EntreContos

Detox Literário.

Voz (Pedro Paulo)

 

Em qual momento percebera que a voz pela qual tramitavam suas palavras não era a sua própria? Observando-se no espelho rachado, ombros ritmados pela respiração cansada, largo sorriso vermelho, o professor Antônio Rocha rememorava a madrugada. Seria apenas encontrando a origem da descoberta pela qual passara que poderia se tomar como verdadeiramente livre. Perdido no brilho úmido de seus olhos, circunscreveu aquele primeiro pensamento que o perturbara antes de que se deitasse: era uma outra lembrança, vaga e obscura: Antônio se lembrara de sua irmã.

Mais importante, percebera naquele instante que não se lembrava do nome dela. Depois que ela abandonou a casa de seus pais, deixaram de pronunciá-lo. Antônio, mesmo novinho, compreendera que também não deveria dizê-lo. Conseguia ver o tormento nos traços de envelhecimento precoce da mãe e na severidade reforçada que assumira o pai. Todas as refeições eram feitas em silêncio e em família; os sorrisos, plásticos, só apareciam nas visitas de parentes. Seus tios certamente não o percebiam por perto. Antônio ocupava a posição privilegiada das crianças, de poderem estar próximas, pois os adultos acham que não estão escutando. Ele se lembrava do que diziam:

─ Pelo menos sobrou Toninho…

Antônio nunca concebera o rosto do pai como um que pudesse ser sorridente. Quando o homem morrera, sentiu-se mais confortável ao ver que o cadáver ostentava a mesma carranca incômoda que carregara em vida. Portanto, seus olhos infantes enxergavam logo a fraude dos sorrisos que o pai dava para seus familiares. O que identificava de verdadeiro, porém, era a gravidade do olhar que o homem pesava sobre si.

Sua adolescência o fizera esquecer dos tempos em que a irmã estava consigo, quando o levava na escola e para fora da escola, para os inflamados eventos culturais que passaram a tomar as praças públicas. Compreendeu mais tarde que aquelas manifestações constituíam ameaças à sociedade e então o ressentimento que já nutria pela irmã se transformou em outro sentimento: como aquela irresponsável ainda me levava para essas coisas? Ainda assim, era comum encontrar sua mãe sozinha na sala de estar, diante da única fotografia familiar em que sua irmã estava presente. Certa manhã, questionou sobre ela, rompendo o tradicional silêncio familiar. O pai não deixou nem que terminasse sua pergunta – uma das várias – parando de pé, inclinado sobre a cadeira de modo que poderia esmurrá-lo se quisesse. E os punhos dele estavam mesmos fechados.

─ Aquela ingrata não só desprezou tudo que demos a ela, mas também nos desonrou! Era uma alienada, não queria viver a realidade, queria ser como aqueles bandidos que se aproveitavam das salas de aula! Nós não falamos dela nesta casa. Ela é uma rebelde.

Aquilo explicara tudo o que precisava saber, sobre as manifestações para as quais era levado e o abandono da casa. E também fizera com que definisse o seu futuro, uma vez mais indiretamente influenciado pela sua irmã. Seria o que ela, em sua rebeldia, se negara a ser: um professor, um correto, para limpar o nome dos Rocha. Depois disso, Antônio abraçou toda chance que teve de falar em público, conversava constantemente com os professores e divulgava o trabalho docente em sua escola nas suas redes sociais. Suas notas o levaram à licenciatura em Estudos Sociais e não reprovara em nenhum dos anuais Exames Nacionais da Docência. Caso inquirissem, diria de olhos fechados e de trás para frente os quatorze itens que constavam nas placas afixadas nas salas e aula, os deveres do professor.

Não demorou a se popularizar nas escolas particulares. Nas noites em que decidia alimentar seu ego, lia os comentários nos vídeos de seu Instagram. Se toda escola tivesse um professor como o senhor; é isso que um aluno tem que aprender em sala de aula, escola não é lugar de política não; isso sim que é História e Geografia. É fato, é verdade científica, é aquilo que aconteceu e não defesa de lado a ou lado b. É o tipo de ciência que a criança tem que conhecer! O Movimento pela Moral Escolar também o notara. Aqueles mesmos cidadãos preocupados com o país e o seu futuro, que tinham pressionado pela aprovação do Exame Nacional de Docência, agora também escreviam o currículo nacional e queriam a sua ajuda.

A família Rocha festejara.

─ Toninho está na TV! É um figurão, um dos que está levando o país para o rumo certo!

─ O professor hoje em dia recebe muito mais, recebe o que deve. Tá sendo reconhecido como aquele que forma a garotada para trabalhar, pra contribuir com a economia! Vocês é que estão salvando esse país, graças a Deus!

A austeridade não abandonara o seu pai mesmo na idade avançada e naquela noite de celebração o seu sorriso continuou engessado. Morreu pouco depois. Sua mãe sobrevivera a ele, passava suas últimas noites no asilo e nenhum outro familiar a visitava a não ser Antônio. Ela não parecia se importar e muito menos escutar quando contava sobre os avanços no Currículo Definitivo com o qual contribuía escrevendo mais os pedagogos e especialistas do Movimento. Nas primeiras visitas, sua própria empolgação orgulhosa o impedia de perceber que o olhar da senhora sua mãe se perdia em algum ponto no chão poeirento por debaixo de sua cadeira. De pouquinho em pouquinho, Antônio foi deixando de falar, até que não dissesse mais nada. Sentava-se à frente dela, observava-a comer sua sopa e nunca tentava ajudá-la, ainda que visse a tremedeira em sua mão, a maioria da sopa voltando à tigela. Ele pensava que seria invasivo e ela também não parecia querer comer. Mas um dia ela o assustara.

Não havia feito nada demais, só balbuciou algumas palavras. O que escutou era de algum modo a voz da mãe, mas só sabia disso porque a viu falar, pois realmente não lembrava como sua mãe soava. Em verdade, não se lembrava de nada que ela dissera em sua vida. Na memória de Antônio havia apenas o rosto dela, seu tormento resignado. Ele se inclinou em sua direção:

─ O que disse?

─ Quero… quero que ela volte…

Então ela pronunciou um nome e mesmo sem escutá-lo direito, Antônio soube de quem era. O filho se levantou com tanta força que a cadeira se arrastou atrás de si. Pela primeira vez, sua mãe lhe direcionou o olhar, parecendo ter os ombros ainda mais encurvados. Ela enxergava e temia o rubro no rosto do filho e os tendões destacados em seu pescoço. De punhos fechados, Antônio sentia que poderia esmurrá-la sem a mínima perturbação em fazê-lo. Mas só deu meia volta e partiu. Pagaria as contas do asilo e isso bastaria. Depois verificaria se o cadáver da senhora manteria aquela expressão arrependida tal como o pai conservara a carranca.

