Cinco e cinco, nasce em noite de lua nova e céu estrelado. O pai ouve o primeiro choro no momento em que um risco de fogo corta caminho pelo meio da constelação do Cruzeiro do Sul.
Mata matraca catraca
Seis e dez, pula da cama na primeira chamada, chuveiro, mingau, fruta, sanduiche. Escova dentes e cabelo, uniforme, lenço, cadernos, livros, estojo, mochila, meias brancas, tênis, caderneta. Quantos planetas tem o Universo? Por que uns são planetas e outros satélites? A gente conta os satélites da NASA também? E se ele for muito grande a gente chama de planeta? E se ele crescer demais vai bater aqui na Terra? A Terra já foi satélite, meteoro ou estrela? Por que Saturno usa anel e não pulseira?
Fecha essa matraca e a porta ou vai se atrasar. Não esquece a lancheira. Olha para os dois lados antes de pensar e nada de conversar com estranhos.
Beija a testa dos pais.
Mata catraca matraca.
Seis e quarenta, escorrega da cama na quinta chamada, meia hora de banho, café, sanduiches, calção de praia por baixo do jeans rasgado, tênis, caderno desbeiçado, caneta, mochila, fone de ouvido, uma perna de grilo, fósforos, troco para o lanche. Astronomia ou astronauta? Qual a distância entre a constelação Ursa Maior e o Trópico de Câncer? Existe Ursa Menor? Por que de Câncer e não de Caranguejo ou de Aquário? Quem quadriculou a Terra em latitude, longitude, meridianos e paralelos? Podemos fazer o mesmo com os outros planetas?
Cala a boca, bate a porta e não pula a catraca do ônibus. Nada de ficar vagabundeando no Planetário e na praia, direto para casa.
Tchau.
Matraca catraca mata.
Sete e vinte, cai da cama, litro de coca, mochila, chinelo, celular, fone de ouvido, murrão, ceda, isqueiro, camisinha, ingresso para a chopada. Por que mesmo faço Direito? Existiria Direito Astronômico com especialização em defesa de extraterrestres? Vou criar o primeiro Tribunal Intergaláctico. Escreverei a primeira Constituição Universal.
Essas besteiras que você fala ainda vão te matar. Olha lá o que você anda fumando, cheirando e bebendo. Não quero cuidar o resto da vida de uma ameba. E não ouse pegar carona com os colegas e volte para casa vivo.
Fui.
Matraca mata catraca.
Seis e dez, sai da cama, café com leite, pão com manteiga, presunto e queijo. Banho, barba, escova dentes e cabelo, terno, gravata, meias pretas, sapatos, lenço, cigarros, isqueiro, pasta, canetas, relatórios, agenda, vale transporte, vale refeição, crachá. Audiência de Conciliação e Julgamento no Tribunal de Pequenas Causas. Petição inicial, pesquisa jurisprudência.
Fecha a porta. Não esquece de trazer o dinheiro da feira, e vê se não se atrasa para o jantar.
Beija a mulher e os filhos.
Catraca mata matraca.
Quatro e quinze. Corre para o banheiro. Volta pra cama e alonga as catracas enferrujadas. Levanta às seis. Remédios. Mingau de aveia, suco, pão integral, queijo branco. Banho, hidratante, óculos, bermuda, camisa polo, meias listradas, tênis. Escova dentadura. Bolsa, boné, protetor solar, remédios, água, toalhinha, pedido médico, RG, carteira do convênio, celular com número de emergência.
Encosta a porta. Não esquece o resultado dos exames e cuidado onde pisa.
Beija a mulher.
Catraca matraca mata.
Que horas serão? Cuidadora com mãos leves, remédios, lenço umedecido, fraldão, cinta ortopédica, pijama, meias compressivas, cinta e sandálias ortopédicas, mingau, chá, remédios, aparelho auditivo, óculos, remédios, janela embaçada. O céu chama os olhos cansados para um risco de fogo. O brilho estelar pulsa na retina opaca, enquanto a mão corre ao ar prendendo o sorriso oco entre os dedos. Leva a presa à boca, engole o sonho e viaja rumo ao infinito.
