Os problemas começaram quando a esposa decidiu que aprender a dirigir era a sua nova prioridade. E o avisou enquanto ele bebia uma xícara de café quente, logo no início de um dia comum de trabalho.
– E essa vontade veio do nada? – ele perguntou, sem olhar para ela. Já estava acostumado as súbitas vontades da esposa, que vinham e desapareciam com a mesma velocidade, e sabia que tratar com ela sem olhar nos olhos era desencorajar alguma futura sandice.
– Do nada, do nada, não – disse a esposa. – Eu nunca gostei de sobrecarregar você, amor. Fico com pena quando você chega cansado em casa e ainda precisa me levar para algum lugar.
– Mas eu nunca reclamei.
– Eu sei. Eu sei. Mas é de mim, sabe? Me preocupo demais, e fico pensando que seria melhor para nós dois se eu aprendesse a dirigir também.
– Mas só temos um carro, baby.
– Sim, mas eu só vou usar o carro quando você estiver em casa. Tudo vai continuar do jeito que está.
Isso era importante para ele. Não gostava de mudanças bruscas. Na noite anterior, havia chegado do trabalho e precisou sair novamente para levar a esposa para comprar um vestido novo (uma festa de aniversário se aproximava). Sem dúvidas, uma ingrata missão. Mas ele não reclamou. Ao invés disso, esperou pacientemente enquanto a mulher provava vestidos e vestidos, descartando um ao enxergar um outro, na eterna e boba dúvida que cerca o vestuário feminino. E agora, no entanto, ela decidira que podia aprender a dirigir e ir sozinha provar aqueles vestidos. Decidira isso como se ele tivesse reclamado horrores de tanta demora, ou que jogasse na cara dela que podia ter ido embora e a deixado ali, para pegar um táxi. Como ela ousava? Depois de tanto sacrifício vindo de sua parte?
Estava incomodado, mas não podia demonstrar.
– Tem certeza, baby? – perguntou. – Estamos meio no vermelho, aquele lance da casa de praia, não sei se é uma boa pagar uma auto escola agora.
A esposa abriu um largo sorriso, como se esperasse por aquelas palavras, tendo na manga um ótimo contra ataque.
– Mamãe vai pagar. Presente de aniversário antecipado.
Aquela vaca maldita. Ele não gostava dela. Era o tipo de mãe que se metia demais na vida dos filhos. E o tipo de sogra que perturbava o juízo de um genro.
– Vai ser bom, meu amor – ela agora estava ao seu lado, tocando o seu braço. – Vai ser bom para nós dois.
Ela era linda, linda demais. A pequena boca implantada naquele rosto cheio de expressão e delicadeza o tirava da realidade, mesmo que tivesse a capacidade de trazê-lo de volta a terra em questão de irritantes segundos. A boca. Era difícil negar algo para a boca.
– Tudo bem – ele assentiu. – Mas não vou ter tempo agora de ver isso para você.
A esposa novamente lhe atirou aquele sorriso esperto. O sorriso de quem já estava com tudo planejado.
– Pode deixar. Eu vou cuidar de tudo.
E então ela saiu da cozinha, triunfante. E aquele sorriso ainda ficou na mente dele, preocupado com aquela história. Seria mais uma vontade passageira, ou agora era realidade?
****
Dias depois, estava ele deitado e arfando após um delicioso e intenso momento de sexo com a esposa, quando ela retornou ao assunto.
– Já fiz minha matricula. Começo as aulas teóricas na segunda.
Olhando para o teto, no escuro, ele vasculhou a caixa de memórias e então lembrou da conversa durante aquele café da manhã. A esposa queria aprender a dirigir. Ele havia concordado, mas também havia ficado certo de que aquilo era uma bobagem. Bom, agora ele não estava tão certo assim, e uma dose de fúria lhe subiu as têmporas, pois a esposa havia escolhido justo aquele momento sagrado, quando ele estava completamente vulnerável após uma bela ejaculada, para voltar a importuná-lo.