Mas apesar de sua decisão, não dormiu naquela noite. Como aquela velha pôde fazer isso com ele? Depois de tudo pelo que passara, do respeito que trouxera à família… Era um professor, um educador de renome, um homem a serviço do país! E o que havia sido a irmã? O que aquela garota mimada tinha trazido de bom para casa? Porque, então, lamentavam tanto a sua saída? Não, eles não lamentavam, mas fingiam não lamentar! Sua mãe precisou envelhecer e encolher para ter a coragem de falar o nome da filha e, quando o fez, foi olhando para o chão! Seu nome… qual era seu nome?

Antônio não se lembrava. Quando pensava na irmã, vinha à cabeça apenas a palavra. Precisou dizer em voz alta para confirmar que se tratava de uma palavra qualquer e não do seu nome.

─ Rebelde.

Ele que disse isso? Virou-se quase caindo da cama. Viu só a janela e no outro lado as paredes, uma delas tomada pelas molduras com o seu diploma e pelos certificados que recebera do Estado, assegurando sua ética docente… penduraria mais um, que receberia depois de promulgado o Currículo Definitivo. Demorou um olhar no espaço vazio que reservara para aquele. Então se levantou, caminhou pelos recintos do apartamento, sua respiração era pesada, enfrentava um aperto no peito. No meio da sala, tomou a coragem para dizer mais uma vez.

─ Rebelde.

Levou a mão à boca. Não era grave ou aguda, era… era uma voz comum, humana, até mesmo reconfortante. E não era estranha, era a mesma que fazia ouvir os seus alunos, ou que ressoava nos auditórios das várias conferências que participara, palestrando em defesa do Currículo, esforçado em se fazer ouvir acima dos manifestos do lado de fora, antes da polícia chegar para prender os responsáveis… mas ainda que a voz fosse familiar, a mesma de todo dia…

─ Rebelde.

A voz não era a sua. E aquele não era o nome da sua irmã. Mas como? Correu para o banheiro, inclinou-se sobre a pia, de frente para o espelho. Sim. Ele ainda era ele mesmo, enxergava o reflexo do próprio rosto.

─ Rebelde.

Aquela era uma voz, e já a escutara antes, mas…

─ Rebelde.

Os lábios se tocaram e se afastaram, úmidos, a língua subiu e desceu. Como em um vídeo sem sincronia, soava como se a palavra fosse alheia a si.

─ A. ─ não ─ E ─ como é possível? ─ I ─ sou eu que escolho falar, então  por que não me escuto? ─ O ─ se não é minha voz… ─ U ─ de quem é?

Gritou. Esgoelado, dava pulinhos e mesmo na altura do descontrole, não se reconhecia. Tão agitado, resvalou a cabeça no espelho, rachando-o em três partes. Sentou-se na privada, cabeça inclinada para trás. Será que é ela? Será que ela está falando por mim? Não, não é… mas quem é ela? Não se lembrava do seu nome… conseguia se lembrar daquilo que a mãe dissera, mas não conseguia reproduzir. Em sua boca, não parecia uma palavra, apenas uma desordem de fonemas. Rebelde… este não é o nome dela. Ele conhecia o significado de rebelde. E ela se rebelava contra quem?

Esforçando-se, lembrou-se de que ela abandonara a casa bem quando os cartazes dos deveres dos professores passaram a ser distribuídos pelas escolas. Era contra isso que ela protestava. Se estava distante de se lembrar da própria voz, estava ainda mais de se lembrar da voz dela, mas das palavras dela, ele se recordava: isso não é educação, isso é censura! E seu pai dizia: isso é a lei!

A lei… se ela não a obedecia, era mesmo uma rebelde. Criminosa. Antônio dera a sua vida pela lei. Cumprira tudo o que estava prescrito e agora ele mesmo escrevia, estava escrevendo o Currículo! Mas bom… o que ocorrera primeiro, afinal? Havia lido muito mais do que fora permitido escrever. E aquilo que tinha escrito, enfim… tinham sido suas próprias palavras? E quando falava…

─ Rebelde.

… falava com a própria voz?

─ Este não é o nome da minha irmã. ─ sussurrando, Antônio soou mais  reconhecível.

Ficou de pé diante do espelho. De boca escancarada, já nem conseguia mirar o seu reflexo. Fez com que a mão entrasse quase inteiramente, tentava agarrar a própria língua. Não deu certo. Abdômen contraído, viu-se forçado para frente e vomitou, restos de comida e bile caindo pelo chão. Não… não é assim. Ajoelhou-se na sujeira, apoiou o queixo sobre o mármore da pia, abriu a boca, deixou a língua esticada para fora o máximo que pôde, pairando entre os dentes. Inclinou-se para trás e se jogou para frente, batendo o queixo contra o mármore. Um gosto ferroso, o morno nos cantos da boca. Repetiu, a boca se encheu de sangue. De novo e de novo até que um pedaço irregular de carne escorregasse até o ralo, traçando um rastro sanguinolento da borda até ali.

Apesar da dor, ele sorriu ao ficar de pé. Com esforço, lembrou-se do que o incomodara naquela madrugada. Eu sei o nome dela. Sua mutilação condicionava uma pronúncia bizarra, mas era daquela maneira que Antônio se reconhecia. Antônio Rocha dizia o nome da irmã e era a primeira palavra em muito tempo que pronunciava com a própria voz.

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38 comentários em “Voz (Pedro Paulo)

  1. Anderson Do Prado Silva
    6 de julho de 2020

    Eu de novo, Pedro Paulo! Li seu conto e passei os olhos pelos comentários. Desta vez, os “odiantes” do “panfletário” (seja o que for que isso significa) até que não lhe perturbaram muito. Como li os comentários por cima, talvez a palavra e seus eventuais sinônimos tenham passado despercebidos. Sobre o conto, achei o tema e a crítica que você empreendeu muito bons. Já tive a oportunidade de escrever sobre “intervenção governamental na educação”, mas em texto de pretensões bem mais modestas que as suas. Sobre o desenlace da sua história, com o protagonista reencontrando sua a voz após a automutilação da própria língua, achei absolutamente genial. O seu texto vale pela crítica às tentativas de intervenção no sistema de ensino, mas vale muito também por esse desenlace extraordinário. Participar de desafios ou concursos literários abordando temas que afloram paixões políticas exige coragem e fidelidade com os próprios valores. É quase uma renúncia à possibilidade de vitória. Mas é também uma prazerosa e irresistível possibilidade de provocar. No final, a indignação que, em alguns casos, se provoca, acaba se tornando o prêmio possível.