Quantos planetas tem o Universo?
Catraca, catraca, catraca.
Olá, como vai?
Primeiramente, não serão considerados gosto pessoal e nem adequação ao tema, já que o mesmo passou a ter entendimento extremamente esparso. Para evitar injustiças por não compreender que o autor fez uso dos termos escolhidos, ainda que em sentido figurado, subjetivo, entenderei que todos os contos terão os pontos correspondentes a este quesito.
A minha avaliação é sob a ótica de um mero leitor, pois não tenho qualquer formação na área. Irei levar em questão aquilo que entendo por “qualidade” da obra como um todo, buscando entender referências, mensagens ocultas e dar algumas sugestões, se achar necessário.
Agora, meus comentários sobre o seu conto:
Fiquei intrigado com o título e tal expressão aparecendo ao final de cada período temporal. Suponho que seja o barulho feito pelas engrenagens de uma relógio (no caso, o relógio da vida desta pessoa), acertei?
Bem interessante a narrativa. É rápida, dinâmica, passando uma ideia do perfil do personagem em pequenas cotidianas ações. No entanto, a linearidade do texto levou a um final absolutamente previsível; o conto não apresentou um clímax ou qualquer reviravolta.
O restante do texto tá bem correto, ortografia ok. Boa sorte.
Atende o tema – fala da engrenagem que é o tempo no processo de vida.
Se o tema não é de todo original, pois muito já se escreveu sobre isso, é no estilo do texto que reside, sem dúvida, o seu ponto alto, que o distingue e inova: um estilo lúdico, que se dá pelo jogo entre palavras e imagens (repetido nos subtítulos), entre real e imaginário, entre cronológico e temporal, que o autor joga para cobrir as fases de uma existência humana.
A trama é bastante original, a estrutura joga com ideias e ações que definem o perfil anônimo do personagem central: tem a cabeça literalmente nas nuvens (Astronomia e seus mistérios), e os pés e as ações, por comando exterior, na realidade. Sempre há uma voz, provavelmente feminina – mães, esposa, que o chama de volta à realidade.
A linguagem é simples, coloquial, mas a estrutura redacional – com parágrafos longos, carregados de imagens que se alternam entre pensamentos e ações – é exigente, mas convidativa: pede ao leitor disposição e abertura, para se inserir e acompanhar a ‘jornada’ do personagem ao longo das fases de vida; pede, para melhor fruir o texto, que o acompanhe cocriando seus cenários (reais e imaginários).
Neste Conto o desafio foi vencido com alta dose de criatividade e inteligência.
Olá, Admirável mundo novo!
Eu gostei bastante do seu conto!
Deu pra visualizar com perfeição a vida de uma pessoa, e me fez pensar em como a vida é um sopro, passa tão rápido, e quase não nos damos conta…
Entendi que você comparou a vida com uma estrela cadente que passa rápido, é vista por poucos, admirada por menos ainda e logo já não existe e ninguém se lembra.
Gostei muito do formato do conto, que com tão poucas palavras conseguiu contar muito! Achei original e inovador! Muito bom mesmo!
Parabéns pela participação e pelo conto tão inspirador!
Boa sorte 😘
Resumo: Um ciclo de fases que permeia a infância, adolescência, vida adulta e velhice, narrados de forma metafórica, co-relacionando fatos e escolhas que fazemos ao longo da vida. De prazeres a vícios, dos medos a realidade.
Pontos fortes: Muito inteligente a forma que o autor usa a narrativa para nos fazer perceber que esses ciclos são feitos de momentos que passam rápido demais. O titulo embaralha-se aleatoriamente tbem, dando a sensação de que tudo faz parte de uma roda de bons e maus momentos.
Ponto Fraco: Apesar de entender o por que do titulo escolhido, não me senti cativo a sua escolha. No certame, quando li este titulo, sendo um este um texto que não fazia parte da minha lista de avaliação inicial, não me senti tentado a lê-lo. Simplesmente por que o titulo me distanciou dessa vontade.
