Ele, sentindo-se soberano, suspirava ao contemplar sua obra prima banhada em sangue e dor, sorria satisfeito com a absoluta certeza de que naquele momento ele era o ser mais poderoso, mais forte e mais inteligente do universo… Maior, até mesmo, do que o onipotente, o próprio Deus.
Ela, perdida em delírios, sentia frio e agonizava em seus últimos segundos de vida, esperava ansiosamente que a morte a cobrisse com seu manto morno e escuro e a levasse para o nada.
Para ele a respiração pesada de sua mais nova vítima anunciava o fim… Ou o começo; não sabia dizer, mas o fato é que ele tinha o que queria; os olhos, e esses eram os mais lindos que ele já vira… Olhos verdes e grandes, ele não pode resistir…
*****
O suor escorria por seu rosto vermelho, dias de sol quente o deixavam aborrecido, passava horas na garagem, fazendo o que mais lhe dava prazer… Escolhia cuidadosamente sua presa, preferia as que possuíam o olhar mais atraente, então as colocava em sua armadilha.
Na garagem escura e mofada ele tinha tudo que precisava, as ferramentas de carpintaria recebiam outras funções… Todas designadas a torturar as vítimas infelizes.
Dessa vez ele escolheu uma pequenina de olhos penetrantes e misteriosos, carregava a inocência de uma criança e a malícia de uma caçadora. Deu trabalho no início, quando percebeu a enrascada gritou e se debateu, mas ele era experiente, a prendeu com muita destreza sobre o balcão, enrolando-a em arame farpado bem firme para que ela não pudesse se mover. Ele adorava sentir o desespero vazando pelo semblante aterrorizado delas… Era sempre assim, elas lutavam, lutavam; até perceber o quanto era inútil tentar fugir… Ainda para evitar que isso acontecesse ele sempre cortava os pés das suas vítimas, para isso usava uma serra e fazia lentamente o serviço, saboreando cada segundo de desespero da pobre alma.
A furadeira ela velha, fazia um barulho alto que abafava os gritos desesperados, esganiçados, praticamente instintivos, enquanto ele perfurava o corpo indefeso… Ah! Como ele adorava aquilo, podia fazer o dia todo… Por cada orifício aberto vazava um filete de sangue tão vermelho, tão quente… Sentia que a vida dela estava em suas mãos. O poder sobre a vida e a morte.
Os ossos frágeis se quebravam com facilidade, a medida em que descia o martelo, menos restava da estrutura que podia a manter em pé, e ela resistia… Depois de tudo, ainda não sucumbira a dor… Era valente, mantinha os olhos bem abertos e aceitava como uma mártir seu destino cruel.
Enquanto ele brincava de Deus sobre o corpo moribundo, o sangue vermelho intenso pingava no chão de piso claro como uma ampulheta que conta os segundos para que a vida se esvaísse por completo levando consigo o brilho daquele olhar e congelando no pequeno rosto uma expressão de angustiante de dor.
Com um canivete prateado ele arrancou os olhos da sua vítima, ele foi muito cuidadoso, quase um perito. Dirigiu-se para uma grande caixa de madeira e depositou seu troféu em um pequeno recipiente de vidro, onde jaziam vários outros olhos deteriorados. Alguns não passavam de uma sujeira irreconhecível; ele não sabia como conservá-los.
Observou em silêncio até que ela deixasse de lutar e partisse dessa vida, sentiu que estava pronto para algo maior…
Batidas na porta de alumínio da garagem fez com que sentisse calafrios:
– Filho o jantar tá pronto!
-Já vou!- sua mãe nunca entrava ali… E nesse instante um pensamento inacreditavelmente hediondo lhe passou pela jovem cabeça, lhe causando tamanha excitação que não pode conter o sorriso vazando pelo canto da boca. Passou os olhos pelas ferramentas espalhadas e deixou a garagem em direção a cozinha.