    • pedropaulosd
      9 de julho de 2020

      Reli o conto e vi uns errinhos e uns trechos aos quais faria muito bem uma reescrita. Apesar disso, fico feliz que elogiou os pontos centrais do conto, Antônio.

      Também dei uma olhada nos comentários e percebi que foram menos críticos do que eu me lembrava. Acho que me prendi à desclassificação do conto no desafio do qual participou.

      Agradeço pelo comentário!

      • Anderson Do Prado Silva
        9 de julho de 2020

        Normal esses errinhos! Um ano e meio é muita coisa! Você já é outro escritor! Se você fosse fazer correções ou reescritas, muita ou alguma coisa mudaria. Mas é um bom texto. Feitos esses aprimoramentos que você mesmo já antecipa, poderia compor uma coletânea de contos seus.

  2. Givago Domingues Thimoti
    23 de dezembro de 2018

    Olá!

    Tudo bem?

    Bom, o início e o desenvolvimento do conto são muito bons. A leitura fluía muito bem, naturalmente. Estava dando gosto de ler. O enredo até ali era redondinho.

    Mas essa conclusão surreal estragou, no meu ponto de vista, uma narrativa boa. Foi estranha demais. Imaginação e realidade se fundiram e causaram uma confusão desconexa. Li duas vezes e não entendi a sua intenção.

    Quanto à gramática, não notei erros.

    Enfim, boa sorte na Copa!

    • Pedro Paulo
      24 de dezembro de 2018

      Boa noite, Givago!

      Quase me esqueci de responder ao seu comentário!

      Quando escrevi sobre a ausência de voz própria, de haver uma falsa saindo de sua boca, quis ser bem literal, como se fosse mesmo uma voz de uma outra pessoa (ou coisa) saindo da boca do protagonista. Mas isso é impossível, algo que só o surreal abarcaria com tranquilidade, e que dessa forma eu não acho que tenha destoado tanto do final do conto.

      A intenção foi apontada por alguns dos colegas entrecontistas. A automutilação significaria uma destruição abrupta de uma parte de si próprio (no caso a língua simbolizando a voz, embora fisiologicamente falando isto não é o certo) para ganhar uma parte essencial (voz própria), como num sacrifício.

      Explico apenas porque acho que seja o justo, já que não ficou claro no que escrevi.

      Agradeço!

      • Givago Domingues Thimoti
        7 de janeiro de 2019

        Entendi. Bom, surrealismo nunca foi meu forte. Mas ninguém está aqui para me agradar, então, beleza. Obrigado pela resposta (E perdoa aí a demora. Nem esperava uma resposta)

  3. Wilson Barros
    22 de dezembro de 2018

    Irmão é afastado da irmã “rebelde”, o que determina sua vida. Torna-se professor, rígido, tradicional. Ao final, a mãe, em um asilo, sente falta da filha, o que o deixa indignado e finalmente confuso.
    Muito interessante, um conto psicológico, que mostra o quanto a infância influi na nossa vida. Pelo fato de a irmã ser rebelde e ter sido expulsa, Antônio Rocha se torna um professor conservador, de direita, membro do Movimento Moral Escolar e o Exame Nacional de Docência. Paralelo a isso há a história da mãe, que é privada da filha, graças a um machismo rancoroso do marido, e se acaba em um asilo, demonstrando as maldades do mundo. Há frases bem vívidas, como “a maioria da sopa voltando à tigela”. Um conto denso, existencial, onde só me deparei com um erro:
    À pedido>> sem crase aqui
    Parabéns.

  4. Cirineu Pereira
    21 de dezembro de 2018

    Síntese

    Voz conta a história de Antônio e sua família, pai, mãe e uma irmã mais velha; cujo nome não é citado, nem no texto, nem no lar, após ter abandonado a casa e, segundo o pai, ter desonrado a família. A irmã teria sido uma alienada, uma rebelde, essa é a imagem da irmã que Antônio comprara do pai.

    Resolvido a seguir um caminho distinto, Antônio se torna um professor renomado, partidário dos fundamentos do governo e da sociedade, orgulho dos familiares. O pai morre, a mãe idosa passa a morar num asilo e um dia, no auge da senilidade, diante de Antônio e para a revolta do mesmo, a mãe revela o desejo de rever a irmã e pronuncia seu nome.

    Antônio, a partir de então, se descobre condicionado pelo pai e pelo sistema, portador de uma voz que não é a sua.

    Análise

    Um conto muito bom, apesar de alguns fatores não colaborarem muito para a imersão e entendimento do leitor, entre eles, o narrador neutro, remetendo sempre ao passado, contando tudo de forma impessoal e deveras direta – ao invés de “mostrar” mais – e a contextualização.

    Sobre a contextualização, o conto traz toda uma atmosfera ditatorial e se conclui que nosso país seria o cenário, no entanto, o Instagram é citado, de forma a situar a narrativa para o momento contemporâneo, não obstante não vivamos sob uma ditadura.

    E a fragilidade do contexto rouba muito da história contada, rica em alusões políticas e ideológicas, mas sem grande amparo na nossa realidade. Assim, as reflexões que o texto poderia despertar – guardadas as devidas proporções, ao estilo de George Orwell – continuariam lactentes para a maioria dos leitores.

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Cirineu!

      Quanto à necessidade de mostrar mais, acredite ou não, eu prefiro escrever mostrando, mas a necessidade de dar um passado palpável à personagem e o limite de palavras curto me fizeram ter que adiantar esse aprofundamento.

      Quanto à contextualização, divergimos. Caso eu quisesse o conto sediado no Brasil, teria feito isso diretamente e não teria pensado em nomes para iniciativas políticas que se aproximam das tratadas neste conto. Em verdade, penso que até desprezou o que eu julgo ter sido um ponto positivo do conto, que é o seu cenário indefinido, em que um país hipotético tem seu espaço político tomado por um movimento centralizador e moralista (e eu quis deixar bem mais claro o caráter centralizador autoritário deste cenário, mais do que identificar especialmente que moral ele refletiria).

      Quanto à neutralidade do narrador, uma das comentaristas observou que em certo momento da narrativa eu teria tomado o partido de Antônio, no momento em que ele se enfurece pela reação da mãe, sendo que durante todo o conto, não há mais posicionamentos do narrador. Isto me despertou uma dúvida que deixarei mais pronunciada na resposta a ela. Isso acaba deixando minha resposta a esse seu apontamento meio vazia, mas é porque eu ainda estou um pouco incerto de como me posicionar sobre esse aspecto da narrativa.