Comentário Geral: O texto é muito bom. Me agradou e me surpreendeu positivamente. Quebrou mesmo a ideia de que não se pode julgar um livro pela sua capa. E olha que eu o fiz, julguei mal pelo titulo que achei pouco atraente.
Autor, você merece meus préstimos. Não imaginava ter a surpresa que tive ao me familiarizar com seu texto.
Boa Sorte no desafio!
Muito original e dinâmico. O ritmo, as repetições e as horas no início dos parágrafos dando a sensação de que o tempo passa muito rápido e a lista de itens reforçando uma sensação de tédio, de monotonia. Uma vida rápida e insignificante, todos os questionamentos deixados para lá. Gostei muito de como você disse tanta coisa usando pouquíssimos verbos. Parabéns!
Eu gosto da forma como o texto está escrito e gosto muito da ideia no geral.
Gosto da ideia do paralelo entre as fases da vida e o correr do relógio.
Acho que há alguns problemas de execução e de ritmo que merecem ser revistos.
O primeiro são os horários.
Eu fiquei com a ideia de que eles são aleatórios e isso tira força ao texto.
Tipo, do “Seis e quarenta” vais para o “Sete e vinte”, depois voltas ao “Seis e dez”.
No caso deste texto, teria sido interessante fazer uma evolução para que fosse percetível o estar a chegar ao fim do dia.
O mesmo acontece com o “Mata matraca catraca”, que vai alternado sem uma lógica muito percetível (pelo menos para mim), até que no fim fica só “Catraca, catraca, catraca”.
Se o objetivo era esse, talvez pudesses ter evoluído de uma forma lógica: “Mata matraca catraca”, “Mata catraca matraca”, “Mata catraca catraca”, ou algo assim.
Outro ponto em que a evolução poderia ser melhorada era no ritmo das palavras.
O primeiro parágrafo tem frases fluídas, nos outros, palavras ritmadas. Essa diferença enfraqueceo texto.
Seria melhor seguir sempre uma linha.
A cadência das palavras também está melhor em alguns parágrafos do que em outros.
É como se houvesse um tempo musical e nem todas as frases casam com este tempo.
Valeria a pena tê-las revisado e cortado umas quantas.
Mas, no bojo, o texto está bem interessante e agradável de ler.
O nascimento. A meninice. Adolescência. O jovem adulto. O adulto formado. O velho e a vida sem respostas. Quantos planetas tem o Universo?
Maravilhoso! Poético. Vi uma sequência cinematográfica toda, para contar a passagem do tempo de uma forma peculiar. Parabéns e boa sorte!
Olá, Adorável Mundo Novo.
Resumo do conto:
Através de observações do cotidiano, observamos a vida de alguém: infância, adolescência, universidade, vida adulta e velhice.
Impressões do texto:
O conto segue uma linha meio poética, com encadeamento de objetos e conceitos, como mecanismos de ambientação e de narrativa. Por tudo isso, tem uma forma especial de contar a história. A escrita é, em linhas gerais, boa, com pequenas exceções, feito “ceda” (que deveria ser “seda”), etc. Contudo, a adesão ao tema “criação” ou “engrenagens” pareceu-me bem sutil.
Boa sorte no desafio!
Mata matraca catraca (Adorável Mundo Novo)
Comentário
Um conto corrido, com uma narrativa sem preâmbulos, com começo, meio e fim previsível, já que o tema Engrenagem foi utilizado para contar a vida de um homem. Não há nada sobre a personagem. Nasce, cresce, tem a evolução comum de suas fases até chegar ao declínio.
É um conto existencial sem necessariamente focar na reflexão existencialista, na verdade, ao analisar a caminhada é como, inconsciente de sua condição de “ser para a morte” a personagem inominada, esteja vivendo como quem pode transferir a morte para “algum dia mais tarde‟ (Heidegger) e quanto mais longe melhor.
O conto se desenvolve usando as horas e a construção das frases mata matraca catraca, mudando a ordem. Nasce sem perceber, obviamente, a ordem natural das coisas, quem assiste à nossa entrada e saída do palco da vida não somos nós. Nesse caso é o pai que testemunha sua entrada e a cuidadora que está por perto na sua retirada da vida.
