Eram duas morenas. Lindas. Novinhas, deviam ter uns 20 e poucos anos. Bem arrumadas, maquiadas e com cabelos longos e lisos. As duas carregando essas malas de rodinha.
Entraram no carro conversando, mas foram educadas o bastante para me dar boa noite. Tem gente que nem se dá ao trabalho.
Pela conversa das duas percebi que uma era maquiadora e a outra cabeleireira, e estavam indo para a casa de uma mulher que ia a uma festa. Estávamos na Lapa e elas iam para o alto da Tijuca, portanto, foi uma boa corrida.
Lá pelas tantas uma delas me diz:
– Moço, me desculpe dizer isso, mas outro dia eu tive uma experiência horrível com um motorista do Uber.
– O que aconteceu?
– O cara veio me pegar e depois que entrei no carro ele começou a dizer que eu era linda, cheirosa… só faltou me chamar de gostosa. Depois ele parou num sinal, acendeu a luz do carro, se virou e ficou me olhando de cima à baixo, e dizendo que eu era linda. Me ofereceu cigarro, perguntou se eu não queria sair com ele. Eu fui fazendo o jogo dele, mas sempre me esquivando. Disse que estava indo encontrar o meu namorado que era da polícia federal, que o meu pai era delegado. Inventei um monte de história. Não sei se ele acreditou ou não, mas felizmente ele me deixou no meu destino e não tentou mais nada. Foi horrível. Fiquei super assustada.
– Sinto muito por você. Tem uns caras muito escrotos.
A outra, que ficara ouvindo, começou a contar a história dela.
– Amiga, quando ainda morava em Curitiba, certa noite saí com uns amigos e voltei para casa de táxi sozinha. Já era de madrugada. Entrei no carro do cara, disse para onde ia e ele foi seguindo pelo caminho, até um momento que mudou o trajeto. Disse pra ele que aquela não era a rota certa, mas ele me ignorou e continuou dirigindo. Paramos num sinal e tentei abrir a porta para sair correndo, mas ele tinha trancado as portas todas. Ele rodou mais um pouco e parou numa rua deserta e mal iluminada, saltou do carro e veio para o banco de trás. Me encolhi toda. Começou a me agarrar, dizer que eu era linda, que ia me fazer muito feliz.
Comecei a lutar com ele. Me agarrou pelo pescoço e me estrangulou, e começou a me lamber toda. Fui ficando sem ar e perdendo as forças. Fiquei quieta por uns instantes, para me recobrar, deixando ele fazer o que quisesse. Até que me recuperei, enfiei o dedo no olho dele, abri a porta e saí correndo. Ele veio atrás de mim. Gritando que ia me pegar, que não adiantava eu fugir. Continuei correndo. Por sorte encontrei um prédio que estava com a portaria aberta e entrei. Não tinha elevador, por isso subi as escadas correndo, até o terceiro andar, que era o último. E ele atrás de mim. Me encostei na parede que fazia esquina com a escada e fiquei esperando o cara. Quando senti que ele estava quase me alcançando, saí de trás da parede e dei um chute bem no meio do peito dele. Ele se desequilibrou e caiu, rolando escada abaixo. Desci correndo, passei por ele e vi que estava desacordado e com um monte de sangue saindo da cabeça. Não sei se morreu ou não. Voltei a pé para casa. No dia seguinte eu estava toda roxa. Minha mãe perguntou o que tinha acontecido e eu disse que tinha levado um tombo. Fiquei mais de um ano sem pegar um táxi. Sempre que via um passar ficava morrendo de medo, sem saber se era o cara. Acho que uma vez eu o vi, mas não tenho certeza. Nunca contei essa história para ninguém.
Eu e a amiga dela ficamos mudos. O que dizer depois de um relato desses?
Chegamos ao destino.
– Muito obrigado. Tenham uma boa noite.
– Me perdoe pela história escabrosa, moço.
– Me perdoe você, pelo comportamento de certos homens. Você foi muito corajosa.
Felizmente você ficou bem. Seja feliz.
– Obrigada, moço.
Já estava rodando há um bom tempo e tinha uma vaga bem perto do prédio onde as tinha deixado. Encostei o carro e saí para esticar as pernas. Fiquei pensando naquela história horrível. Mulher tem que ter coragem só para sair na rua.
Estava encostado no carro e de repente as duas saem da portaria do prédio. Acho que estavam indo comer alguma coisa na padaria da esquina. Elas me viram e arregalaram os olhos.
– Não se preocupem, só parei para descansar e fumar um cigarro.
Elas riram, me deram tchau e seguiram em frente.
Sentir medo o tempo todo deve ser uma merda.
Isto é o que acontece num país onde mulheres têm que levar 2 ejaculadas consecutivas para levar um canalha para prisão! Armas pra elas… Gostei muito do seu estilo!
Olisomar, não foram casos hipotéticos, foi o que as duas mulheres me contaram sobre o que aconteceu com elas. não teriam por que mentir.
Lamentável. Só na bala mesmo !
Bem escrito o texto. Um retrato da realidade e do sofrimento que as mulheres estão sujeitas. Por essas e outras sou a favor da liberação do porte de armas de fogo para civis, claro que com treinamento e regras de controle, desde que sejam sensatas.
Nos dois casos hipotéticos a arma teria resolvido e nos casos reais também.