Arrancar minhocas para a pesca era uma forma de caçada. O expectante encanto da pesca não deixava margem à percepção do gosto diferente. A enxada perfurava a terra aqui e ali, os terrões mansos esboroavam surdos sob os golpes. As iscas começavam a aparecer, movimentos desordenados, sem o mínimo cálculo. Isso era levemente excitante, dada a pouca possibilidade de fuga que tinham, se bem que se embarafustassem por todos os buracos. Estavam ali, diante de Bia e dos primos, inescapáveis. Quando as espetaram no anzol, a sensação era de que revestiram o aço de agonia trêmula e molhada.
Então, o caminho dos peixes, em águas azuis, em bandos, aos pares, os peixes nas águas, escamas brilhantes, reflexos metálicos, os peixes avançando, formação de combate, os peixes…
O estilingue ia sempre com ela. Também, era pecado matar passarinho, mas ninguém poderia impedir-lhe de dar pedradas ou mesmo de matar pardal. Pardais eram criaturas más, comiam os ovos das outras aves e botavam-lhes nos ninhos. Ah! o estilingue ia ali junto ao peito… E levava a marca dos dezenove passarinhos que não matara. Conseguira matar apenas uns três. A pedra batia fofa no peito da ave. O coração pulava no peito de Bia, mas diante do pássaro morto a angústia crescia como se fosse um assassinato. Era importante dizer aos meninos: acertei, matei. Criava-se o respeito em torno.
A garota ia chegando à casa em meio a essas reflexões. O morro perdera, naquele longo instante, o mistério das assombrações, das mulheres amortalhadas arrastando correntes, dos imensos fantasmas brancos. Onças de cabeças enormes e patas rudes desertaram. No meio da serra, a sua diversão era gritar e ficar ouvindo o eco. O caminho a engolia, o rio ficava para trás.
— Onde estava, filha? As primas a chamaram para brincar de casinha — a mãe avisava.
O futebol era um campo de batalha. Contar as feridas, as pisadas, as torceduras no pé; mostrar o olho escurecido e inchado por uma batida violenta, tudo isso era a glória. Evidenciavam-se estilos: havia o mestre, engenhoso, rápido, malícia em negações e enleios; o violento, estourador de bolas em altos e sonantes balões, temido, temível, a estabelecer distâncias. E os apagados, os que jogavam por obrigação: um ou outro chute a uma bola desgarrada. Bia punha a alma e o corpo numa partida, como se combatesse o último e glorioso combate. A luta ficava mais feroz quando assistida, era uma forma de ser notada, vista, colocada em destaque.
— Por que não aprende balé, Maria Beatriz? — o pai chacoalhava a cabeça.
Era ali, no futebol, que se resolviam os maiores problemas e complicações interiores. A menina sempre jogava, ave rara, vista com espanto e até com admiração pelos outros. Não tirava boas notas no estudo, compensava-se no futebol. Ou matava saudades indefinidas, vontades incaracterizadas.
O futebol sob o sol das quatorze horas era quase um martírio, campo de terra vermelha, eucaliptos em torno. Por perto a rua que conduzia ao cemitério. Lugar alto e belo. Enquanto a bola não vinha, Bia contemplava ao longe o azulado das montanhas, percebia o canto de um pássaro pouco além ou acompanhava os malabarismos de uma pipa mal dominada por um amigo.
Deixava-se ficar pelos cantos, absorta na paisagem, perdida na contemplação de um inseto. Outros dias preferia planejar o trabalho da horta, o contato com a natureza. Havia muita fome de natureza naquele tempo. Ela amava o dinheirinho que ganhava, quando o avô lhe permitia ficar na porta da loja vendendo verduras ou frutas. Conhecia todas as árvores: um pé de ipê amarelo (só podia ser amarelo, ainda não havia florescido, mas por que haveria de ser de outra cor?) , um pé de limão doce, três ou quatro laranjeiras envelhecidas, mangueiras (uma de manga espada), bambus, dois pés de uvaia, folhas miúdas, picadas de sol… as goiabeiras eram as melhores amigas e os abacateiros vieram depois. Gostava de cultivar orquídeas e cuidar de abelhas. Podia, entregar-se a arroubos místicos ou recordar leituras.