A primeira vez que ele desperta, as marcas mais precisas dessa engrenagem é que está na idade da curiosidade, tanto que desperta na primeira chamada, E também sua convivência social está focada na família, assim, o beijo sela a proximidade com os pais é algo natural na infância.
Na próxima marca surge o adolescente.Não tem pressa em ter acesso ao conhecimento do outro. As perguntas são outras, os desejos também, o conselho para não ir a praia premeditadamente deixado de lado já na roupa que traz por baixo do jeans rasgado – primeiras travessuras. Relacionamento afastado: “Tchau”.
E assim segue o conto, as primeiras descobertas da transição entre o adolescente e adulto vem também com dúvidas sobre carreira, sobre continuar em um mundo mais leve do imaginário, a tentativa da junção de suas escolhas profissionais com os gostos pessoais: “Vou criar o primeiro Tribunal Intergaláctico. Escreverei a primeira Constituição Universal.” E um posicionamento familiar mais afastado: “Fui”. E muda frase, casa, beija a família. Muda a frase, beija a mulher como símbolo de família construída e espalhada em suas nova vida. Ao entardecer vem outras atividades e vem dores. E já não importa as horas porque não é dono de si, outros cuidam dele, e a ordem inversa anuncia o fim Catraca (enferrujadas Matraca (calada) mata (ação da morte). Em tempo, tanto matraca quanto catraca entra na narrativa de forma direta. A morte é sugerida em: “O brilho estelar pulsa na retina opaca, enquanto a mão corre ao ar prendendo o sorriso oco entre os dedos. Leva a presa à boca, engole o sonho e viaja rumo ao infinito.” Ao fim, surge a questão primeira, “Quantos planetas tem o Universo?”, talvez agora feita em sua viagem final, entre o último ato da consciência e a entrada na eternidade e engrenagem repete, contínua: “Catraca, catraca, catraca.” E pela primeira vez pontuada.
A título de conclusão vale pontuar que a Linguagem é bem acertada produz a possibilidade da viagem nos leva do começo ao fim da vida de ser humano sem nome. E sem nome porque é o destino de todos, afinal, “assim que o homem começa a viver tem a idade suficiente para morrer” (Martim Heidegger). No texto o tempo contado por um trava língua – sim, eu tentei falar isso alto e repetido e nem conto o resultado – nos dá a visão da engrenagem que marca o passar dos anos do nascimento ao decesso desse ser anônimo tão igual a todos. A narrativa prende no ritmo.
“Mata Matraca Catraca” conta o tempo de um homem sem chegar dentro dele, sem apresentar suas nuances e por isso mesmo é belo em seu espaço. Mesmo trabalhando uma narrativa corrida pelo mover do eixo incomum – e talvez por isso, o texto não deixa espaço para quem o lê ficar entediado.
A morte e o início desse ser estão ligados pelo sistema universal usando os seres e planetas como base: “nasce em noite de lua nova e céu estrelado. O pai ouve o primeiro choro no momento em que um risco de fogo corta caminho pelo meio da constelação do Cruzeiro do Sul.” e morre enquanto vê que “O céu chama os olhos cansados para um risco de fogo. O brilho estelar pulsa na retina opaca, (…), descansa com a mesma poesia que nasceu. Talvez não tenha tido a morte “nua e crua com seu velório habitual” (Pedro Nava), mas ao menos morreu sob o ósculo das estrelas cadentes.
Texto excelente.
Sucesso no Desafio.
Esse texto foi quase um poema. Gostei muito! Estaria eu lendo a proxima Cecília Meirelles?
Eu gostei dessa metáfora das engrenagens da vida. A ideia repetitiva do texto, quase um minimalismo, faz lembrar realmente uma máquina girando. Mas é uma história triste, ter que abdicar dos questionamentos e da curiosidaade pra “sobreviver”. Pelo menos no final ele pode finalmente ir de encontro ao universo.