      Agradeço pelo comentário!

  5. Fabio D'Oliveira
    21 de dezembro de 2018

    Voz – João-Paulo Santos

    Nesse desafio, irei avaliar cada texto de forma cruel, expondo os defeitos sem pudor. Mas não se preocupe: serei completamente justo na hora de decidir o vencedor do embate. Meu gosto pessoal? Jogarei fora neste certame.

    – Resumo: Antônio foi criado por uma família rígida e conservadora. Sua vida inteira seguiu essa base, no âmbito pessoal e profissional, na área da educação. Porém, uma lembrança, tão antiga que foi quase esquecida por completo, volta com tudo por causa de sua moribunda mãe. Uma irmã, expulsa da família, tratada como rebelde, que lhe escapara da mente, sua imagem e nome. Em plena angústia, ele reflete sobre si e sobre sua família, sobre os caminhos que seguiu e o que iria ser a partir de então. A voz, do título, é a voz de Antônio, que não existe de verdade, apenas a partir do momento que consegue pronunciar o nome da irmã. Esse é o fim.

    O autor escreve tão bem, tão bem, que deu para perceber que ele poderia fazer muito melhor. A narrativa apela para a simplicidade, porém, é o simples que facilmente se torna invisível ou esquecível. A leitura fluiu naturalmente, sem tropeços, mas não houve um momento de brilho, um parágrafo que me deixou sem ar, que me fez parar e suspirar. Uma das maiores tristezas, ao meu ver, é encontrar uma pessoa com potencial se satisfazer com pouco. Espero que não seja assim e ache que manter sua escrita assim, nesse estilo tão “sem estilo”, seja bom.

    Dois fatores me incomodaram no conto: o grande apelo emocional (que tirou um pouco a naturalidade da narrativa) e a angústia exagerada de Antônio.

    É muito difícil escrever num tom emocional. Muitos perdem o fio da meada e transforma o conto num rio de drama, afogando os leitores mais racionais e deixando os leitores mais emocionados alegres na superfície. O ideal é encontrar um ponto de equilíbrio, criando um rio que satisfaça todos os leitores. Ressalto algumas questões que denotam o grande apelo emocional do texto: é mostrado várias vezes a dureza do pai e como isso afetou a vida de todos; a mãe fica ausente na maior parte da narrativa e só aparece como uma figura triste e distante; no começo, quando é falado sobre a irmã, ficamos frases e frases observando o quanto sua ausência influenciou na vida de todos de uma forma mais negativa, mais triste; toda a agonia de Antônio para conseguir falar o nome da irmã; e, para finalizar, as reações dos personagens quando a irmã é citada, para reforçar o quanto ela era desprezada pelos homens da família e por desafiar seu conservadorismo. Esse é apenas um dos pontos, mas que estão bem presentes em todo o conto. Não tem um momento de alívio. É todo dramático. E acho isso um grande defeito. Todo exagero é um defeito, ao meu ver.

    Sobre a angústia de Antônio, no final, para conseguir ser capaz de lembrar e falar o nome da irmã… Bem, caiu no exagero. Na noite do mesmo dia que sua mãe o fez lembrar da irmã, ele caiu numa intensa agonia, sofrendo horrores com direito a autoflagelo, tudo para lidar com os próprios sentimentos. Tudo foi muito irreal, muito fora de escala. Também achei meio incoerente com a personalidade dele. Uma pessoa tão confiante em seus pensamentos, tão firme, dificilmente iria enfrentar a si mesmo tão rápido. É mais provável que ele se afastasse da mãe e simplesmente negasse a existência da irmã. Um impacto maior, talvez, que poderia acarretar o questionamento, que ficaria mais verossímil, seria um encontro com a irmã e ele se sentir bem perto dela e lembrar de todas as coisas boas. Mas a simples menção dela? Não, realmente me nego a acreditar que algo tão simples acarretaria essa reação numa pessoa tão conservadora… E como a pegada do conto é trazer algo real, algo que o leitor possa tocar e sentir, vejo esse exagero como uma grande falha. Talvez a maior de todas.

    O conto não é ruim, mas precisa ser revisto para se tornar um conto esplêndido. Continue explorando o seu talento!

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Fábio!

      Eu reli o conto antes de vir responder os comentários e concordo sobre o repetitivo que fica nos vários momentos que me dediquei a escrever sobre a memória guardada da irmã, especialmente pelo pai e por Antônio. Eu realmente poderia desenvolver isso de uma maneira melhor, mas dentro desse limite (e confesso para você que também devido ao pouco tempo em que escrevi: uma noite), acabei me limitando a isso. Sobre o “drama” estar em excesso, eu posso dizer que se desenvolvesse mais o enredo, eu escreveria fora dessa rota decadente que a leitura guia, mas também advogo pelo conto ao concluir que essa foi a melhor maneira de escrever um início-meio-fim sem perda de espaço, o que prende a leitura ao emocional.

      Quanto à falta de estilo, eu nunca parei para delimitar um estilo próprio, talvez por estar pouco familiar a outros estilos para entender qual é o meu. Pensar sobre isso até me deixa angustiado, mas não se preocupe, não ao ponto de me automutilar para achar uma voz!

      Nossa maior divergência é o “exagero” no final, que julgou ser fora de escala. Súbito, esse final na maioria dos casos deve ser, especialmente porque pareceu ter surpreendido todos os comentaristas. No entanto, este não é o fator que eu mudaria no conto. Em certo momento em escrevi que a voz saída da boca de Antônio era tão alheia a ele que parecia ser um problema de sincronia de áudio. Imagine, por exemplo, que você fala e sai a voz do Faustão da sua boca ao invés da sua. E com todos os “meu” inclusos. Isto é impossível de acontecer, é surreal. E como eu pisei dentro da surrealidade naquele momento, quis seguir inteiramente, fazendo da mutilação algo simbólico.

      A língua é essencial para a pronúncia, enquanto são as cordas vocais as maiores responsáveis pela voz. Mas não haveria jeito simples de arrancar essas cordas, então fiz do decepar da língua o representativo dessa “perda que traz o ganho”. Ganho este, da própria voz, dentro do surreal que eu já tinha delimitado antes. E que foi a primeira coisa que me ocorreu ao tempo de ter a ideia para o conto (inclusive não é uma ideia original, vi um cenário parecido em uma série, mas no caso era uma perna que o indivíduo cismou de não pertencer a ele).

