No dia 12 de janeiro deste ano, completaram-se 40 anos da morte da escritora britânica Agatha Christie. Conhecida, mundialmente, como a “Rainha do Crime”, Agatha Christie escreveu dezenas de livros. Destacou-se no romance policial, com a criação de personagens cativantes como o detetive belga Hercule Poirot e Miss Marple. Publicou também livros não policiais sob o pseudônimo de Mary Westmacott. Deste modo, pode abranger outras situações e personagens em suas histórias.
Essa autora soube atrair a atenção de milhares de leitores, mas Agatha Christie fisgou-me, inicialmente, com sua “Autobiografia”. Através das linhas desse livro somos capazes de “conversar” com ela. Foi como um encontro com uma senhora alegre, desejosa de relembrar os momentos do passado. E nós permanecemos a sua frente, em silêncio, apenas com um suave sorriso a nos iluminar a expressão distraída. Aprendemos com ela a valorizar a vida. Como ela mesma afirma: “Gosto de viver. Por vezes, senti-me loucamente desesperada e sofri desgostos brutais, fui destroçada pela tristeza, mas, em meio a tudo isso, ainda tenho certeza de que o simples fato de estar viva é algo grandioso”.
Segundo Agatha, recordar é uma das compensações trazidas pela idade. Tarefa agradável e prazerosa. No exercício da memória, vislumbramos momentos que nos demonstram parte do nosso verdadeiro “eu”. “Quem sou eu neste mundo?” é uma expressão que nos assombra em determinados momentos, exigindo resposta, mesmo que simples. A resposta nos permite seguir em frente com segurança, seja lá qual for o atalho escolhido.
É reconfortante “ouvi-la” dizer: “Hoje, sou a mesma pessoa de antes, a menina solene com cachos louros roliços, de um louro muito claro e que pendiam até os ombros. A morada onde a alma habita cresce, desenvolve instintos e gostos, emoções e capacidades intelectuais, mas eu própria, a verdadeira Agatha, continuo a mesma. Não conheço a Agatha total. A Agatha total, acredito, apenas Deus a conhece.”
Realmente, não mudamos tanto assim. No transcorrer da vida, o essencial de nós mesmos permanecerá, a criança dentro de nós estará viva e forte. Só devemos dar-lhe voz para se expressar e também ouvi-la, com simplicidade.
Enfim, a “Autobiografia” de Agatha Christie é uma leitura deliciosa. Proporciona a nós, leitores, instantes de reflexão, entremeados de humor, tristeza, expectativas e espera. Conforme prosseguimos na leitura, as linhas escritas pela autora nos deslindam as lembranças vivas da “menina solene”.
Encontrei-o em um sebo no centro de minha cidade, escondido em uma fileira de biografias. Com a capa fina distorcida, as folhas amareladas e a simpática imagem da velha senhora na frente formavam um quadro atraente e curioso. Mal li o título, peguei o raro exemplar e o levei para casa, pronta para descobrir as nuances de sua existência.
Conhecia-a de nome, é claro. No entanto, ainda não surgira a oportunidade de conhecê-la realmente, ou seja, através de suas obras. Acredito que cada autor tem seu momento para ser lido. É assim comigo. Sim, é algo inexplicável. Durante muito tempo observei de longe o livro “Guerra e Paz”, de Léon Tolstoi, na prateleira de livros de minha mãe. Não me atrevia a pega-lo, nem mesmo folheá-lo. Não era o momento. Talvez, por acreditar que não estava pronta para enfrentar a complexidade daquela obra-prima. Até que um dia, inspirada, iniciei minha aventura pela Rússia do século dezoito.
Ter a “Autobiografia” de Agatha em minhas mãos coincidiu com uma época especial de minha vida, um período em que havia decidido dar “voz” às histórias e personagens que povoavam a minha mente. Compreendi que terminar uma história é também se despedir de suas próprias criações. Eles não mais farão parte de minha vida. Estão livres para cativar – assim eu espero – outras mentes.
Agatha Christie revelou-se para mim uma pessoa de espírito simples e o relato de suas experiências, como escritora, mostraram a caminhada lenta da escrita. Pude melhor compreender o momento que vivia. Talvez, isso se deva ao fato de me identificar com ela, como escritora. É claro que cada um tem sua própria trajetória, única e essencial em seu trabalho. Interessante o relato dela sobre como o ambiente favoreceu a criação de sua primeira história policial. E também a importância que teve o estímulo de sua mãe e irmã para que escrevesse. Tais fatores revelam o valor que possui o incentivo, desde idade precoce, à leitura e à imaginação, na vida de uma pessoa.
Recordo-me agora de uma expressão de Rubem Alves, própria aos objetivos desta crônica: “Por que se gosta de um autor? Gosta-se de um autor quando, ao lê-lo, tem-se a experiência de comunhão. Arte é isso: comunicar aos outros nossa intimidade íntima com eles. Ao lê-lo eu me leio, melhor me entendo”.
Tive duas experiências ruins com literatura policial: Mignon Eberhart e Raphael Montes. Espero preencher logo essa lacuna literária, que possui pouco de Conan Doyle, algo de Bolaño e praticamente nada de Agatha Christie.
Parabéns pela crônica. Dá um sabor nos lábios, um gosto pelo desbravar.
Ah, lembrei: tenho “Morte nas Nuvens” debaixo de uma pilha de papéis velhos. Lembro que quando adquiri havia a planta de um avião com os respectivos passageiros, dentre os quais estava o assassino. Na hora, pensei: será que vou ter que ficar olhando pra esse mapa? rs.
Em suma: não se pode ser preguiçoso ante um romance policial. Isso é que é um verdadeiro crime.
Tivemos contos muito bons no desafio “noir”, José. O conto do Rubem Cabral, “Lágrimas são vãs sob a chuva” foi um dos melhores que já passaram por aqui!
Grande conto esse do RC. Um dos meus favoritos forever. Bem lembrado, Chefe.
eu também adorei seu texto. leitura leve e dinâmica. sou muito fã de Agatha Christie, já li quase todos os seus livros, minha mãe tem toda a coleção do Poirot. E com certeza vou procurar a autobiografia, me deu muita vontade de ler. parabéns!
Ótimo texto. Gostei bastante do modo como você misturou impressões pessoais com informações acerca da Agatha. Para queles que, como eu, imperdoavelmente jamais leram um livro completo dela, sua crônica surge como um segredo soprado ao ouvido. Obrigado!
Aliás, queria ver outros textos seus por aqui, Maria Flora. Você escreve muito bem 🙂
Gostei muito da sua crônica. Fiquei com vontade de ler a autobiografia de Agatha Christie, de quem sou fã e leitora desde menina. Sempre gostei muito de suspense e de tentar adivinhar quem era o culpado entre tantos suspeitos. A.Christie, sem dúvida, dominava a arte do romance policial e invejo a criação dos personagens Hercule Poirot e Miss Marple. 🙂
Grande crônica! Tenho uma prima que é fã dos livros dela e tem quase todos. Gosto do estilo suspense e mistério, mas devo dizer que só conheço suas histórias por nome. Fonte de inspiração para várias histórias, ainda mantém viva a chama ao lado de nomes como Conan Doyle. Tanta coisa para ler e tão pouco tempo (“tempo” do latim “dinheiro”).