Mas a bola subia, tocada surdamente, ao som de apitos histéricos. E vinha o banho frio, um caldo grosso de poeira escorrendo pelo chão, gols e arranhões enumerados na mesma euforia, misturados às águas, repetidos nos sonhos, convidando para a liberdade de bolas que subissem para bem alto e talvez nem mais voltassem.
Um dia foi violentamente arrancada do devaneio. A bola chutada com força atingiu-lhe o estômago. Começou a ver tudo esverdeado e confuso, uma bola enorme subindo-lhe pela garganta, apertando, sufocando, comprimindo a barriga. Disfarçando o sofrimento, saiu encurvada do campo. Foi quando começaram a rir dela; então descobriu que o ódio pode dominar a dor e teve vontade de matar os que riam; o ódio imenso escapava pelo olhar em fúria: e perceberam que era perigoso zombar. Silenciados, Bia pôde retomar sua dor e sofrer, aliviada.
Gostoso também era cair na água fria da piscina. Choque violento, arrebentação, pulmões premidos, o peso da água batida de braços aflitos, espadanados. No calor, a água amaciava a pele, tocava a carne — volúpia mansa — beijava e alisava os pelos abandonados. A jovenzinha se perdia na imensidão daqueles vinte metros, sonhava oceanos bravios, lutava com peixes ferozes.
Estudou engenharia, bancou a baby-sitter para arredondar a mesada enviada pela família. Depois, só podia contar com ela mesma, embora tão pouco. Foi-se ganhando a cada dia, cada ano, as coisas amontoadas em si, o que ajuntou e o que ajuntaram. Muitas coisas foram tiradas, mesmo arrancadas com dor. Algumas deram trabalho, noites sem sono, vaguidão. Outras foram se desprendendo devagarinho, de manso, e foram ficando para trás como uma coisa para sempre perdida e a que se olha, de longe.
Quanta coisa se formou com cuidado, levou tanto tempo. Levaram quarenta anos a elaborando. Acreditava mesmo que nasceu com um poder nas veias; seu primeiro choro foi de medo e espanto diante dessa coisa inexorável. Ganhou alguns princípios, forjou ou elaborou muitos. A vida lhe entrava pelo ser adentro através de uma filosofia cujas peças podiam ser decompostas, lubrificadas. Almoçava e jantava. Dormia. De menina passava a jovem e de jovem a adulta. Tinha que trabalhar para o futuro. Era quase bom ter um futuro, uma pátria com heróis bonzinhos, um para cada data festiva. Viver a vida com seus ritos. Procurar o nome nos documentos e lá encontrar: fulana de tal, filiação, estado civil, gênero, sinais particulares. Haveria de se casar com um homem honesto e trabalhador, fiel… Criaria filhos.
Depois, essas coisas foram ficando ruins… Bia sentia vontade de gente, saía e logo voltava, cansada, mesmo antes de ter feito qualquer contato. Existiam léguas de distância entre o aceitar e o acolher.
Na trilha das reminiscências confundia, numa só mesmidão, o carinho e a afronta: desejo de abraçar a menina magra, sem quatro dentes na frente, sentada diante dela, na classe. Amor intelectual? A moça da folhinha a olhá-la o dia todo, intemporal, sem idade, indesgastável, o corpo seminu fixado em eternidade. O tapa num campo de futebol, no meio de muita gente. Laura foi a cobaia no seu laboratório de inexperiências sobre o amor, a primeira mulher a quem se ligou sentimentalmente e que a ajudou, sem dúvida, a atravessar o deserto de neuroses. A namorada que partiu na madrugada. Daniela que prometeu de vir lhe fazer companhia. Renata que ficou de vir, não veio. Luciana que viajou para o Chile. Tempos de sonhos e ilusão, de pesadelos virados rotina, de ofensas somadas a poucas carícias recebidas….
— Nunca vai dar certo?
Bia precisava expulsar as sombras ou, pelo menos, não lhes dar uma importância maior de sombra. O corpo que se revigorava, ocupava tempo (tanto, porém) cuidando do corpo, como se a ele depois devesse exigir contas. Parava e via que era realmente estranho dar uma importância tão grande a si mesma. Não sabia de si até ao fundo, ainda, e detestava, como detestava, decepcionar as pessoas.