      Agradeço pelo comentário!

      • Ricardo Gnecco Falco
        23 de dezembro de 2018

        “Quanto à falta de estilo, eu nunca parei para delimitar um estilo próprio, talvez por estar pouco familiar a outros estilos para entender qual é o meu. Pensar sobre isso até me deixa angustiado, mas não se preocupe, não ao ponto de me automutilar para achar uma voz!”

        Ô Lôco, meu! 😀

        É por isso que eu vivo dizendo que o que mais vale aqui no Entre Contos é esse bate-bola existente entre os leitores e os escritores. E exatamente pelo fato dos leitores serem, também, escritores. Assim como os escritores são, também, leitores.
        Fica bonita essa interação e, quando o bom humor prevalece, imensamente enriquecedor para quem se interessa pelo(s) assunto(s).

        Parabéns aos envolvidos. E vice-versa…
        😉

  6. Fernando Cyrino.
    14 de dezembro de 2018

    Meu caro João Paulo, você me apresenta uma história da atualidade. Nela temos como personagem principal um professor que acredita e trabalha por uma escola sem partido, um professor que ajudou a redigir o currículo novo que acalma os pais contra a ideologia, por ensinar a “verdadeira história e geografia”. Ele tinha uma irmã e essa lutava em campo diametralmente oposto ao seu e do seu pai. Era “rebelde” e terminou por sair de casa, ou foi de lá empurrada para fora. A partir daí era considerada como morta, seu nome jamais era pronunciado pela família. O pai, carranca pura, morreu e a mãe foi para o asilo e nesse asilo um dia ela confidencia para o filho, o professor Antônio que gostaria que a filha rebelde e nessa hora ela diz o seu nome, retornasse. Isto choca o professor demais. Ele vai pra casa em choque e termina por entrar em crise de loucura, mordendo a língua até se mutilar. E pareceu-me que faz isto para não pronunciar o nome da irmã.
    Amigo, achei o conto de uma atualidade tremenda. Você trata de algo que estamos vendo aí no dia a dia. Mas mesmo assim senti que a sua narrativa não conseguiu me passar a história com fluidez. As coisas parecem complicadas e travadas, quem sabe, o uso bem constante que faz do mais que perfeito do indicativo tenha contribuído para esta leitura meio amarrada da história. Achei que precisa rever uns pontos. Por exemplo, uma hora você me conta que o pai era ultra mal humorado. Um carrancudo. Um pouco mais adiante no conto esta informação retorna, senti que meio que de graça. Quem sabe, também, não poderia reduzir um pouco o uso dos pronomes possessivos. Alguns no seu conto são meros enfeites e, como enfeites fiquei com a impressão de que se tornaram excessivos. No parágrafo que começa com “Aquilo explicara tudo o que precisava saber” você usa seis pronomes possessivos. Bem, para terminar, João Paulo, lhe digo que você tem uma ideia legal, uma história que poderia ter sido melhor contada. Acho que precisa retornar, amigo, ao conto e dar umas buriladas nele. Sua história bem o merece. Receba o meu abraço fraterno.

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Fernando!

      Eu concordo contigo em tudo. Em especial, agradeço pela observação quanto aos pronomes possessivos. Voltei ao parágrafo indicado e até me contorci ao perceber os cortes que poderia ter feito. Quanto ao pretérito mais-que-perfeito, é uma crítica que já me fizeram e que eu até atentei dessa vez. Agradeço bastante!

  7. Regina Ruth Rincon Caires
    12 de dezembro de 2018

    Resumo do conto: Voz (João-Paulo Santos)

    O conto tem início com o personagem Antônio (velho professor) diante do espelho, com o “sorriso vermelho” (que é o final da história).

    A partir daí, a narrativa é um regresso ao passado. Ele ainda era criança quando a irmã (sem nome), já moça, participava ativamente de “inflamados eventos culturais” que aconteciam em praça pública, movida por ideais revolucionários. A irmã era vista pelo pai como “alienada”, “rebelde”, ovelha negra da família. E, diante das incompatibilidades, a irmã abandonou a família (lembrou-se de que ela abandonara a casa bem quando os cartazes dos deveres dos professores passaram a ser distribuídos pelas escolas. Era contra isso que ela protestava…). Foi em busca dos ideais que defendia. Nem o nome dela podia ser pronunciado na casa, e Antônio cresceu reforçando a concepção de que a irmã era uma perdida, uma extraviada, que desonrou a família. Essa ideia fez de Antônio um obstinado a ser o “correto” (a lei), aquele que limparia o nome da família. Abraçou ferozmente a profissão de professor. Era muito estudioso, profissional brilhante, popular. Tornou-se famoso. O pai faleceu logo depois que Antônio se tornou um figurão. A mãe foi viver em um asilo. O filho era a única visita que recebia. As visitas eram silenciosas e com o tempo emudeceram. A mãe cada vez mais distante, decrépita. Até que um dia, ela disse que queria que a filha voltasse. Antônio ficou furioso. Não conseguia entender como a mãe, depois de tantos anos, ousava pedir para encontrar a filha. A fúria foi incontrolável, Antônio não conseguia dormir. Anda pelo apartamento, olha os vários diplomas na parede e, aí a cena final, no banheiro, a decepar a própria língua pelo atrevimento de falar (não falar) o nome da irmã.

    Comentário/Avaliação do conto:

    Escrita de primeira linha. Trama magistralmente urdida. Há um requinte no trato com as palavras. Interessante o recurso da narrativa como se fosse o desenrolar de um novelo, do agora para trás, amarrando todas as pontas, formando um círculo.

    A leitura é envolvente. Achei o final excessivamente inusitado. A ira incontrolável gerando a “amputação” da própria língua foi chocante. É claro que a história trata de uma personalidade descontrolada, mas fiquei chocada. Particularmente, achei um ato excessivo.

    Portanto, diante da decisão que me cabe, tendo no páreo: “Joãozinho Pitbull e a Mulher que Engoliu o Sol” (Detestável Detetive) e “Voz” (João-Paulo Santos), o meu voto vai para “Joãozinho Pitbull e a Mulher que Engoliu o Sol” (Detestável Detetive).

    Boa sorte!

    Abraços…

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Ruth!