Achou melhor demonstrar confusão e desinteresse.
– Do que você está falando?
– Da auto escola, amor – a voz dela vinha do seu lado, da escuridão. Ela estava um pouco distante, talvez receosa, mas o pé dela tocava a sua coxa, sinal de que não queria problemas. – Lembra que conversamos sobre isso? Sobre eu tirar a minha carteira de motorista?
– Ahh, certo – ele fingiu bocejar. – Agora lembrei. Pensei que você não estava mais interessada nisso.
A esposa lhe empurrou com a mão.
– Bestão. Você sabe que eu estou. Quero logo passar na prova teórica para poder começar as aulas no carro.
– Essas aulas práticas são um saco – ele iniciou uma pequena tentativa de desarme daquela empolgação. – Duas semanas de puro blá blá blá.
A esposa ficou em silêncio. Ele se encorajou com aquilo.
– E a prova também não é moleza. Tem que decorar um monte de placas. Muita gente não passa de primeira… e nem de segunda.
– Bom. – A esposa agora se mexia, provavelmente virando para o outro lado da cama. – Eu acho que vou passar de primeira. Todas as minhas amigas passaram. Por que eu não passaria?
– Claro, baby – ele suspirou. – Você vai passar de primeira. Boto fé.
E então desfrutaram de um silêncio um pouco incômodo. Ele sabia que a esposa havia captado a sua falta de amor a aquela ideia, e provavelmente estava um pouco chateada. No entanto, ele também sabia que no dia seguinte a veria com o habitual sorriso matinal de quem não guardava mágoas por muito tempo, por isso pouco se importava. Na verdade, refletia sobre aquela súbita força de vontade da mulher, acostumada ao feijão com arroz da realidade, e que agora desejava dirigir e não depender mais dele. Pior ainda era saber que já estavam casados há cinco anos e que ela nunca esboçara nenhum desejo de guiar e salvá-lo daquele emprego não remunerado de motorista do lar. A preocupação dela parecia ser algo atual, e a vontade da independência talvez tenha nascido de uma necessidade urgente e irresistível.
Aquilo o preocupava.
Será que… será que?
Será que ela tinha um amante?
****
Apesar de não poder negar que a esposa inspirava fidelidade desde os tempos de namoro de portão, a teoria do amante era perfeitamente possível. Por que não? No fundo, no fundo, as pessoas eram movidas por desejos, ele mesmo, apesar de nunca ter pulado a cerca, já havia tido várias oportunidades e pelo menos em uma delas, quase se entregou ao crime. Quem sabe a mulher fraquejara? Quem sabe estava presa em uma teia, onde caiu talvez por leve descuido, e agora não conseguia mais se desprender? A teia do adultério, sempre ali, presença forte na vida daqueles que precisavam encarar o mundo a dois, era um perigo constante.
E havia também Leôncio. O velho Leôncio que trabalhara por trinta anos na contabilidade da empresa. Ficou famoso o seu caso, entre os colegas de trabalho, que descobriram de alguma forma que a mulher do contador o passava para trás. E os detalhes? Todos diziam o mesmo: a moça, alguns anos mais nova, tirou a carteira de motorista e passou a usar o carro do casal para ir em seus compromissos. Bronzeamento artifical, natação, cinema com as amigas, e até na manicure. Guiava pra todo canto enquanto Leôncio desfrutava de uma recém adquirida paz ao não precisar cruzar a cidade para satisfazer os desejos da mulher. Bom, resumindo: a moça se encontrava, no mínimo três vezes por semana, com um amante em um motel barato na cidade. Como descobriram? Ninguém sabia ao certo, mas o burburinho nos corredores fez com que o contador pedisse demissão e sumisse do mapa. Boatos que surgiram diziam que ele estava separado e que havia montado um bar.