Quando, carregada de flores e bombons, deparou com Gina, já dona da situação, não se deu por vencida e, se não ganhou, não perdeu a parada. Eram duas deslumbradas, querendo descobrir, em cada ângulo, um novo apelo de vida: lugarejos plantados nos montes, cheios de bons vinhos, bons queijos. Enfrentou um homem, num beco escuro, abraçado a ela, na base do grito. Roubaram-lhe um guarda-chuva, enquanto a beijava entre as pilastras de um estacionamento. Não se perdoou pelo descuido — chovia a torneiras escancaradas naquela noite. Gostavam uma da outra, o contato de pele, o aconchegar dos pelos. O capim dobrado ao vento, amaciado, na câmara lenta da tarde densa, no desejo galopante das veias, no convite das pernas, no arfar de seios desarvorados, em cabelos felinos, ferinos. Aprofundaram-se, às vezes, exigentes ou reticentes…
Beatriz começou a se sentir como ser completo, com um nome delineado, um caminho a seguir. Era outra. Incluía-se na multidão dos normais e incorporava a rotina dos frutos nas árvores, dos humanos na rua. E, até se diluía nas cantigas pendentes de lábios no ar. O mundo lhe era restituído: sol, árvores, terra, gente…
De alguma forma, trazia a vida revivida, com seus transes e transas. Mais precisamente registrava sua vida, a de outros e lugares, depois da elaboração por dentro; devolvia-a como produto salvo das triturações do íntimo.
Olá, Enamorada, boa sorte no desafio. Eis minhas Considerações sobre seu texto.
Enredo: Brincadeiras infantis, maldades intrínsecas? Não! Uma menina com suas aptidões… E os indícios de uma homossexualidade congênita.
Gramática: Belíssimo texto. Uma gramática com laivos poéticos e narrativa fluente. Sem erros aparentes.
Tema: Mais um conto que explora a temática do homossexualismo, entretanto sem a primariedade dos clichês. Até assusta, a princípio, com a alusão ao futebol entre meninos, mas não passa disso, logo depois a narrativa se firma com perspicácia, desenvolvendo o sentido do conto com leveza. Dando ao assunto a aura de grandeza que o tema carece. Muito bom trabalho.
Trilhas – Enamorada
Nesse desafio, irei avaliar cada texto de forma cruel, expondo os defeitos sem pudor. Mas não se preocupe: serei completamente justo na hora de decidir o vencedor do embate. Meu gosto pessoal? Jogarei fora neste certame.
– Resumo: Caminhos percorridos e escolhidos de Beatriz. Acompanhamos algumas partes da vida de Bia, talvez aquilo que marcou, que a influenciou, que fez quem ela é e direcionou suas decisões. É basicamente um conto íntimo, de um narrador onisciente e poético, mas distante, que observou tudo de bem longe. A infância marcada pelas brincadeiras de menino, pela natureza, pelo contato físico com tudo. A adolescência pouco explorada, revelada apenas pela distância de casa, estudo e trabalho. E a juventude com o tempo adulto, quando Beatriz se descobre, se explora e vive suas frustrações. Não alcançamos sua velhice, pois, talvez, tudo não se passou de um retrato pessoal da autora e ainda não chegou no final de tudo. Esse é o fim.
O conto é bonito, tanto no conceito, quanto na escrita em geral. Mas faltou algo para deixá-lo verdadeiramente belo: proximidade. A narrativa é muito fria e distante, apesar da aparente quentura das lembranças de Beatriz. Essa é uma grande armadilha da poesia, que, muitas vezes, é uma verdadeira faca de dois gumes. Escrever belamente é muito diferente que fazer beleza. Vou explicar essa distância na prática:
“Deixava-se ficar pelos cantos, absorta na paisagem, perdida na contemplação de um inseto.”
Uma frase bonita, né? Mas ela simplesmente conta o que Bia fazia. Não mostrava a beleza que via através de seus olhos.