Prezado Entrecontista:
Para este desafio, resolvi adotar uma metodologia avaliativa do material considerando três quesitos: PREMISSA (ou Ideia), ENREDO (ou Construção) e RESULTADO (ou Efeito). Espero contribuir com meu comentário para o aperfeiçoamento do seu conto, e qualquer crítica é mera sugestão ou opinião. Não estou julgando o AUTOR, mas o produto do seu esforço. É como se estivéssemos num leilão silencioso de obras de arte, só que em vez de oferta, estamos depositando comentários sem saber de quem é a autoria. Portanto, veja também estas observações como anotações de um anônimo diante da sua Obra.
DR
Comentários:
PREMISSA: uma viagem pelas várias fases da vida, onde uma sequência de palavras rearranja cada fase vivida pelo protagonista – desde a infância, até a decrepitude e morte.
ENREDO: gostei muito do uso das horas para marcar a evolução das fases da vida, ainda que achei estranho que volte pra seis e dez quando está na fase adulta. Outra coisa que não entendi foi o sentido das três palavras mágicas e suas inversões.
RESULTADO: muito bem escrito, com um vocabulário e construção frasal em chamas, repleto de poesia e imagética. Porém, também não consegui estabelecer conexão desse texto com os temas do desafio. Uma pena, foi um dos que mais me fascinou! Boa sorte e sucesso no desafio!
Mata matraca catraca (Adorável Mundo Novo)
Comentário:
MATA: o caminho para a morte, a própria morte. As consequências dos riscos a que fomos expostos, as escolhas feitas e aceleraram o processo (ou não), o perecimento a conta-gotas. Quanto mais novo o ser, mais distante esta fase fica (ou parece ficar). Esta é a regra no ciclo natural da vida. Mas há exceção.
MATRACA: é o descobrir, o aprender, o falar, o imitar, o “seguir conselho”. É o plantar, o cultivar, o preparar… Fala, fala, fala… A melhor fase da vida. Ouvimos mais do que falamos, tempo de filtrar. A idade dos porquês.
CATRACA: é um “portão”, a abertura que há, mesmo que pequena, permitindo a passagem para outros “ambientes”. Caminhar, lutar, trabalhar. Passagem controlada apenas pelas vontades ou necessidades (ou, para os pouco mais felizes, por ambas).
Tudo isso para dizer que li o conto com todo o cuidado que ele merece. Mata Matraca Catraca poderia significar, também, apenas um jogo “tipo”: Pedra Papel Tesoura…
Tentei entender cada parágrafo, e compreendi da minha maneira. Um belo texto. Uma viagem pelas etapas da vida, do nascer ao ocaso.
“Beija a testa dos pais.”
“Tchau.”
“Fui.”
“Beija a mulher e os filhos.”
“Beija a mulher.”
“O brilho estelar pulsa na retina opaca, enquanto a mão corre ao ar prendendo o sorriso oco entre os dedos. Leva a presa à boca, engole o sonho e viaja rumo ao infinito.
Quantos planetas tem o Universo?”
A frase que encerra cada etapa da caminhada, observar acima, mostra exatamente o estado de espírito que também a permeia. A leveza, o respeito, o questionamento, a descoberta, o trampo, o cansaço, a rotina, o declínio, o partir – salpicando muito pouco encantamento no trajeto. Foi esta a visão que absorvi da narrativa. Um contar sem glamour, sem colorido. Não me refiro à qualidade do texto! O texto é lindo, primoroso. Falo sobre o contar, sobre a maneira cinza de narrar: a vida é assim, segue essa lógica, sem adorno, sem escape. Enfoque pragmático. E o danado do conto é tão bem escrito que prende o leitor. Adorei! O autor fez um texto enigmático, escrito com técnica inovadora, cabendo ao leitor, além de se deliciar com as palavras, juntar as peças para que o encaixe seja perfeito. Essa foi a intenção do autor, trabalhou cuidadosamente cada detalhe da narrativa.
Escrita sem deslize, competente. Daqueles textos que a gente sente prazer em ler e fica feliz de ter colegas que lidam tão bem com essa arte de doido. E que também é uma cachaça (das boas!).
