sofreu um acidente de carro. Ali ela relembra o passado com o pai, fala dos momentos bons que viveram juntos, critica a atitude dele, a escolha errada. A escrita é normal, o texto bem construído, o enredo é bom, baseado na vida real, eu conheci uma história semelhante. Não é uma ideia original, mas o drama contido na narrativa é impactante, dá para sentir as emoções da personagem narradora. A estrutura do conto com parágrafos com mais de cinco linhas ficou ótimo, dando espaço correto na narração de tempo e perspectiva.

  11. Fernanda Caleffi Barbetta
    26 de fevereiro de 2024

    Celine, parabéns pelo texto.

    O conto, muito bom, demonstra sua maturidade na escrita. É um texto bem escrito.

    Gostei da escolha pela narradora se referindo ao próprio pai, como uma carta sendo escrita a ele, uma carta de desabafo. Porém, quando esta escolha é feita, alguns trechos ficam um pouco estranhos porque o leitor tem a impressão de que a narradora não fala com o pai, ela fala com ele. Explico: há momentos em que o leitor diz: ela não precisaria dizer isso a ele, não precisaria dar este tipo de detalhe ao pai ou não contaria a ele desta maneira, ela quis dizer isso para mim. Exemplo: “Isso foi hoje de manhã, quando você disse também que não acreditava em deus, anjos, nessa lenga-lenga toda. Que não era justo sofrer assim e que por isso precisava de ajuda. Tinha certeza de que ia entrar em coma e não queria ter a vida sustentada por aparelhos. E que eu podia pegar um remédio na farmácia para acabar rápido com essa agonia”

    Outra coisa, mas aí é algo mais pessoal, é que o texto, em alguns momentos, ficou cansativo, monótono. Talvez se fosse um texto mais curto, funcionaria melhor.

    A linguagem da narradora segue a norma gramatical, por isso estranhei poucos deslizes: “Se eu pudesse, colocava numa moldura e pendurava aí” / “mas você convenceu ela” /

    “motorista bêbado invadir a pista contrária e passar por cima de você” – seria por cima do carro? Fiquei imaginando por que ela pensaria nele andando na rua/estrada e um caminhão passando por cima dele. Como cita as viagens, acredito que se refira a passar por cima do carro, ou bater no carro. São coisas que parecem bobas, mas atrapalham a leitura, fazem o leitor parar e procurar uma resposta, causam estranhamento. Só um apontamento.

    “Alguém ia te deixar lá, todo fodido, sem grana, e desaparecer. Era essa a minha ideia de justiça, que você definhasse sem ninguém para te acudir” – No asilo, ele seria acudido? Soou um pouco sem sentido.

    Apesar do que coloco nos apontamentos, o texto me agradou. Parabéns.

    • Gustavo Castro Araujo
      13 de março de 2024

      Oi, Fernanda. Acho que falhei em algum ponto no texto no momento em que permiti que alguns leitores, como você, entendessem que se trata de uma carta. Na verdade, é um monólogo, um desabafo em que Celine verbaliza frustrações e amor em relação ao pai — daí o uso da linguagem informal que você apontou. Mas, enfim, me alegra saber que você gostou do texto. Sigamos em frente! Muito obrigado pela análise!

  12. mariainezsantos
    26 de fevereiro de 2024

    Bela narração do jogo da vida entrecortado com o futebol como paixão. Uma maneira bem humorada e nostálgica de desenhar o desejo da vitória e a decepção da derrota

    • Gustavo Castro Araujo
      13 de março de 2024

      Seria muito melhor se você tivesse realmente lido o texto, Maria Inez. O futebol é um detalhe ínfimo no conto, que na verdade não tem nada de bom humor — ao contrário. Torcendo aqui para que dá próxima vez você compreenda o sentido do desfio e se dedique à leitura dos contos tanto quanto os demais participantes se dedicaram a ler o seu próprio. Um abraço.

  13. Givago Thimoti
    25 de fevereiro de 2024

    Noite adentro (Celine)

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Recomeço – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

             Como eu já avaliei todos os 12 contos mínimos, chegou o momento de comentar “no amor”. Não terá nota, tampouco vou comentar sobre questões gramaticais. Irei escrever apenas sobre minhas impressões e o que tocou ou não o leitor nesse conto.