“Às vezes, quando cansava das pessoas, aconchegava-se nos cantos. Escolhia um lugarzinho calmo, aparentemente perene e intocado, e deixava seu corpo repousar na terra úmida. Absorta na paisagem, contemplando um inseto, Bia não pensava em nada. Era um momento único de paz.”
O que eu escrevi simplesmente mostra o que Beatriz vivenciava pelos seus olhos. Você, ao contrário, simplesmente descreveu o que ela vivenciava através do ponto de vista de um observador distante. Algumas partes, de fato, exigem que você conte a história, mas em outras, como nessa, exige um pouco mais de intimidade, um pouco mais de proximidade. Acredite, isso faz uma diferença enorme na qualidade final da história.
Você escreve muito bem. Tem poesia em seus dedos. Faltou um pouco mais de humanidade, um pouco mais de intimidade com sua própria personagem, faltou dedicação para mostrá-la por completo. O conto inteiro se apoia na narrativa poética e bonita, e tenta disfarçar essa distância de Bia, mas alguns olhos mais atentos irão, de certeza, perceber a frieza inata dessa narrativa. Para mim, a leitura foi entediante, pois a beleza superficial não me é interessante.
Olá autor(a),
Tudo bem?
Resumo
A trajetória de descoberta da protagonista, do mundo e, da escolha de sua identidade de gênero, desde menina até se tornar adulta.
Meu ponto de vista
O conto traz uma visão poética do desabrochar da sexualidade de uma menina e sua identificação com o sexo oposto (ou com o próprio sexo). Um modo delicado e muito maduro de tratar o problema da identidade de gênero, com escolhas belíssimas por parte do(a) autor(a).
Embora escrito na terceira pessoa, o texto traz algo de intimista e convida o leitor a vislumbrar a premissa a partir do ponto de vista da protagonista. Uma personagem forte, cheia de nuances e criada pelo(a) autor(a) com a segurança de quem sabe o que faz.
Parabéns autor(a).
Desejo sorte no campeonato.
Beijos
Paula Giannini
Bia era uma garota que se portava como menino, não brincava com as primas e pelo contrário gostava de pescar e caçar passarinhos com seu estilingue apesar de sentir-se um pouco culpada ao vê-los mortos, no futebol impunha respeito aos meninos, estas suas opções na infância foram decisivas para seu amadurecimento sexual. Em suas lembranças estes acontecimentos iam tornando-se saudosos a medida que ela foi capaz de aceitar a si mesmo como uma pessoa normal.
Como leitor e comentarista vou deixar alguns palpites que talvez não reflita a opinião do autor, perdoe-me por isso.
1)Textos em tons de desabafo as vezes não causam impacto ao leitor, principalmente em contos curtos onde não temos temos tempo de criar uma empatia com o protagonista;
2)Exagero no uso de frases lacônicas (Então, o caminho dos peixes, em águas azuis, em bandos, aos pares, os peixes nas águas, escamas brilhantes, reflexos metálicos, os peixes avançando, formação de combate, os peixes…) repetiu este artificio em vários pontos, ao ler parece que tropeçamos em cada palavra;
3)Palavras pouco usadas na literatura atual (expectante, esboroavam, embarafustassem, inexorável, vaguidão dentre outras) fazem o texto parecer com um tratado de jurisprudência ao invés de torná-lo clássico, melhor usar sinônimos;
4)Fatos pontuais ou regionais. As vezes com alguma coisa errada pode ter significado apenas em uma região ou cidade, sem pesquisa o autor parece estar errado perdendo sua credibilidade, mesmo que na região onde vive aquilo parece certo, talvez o leitor não tenha tempo de pesquisar, o autor esta escrevendo para o coletivo e não para um grupo especifico. (Pardais eram criaturas más, comiam os ovos das outras aves e botavam-lhes nos ninhos.) PARDAL (verdadeiro) é um pássaro de origem estrangeira que foi introduzido no Brasil, muito manso, não teme o homem, prefere viver onde tem muitas casas fazendo seus ninhos nos telhados chocando e criando seus próprios filhotes. CHUPIM (ou melro – errado) pássaro de plumas negras que bebe ovos principalmente de tico-tico e coloca os seus no lugar deixando a responsabilidade aos pais adotivos.
No mais, boa sorte no desafio.