Lembrar da história de Leôncio lhe deu uma leve dor de cabeça. Confiava na esposa, mas era prudente ficar de olho. Tudo bem que se ela quisesse traí-lo, aquilo aconteceria de qualquer maneira. Mas sabia, conhecimento adquirido em rodas de amigos, que a safadeza feminina não tinha limites, e que alguns tipos de mulheres preferiam a vida bandida, andando no fio da navalha, excitando-se com o perigo.
A sua mulher já podia estar fudendo com outro em algum motel barato, mas será que usar o carro do próprio marido para ir encontrar o amante não seria um passo adiante na eterna caminhada em busca da intensa satisfação sexual?
Demorou para dormir naquela noite, e na manhã seguinte, a dor de cabeça ainda estava lá.
****
Três semanas depois, o marido curtia um fim de noite vendo um filme na televisão quando a esposa adentrou o quarto carregando aquele sorriso esperto que o incomodava. O rosto dela se segurava para não dar bandeira, mas ele sabia que ela guardava algum segredo e que podia encurtar aquele momento patético se lhe perguntasse logo o que estava acontecendo.
– O que foi? Aconteceu alguma coisa?
– Eu… – Ela abriu os braços. – PASSEEEEEEEEEEEI! – E com o grito, pulou na cama, em cima dele.
– Como é? – ele estava um pouco surpreso, mas então lembrou da maldita prova de legislação que a esposa estava para fazer e sentiu imediatamente que a dor de cabeça que o visitava já há alguns dias tinha intenções de retornar.
– A prova, amor.- Ela sorria e o beijava no pescoço, extremamente feliz. Para ele, feliz até demais. – Passei de primeira. Eu te disse que conseguiria.
Utilizou de todas as forças para tentar ficar contente, mas soube na hora que o sorriso que ofereceu para ela foi o pior sorriso de todos os tempos, pois a esposa fechou a cara na mesma hora.
– O que foi? – Ela perguntou com firmeza. – Tem algum novo problema?
– Por que está falando assim comigo? – ele se fez de vítima. – Estou feliz por você e é assim que me trata?
Mas a essa altura ela já estava de pé, arrumando os cabelos no espelho.
– Não precisa mentir. Eu sei que você não está gostando muito da ideia de eu aprender a dirigir. Só não entendo porquê.
– Baby – ele se levantou e foi até o espelho, ao lado dela. – Claro que fico feliz por você aprender a dirigir. Só não entendo pra que tanta pressa. Do jeito que você fala, parece que tirar essa carteira é questão de vida ou morte.
A esposa relaxou um pouco, mas continuava fitando somente a si no espelho. O cenho franzido.
– Só quero ter um pouco mais de liberdade. Quero poder pegar o carro e sair.
– Mas… sair para onde? – ele arriscou.
– Sei lá, sair. Para qualquer lugar. Pegar um cinema com as amigas, ir na farmácia, fazer um bronzeamento artificial, passar a tarde na manicure.
Ele sentiu as pernas bambearem e o velho Leôncio lhe chegou a cabeça chutando a porta e rindo da sua cara.
‘’ Corno’’, ele dizia. ‘’ Espere só para ver quem faz as unhas da sua mulher’’.
Ficou murcho, calado. Lentamente voltou para a cama e tentou novamente prestar atenção ao filme. A esposa ainda esperou que ele dissesse algo, mas cansada daquela história, retirou-se para outro cômodo.
Naquela noite, o velho Leôncio dormiu junto ao casal, aninhado na mente do marido, que naquela altura, começava a semear um futuro sombrio.
*****
Duas semanas depois, ele voltava do trabalho após um exaustivo dia de reuniões e pendências a resolver, quando viu a esposa aparentemente a esperá-lo, plantada ao lado da porta da garagem da casa.
A imagem trouxe um mau pressentimento, e quase ele deu meia volta. Mas ao invés disso, a figura da mulher sorridente que acenava o fez arriscar, torcendo para que ela não fizesse o que ele esperava.
Mas ela o fez.