             Impressões iniciais: 

    + Conto potente e denso. Daqueles que se você se identifica com a personagem, termina com um amargo nó na garganta

    + Monólogo de uma filha para o pai moribundo

             Alma:

    Não tem muito o que escrever sobre esse conto. Acho que a melhor reação seria encontrar pessoalmente a escritora/o escritor e cumprimentar, parabenizar pelo trabalho. É um monólogo poderoso, denso, que consegue conectar o narrador ao leitor, seja por uma relação turbulenta com o pai, seja por já ser traído por alguém que ama e confia, seja por uma mágoa não resolvida… Assim como o pai moribundo, não podemos pedir nada mais da narradora. Foi tudo dado.

             É um conto lindo, com palavras simples, com sentimentos extremamente complexos. Há raiva, há mágoa, há até mesmo culpa e, no meio disso tudo, há ainda amor.

             A humanidade e sua complexa rede de sentimentos.

  14. danielreis1973
    23 de fevereiro de 2024

    Comentário:

    Um conto epistolar, no qual a filha desabafa ao pai moribundo o quanto o abandono dele representou em dor e sofrimento para ela, a mãe e o irmão; com outra família, ele deixou de acompanhar o crescimento dela. O ponto que mais gostei foi a ambiguidade no sentimento, às vezes afetuoso nas lembranças, às vezes vingativo e amargo nas cicatrizes. Outro destaque foi a imaginação sobre se o descrito no começo do conto, o jogo de futebol, teria sido experienciado e com tal medida na outra família.

    Critérios de avaliação:

    1. Premissa: interessante o estilo epistolar, um pouco distante do conto tradicional narrativo, o que, no entanto, não invalida como forma de conto. Acho apenas que o tema do desafio, Recomeço, fica em segundo plano, sendo o recomeço descrito mais uma despedida.
    2. Construção: A narrativa é linear e coerente, facilitando ao leitor o entendimento. O envolvimento emocional da voz narradora também causa um efeito de desconfiança, já que só temos acesso a um dos lados da história.
    3. Efeito: o efeito geral é razoável, com destaque para o componente emotivo – personagem bem construída e crível. O ponto que menos me agradou foi o final misterioso, muito aberto – afinal, ela atendeu ou não o pedido de ajuda do pai?
  15. Vladimir Ferrari
    19 de fevereiro de 2024

    Uma grande frase no parágrafo primeiro (bem construído, até): “A ignorância do futuro nos colocava a salvo de qualquer decepção”. Senti um “quê” de deja-vú por conta de outro texto do desafio, mas já no segundo parágrafo a narrativa se aprofundou e fisgou um interesse mais apurado. Há algum excesso de pronomes (“eu”, principalmente), que poderia ser evitado. Na minha opinião, encorparia a emoção com frases curtas. Colhi uma grande lição “Ninguém chateado de verdade entra no carro e vai embora assobiando” bateu nas minhas convicções como um alerta (muitíssimo grato por isso). Então, a digressão deu uma “encumpridada” desnecessária na narrativa. Focar nos sentimentos da protagonista e aprofundá-los ainda mais, talvez, sem “rodeios”. Resumindo: um pouco além da conta, na minha opinião. Faltou o arremate. Celine não recomeça, volta e preserva o sentimento. É bonito, é tocante, mas na minha opinião, ficou aquém de um recomeço. Sucesso.

  16. fabiodoliveirato
    16 de fevereiro de 2024

    Buenas!

    Irei usar dois critérios para avaliar os textos deste desafio: técnica e criatividade. A parte técnica abrange toda a estrutura do conto, desde o básico até o estilo do autor. E a parte criativa abrange o enredo, personagens e tudo que envolve a imaginação do autor.

    Vamos lá!

    TÉCNICA

    Em linhas gerais, o conto está bem escrito. Nenhum erro grosseiro, boa organização textual (de parágrafos, de frases), narrativa bem cadenciada. Pessoalmente, a leitura transcorreu sem grandes problemas, apesar de ter sido uma leitura apática, da minha parte.