Trilhas
é a história de uma menina, só não fiquei sabendo se é um robô, ou humana.
Não entendi muito bem esse conto. Tem algumas frases estranhas, de difícil compreensão; “A vida lhe entrava pelo ser a dentro através de uma filosofia cujas peças podiam ser decompostas, lubrificadas”. O que dá a impressão de se referir uma máquina. Mais adiante há uma outra frase que sugere mesmo, um robô: “Incluía-se na multidão dos normais e incorporava a rotina dos frutos nas árvores, dos humanos na rua”.
Achei algumas frases com metáforas confusas que complicaram o sentido de alguns fatos. Se é de fato um robô descobrindo a Vida, a linguagem poderia até ser rebuscada, poética, mas sem as tais metáforas estranhas. Talvez tirando isso, a história faça mais sentido e fique mais bela.
Olá, autor, trata-se aqui da história da vida de Maria Beatriz, menina que subverte aquilo que se espera de seu sexo e, ao longo de sua trajetória, se comporta como todo mundo deveria se comportar: sendo senhor de suas vontades e de sua liberdade.
O conto traz ótimas descrições, e, através das atitudes da heroína, vai mostrando como é a sua personalidade e as escolhas que faz. É bem escrito, livre de erros grosseiros, forma lindas imagens em nossas cabeças mas, aí está o pecado do conto, não nos consegue envolver. Maria Beatriz não provoca empatia em ninguém e também não se torna antipática. Antes se tornasse, pois da forma como foi escrito, o conto não provoca nossas emoções, não nos faz torcer para que Bia se saia bem ou mal. É um conto sem defeitos mas que não deixa a sua marca (pelo menos não causou este efeito em mim).
É o que tenho a comentar, muito boa sorte no desafio.
Fala, Enamoradas.
Storyline: A biografia de Bia, desde sua infância “moleque”, passando rapidamente pela adolescência até alcançar a idade adulta.
O grande mérito deste conto é a linguagem empregada. Uma estética madura, muito segura, de alguém que sabe ser competente. Cada frase bem pensada, cada palavra encaixada com perfeição. O autor tem inteiro domínio do texto, que só funciona em razão disto, uma vez que a história é ordinariamente ordinária. Uma crônica da vida comum, sem grandes saltos, sem grandes quedas, sem grandes conquistas, sem grandes derrotas. Porém, repito, o que vence aqui é o estilo, a facilidade de criar atmosfera, sinestesia. Há uma imersão nas sensações descritas com tanto entusiasmo e sua representação nas passagens da vida, capitulando, na verdade, a história.
Por fim, fico muito feliz de encontrar mais uma história onde a protagonista é uma mulher de fibra, de vontades e anseios. Já tinha visto isso em “ratos sem asas” e “tiranas”. Os autores estão muito bem.
Resumo: a história de uma mulher em busca de si mesma, desde a infância até a idade adulta, quando encontra o amor.
Impressões: Um conto muito bem escrito, com uma beleza vocabular de dar inveja. Construções seguras, maduras, por ora poéticas, saltando aos olhos positivamente para aqueles que apreciam o bom trato da língua portuguesa. Em uma narrativa curta conhecemos Bia, a menina que se recusava a sucumbir aos estereótipos de menina, preferindo dar vazão às suas vontades, vivendo a infância intensamente, sujando-se, brigando, jogando futebol, caçando… Um salto no tempo e a vemos descobrindo a si mesma, longe dos homens, optando por entregar-se a outras mulheres e, aparentemente, conquistando o amor — ou ao menos a cumplicidade — de uma delas. Não há exatamente uma história aí, no sentido clássico que vai de A para B. O conto é muito mais um breve resumo da vida de Bia até a vida adulta, sem um conflito aparente, algo que pudesse fazer com que o leitor se identificasse com ela. Na verdade, o texto chama muito mais a atenção pela perícia com que foi escrito, pela habilidade no uso das palavras, do que pela história em si. Nesse aspecto, confesso, fiquei um tanto frustrado, já que não me vi atraído pela protagonista. Para ser honesto, embora reconheça a alta capacidade do(a) autor(a) para escrever, digo que o conto não me cativou. Claro, é possível enlevar-se pela beleza da escrita (e até acho que muitos leitores hão de se encantar pela maneira como este conto foi concebido), mas a mim o que marca é o impacto emocional que a história provoca, algo que aqui ficou a desejar. De todo modo, não posso negar os parabéns a você, que escreveu esta bela obra literária. Boa sorte no desafio!