– Amor – ela não falava, e sim sussurrava. – Hoje foi a minha sexta aula prática no carro.
– Nossa, amor, que bacana. – Dessa vez ele pensou ter dado um sorriso digno de um mentiroso, pois ela não fechou a cara, ou talvez o sorriso tenha sido mesmo uma merda e ela não tenha dado a mínima, hesitando fugir do seu plano sujo.
– Pois é, e o instrutor me disse que eu levo jeito pra direção. Já estou passando até a quarta marcha.
As preocupações dele envolvendo carteira de motorista e traição ganharam uma nova perspectiva ao saber que o instrutor era chegado a elogios e que deixava as alunas passarem até a quarta marcha. Engoliu a seco, rezando para que não fosse a marcha que ele imaginava.
– Então… – ela continuou. – Eu quero te mostrar como eu estou dirigindo bem. Deixa eu dar uma volta no quarteirão? Ah, com você me ajudando claro.
Sim, era o que pensava. Instintivamente, apertou o volante com as mãos, como se não quisesse aquela separação. A esposa havia dado o primeiro passo para tirar o que era somente dele até então. Jamais imaginara em sua vida que dividir o carro podia lhe apresentar aquela angústia, e estava um pouco surpreso com isso. Desejou ter forças para simplesmente negar, sair do carro e ir tomar um banho quente, mas a sua posição de marido o fez apenas esboçar um sorriso amarelo e questionar a segurança daquela intenção.
– Mas, baby. Isso não é seguro. E se acontecer alguma coisa? No carro da auto escola o instrutor tem um freio extra pra impedir algum acidente. Não temos isso no meu carro.
– Mas eu já disse que estou indo bem. Não vamos precisar desse freio extra, baby. Além do mais, vou devagarzinho.
– Mas e se caírmos em alguma blitz?
– Vamos apenas dar a volta no quarteirão e você está preocupado com blitz? – ela perguntou, incrédula.
– Nunca se sabe onde elas vão aparecer…
E então, com velocidade e firmeza, o surpreendendo completamente, a esposa enfiou o braço pela janela do carro e agarrou o pênis do marido por cima da roupa. Não com força, mas sim com firmeza, como já foi dito, apenas para que ele soubesse que ela o tinha nas mãos, e que o que quer que ela fosse fazer com ele, dependeria muito da escolha das palavras corretas.
– Prometo que se deixar eu dirigir um pouco, vou fazer você enlouquecer mais tarde – ela sussurrou em seu ouvido, e o tesão que ele sentira fez as mãos largarem o volante e ficarem perdidas no ar.
– Está bem – ele gemeu. – Mas só uma voltinha.
A esposa deu-se por satisfeita com aquilo e o soltou, não sem antes dar uma leve apertada no aparato, para provocá-lo. E quando o marido viu que ela estava ali parada, esperando que ele saísse do carro para assumir o lugar que era exclusividade dele, desejou ter nas mãos uma tesoura de jardim para arrancar o próprio pênis e voltar a ter controle sobre as decisões de sua vida.
****
O passeio havia sido torturante, principalmente por ele precisar admitir que a esposa dirigia bem. Óbvio, havia sinais claros da falta de experiência, mas o carro não estancou nenhuma vez. Ela ainda mantinha aquela pose clássica do motorista iniciante, rígida e tensa, mas em sua cara aquele sorriso inabalável criava um irritante contraste.
Ali foi a primeira vez que o marido se perguntou como nunca percebeu as propriedades venenosas daquele sorriso. Se o tivesse feito antes, será que teria seguido em frente com ela?
No meio de tantas inquietações, o seu tesão continuava forte. Dentro da calça, o pênis pulsava e ele se controlava para não possuí-la ali mesmo, dentro do automóvel. Quando ela levava a mão ao câmbio, ele sentia vontade de imitar o intrutor da auto escola, imaginando como seria a sua voz e lhe dando a ordem: pode passar a quarta marcha, amorzinho.