      Quanto ao excesso do último ato, eu aprofundei isto em resposta ao Fábio, mas sumarizando: este é um aspecto que eu não mudaria no enredo. Uma “voz” que não pertence a você saindo da sua boca não é algo que poderia naturalmente acontecer, então já aí risquei a linha que indicava termos passado ao surreal. O efeito inusitado era justamente o que eu queria buscar, mas eu não acho que tenha sido verdadeiramente incoerente. Apressado, com certeza, mas eu escrevi todo o conto dirigindo para essa conclusão.

      Agradeço!

  8. Antonio Stegues Batista
    11 de dezembro de 2018

    O conto é a história de um casal de irmãos. Ao se rebelar contra o sistema de educação, ela foi expulsa de casa e condenada pela sociedade como rebelde. Nunca mais ninguém da família falou o nome dela.

    O enredo é interessante, o irmão da garota rebelde se torna professor, seguindo as leis de ensino. Embora ele tenha esquecido o nome dela, sente falta da irmã. Se o conto foi construído como uma crítica, falhou. Embora bem escrito, certos fatos, como a autoflagelação de Antonio, me pareceu fora de propósito, fora de lógica. Ele se castigava por ter esquecido o nome da irmã? No final nada de interessante foi revelado. Achei que ficou faltando alguma coisa mais contundente. O que salva o conto é o enredo, é o que eu acho. Algumas coisas gostei outras não.

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Antônio!

      Estamos quites, também fiquei um pouco perdido no seu comentário, pois disse que o enredo salvou, mas desprezou os aspectos que eu cuidei de fazer essenciais ao objetivo da história.

      O conto foi mesmo escrito para ser uma crítica, não cabe a mim dizer se sucedi ou falhei, mas outros comentaristas sacaram e avaliaram quando da crítica coube, mais do que a inviabilizaram por concreto.

      E para esclarecer a sua dúvida: ele não se punia exatamente por esquecer o nome da irmã, mas porque a percepção desse esquecimento o fez perceber que não só a memória de sua irmã havia sumido, como a própria voz e, doravante, sua verdadeira identidade, uma outra construída por cima. Imagine que você tem todas as suas convicções em mãos e que então percebeu que simplesmente segurava as de outra pessoa… ou coisa. Não sei se sucedi, mas foi o que quis transmitir.

      Agradeço!

  9. Ana Maria Monteiro
    7 de dezembro de 2018

    Observações: Achei a situação levada ao exagero, ainda que literariamente admissível. o seu confronto consigo mesmo, a sua autodescoberta, poderia ser vísceral, poderia dar muito desarranjo intestinal, até doença, mas automutilação? não sei, para mim resultou exagerado.
    Prémio “Desespero hiperbólico”

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Ana Maria!

      Discordamos. Escrevi para fazer da automutilação simbólica e admissível. Mesmo que literariamente. Agradeço pela observação e pelo prêmio!

  10. Gilson Raimundo
    7 de dezembro de 2018

    O jovem Antônio cresce sob o peso do fascismo do novo regime e a linha dura do pai. Ele recorda da irmã taxada de rebelde por contestar a repressão principalmente no ambiente escolar e de como ela deixou a família. Tentando ser aceito e redimir a honra familiar, ele se torna colaborador e agente do estado abraçando a ideologia funcional e transmitido-a em sala de aula. Com o pai morto e sua mãe no asilo sente-se traído por ela ainda desejar o retorno da filha.

    uma história bem escrita e polêmica prevendo talvez um futuro próximo, ou seja. uma mensagem de alerta principalmente contra o fim dos direitos individuais e liberdades. O sumiço da irmã e sua história fica subentendido, porém senti falta de um maior aprofundamento, talvez um confronto com ela ou mesmo uma lembrança dela sendo levada poderia ter causado maior impacto no desfecho.

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Gilson!

      Eu escrevi este conto em uma noite (irresponsável todo) e o limite de palavras sufocou a possibilidade de aprofundar pontos dos quais também sinto falta. Agradeço pelo comentário!

  11. Ricardo Gnecco Falco
    5 de dezembro de 2018

    Resumo da História: Renomado professor de uma grande, rica, saudável, honesta e justa nação, que conseguiu extirpar com grande esforço uma antiga, destrutiva, utópica, hipócrita, corruPTa e maléfica ideologia, começa a desenvolver severos distúrbios mentais como consequência de abusos sofridos quando ainda criança, por parte de sua própria irmã mais velha.

    Considerações sobre a obra: Um trabalho muito bem pensado, escrito e revisado. Uma distopia deliciosa de ser lida, ressaltando o apurado desenvolvimento do enredo e cuidado na criação das personagens, que passam também por um gostoso processo de construção e desconstrução. Inversão de papéis (protagonista X antagonista), atemporalidade narrativa (quebra da linearidade na trama), narrador não-onisciente… Tudo isso agregou extenso valor à obra que, distanciando-se por completo do perigoso e tentador “texto panfletário” comum, a transformou em um trabalho digno de (boa!) nota e merecedor, até mesmo, da aprovação desta banca.

    Parabéns pelo belíssimo trabalho! E boa sorte no Desafio!

    Paz e Bem!

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Ricardo!

      Agradeço pelas notas que deu aos aspectos técnicos e, especialmente, por ter celebrado o afastamento do “panfletário”. É um conto essencialmente crítico que tem a intenção de espelhar a nossa realidade e uma das minhas maiores preocupações foi justamente não fazer dele um panfleto.

      Dito isso, corrijo o seu resumo, pois tendo relido o conto (antes do desafio e também agora pouco), penso não ter escrito de modo que pudesse indicar um abuso por parte da irmã. Isto é, a grande virada do conto é a percepção de que o protagonista teria sido alienado, inclusive sobre a memória de sua irmã mais velha, dando a entender que aquela perspectiva agressiva sobre ela era produto dessa alienação.

      E também devo apontar: o seu comentário é menos sucinto do que o meu conto.

      Até mais!

  12. Evandro Furtado
    4 de dezembro de 2018

    O conto mostra um mundo distópico no qual as escolas são utilizadas pelo Estado pra controlar os cidadãos. O professor é, nesse cenário, uma figura importantíssima, já que é o responsável pelo treinamento. O personagem principal ocupa essa função, tendo sido incentivado pela família. Além disso, tudo, tem que lidar com o drama de uma irmã desaparecida durante a juventude.

    É um conto interessante, mas que talvez demandasse um espaço maior para ser desenvolvido. Os dramas familiares são bem colocados, mas faltou criar aquela empatia com os personagens, ver o drama se desenvolvendo ao longo dos anos com Antonio lentamente esquecendo da irmã. Da forma como foi posta, foi um pouco rápido demais.

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Evandro!

      De fato, há espaço para desenvolvimento no conto, mas apenas fora do certame com o seu limite de palavras (que constitui a graça do desafio). Agradeço!