Observações: inicialmente pensei que seria a história da formação de uma psicopata, afinal era apenas uma menina como tantas outras e com uma sexualidade que veio a descobrir diferente. Achei pouca história, até porque as outras meninas todas também precisam aprender a defender-se e afirmar-se desde cedo.
Prémio “Igualdade na diferença”
🗒 Resumo: uma menina que gostava de futebol e andar entre os meninos, descobre que gosta de meninas e tem várias experiências até encontrar em Gina o complemento que faltava para sua vida.
📜 Trama (⭐⭐▫▫▫): o conto não segue uma trama tradicional e linear. Na verdade, ele conta a história de Bia desde pequena até encontrar seu grande amor. Mas, confesso, senti falta de um início, meio e fim, de um clímax, de descobrir de fato qual era o conflito. Descobrir sua homossexualidade parecia ser o conflito do texto, mas não houve questionamento, tudo aconteceu muito rápido, passagens inteiras numa frase. O conto começou muito bem, contando a infância dela e apresentando a personagem. Mas depois acelerou demais a trama e se perdeu em não fixar em alguns momentos específicos.
📝 Técnica (⭐⭐⭐⭐▫): é uma técnica muito boa, reflexiva, com boa escrita e ritmo. Percebe-se que o(a) autor(a) lapidou cada frase para soar bonita e bem encaixada. Só encontrei dois problemas de pontuação (nada graves):
▪ Por perto *vírgula* a rua que conduzia ao cemitério
▪ Podia *sem vírgula* entregar-se a arroubos místicos
💡 Criatividade (⭐▫▫): a personagem acaba se enquadrando no clichê de menina meio masculinizada que, adulta, se descobre homossexual.
🎭 Impacto (⭐⭐⭐▫▫): é uma leitura gostosa. Quando comecei a ler, me ajeitei na cadeira esperando um conto daqueles. Infelizmente, do meio pro final, quando a trama acelera e não se foca, essa sensação foi sumindo e o texto acabou terminando sem um clímax, sem impacto, tudo muito normal, sem mostrar as dificuldades da protagonista, os preconceitos que ela deve ter passado, as experiências ruins que teve (essas duravam uma frase, nem deu tempo de sentir). Recomendo escolher um caso específico e dar mais palavras, mostrar como foi difícil essa aceitação e, assim, como foi bom encontrar a pessoa amada (que também chegou de repente, nem sei como ela é). Faltou, enfim, mostrar mais que contar.
RESUMO: Maria Beatriz, Bia, é uma garota que gosta de pescar, acertar pardais com o estilingue, jogar futebol com os meninos. Não tem gosto pelas coisas frufrus das garotas, mas imagina que irá se casar com um homem fiel e ter filhos. Mas a vida segue o seu curso, a natureza se impõe e Bia descobre-se interessada em outras meninas. Experimenta paixões e desilusões, amores e dores, até que se aceita como é e percorre sua própria trilha.
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Conto escrito em tom de prosa poética, com linguagem bem cuidada, composição de imagens perfeitas. Tudo muito bem inserido na narrativa que revela sensibilidade e domínio das palavras.
O ritmo do texto pode ser comparado a de um rio que flui, não se deixa represar, ou alterar seu curso. A leitura flui fácil, seguindo o ritmo como em uma poesia camuflada entre as trilhas que Bia percorre.
A caracterização do ambiente e a apresentação de Bia foram bem trabalhadas, buscando a identificação do autor com o leitor.
Não encontrei erros de revisão ou pontas soltas.
Talvez, alguns leitores considerem o conto excessivamente rebuscado com tantas linhas cheias de sentidos. Para mim, foi uma viagem feliz.
Boa sorte!
Olá, escritora!
Vou confessar que li seu conto até um certo ponto e, logo em seguida, reiniciei a leitura com um papel e caneta para anotar minhas impressões, de uma forma muito simples. As palavras que sintetizei em momentos da leitura foram, exatamente, essas: sensibilidade, sensações, cenários, fluidez imagética e identificação.