O garoto robusto raramente era visto na vizinhança, conhecido por sua crueldade com animais era o primeiro suspeito no caso do desaparecimento dos gatos daquele local, porém naquela tarde o menino introvertido estampava um sorriso largo no rosto, com um martelo na mão seguiu para o jantar com uma só certeza: nunca viu olhar mais bonito que o da sua mãe.
Falou. As férias estão quase no fim e só em pensar em outras coisas já tremo aqui. Então, vim comentar 8)
Eu já conhecia o conto, né? Ele é bom por brincar com o frio e o quente, o doce e o salgado. Eu sempre curti narrativas, a forma de narrar tem mais valor que o enredo em si (em minha opinião).
As dicas estão aí, concordo com elas.
Abraço!
O macabro do conto é legal porque é entregue de uma forma leve (o que leva a uma dissonância irônica entre forma e conteúdo) mas hei de ecoar o que o Fábio indicou abaixo: os períodos, em geral, são muito corridos, formando descrições inorgânicas (no sentido de não participarem da narrativa, são só um bloco louco de informação que acaba não participando da formação de personagem/cenário na cabeça de quem lê).
Gostei, personagem interessante, macabro e cruel. O final é muito bom. Só fui mais um que fiquei com a sensação que o desenvolvimento pudesse ser melhor, mais descritivo. Acho que faltou sabermos mais da vítima de olhos verdes, para ficarmos mais tristes e chocados com sua morte.
Abraços
Então, é um bom conto. Gostei bastante!
Ele é pequeno e objetivo, cumpre bem sua proposta, apresenta um jovem psicopata e o modo como ele age (modus operantis), e isso é algo realmente legal de ser. Ele escolhendo a vítima, realizando a tortura para, só então, arrancar os olhos e deixar que a morte chegue.
O personagem é bem construído, ainda que em pouco espaço, e fez com que eu tivesse raiva dele, principalmente no final, e que final! Deixou a atmosfera pesada, nos fez pensar que o conto acabava com a vida da primeira vítima, mas não… Criei a cena na minha cabeça do menino levando a mãe até a garagem e, ali, revelando o que vinha fazendo e, posteriormente, fazendo o mesmo para ela…
Acho que algumas partes poderiam ser melhoradas, mais trabalhadas para despertar atenção do leitor, causar espanto, horror, medo do próximo movimento do jovem psicopata. Por exemplo, como foi citado pelo Fábio, dizer que ele pega o serrote e, talvez, fique olhando as serrar com expressão determinada nos olhos, e então para a vítima…
Parabéns pelo conto, Eliane!
Valeu piá! rsrsr. vou dar uma revisada, a dica do Fábio é boa mesmo. Até!
Olá Eliane.
Gostei muito do conto. Lembrou-me do livro “Olhar Mortal” de Fergus Mc Neill.
Na verdade eu acho que poderia ser um pouquinho mais trabalhado.
Eu não cheguei a me conectar com nenhum dos personagens. O Colecionador tem muito mais para ser explorado. Há algo de Jason Voorhees nele, na maneira como observa. Fez-me querer ter medo dele, mas não chegou a isso.
Você fez um bom trabalho em descrever o Modus Operanti, explicando como ele escolhe suas vítimas e como as executa, sempre da mesma maneira, porém, para mim, um assassino com tal vasta experiência teria um local mais adequado para que pudesse deleitar-se com os gritos de suas vítimas sem que sua mãe pudesse ouvi-los.
Foi sábia em citar a crueldade com animais, comum em muitos psicopatas durante a infância.
AMEI O FINAL. Cria um bom suspense e uma expectativa mórbida.
No todo, achei um bom conto. Um ótimo potencial para tornar-se algo maior.
Oi Phillip, obrigada pelas dicas, na verdade, escrevo pensando em contos menores mesmo, mais objetivo, talvez esteja faltando saber envolver mais o leitos em poucas palavras… vou pensar nisso. Quanto ao lugar, pensei em um local proximo da mãe pra mostrar que ela não se importava tanto com os afazeres do filho. Obrigada mesmo e até a próxima1
Já gostei do tamanho do conto, o que deixa a narrativa concisa e nada cansativa. O que notei logo foi o uso do pronome “ele” de forma repetitiva, quando poderia ser suprido. Perceba que em algumas frases, se você retirar o “ele”, não há prejuízo à compreensão do conto.