No entanto, tudo o que fizera foi ficar calado, preso ao banco do passageiro de seu carro, um lugar onde nunca antes havia estado, e do qual ele não gostara nem um pouco.
Quando a esposa contornou o quarteirão e parou em frente a garagem, voltou-se para ele e, sem graça, fez um pedido.
– Guarda pra mim? Ainda não pratiquei estacionamento.
– Claro, amor- ele sussurrou, com o pau explodindo de pressão. – Pode deixar que eu vou guardar ele bem direitinho. Mas agora não, agora eu quero guardar outra coisa.
E ali mesmo a agarrou e a sufocou com beijos, precisando ser contido pela esposa, que divertida, o puxou para fora do carro e o enfiou casa dentro. Subiram as escadas para o segundo andar aos tropeções, e uma vez dentro do quarto, retiraram as roupas em tempo recorde. Ainda de pé, ele teve o prazer de vislumbrar a esposa cair nua na cama e ficar de quatro, com as pernas abertas e o que tinha entre elas virado para ele, fazendo um convite cruel, prazeroso e irresistível.
– Vem, amor – ela implorou. – Me fode por trás.
Sem pensar duas vezes, o ensandecido marido saltou para a cama, a agarrou pelos quadris e preparou a penetração, mas viu, com um misto de terror e surpresa, que a poderosa ereção se esvaía com uma rapidez impressionante, logo deixando em suas mãos um pequeno pênis murcho que mais parecia uma bexiga de plástico vazia de ar.
Havia broxado.
Pela primeira vez na vida, havia broxado.
****
Aquilo aconteceu outras vezes naquela semana, e apesar de suas rídiculas tentativas de se explicar, a esposa pareceu não dar muita bola.
– Acontece, baby – dizia ela. – Você deve estar estressado.
E ele assentia, aparentando não estar muito abalado, mas logo se trancava no banheiro para encarar o espelho e chorar baixinho com o que via. Um homem em ruínas, que não conseguia dizer não para a mulher, que desconfiava estar sendo traído, e que estava prestes a perder os símbolos de sua masculinidade: o pau e o carro. Aliás, o pau já parecia completamente perdido. Nem mesmo se masturbar estava adiantando. Logo que iniciava, lhe vinha na mente as imagens da esposa dirigindo, da esposa de quatro, e do rosto dela tomado pela frustração quando viu que ele a deixaria a ver navios.
Está tudo ligado, ele sabia, e agora que não estava conseguindo mais fazer sexo, estava certo de que ela ansiava mais do que nunca para tirar a carteira e sair pela cidade caçando homens.
– Puta maldita! – ele socou a parede do banheiro, e ficou calado para descobrir se a esposa havia ouvido, mas ela nada disse.
O que também aconteceu outras vezes naquela semana, foram os passeios da mulher, que agora já estava dirigindo por até seis quarteirões longe da casa. Todos os dias ele chegava do trabalho e ela estava lá, na frente da garagem, de guarda, acenando como uma imbecil. E como ele não precisava mais perguntar nada, apenas destravava as portas e pulava para o banco do carona, cedendo o seu trono para aquela usurpadora.
Era frustrante. E por isso, um dia, ele tomou outro caminho na volta para casa e foi parar em um bar. O plano era chegar tarde, quando a esposa certamente já estaria se preparando para ir pra cama, e assim ninguém precisaria passear naquela noite. Ela ligaria, claro, mas ele desligaria o celular. A desculpa? Algo simples: muito trabalho e precisei ficar até tarde.
E aí ele chegou ao bar. Um estabelecimento simpático, onde ele poderia tomar algumas cervejas em paz e meditar sobre a vida. No balcão, avistou uma linda morena e rapidamente ela o notou. Como era bonita aquela morena, ele pensara, e como eu poderia passar uma noite inteira fodendo com ela, ah, seria maravilhoso. Mas lembrou-se do problema da impotência.