É evidente que você possui uma sensibilidade muito íntima com as palavras e a maneira como você escreve mostra isso claramente; a partir da sensibilidade que você escreve, o leitor também é capaz de senti-la, e eu, honradamente, pude.
Os cenários se formam muito bem na mente ao decorrer da leitura, a forma como a se muda de um ambiente e de uma Bia para outra é leve, fácil e gostosa. Você consegue associar palavra, imagem e sensação como ninguém.
A questão da identificação é que você construiu uma personagem que é muito fácil de quem ler se identificar, de se enxergar, o que fomenta uma simpatia com seu texto.
Enfim, muito parabéns pelo seu conto! Cada palavra tua é arte.
Abraços!
O conto constituiu uma biografia de uma mulher, da infância até o encontro com o amor de sua vida. Os acontecimentos narrados parecem, no entanto, ser secundários ao estilo de escrita adotado. A trama é plano de fundo.
O texto, como já dito, foca na forma. Há lá um jeito meio Caetano de se lidar com as palavras. Figuras de linguagem utilizadas na medida certa. Talvez o único problema tenha sido a falta de um final mais impactante na esfera do conteúdo. Um final que tomasse de volta o início ou deixasse em aberto algo para o futuro.
Resumo: Aqui temos a história de Bia, as suas descobertas pessoais, sexuais, amorosas… Os relacionamentos que não duravam, o encontrar a pessoa certa… o se encontrar.
Critério nota de “1” a 5″
Título: 4 – Gostei!
Construção dos Personagens: 4 – Trabalhou bem nesse quesito, mas ainda assim achei que algumas coisas faltaram para me afeiçoar mais a Bia, achei um personagem caricato demais.
Narrativa: 4 – No geral é muito boa.
Gramática: 5 – Não vi nada de mais!
Originalidade: 3,5 – Não sei, achei que a ideia era boa, mas o texto não trouxe nada de novo, de diferente nem em seu formato de escrita, tampouco no enredo.
História: 3 – Um conto cotidiano, e devido ao tamanho do texto, os saltos temporais cortaram muito do sentimento que queria captar. A História inicial é boa, mas depois do meio vira um resumo do fim dela e só…
Mas voltando… Bom conto, porém o desenvolvimento final dele decaiu em minha opinião.
Total de pontos: 23,5 pts de 30
A história trata da vida de Bia, de sua infância até a vida adulta. De início, aborda questões de gênero, enquanto desenrola a própria sexualidade da personagem que, mesmo ao se identificar como homossexual, não ganha o mundo, e sofre o que os apaixonados sofrem de qualquer jeito. A história se revela, então, uma trama de superação e de busca pelo seu lugar no mundo.
O direcionamento da sexualidade da personagem surge no início do texto, com a demonstração de que Bia tem preferência por brincadeiras tradicionalmente associadas ao papel do masculino, embora haja uma certa imposição do mundo (seu pai, sua mãe, seus amigos) para que cumpra seu papel social:
“— Por que não aprende balé, Maria Beatriz? — o pai chacoalhava a cabeça.” -Pai
“— Onde estava, filha? As primas a chamaram para brincar de casinha — a mãe avisava.” – Mãe
“Foi quando começaram a rir dela; então descobriu que o ódio pode dominar a dor e teve vontade de matar os que riam; o ódio imenso escapava pelo olhar em fúria: e perceberam que era perigoso zomba” – Amigos
Ao se desenvolver, a personagem continua a desempenhar papeis tradicionalmente masculinos, como pode ser visto na opção pelo curso de engenharia (o que vem mudando nas últimas décadas, felizmente).
Interessante que a aflição e a confusão da personagem diante do mundo não desaparece com a descoberta da sexualidade, uma vez que enfrenta uma série de relacionamentos que não dão certo. Isso é abertamente colocado com o questionamento de Bia
“— Nunca vai dar certo?”
O texto reforça a vida dura da personagem quando informa que ela detestava decepcionar as pessoas (achei aqui um tanto informativo e estranho, o “show dont tell” não é regra absoluta, mas o que Beatriz vinha fazendo a vida inteira era seguir seu coração, em detrimento dos papeis sociais que os outros apontavam para ela, daí estranhei um pouco).