    Na parte técnica, acredito que alguns pontos poderiam ser repensados. O uso de “mamãe”, por exemplo. No decorrer da leitura, toda vez que “mamãe” é utilizado no texto, senti que a narradora estava sendo infantilizada. Como se fosse frágil, sabe? Não combinou bem com a personagem madura apresentada no final do texto, forte o suficiente para encarar o pai no leito de morte e não quebrar. Além disso, o uso de “pai” junto com “mamãe” causa certo estranhamento. É importante refletir bem o uso das palavras para causar o efeito desejado no leitor, sem fazer com que isso seja incoerente com o personagem criado. Eu sei que na vida real tem gente que chama o pai de “pai” e a mãe de “mamãe”, mas estamos falando de literatura e quais os efeitos que as palavras têm sobre os leitores.

    Ah, dê uma atenção especial na lapidação do conto: o excesso de “eu” foi o maior empecilho durante a leitura. Nada grosseiro, claro, mas poderia dar uma enxugada no uso dos pronomes. É algo que embeleza o texto e deixa a leitura mais gostosa.

    CRIATIVIDADE

    Diferente de outros participantes, considero o tema importante na hora de avaliar o conto. Mas sou bem flexível. Apesar do enredo não apresentar um recomeço literal, o conto é sobre a necessidade de recomeçar. A protagonista é assombrada pelo abandono do pai desde a infância. E o ato de encontrá-lo no hospital, representa, para ela, a oportunidade de deixar tudo aquilo para trás e recomeçar.

    Talvez alguns leitores não captem bem esse detalhe da trama.

    Agora, sobre o enredo, não posso falar que gostei. Pouco original, um pouco interessante. Lembra que comentei que a leitura havia sido apática? Então, foi por causa disso. O conto está bem escrito, certamente, precisa apenas de mais cuidado na lapidação. Mas falta algo. Talvez seja a execução da ideia, que, pra mim, tentou forçar a empatia do leitor, ao invés de conquistá-la. Talvez seja a personagem, um tantinho sem sal e genérica nesse tipo de história. Acredito que o conto vai funcionar melhor para os leitores que se identificam com a situação da protagonista.

    É muito difícil escrever sobre assuntos desgastados, usados em demasia pela literatura e outras mídias artísticas. Música, cinema, teatro. Precisa ter algo que o destaque dos demais. Que o faça brilhar. E muitas vezes isso acontece através da forma como a história é contada. 

    A criatividade não está apenas na hora de criar mundo inovadores, mas também na hora de contar histórias já conhecidas pelo público.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O conto não é ruim e a leitura foi tranquila, em linhas gerais. Só não me impactou. Não sei se ajuda, mas exercitar a criatividade poderia te ajudar bastante a criar histórias memoráveis. Você já escreve bem. A lapidação é hábito, disciplina e persistência. Agora, em contrapartida, desenvolver a imaginação é uma das partes mais difíceis. Pode ser um grande divisor de águas.

    Bom desafio!

  17. Kelly Hatanaka
    15 de fevereiro de 2024

    Estou avaliando os contos de acordo com os seguintes quesitos: adequação ao tema, valendo 1 ponto, escrita, valendo 2, enredo, valendo 3 e impacto valendo 4.

    Adequação ao tema
    O conto resvala no tema. O pai ausente pede à filha ajuda para morrer e chama isso de recomeço. Mas fico com a impressão de que o “recomeço” só está aí para encaixar o tema. O texto fala, ao menos para mim, muito mais sobre fim, conclusão, fechamento de um capítulo.

    Escrita
    Um conto muito belo, escrito de forma correta e segura. A narrativa é fluida e a personalidade da narradora fica clara. É tão convincente, Celine, que se você for um homem, vou ficar muito surpresa.

    Enredo
    A história é muito boa, envolvente, e a maneira como ela é contada, como as reminiscências de Celine, tornam tudo mais intimista e imersivo. As memórias da infância feliz, em comparação com o presente cinzento aumentam a compreensão das consequências do abandono do pai e da quebra da imagem de perfeição paterna.

    Impacto
    Gostei muito deste conto, uma história comovente e bem contada. No fim, fiquei torcendo para que Celine não fizesse o que o pai pedia. Que bom que não fez. Seu conto me fez lembrar do ótimo Doze Dias, do Tiago Feijó. Gostei também da maneira como muita coisa foi dita nas entrelinhas do conto, o impacto do abandono é mostrado em pinceladas muito hábeis.
    Parabéns pela participação!