‘’ Será que eu broxaria com ela também?’’, questionou-se. ‘’ Acho que não, afinal, ela não está tentando roubar o meu carro e nem tentando me trair’’.
Levantou-se para ir falar com a moça, mas no meio do caminho mudou de ideia e tomou o rumo do banheiro. No mictório, encostou a cabeça na parede e pensou em se matar.
Onde ia parar o sentido da vida quando um homem tinha medo de levar uma mulher para a cama?
Havia virado um covarde. Um tolo e covarde.
A sua mulher havia o transformado nisso.
****
As semanas passaram e a esposa finalmente havia conseguido tirar a carteira de motorista. Feliz como nunca, ela a ostentou para o marido, que agora vivia enfiado na cama, de férias do trabalho (um pedido desesperado para que o chefe lhe adiantasse a folga), comendo e assistindo filmes na TV.
– Não é linda? – ela dizia, balançando a carteira. – E passei de primeira.
E ele apenas sorria, e depois chorava, quando via a expressão de decepção que vinha do rosto da mulher. Nos primeiros dias, ela havia tentado se aproximar, perguntava o que estava havendo, se ele tinha algum problema, mas ele sempre conseguia se esquivar. Não queria que ela descobrisse que ele sabia de tudo. Aquilo o tornaria ainda mais fracassado.
E por isso, uma hora ela parou de se importar. Pegava o carro e saía para tudo quanto era canto, apenas mencionando vagamente para aonde iria. E ele se contorcia, implorava forças aos céus para sair da cama e impedi-la, mas não adiantava. A cama parecia lhe sugar a energia, e ele agora sentia-se encolhido, desnutrido, capado, sem vontade de viver.
– Tchau – ela dizia, e saía sem dizer que a que horas ia voltar. Muitas vezes ia arrumada, dizendo que tinha combinado algo com as amigas. Chegava de madrugada, quando ele ainda estava acordado.
Ela tinha um amante. Não restavam dúvidas.
Um dia conseguiu ter acesso ao celular da mulher, mas nada encontrou. Ela era boa em não deixar rastros, ele apostaria. Pensou em seguí-la, mas não tinha mais o carro e nem mesmo tinha forças para isso. Na cama, sempre que ela o deixava, sentia-se ainda mais traído, e tentava se concentrar nos filmes para não imaginar o que ela poderia estar fazendo com outro homem dentro de um quarto de motel.
Até…..
o dia em que acordou às três da tarde e sentiu-se diferente. Uma pequena fagulha alojara-se dentro do seu coração, uma fagulha de esperança. Era uma súbita vontade de querer escalar o poço e sair da escuridão. Um desejo de estar novamente no controle de sua vida, ainda que, ele sabia, fosse algo que ele não conquistaria novamente do dia para a noite. Precisava ir aos poucos, e aos poucos ele foi.
Saiu da cama. Voltou a ler alguns jornais na cozinha, e até mesmo deu uma volta no jardim. A esposa estava maravilhada, falsa como só ela, e tentava puxar assuntos que ele cortava na metade do caminho. Não pretendia mais viver com ela, e esperou pacientemente o dia em que a demitiria daquele cargo diabólico de esposa.
E o dia, o último de suas férias, chegou.
Era dez da noite quando ela saiu arrumada, com um curto vestido preto, alegando estar indo para um aniversário de uma nova amiga.
Mentirosa, ele pensava. Está indo ver o amante e pensa que não sei.
Passou aquela noite se exercitando, fazendo apoios de frente, e fazendo as malas da mulher. Quando ela chegasse, a expulsaria de casa e finalmente retomaria tudo que era seu.
Três horas da manhã, ela finalmente chegou.
Ele ainda não havia empacotado tudo, mas estava tranquilo. Ouviu a esposa chegar a cozinha e abrir a geladeira. Ouviu o barulho do copo batendo na pia e depois a ouviu gargalhar.