Parabéns, Adorável Mundo Novo, seu conto é realmente ADORÁVEL!
Boa sorte no desafio!
Abraços…
Vinte e vinte e seis e acabei de ler o seu conto, no qual a vida de um homem é comparada à rotina de um relógio ao longo do dia. Nascimento, crescimento, velhice. A analogia é poderosa e muito bem escrita. A adequação ao tema é feita pelo relógio, de uma forma tão elegante que não duvido vá ser alvo de críticas dos meus excelsos co-comentadores. O texto está bem delineado, a personagem bem caracterizada. O autor ou a autora domina a arte de exprimir com clareza as suas ideias – não há palavras a mais nem a menos. Perfeito.
Vinte e trinta. O comentador termina o seu comentário. The End.
Já gostei do título. Um interessante jogo de palavras que vai conduzindo o conto.
Uma matraca é um instrumento musical e sinalizador constituído geralmente de madeira. O instrumento substitui os sinos na Semana Santa.Uma catraca, roleta, é uma espécie de “portão” que permite a passagem de apenas uma pessoa por vez permitindo o controle de acesso a ambientes restritos.
Um trava língua para acompanhar – Se a catraca encatracar. Chame o desencatracador. Para a catraca desencatracar.
Gostei da orientação da mãe ou pai – “Olha para os dois lados antes de pensar” porque pensar sem olhar para os dois lados da questão é mesmo muito perigoso.
Fiquei com a imagem de um homem passando pelas várias catracas da vida. Há o romance de formação, este é um conto de criação – da identidade de um homem – desde o nascimento até a velhice, beirando a morte.
Só percebi a ausência de acento em sanduíche e sanduíches.
Talvez por ser um texto curto, o conto apresente um ótimo ritmo, o que contribui para a fluidez da leitura. Considero uma decisão acertada.
Boa sorte.
Olá, Adorável Mundo Novo.
Ótimo pseudônimo, aliás. 🙂
Achei seu conto curioso e divertido, com uma estrutura interessante, embora o conteúdo deixe um pouco a desejar.
Alguns pontos que gostaria de comentar:
Mata matraca catraca – Adorei esse título, me chamou atenção de cara. Sonoro e meio que um trava-línguas. É um bom jogo de palavras e os “tr’s” emprestam um som de mecanismo, de catraca girando – ou de engrenagens, como propõe o desafio. Foi uma sacada inteligente usar variações desse jogo nas transições temporais. Fiquei procurando sentido nessas variações, imagino que não sejam gratuitas, mas não consegui entender todas. Talvez eu tenha ficado procurando pelo em ovo, não sei. Mas fiquei um pouco frustrado quando não pesquei o significado que imagino existir. Gostei particularmente do “catraca” repetido no final. Além de ser uma rima narrativa com o último parágrafo, aumenta essa sensação sonora de mecanismo. Soa quase como alguém dando corda num relógio antigo. Muita legal.
Tempo – Os saltos temporais, em alguns pontos, ficaram muito longos pra mim. Gostaria de ver mais passagens da vida do protagonista. Entendo a intenção de um texto curto, para segurar o leitor na ideia, possivelmente se tornaria cansativo se ele se alongasse demais. Mas gostaria de ver mais momentos e, sobretudo, que eles se conectassem de forma mais orgânica. Quase não há conexão entre os momentos descritos, vemos uma linha do tempo em que, não fosse o interesse do protagonista por astronomia, os trechos poderiam tranquilamente pertencer a personagens diferentes. Também ficou a impressão de que você abordou apenas os momentos-chaves mais óbvios da vida em cada trecho: infância, adolescência, início da fase adulta na faculdade, vida adulta com trabalho e casamento, meia idade, velhice. Funciona porque, bom, porque são de fato momentos-chave, rs. Mas, dessa forma, senti o texto um pouco engessado. Uma estrutura fácil, mas sem oferecer nenhuma surpresa.