Acredito que seria mais interessante o rapaz conservar bem os olhos. Afinal, ele é um colecionador. Um grande vidro com formol exibindo olhos coloridos como bolinhas de gude brilhantes. Quem faz coleção, quer admirá-la de vez em quando, não?
A pontuação pode ser revista. Pouca coisa, mas um ponto é sempre mais interessante do que estender demais uma frase.
(…) ele não pode resistir > aqui o correto seria “pôde”
O final achei perfeito. Cria suspense e impacto.
Continue firme! Abraço.
Oi Claudia, gosto de escrever contos curtos mesmo rsrs, vou rever esses eles aí, tem muito mesmo. O fato de ele não conseguir conservar os olhos faz parte da história, ele era só uma criança, não tinha acesso a formol e fica muito triste por não conseguir manter a beleza dos olhos… bom foi essa a intenção. Sou meio ruim de pontuação confesso, preciso melhorar isso. Muito obrigada pelas dicas 🙂
Olá, Eliane!
Li o seu conto e gostaria de dar algumas sugestões para melhorá-lo, tudo bem?
Tem uma “teoria” de escrita sobre “contar” e “mostrar” (tell/show). Tem bastante material na net, escrito por gente mais qualificada que eu, acho que vale a pena dar uma pesquisada, foi algo que me ajudou um bocado.
Resumidamente, ao “contar” você simplesmente descreve os eventos. Por exemplo: o carro bateu no poste e o motorista morreu.
Ao “mostrar”, você cria uma atmosfera que faz o leitor imergir na cena. Exemplo: os freios gritaram e os pneus desenharam desespero no asfalto, antes de metal encotrar concreto. Pedaços de vidro e de sonhos ficaram espalhados pela calçada, manchados em vermelho.
O segundo talvez pareça “melhor”, mais emocionante (bom, inventei esse trecho agora, então talvez não esteja tão emocionante assim, mas a ideia é essa :D), mas é necessário dosar entre um e outro, saber quando usar um e outro. Exagerar no “mostrar” pode tornar a história enfadonha… exagerar no “contar” acaba tirando a emoção.
Bom… aqui nesse conto, acho que você pendeu muito para o lado do “contar”. Em alguns pontos, você poderia trabalhar melhor a cena, fazendo o leitor sentir-se lá na garagem do maníaco, tipo aqui: “ele sempre cortava os pés das suas vítimas”. Um pouco depois você até chega a descrever isso melhor, mas não teve o mesmo impacto se essa atmosfera fosse criada aos poucos, tipo o cara indo pegar o serrote, se aproximando da menina, etc. Sem o leitor saber o que ia acontecer.
– “quando percebeu a enrascada gritou e se debateu”
>>> essa frase pode gerar uma certa confusão ali onde foi usada, pois, à primeira vista, parece que é o psicopata que gritou e se debateu.
– “quase um perito”
>>> Pô… o sujeito já fez isso um monte de vezes pelo que entendi! Já era um perito completo eu acho! kkkkkkkk
Há pontos positivos também, é claro: você conseguiu ser concisa e montar um bom personagem em pouco espaço. Gostei bastante do final também, pois ele sugere o que vai acontecer e o leitor monta a cena seguinte na cabeça (isso é ótimo!).
Bom, acho que já falei demais, pra variar… 😀
Grande abraço!
Obrigada Fábio, pode dar quantas sugestões quiser 🙂 é pra isso que estou aqui… já li sobre a teoria, é muito boa. Esse conto é bem antigo, nos últimos exagerei no mostrar e esqueci o contar “madrilenial” 😛 mas um dia eu acerto kkk. Abç e Até mais!
Às vezes exagero pro lado do “mostrar” também…
Daí quando o limite de caracteres está acabando, sou obrigado a exagerar no “contar”… kkkkkk
É um equilíbrio difícil de se obter.
Mas vamos tentando 😀
Abraço!