E de uma forma poderosa impossível de descrever, aquela gargalhada foi a gota d’água que transformou a calmaria em tempestade.
‘’ Ela está rindo de você’’, disse Leôncio, o velho da contabilidade, que ainda vivia em sua cabeça. ‘’ Ela passou a noite trepando e agora está lembrando de tudo, rindo do panaca que está lá em cima, deitado no quarto como a bela adormecida com chifres’’.
Ah, isso ele não permitiria.
Não dentro de sua própria casa.
Desceu as escadas com convicção e a encontrou na cozinha, encostada na bancada de mármore e com um copo com água na mão. Ela ainda estava rindo, agora baixinho.
– Ah, amor – ela tomou um pequeno susto. – Você não vai acreditar no que aconteceu no aniversário…
– Ah, baby – a voz dele era fria como a neve. – Pode apostar que eu acredito.
E rapidamente avançou até ela, acertando o seu rosto com um potente soco cruzado. A esposa foi direto ao chão, caindo sobre o joelho direito. O marido então montou em cima dela, forçando-a a deitar e começou a sufocá-la com as duas mãos.
– Me fala o nome – ele grunhia. – Me fala o nome dele, sua puta.
Mas ela não podia responder nem que quisesse, com as enormes mãos dele em seu pescoço, cortando-lhe o ar e a fala. Ainda assim, tentava se comunicar com os olhos, arregalando-os como se pretendesse mandar um sinal.
Sinal esse que por ele foi totalmente ignorado. Seguia apertando com força aquele pescoço, e em momento algum sentiu vontade de parar.
– Não vai me falar? Então deixa que eu adivinho. É Roberto? Ricardo? Heim, safada? Carlão? Ademir? QUAL A PORRA DO NOME?
Mas a esposa já estava morta. E quando percebeu, ele soltou o seu pescoço e engatinhou para o outro lado, encostando na parede. Ela estava de olhos abertos, fitando o teto, uma cena macabra. O marido arfava, agora sentindo o cansaço, e então percebeu algo acontecer no meio de suas pernas.
Santo Deus, era uma ereção! Aleluia!
Animado, levantou-se comemorando e já pensava em como faria para se livrar do corpo quando um celular tocou. Era o dela.
O AMANTE, pensou.
Seguiu com voracidade o toque até encontrar a bolsa da falecida esposa no sofá da sala. Vasculhou e encontrou ali o celular.
MARIZA, era o nome que chamava na tela.
Um pouco confuso, ele atendeu.
– Alô.
– Carla? – perguntou uma voz feminina.
– Não é a Carla, quem está falando?
– Ah, é sou Mariza, uma amiga dela. Ela veio ao meu aniversário sozinha e estou ligando para saber se ela chegou bem em casa.
O marido desligou o aparelho e meditou um pouco, fitando o nada. Depois caminhou até o corpo da mulher, que jazia estendido no chão da cozinha com uma expressão de puro horror em seu rosto, e vendo ela ali, lamentou por ter sido um idiota.
Nunca conhecera de verdade a mulher com quem havia se casado. E agora que estava morta, quantos segredos ele nunca descobriria?
– Então é Mariza, não é? – Ele sorriu, triunfante. – Sua lésbica do caralho. Você teve o que merecia.
Olhe,Pedro. Eu gostei muito. E sou leitora exigente. Notei aquelas falhas que outros já comentaram e ainda mais porque falo e escrevo em português de Portugal que é bem diferente do vosso. Muitas palavras que vocês usam têm um sentido completamente diferente aqui. E então nota-se. Mas nota-se nem que seja a ler Jorge Amado,não é? Como disse no início gostei muito e achei que você conduziu bem a narrativa. A obsessão deste marido seguiu um percurso, não nasceu do nada. A insegurança gerada pela perda de poder foi-se instalando e dando lugar à loucura que acabou por dominá-lo e justificá-lo aos seus próprios olhos. Continue e ofereça-nos mais agradáveis momentos de leitura. 🙂
Realmente a leitura prendeu.