Quando Beatriz decide cuidar de si acaba, aparentemente, quebrando um ciclo de menosprezo a si mesma, e sua vida começa a melhorar. Essa melhora é personificada em Gina, que finalmente oferece á Beatriz um senso de direção para o que antes eram trilhas confusas.
Em uma leitura um pouco mais atenta do texto, me pareceu que a sexualidade não é tanto o foco da história, mas a locomotiva encontrada para dirigir um conto sobre não entender o mundo e, no final, encontrar o seu lugar nele. É, assim, uma história otimista de superação e persistência.
Sobre a narrativa, achei-a bem construída, mas senti falta de pontos de tensão que conflitassem com meu eu. Aqui, claro, não é uma crítica ao texto em si, porque diversos leitores irão preferir as sutilezas da sua narrativa do que colocações mais duras e óbvias. Essa falta de tensão, inclusive, pode ser uma consequência de se abarcar grandes espaços de tempo da vida da personagem em poucas palavras, o que dificulta um pouco a construção de um clímax. Este, claro, não é elemento obrigatoriamente chocante em uma história. Gosto muito dos contos do Bolaño e suas histórias tendem a ser parecida com essa sua. Só que ele não precisa se preocupar com limites de palavras rs
Aliás, as escolhas de palavras também foram felizes e possibilitaram construções muito bonitas. Verdade seja dita, tive que recorrer ao dicionário algumas vezes (bem, ao google, na verdade).
Parabens pelo trabalho.
História de Bia, da infância a fase adulta, mostrando seu desenvolvimento e a descoberta de que gostava de meninas.
É um bom conto. A narrativa é bastante poética e tem trechos realmente muito bonitos. No entanto, esta mesma narrativa acabou me tirando algumas vezes da leitura, me desconcentrando. Não foi uma leitura de uma vez só, até mesmo porque o texto pede que se passe os olhos outras vezes por ele. É uma trama linear, sem muita reviravolta, a não ser que se julgue que Bia ser homossexual seja uma. Achei que descrever a infância dela como uma “moleca”, gostar de pescar, caçar, jogar bola, não querer fazer balé, entre outras nuances, ficou meio como um esteriótipo para condicionar a “opção” sexual de Bia. Mas, isso pode ser cisma minha. Fora a beleza da escrita, a estória não me impactou tanto. Achei a criatividade média. Boa sorte no desafio
A vida de uma moça, contada em flashes, desde a infância, com muita intensidade de sentimentos, sensações.Uma moça que se sentia diferente, talvez fora de lugar, precisando mostrar aos outros o seu valor, encontra a plenitude, já adulta, aceitando e vivendo livremente quem ela realmente é e do que gosta.
O conto não tem muito enredo ou personagens, é a narrativa da vida de uma mulher. Muito bem narrada, com bastante intensidade. Tem imagens muito bonitas, uma variedade de sensações incrível. É bem intimista. Não me fisga, esse tipo de texto, sou muito mais de estórias com ação e reviravoltas… eu sei, clichê, mas é do que eu gosto…rsrsrs.
É um bom conto. Boa sorte!
Resumo (como entendi a história, após a primeira leitura): Menina que se completava mais jogando futebol do que fazendo balé na infância vai, aos poucos, se descobrindo como ‘diferente’. A medida em que vai crescendo e explorando o mundo ao seu redor, vai desenvolvendo melhor sua sensibilidade, inclusive a sexual, até tornar-se uma mulher adulta e, lá pelos quarenta anos, finalmente se conhecer melhor e se sentir ‘normal’.
Impressões pessoais sobre a obra: É um texto bem sensível e, mesmo despretensioso, acaba convidando o leitor para um passeio gostoso pela própria história de vida. Uma história leve, rápida, mas longe de ser superficial! Muito bem escrita, a obra traz bons sentimentos e eleva o astral do leitor, conectando-o não apenas consigo mesmo, mas também com o mundo ao redor; sempre a girar e girar e girar…
Parabéns pelo trabalho e boa sorte no Desafio!
Paz e Bem! 😉