    Kelly

  18. Marco Aurélio Saraiva
    13 de fevereiro de 2024

    Conto forte, muito impactante. O que traz o impacto é a sinceridade no discurso, o sentimento nas palavras. A leitura ficou um pouco na forma de fluxo de consciência; não necessariamente isso, mas eu consegui me ver ao lado da narradora, sentada ao leito do pai morimbundo, jogando para fora anos e anos de frustração, e tudo saindo de uma vez só, em um fluxo único. Deu até aperto na garganta.

    Como um conto o texto funciona estranhamente bem. A princíio ele parece apenas os devaneios cheios de ira de uma filha frustrada, mas parando para analisar, o texto começa em um lugar alto: a infância, as lembranças boas e inocentes. Então vai decaindo e decaindo até chegar ao fundo do poço, onde a narradora está em seu pior estado. Mas no final, bem no finalzinho, nos dois últimos parágrados, há a correção e a redenção, e mesmo que ela não perdoe o pai, ela finalmente abraça a realidade da sua vida, e aceita o recomeço. Muito bem feito!

    O que não gostei: a escrita ficou um pouco indecisa. Eu notei a tentativa de dar um tom mais visceral à narrativa com essa escrita mais coloquial, como se ela realmente falasse às pressas, em uma explosão de sentimentos. Então, trechos como os abaixo funcionam muito bem, por quê nos aproximam da narradora e nos fazem imaginá-la de verdade:

    “Minha vontade foi dizer que graças à mamãe é que a gente sobreviveu – sobreviveu, entende? –, e que você não teve nada a ver com nada. E sim, que aqueles cheques de merda não fizeram qualquer diferença. Queria ter dito isso na sua cara,…”
    “Eu era ingênua demais. Você e a mamãe… Eu não tinha dúvidas de que vocês se gostavam de verdade, ao contrário dos pais das minhas amigas, que viviam discutindo. Você sempre tinha alguma coisa legal para a mamãe, um presente, um brinco, qualquer coisa que trazia depois de uma semana fora.”

    Só que no meio do texto a voz muda de vez em quando, tornando-se mais formal e às vezes até narrativa, como se a narradora parasse de falar com o pai e se tornasse de repente uma narradora em terceira pessoa ao invés de segunda pessoa (que é o que o texto sugere):

    “Levanto e me inclino na sua direção. A respiração entrecortada, os batimentos cardíacos lentos e espaçados.”
    “Ensaiei mil discursos, mil frases em que te chamava de egoísta, em que vociferava como você destruiu todo o nosso futuro, o meu futuro. Quando cheguei, porém, fiquei sem reação.”

    • Gustavo Castro Araujo
      13 de março de 2024

      Muito obrigado pelo comentário, Marco. Suas impressões foram especialmente consideradas para a revisão. Valeu mesmo!

  19. Simone
    12 de fevereiro de 2024

    O texto evolui no tom de um desabafo. A personagem precisa organizar suas memórias e isso terá valor de recomeço. A inquietação do abandono paterno é muito viva no relato. As perguntas não respondidas, mas esse pai recorre à filha num último e terrível pedido de ajuda, que não é um reconhecimento, um pedido de perdão. O perdão não tem espaço nesse relacionamento.
    O sentimento da personagem foi bem elaborado no texto, sentimos compaixão daquela criança que se tornou adulta nesse contexto sofrido de não se sentir amada pelo pai. O pai parece um homem cheio de egoísmo até o fim, pois precisa dela não para pedir perdão, mas para tornar mais fácil sua partida. Creio que ele não conseguiu ser feliz. Não sabemos claramente. Talvez sofra um grande arrependimento que não revelaria.
    A(o) autora(or) fez um texto rico de sentimentos, que passam ao leitor. A história da família vem num flashback da voz narrativa. A cena inicial no estádio é bem elaborada para iniciar o texto, pois é a melhor lembrança da infância. Talvez mais uma cena trouxesse mais vida, uma cena do momento da virada, quando a família percebeu que não contavam mais com o pai. Talvez alguma vez que ela o viu na rua com a nova família. Um texto com ritmo e linguagem adequados, dentro do tema do desafio. Parabéns!

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Informação

Publicado às 10 de fevereiro de 2024 por em Recomeço e marcado .