Mexeu comigo pois marido dando desculpinha pra tudo o que a esposa quer fazer, Tentando impedi-la. Vc foi bonzinho e o marido ia cedendo, mas geralmente, eles dão uma volta boa nas mulheres… bem, me irrita. hahaha
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Em primeira pessoa daria um enfoque mais denso à historia eu acho, mas nada impede q uma terceira pessoa narre a historia do pobre ciumento, cheio de minhoca q os ‘amigos’ colocaram em sua cabeça fraca, coisa aliás, q tb é super real e acontece sempre.
Eu quero crer, q vcs jovens não repetirão essas idiotices, ok? 😛
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Aliás, percebo q não foi mostrado o nome do protagonista.. ou foi e me perdi? Somente o da vítima, lá no finalzinho… interessante.
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Abraço, guri.. parabens pelo texto.
Oi, Anorkinda. Obrigado por ler. O nome do protagonista realmente não foi mostrado. Achei melhor não botar um nome. Valeu novamente 😉
Valeu Pedro Luna ótimo conto pra um cara casado ele tava com vontade hein kkk
Olha aí, man. Kkkkk… Valeu por ler, Dernas.
Gostei. A narração foi naquele ritmo que prende e é impossível se soltar. Não chega a ser nada inovador, muito A Vida Como Ela É, mas não tira o brilho. Estava tão preso que vi alguns errinhos mas não anotei. O fim, na hora em que ele ataca ela, chocou um pouco, não achei que ele faria isso, mas não ficou forçado. A frase final encerrou bem com ironia. Parabéns! 🙂
Grande, Leo. Obrigado pela leitura. Fico feliz pelo texto ter prendido a sua atenção. Por ser longo, temi a oscilação do ritmo, mas pelo visto isso não aconteceu, ainda bem. Mais uma vez, valeu por ler.
Olá! Mesmo sendo um conto longo para os padrões claudianos, prendeu muito a minha atenção. Há alguns lapsos de revisão,mas nada que me tenha feito gritar.
O enredo é bem bacana, cotidiano de um casal e a súbita vontade da mulher aprender a dirigir. Já vi isso por aí, homens que se sentem menos viris porque perdem o cargo de motorista oficial da família. Enfim, gostei de todo o desenvolvimento, o narrador conduzindo a narrativa com toques de humor e revelando a paranoia do protagonista. O fim estava me decepcionando um pouco por pesar mais a mão no drama,mas eis que surge a última fala do personagem e tudo se faz risos. Humor negro? Gostei.
Obrigado pela leitura, Claudia, e sorry pelos erros. : / Eu estou tentando lapidar um estilo dramático mais pesado, misturado com humor negro. Nada que outros mil não tenham feito antes, mas vai que eu acerto a mão? rs valeu.
Li o conto todo e pra mim teve um quê de “A vida como ela é”, mas com um pouco mais de rodeio. Claro, você foi colocando aos poucos a sandice do marido, mas talvez a primeira pessoa combinasse mais com o conto, pois da forma como está, narrador e personagem se confundem um pouco, essas narrativas mais desequilibradas psicologicamente combinam muito com primeira pessoa. Há algumas coisas para acertar na gramática, como hífenes, porquês e alguma pontuação. No mais, digo que esse texto me incomodou muito, por estar bem dentro da realidade, há tantas que perdem a vida assim, apenas por querer ter suas atividades independentes, dentro de um casamento…
Oi, Bia. Obrigado pela leitura. Só de olhar novamente o texto já notei a falta de revisão, é uma pena, mas não tenho desculpas, foi descuido. Quanto a ter deixado você incomodada, posso dizer que gostei de saber, pois o texto é uma espécie de teste para algo que penso em fazer e que não vai ter felicidade no meio.
Pensei que incomodar era o que pretendia mesmo! Well done! 😉
Realmente, acho que ficaria bacana em primeira pessoa. Boa dica.