Talvez seja mais seguro escrever uma crônica sobre o Rio (REC = Resistência Entre Contistas) começando pelas amenidades. Por mais carioca que eu me sinta, não consigo abandonar meus hábitos espartanos de alagoana. Às 17 horas em ponto eu calmamente olhava para o relógio. Pronto, 17:15, ninguém vem mais, vou embora, tô puta com todo mundo, sacanagem, isso não se faz, vou reclamar com o Chefe. Calma, são cariocas, espera mais meia horinha…
Em crônicas não cabe obviedades. Se você não despertar no leitor nenhum dos sete pecados capitais no primeiro parágrafo, quer dizer que sua crônica está uma merda. Estão partamos rumo ao caos em busca da melhor imagem possível.
Juliana Calafange, a Ju, idealizadora do encontro, chegou irreconhecível sem os longos cabelos, mas inquestionável em sua voz zen de quem acabou de sair de um templo budista diretamente para a mesa do bar no enlouquecedor bairro de Botafogo. Pensei sentir cheiro de incenso, mas poderia ser qualquer outra coisa.
Nada melhor do que uma mesa de boteco com três mulheres. Empoderamento estabelecido com a chegada da Andreza Araujo, a escritora fotógrafa com cara de nerd, falando como nerd e vestida de nerd; uma gracinha. Adoro nerds porque são muito simples em suas complexidades. Ela encheu a cara de suco de laranja, devorou um hamburgão sem precedentes para um ser tão pequeno, acompanhado de um líquido vermelho esquisito. Fiquei temerária, mas percebi que ela se manteve tão elegante e bem comportada como quando chegou. Ah, adoro a sobriedade da tenra maternidade desta geração. Já a minha… E por falar na minha geração estragada, o Fernando Dias Cyrino apareceu fantasiado de boto como prometera. Jamais o reconheceríamos se não fosse a fantasia e a garrafa de coca-zero. Leo Jardim e Rafael Sollberg chegaram em condomínio. Eles estão ficando até parecidos, um começa a frase o outro termina, descobrem o conto um do outro, um levanta e outro corta. Coisa de louco, mal dá para acompanhar. Gustavo Aquino, o gigante de Sampa, ficou soltinho, descolado estiloso, rindo a toa e se sentindo em casa. Cariocou de vez. Não haverá pedido de resgate, ficaremos com ele. Perdeu, São Paulo.
Quando se frequenta ambientes etílicos populares, se não acontecer pelo menos duas bizarrices perde-se a viagem. 1º sinal: a papagaia de pirata que aparece ao fundo da foto é uma terrorista. Lançou por baixo de nossa mesa uma granada azul que não explodiu por pouco. 2º sinal: um bêbado (clássico) encostou na mesa exigindo cerveja. Falei “vaza!” Pra que? O cara não sabia quem tinha falado, mas ficou muito ofendido e reclamando “Vaza não! Vaza não”. Lógico que pedi desculpas ou ele faria um discurso indignado. Bebum já gosta de fazer discurso, com razão então nem se fala. Ele aceitou as desculpas e saiu adernando pela rua.
Como já é tradicional em nossos encontros começamos falando mal do Chefe Gustavo Araújo e depois arquitetamos planos para derrubar ele e Fábio Baptista do pódio. Não encontramos consistência suficiente para o plano ser bem sucedido. Abortamos a missão. Em seguida descobrimos que ninguém na mesa estava participando do desafio Folclore Brasileiro, só comentando. Eu disse que estava participando, mas ninguém acreditou. Estamos aprendendo a escrever e a mentir. Discorremos sobre estilo de literários e de comentários, falamos na dificuldade de valorar a subjetividade, alguns papos cabeça, outros beirando a intelectualidade rasante. As discrepâncias bipolares de notas x comentários. “Adorei o conto, exímio trabalho”: nota 2. Ou “Encontrei vários problemas no texto e a leitura foi sofrível” Nota 8. Ideias de avaliação surgiram. A melhor foi nos moldes de Escola de Samba: gera mais emoção com as notas muito próximas, pode enfartar com empate e sempre dá briga no final. Maravilha. Melhor mudar de assunto, mas continuar falando a mesma coisa. Lembramos os contos preferidos uns dos outros, rasgamos muita seda, metemos o malho nos ausentes e bebemos muita Serra Malte. Uma garrafa d’água foi abandonada pela metade, mas ninguém assumiu a autoria. Uma certa hora percebi que todos falavam ao mesmo tempo e pareciam se entender. Ficou novamente aquela sensação de que conversaríamos muito mais. Para uma matinê até que foi bem movimentado. Ficamos, eu e Ju, para pagar a conta astronômica que deixaram para nós: só dez reais para cada uma. Bons escritores e bons pagadores. Precisamos repetir.