Peculiaridades – Esse foi o ponto que achei mais fraco na história. O personagem parece meio genérico, acompanhamos suas transições por elementos que são muito comuns em cada fase da vida: curiosidade na infância, algum desleixo na adolescência, experimentações na faculdade, a “normalidade” na vida adulta… Por um lado essa “universalidade” torna o personagem crível, mas a ausência de peculiaridades o torna um bocado desinteressante. A única particularidade aqui é o tal interesse por astronomia, que, por alguma razão, não está presente nos trechos da fase adulta – o que deixa esses momentos bastante vazios – retornando na velhice, no fecho do conto. Além disso, esse interesse não tem reflexo em sua vida, tanto que ele decide estudar Direito. O interesse pelo espaço fica apenas como uma curiosidade do protagonista mesmo. Faltam elementos para que ele gere empatia ou mesmo interesse. O que nos conduz no texto é a narrativa e seu jeitão divertido. Mas só. Não há nenhuma boa razão para acompanharmos a trajetória desse personagem. Pra mim, uma falha grave no texto.
O tal risco de fogo no céu pareceu meio gratuito. Apenas um elemento inserido para conectar início e fim de texto. Tem a ver com astronomia também, é verdade. Traz um toque lírico, mas a presença desse elemento não me pareceu tão natural ou mesmo necessária. Porém, não apontaria como um defeito. Fica só o registro de algo que me chamou a atenção.
Não me atenho muito a questões gramaticais e o texto parece bem revisado. O único erro que me saltou aos olhos foi um “ceda” quando deveria ser “seda”.
Essas ressalvas podem fazer parecer que detestei o conto, mas na verdade a minha leitura foi bastante agradável. Achei inventivo, bem humorado, ágil, inteligente. Como o texto é curto e a escrita facilita a velocidade da leitura, o conto termina rapidamente deixando essas sensações à frente desses problemas com o conteúdo. Fora do contexto do desafio, eu provavelmente não analisaria esses pontos que critiquei, sequer os notaria, ficaria apenas com a diversão. Aqui, tentei ser mais analítico, reli algumas vezes antes de comentar. Mas certamente é um bom texto e cumpre aquilo que se propõe. O estilo e a estrutura me cativam. Espero vê-lo numa boa classificação. 🙂
Um abraço e boa sorte no certame.
Às vezes me pergunto o que estou fazendo aqui lendo os contos de um desafio para o qual não consegui escrever… E encontro a resposta em textos como este. Curto, mas impactante. Emocionei-me. Como pode uma vida inteira caber com tanta completude e profundidade em um texto tão curto? Fenomenal!
Olá, Adorável Mundo Novo, cá estou eu passeando pelo seu conto. Sim, um gostoso passeio pela vida afora. Gostei – muito – da forma como você conduziu a narrativa. Fiquei curioso com o título. Esse Mata Matraca Catraca faz parte de algum jogo de palavras, trava língua, ou algo assim? Procurei no oráculo e só encontrei seu conto. Você viaja desde a viagem que traz ao nascimento até a viagem final que leva ao infinito. Ficou muito poético eu achei, sabe? Ainda mais que ilustrou sua história com essa linda noite estrelada do Van Gogh. Pois é. Parabéns pelo seu lindo conto. Está muito bem escrito, denota um grande cuidado com a língua mãe, um enredo tão batido e que se fez criativo. Grande abraço e mata matraca catraca pra você.
O mecanismo do ciclo da vida e valores em cada fase? Difícil resumir.
A trama, em si, é simples, apesar de intensa; faltaram elementos que lhe dessem maior substância — um conflito. A proposta não é muito narrar a história, mas sim os sentimentos, a confusão. Imagino que o pseudônimo seja uma ironia, pois as séries de objetos e ações apresentados na narrativa não têm nada de novo.
A estrutura auxilia no ritmo e na fluidez. O jogo com as palavras catraca (dispositivo que permite a passagem num só sentido), matraca (fazer barulho, tagarelar) e o verbo matar ficou interessante.
Bom trabalho. Sorte no desafio! Abraço.
Mata Matraca Catraca
Olá, autor.