  13. Ana Carolina Machado
    30 de novembro de 2018

    Oiiii. Um conto que narra a história de Antônio, um professor que tenta trazer a honra de volta para a família dele depois que a sua irmã considerada rebelde a manchou. Irmã essa que o nome não é nem pronunciado no meio da família. Antônio se forma como professor e faz várias coisas que na opinião dele estariam contribuindo para o bem do país e se destaca por conta disso, porém um dia durante uma visita a mãe que estava idosa em um asilo algo muda. A mulher que sempre ficava em silêncio fala sobre querer que a irmã dele volte e mais que isso diz o nome dela. O homem fica furioso e sai do local. Ao chegar em casa algo ainda o incomoda e não consegue dormir sossegado. Se inicia um espiral de pensamentos e vozes que termina com ele cortando a sua língua a dentadas e refletindo sobre saber o nome da irmã. A cena dele cortando a língua é muito bem narrada e forte. Além de ser uma metáfora sobre ele ter que tirar uma parte dele para ter que ter a própria voz e de alguma forma a simples pronúncia do nome da irmã despertou tudo isso. Era como se a voz dela voltasse a falar dentro dele. Acho que assim como os pais ele apenas fingia não sentir falta dela. Parabéns pelo conto. Abraços.

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Ana!

      Acho que você foi a que apontou diretamente a exata intenção do último ato do conto, tratada por alguns dos outros colegas como exagero, quando na verdade eu quis que fosse simbólica disto que escreveu acima. Agradeço pelo comentário!

  14. Júlia Alexim
    28 de novembro de 2018

    Antônio Rocha é um professor que sente que sua voz não é sua. Lembra de sua irmã que abandonou a casa e que participava de manifestações que ameaçavam a sociedade. Os pais, o pai em especial, não falavam da irmã que manchara o nome da família. O pai morre carrancudo. Antônio Rocha se torna um professor famoso que não fala de política. O conto tem referências explícitas e didáticas a discussões de programas como Escola sem Partido. A mãe de Antônio diz querer que a irmã volte. Antônio se recente, sente raiva. Antônio percebe que sua irmã lutava contra a censura nas Escolas, que ela era rebelde. Tenta lembrar o nome da irmã. Mutila a própria língua e só depois da mutilação e de lembrar o nome da irmã reconhece a própria voz. O conto faz uma crítica didática e direta a um problema atual o que é bem bacana. O final é forte. Poderia ser bacana o conto explorar mais como o personagem mudou e chegou até a cena da mutilação.

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Julia!

      Agradeço pelo comentário. Fico feliz que tenha entendido o sentido que busquei com a automutilação. Quanto ao desenvolvimento, acuso o mesmo problema que apontei nas respostas aos outros comentários: limite de palavras curto.

      Até mais!

  15. Das Nuvens
    26 de novembro de 2018

    Caro J-P Santos,

    Resumo: homem constrói a vida sobre a ausência da irmã. Vive uma dualidade que pode ser expressa nas conquistas que procurou fazer para se diferenciar da irmã. Ao final sucumbe por perceber que o amor dos pais continua a recair sobre a filha “rebelde” que deixou a família.

    Comentários: um conto que busca expressar de forma subjetiva o necessidade que um filho tem de dominar o incondicional amor dos pais. Desenvolvendo sua vida, percebe que, a despeito de tudo que conquistou, seus pais (ao menos sua mãe), ainda ama profundamente a filha.
    Acredito que o conto poderia transitar bem com essa proposta, sendo podado de alguns excessos, o que o tornou, no meu entendimento, muito alongado.
    Dou importância especial à construção frasal. Talvez por isso encontre nos textos que leio algumas frases enigmas, tal como essa: “…queria ser como aqueles bandidos que se aproveitavam das salas de aula!…” Curiosa frase.
    Quando falei do alongamento dos períodos estava me referindo, por exemplo de: “…antes de que se deitasse…”, ao invés de “…antes de se deitar…”, ou ainda “…Antônio, mesmo novinho…”, quando seria mais comum se dizer “…Antônio, ainda jovem…”. Ou ainda o uso recursivo do pretérito mais que perfeito em alternância a outros tempos, tornando as frases um pouco estranhas, tal como “…Antônio se lembrara de sua irmã…”, quando seria normal dizer “…Antônio se lembrou da irmã…”, dando mais fluência narrativa ao relato, fazendo o texto parecer mais casual e menos um “texto escrito para ser lido”.
    Outra coisa que percebi foi a alternância frequente entre narrador onisciente imparcial com um narrador onisciente interferente. Veja, na frase “…como a velha pôde fazer isso com ele?…” fica nítido que o narrador está francamente ao lado de Antônio, ao ponto de chamar a mãe do coitado de velha. Ele não narra a história apenas, mas toma partido. Às vezes apenas narra.
    Lá no início há uma frase com onde a concordância vai mal: “…seria encontrado (a) a origem da descoberta…”.
    Um conto com viés bastante psicológico onde um filho busca o reconhecimento dos seus méritos pelos pais. Após tudo que Antônio fez, a “velha” ainda ousa querer que a irmã “rebelde” retorna a casa. Antônio, nesse ponto, faz algo como travestir-se da personalidade da irmã, talvez vendo-se / vendo no espelho a irmã afastada. Agora ele fala como ela e talvez emudeça por não poder pronunciar seu nome, o nome de sua fragilidade afetiva.
    Bem, a partir daí é só especulação. Antônio não tinha lá muita firmeza em sua sexualidade… mas isso é outra história.
    Acho que centrar força nesse dualismo seria muito positivo para o conto, mas, aqui, ele beirou a borda mas não desceu ao abismo do poço. Talvez centrar força na voz interior de Antônio, na questão da sua visão do mundo, da sua sexualidade e tal.

    Boa sorte no desafio.

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Angelo!

      Sobre o caráter do narrador, deixou-me em dúvida: o narrador interferente precisaria mesmo interferir o tempo todo? No ponto do texto que usou para exemplo, é mesmo evidente como o narrador toma partido do protagonista e, mais à frente, o narrador também se utiliza de reticências, como se sua narração estivesse acompanhando o raciocínio confuso de Antônio… em ambos os casos, minha intenção foi aproximar a narração daquilo que pensava o protagonista. Mas essa sua crítica leva á questão: o narrador interferente deveria ser integralmente interferente? Isto é, contar a história não como um transmissor de fatos, mas como um contador de histórias… bom, é algo a ser pensado.