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Foto de Andreza Araujo
Cilas Medi me representa com sua inveja santa. Fico morrendo de vontade de conhecer as pessoas dos grupos, mas parece que o meu caso é ainda mais grave do que o do Rio Grande do Sul, acho que Minas Gerais é em outro planeta. Adorei a descontração da crônica, que ao que entendi pela foto, é um apanhado fidedigno do encontro. Sugiro que seja enviada uma nave aqui para Minas, pra ver se eu consigo conhecer vocês. Bjs.
Adorei a crônica! Sou carioca e me mudei para o Canadá recentemente. Uma pena… gostaria de ter ido e ter somado o coro de bebuns…
Catarina, só vc pra captar tão bem o espírito do nosso encontro!!! Não tenho nada a acrescentar, a não ser aos comentários:
1- Fernando Cyrino, o Boto: Da próxima vez vc cancela qualquer outro compromisso q tenha depois, assim vc pode beber muito mais coca zero!
2- Pedro Luna: A verdade, confesso, é q a água era minha. Só pedi mesmo pra não estragar a imagem de zen budista q a Catarina tem de mim… De onde ela tirou isso?!…
3- Chefe, a Catarina esqueceu de mencionar em sua crônica, que passamos um longo tempo enaltecendo a sua bravura em manter o EC e seus desafios sensacionais. Lembramos que vc faz os cálculos dos vencedores de forma manual, no máximo com a ajuda do Excel… E o quanto somos todos gratos a vc por não desanimar nunca!
4- Aos ausentes do REC: Dou a maior força pra gente tentar organizar um encontro multi-inter-estadual, quem sabe num feriado, pra que todos possam ir. Imaginem as crônicas e contos que sairiam disso!
Três coisas somente: A crônica está ótima, então boto cinco estrelinhas no caderno da Catarina. Segundo que foi muito legal mesmo ter participado, pena que tinha um outro compromisso logo após. Queria ter bebido mais. O terceiro ponto é que a fotógrafa é ótima. Acreditem, ela captou o meu melhor ângulo. Senti que a minha careca ficou muito bem, vejam como ela até brilha. Bacana ter estado com vocês. Da próxima marquemos com mais antecedência e obrigado pela acolhida e amizade.
Essa história da garrafa com água e sua autoria misteriosa dava um conto de mistério..kk
E pensar que existe gente que me pergunta: o que vc ganha com esse site? Eu olho para cara do sujeito, isto é, para a tela do computador – já que esse disparate vem de nem sei onde – e simplesmente digo: nada, não… Sabe quando a gente não tem paciência para explicar o óbvio? Pois é… Que preguiça! O que eu ganho com o site? Cara, eu ganho o que pode haver de mais valioso nesse mundo, o contato com gente maravilhosa, com autores talentosos, com seres humanos fantásticos, pessoas que me levam a novos horizontes, que me tiram da zona de conforto, que balançam os meus princípios, que me questionam… Tudo isso de maneira inteligente, não raro envolvente, sob o disfarce de histórias que não consigo largar… E o melhor é perceber que isso acontece com todos entre si.
A foto aí em cima é a prova mais contundente disso tudo. As amizades que se forjam pelo EC, por causa do EC, tudo isso permite acreditar que a literatura pode fugir da imagem romântica do escritor recluso. Amizade. Esse é o valor mais sólido do ser humano. É emocionante ver os laços se formando no mundo real por causa da nossa comunidade, saber que essa aproximação, as piadas, as conversas, os risos se deram porque um dia alguém apareceu com a ideia de fazermos desafios literários…
Saber que o EC é parte disso me deixa muito feliz, algo que substitui, ao menos por ora, a inveja por não ter participado desse encontro entrecontista. Que essas reuniões se tornem tradição. Vou encerrando por aqui para a Cat não dizer que o comentário poderia ter sido mais enxuto. Beijos em todos.
Para quem já ama o Rio de Janeiro (até dezembro) como eu, saber em detalhes e brindes o encontro delicioso que perdi, só restou aquela coceirinha da inveja, e aquela risadinha curtindo a crônica bem descrita da relatora oficial. Ah, eu lá. Beijos.
Recomendações a essas reuniões, causando um pouquinho de “inveja” santa a quem está longe, mas possuidor de uma praia lindíssima como Santos. Quem sabe um dia uma reunião destas em um dos nossos recantos. Abração!
Sinto-me à um continente, estando aqui no RS. Ainda quero pegar um barco e me aventurar no RJ só pra ver vocês. Grande abraço!
Era apenas um site (ou blog, sei lá!), agora já temos a cronista da frota. Só falta navegarmos mais por mares nunca dantes, e fazer desse encontro uma necessidade. É bom ver a consistência de quem conhecemos apenas por palavras.
É pena que sou do Espírito Santo, um pedaço de terra que separa o Rio da Bahia.