Conto belo, daqueles que deixam o leitor pensando nele. Roger Scruton ensinou que O Belo nem sempre é alegre. Isso porque o que é triste e angustiante também pode ser belo (vide a imagem de Van Gogh que você usa de modo tão apropriado). Mesmo o que é angustia, quando retratado com cuidado, por alguém talentoso, conforta e ensina.
Critério de avaliação CRI (Coesão, Ritmo e Impacto):
Coesão – A engrenagem da vida, mais da vida que não foi vivida, é o centro propulsor do seu texto. O relógio que não para, que só muda de cara e de jeito, das ações quase mecânicas e, retratadas por você como quase claustrofóbicas, quando não se realiza aquilo que parece estar designado a fazer. Duas sensações me acompanharam durante toda a leitura: o medo (de que algum acidente acontecesse com a criança) e a angústia pela vida não vivida.
Ritmo – Perfeito, em sintonia com o tema e com o estilo. O jogo das palavras do título foi uma jogada e tanto.
Impacto – Foi grande. Textos assim me emocionam. Histórias cheias de sentido, que ensinam algo, que fazem acordar para a vida e repensar o modo como se vive. Me fez lembrar que cada saída do meu pequeno para a escola é uma nova oportunidade de dizer a ele o quanto o amo, de escutar o que ele deseja e deixá-lo saber o quanto desejo que ele realize seus sonhos. Obrigada.
A vida de um homem, desde o nascer até a velhice, em poucos minutos de leitura.
Uma história resumida, dividida por uma palavra mágica, algo como abracadabra! E o homem pula no tempo.
As ações são poucas, por serem resumidas, descrições muitas e mais longas, por inclusão de objetos do cotidiano. Tirando isso, quase nada temos de história, o resto é divagação do personagem.
O conto é mais um painel de imagens que conta uma história.
Tem uma estrutura diferenciada, escrita rápida e precisa. Gostei. Mas não encontrei Criação ou/e, Mecanismo. Não vi evidência, não são citados, mostrados, ou pelo menos, a descrição de um mecanismo, ou de algo criado pelo personagem, ou mesmo, uma metáfora. Se tudo que existe é criação, então, todo conto estaria no tema, não precisaria de tema Criação ou Engrenagem, no seu verdadeiro sentido. Boa sorte.
Em vez de Mecanismo, lê-se, Engrenagem.
Adorável Mundo Novo.
Gostei do conto, bastante ágil, entrecortado de vírgulas e separado pelo jogo de palavras que intitula seu texto. Ao meu ver, a narrativa inventaria os pertences do protagonista em diferentes fases de sua vida, passando corrido da infância até a velhice, quando o personagem morre sem ter, em toda sua existência, vivido daquilo que sonhava, ou seja, a astronomia. Há um conflito nesse percurso que, visto do macro, no formato de síntese, é agudizado: uma vida inteira sem perseguir o sonho juvenil. Os temas do desafio foram abordados na forma como conduziu a narrativa, como se a existência fosse definida por seguidos processos mecânicos e na admiração pelo cosmos.
Muito bom.
Grande abraço!
Acho que meu comentário transmitirá melhor as minhas impressões se ao argumentar eu alternar entre a forma e o conteúdo. Para tratar do primeiro aspecto, achei interessante a estruturação do conto em parágrafos intercalados por frases curtas, criando uma espécie de métrica que dita o ritmo da leitura. Faz com que se leia em determinada velocidade, o que deixou o conto ágil e interessante, já que, com cada parágrafo narrando uma fase da vida do personagem, terminei uma querendo saber da outra.
Para falar de conteúdo preciso dividir entre a história contada e a história exigida. Ou seja, discorrerei sobre adequação ao tema. É evidente que o conto foi bem-sucedido em contar uma história envolvente, mas ao meu ver falhou em atender ao desafio. Fosse um dos temas “vida” e não “criação” ou caso o autor ou autora tivesse focado na fase de infância do personagem – uma fase formativa, geralmente relacionada à criação, já que um indivíduo não se responsabiliza por si mesmo – teria entregue um conto com maior vantagem no caráter competitivo que inevitavelmente se acha no certame.
Mas olhe o lado bom, não estou participando, dificilmente darei nota.
Boa sorte no desafio!