      Concordo com a crítica ao mais-que-perfeito. Devo abandoná-lo e juro ter tomado o cuidado de substituir essa conjugação aqui neste conto.

      Quanto ao que pontuou sobre o sentido do conto e sobre como poderia desenvolvê-lo mais, devo escrever que o sentido do conto não é sobre filhos querendo conquistar pais (mas é óbvio que qualquer leitor está livre a tomar dessa maneira) e que, ao mesmo tempo, os pontos que sugeriu não seriam aqueles que eu aprofundaria se dada a oportunidade.

      Agradeço!

  16. rsollberg
    23 de novembro de 2018

    Fala, JPS

    Storyline: História de António que por influência do pai torna-se um homem fantoche para compensar a ausência da irmã subversiva.

    Se posso resumir esse conto em uma palavra é; instigante.
    A história é atual, crível, necessária. Mostra os conflitos, o comportamento gregário,as influência hodiernas do livre pensar e o condicionamento atávico.

    Bem escrito, com ritmo próprio e com um final que combina ação, choque, reflexão e digestão. A recuperação do tempo perdido, o despertar do estado catatônico, A ressuscitação da própria voz. Uma alegoria absolutamente oportuna. relevante num mundo onde cada mensagem de zap é um pai opressor.

    Não sei bem o motivo, mas a pegada me lembrou de forma positiva o livro do Menaton Braff “O casarão da rua do rosário”.

    Meu vencedor do primeiro embate
    Parabéns

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Rafael!

      Engraçado, atribuíram este conto à sua autoria e o seu comentário é, pelo que entendi, elogioso. Agradeço por isso e darei uma olhada no livro que citou.

      Também agradeço pelo acréscimo ao vocabulário. Eu já conhecia a palavra “atávico”, mas sem ter noção do seu significado, e ainda me foge o que caracterizaria uma influência “hodierna”, mas terminando de responder, vou atrás procurar.

      Até mais!

  17. Felipe Rodrigues
    21 de novembro de 2018

    O conto apresenta uma família que perde a filha, e esta lembrança e essa tristeza (e raiva, como no caso do pai) é o que move a história. Descobre-se que ela sumiu em meio à propagação de uma nova lei, que remete ao atual Escola Sem Partido, e esta irmã revoltada some por não concordar com isso, não se sabe se foi exilada, algo do tipo. Então o garoto, querendo honrar novamente o nome da família – visto que os pais eram contrários à atitude da filha – torna-se um professor extremamente vaidoso e respeitado de acordo com a lei, vingando a memória da irmã, pensa ele. O pai morre e a mãe, ao ser visitada por ele no asilo, revela uma palavra ao filho, não se sabe qual é essa palavra, se é o nome da filha ou se é só “rebelde”. A partir daí ele entra em uma confusão mental de memórias dentro do apto. e acaba arrancando a própria língua numa tentativa de recuperar sua própria voz.

    Gostei da narrativa apoiar-se em um tema atual e de forma bastante sutil tecer uma crítica ao Escola Sem Partido. A ideia central do conto parecer ser a existência de uma voz em todos, uma personalidade que configura-se a partir de todos os nossos encontros, de nossa vivência, e a partir do momento em que ela é anulada, passamos a assumir outro papel, tornamo-nos outrem para não entrarmos em colapso, pois isso o mutilamento ao final, pois somente conseguimos retornar ao estado anterior a partir de uma corte bruto, muito forte – seja com o passado ou com o presente – mas normalmente isso não acontece.

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Felipe!

      Assim como uma colega acima, entendeu completamente as minhas intenções. Agradeço pelo comentário.

  18. Sidney Muniz
    21 de novembro de 2018

    Caraca, será se esse é o texto do RSollberg? Me lembrou muito o Rafa, mas é tanta gente com talento que posso estar errado, entretanto digo que esse texto é de fato incrível.

    Resumo:

    O texto fala do momento em que Antônio descobriu que estava sendo influenciado, manipulado, por algo, por alguém e para mim ficou claro a crítica ao atual momento em que nos encontramos, ou a uma possibilidade de futuro alternativo caso algumas previsões pessimistas se confirmem. Mas deixando a política de lado, a forma como o autor falou de liberdade de expressão, de ditadura e de como as pessoas aderem uma ideia esquecendo de sua própria voz foi realmente notável, um texto para se ler e reler!

    Avaliação:

    Que conto! Que tiro certeiro esse, caro(a) autor(a). Estou a te aplaudir até aqui, pois a forma como escreveu foi de uma felicidade e originalidade de cair o queixo. Li 7 contos até aqui e não me vejo dentre eles nem em 3º lugar devido a alta qualidade do desafio, principalmente por escolhas certeiras feito esta sua que são um verdadeiro soco no estômago, dei um chute inicial na autoria, mas pode ser outro autor e digo que se não conheço o trabalho já deixo aqui meus sinceros elogios.

    Bem, a forma da libertação do personagem para mim foi incrível, e a agonia dele em encontrar essa libertação é avassaladora, me lembrou o Rafa justamente por essa habilidade de transmitir a angústia em seus contos e se não for ele está de fato a altura.

    Vou logo das as notas pois fiquei boquiaberto e li três vezes até agora!

    Critério nota de “1” a 5″

    Título: 5 – Simples, mas de uma sagacidade, sem ler o texto não me atraiu, mas após a leitura casou perfeitamente então não tenho porque dar uma nota menor.

    Construção dos Personagens: 5 – Fantástico!

    Narrativa: 5 – Absurdamente envolvente!

    Gramática: 5 – Impecável!

    Originalidade: 5 – Simplesmente de uma originalidade de campeão.

    História: 5 – Trabalhou com a atualidade de forma tão inteligente que deixou a história muito empolgante, levou a um tom surreal e ao mesmo tempo tão plausível. Curti demais!

    Total de pontos: 30 de 30 – meu primeiro nota máxima até agora!

    Boa sorte no desafio!

    • Pedro Paulo
      23 de dezembro de 2018

      Boa noite, Sidney!

      Veja bem, eu atentei aos elogios que prestou ao meu conto no grupo e fico muito feliz que tenha gostado, da mesma maneira que dou um agradecimento diferenciado a você por ter se importado em ler meu conto mais de uma vez. O que mais me felicita é que tenha sacado a pretensão que tive ao escrever essa história.

      E faço uma observação: talvez não tenha ficado em 3º entre os 7, mas ficou em 5º entre os quarenta. Foi um finalista. Parabéns.

      Até mais!

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Publicado às 20 de novembro de 2018 por em Copa Entrecontos e marcado .
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