EntreContos

Detox Literário.

Canô (Nanã Burucu)

“(…) Nanã deu a porção de lama à Oxalá,

o barro do fundo do lago onde ela morava,

a lama sob as águas, que é Nanã.

Oxalá criou o homem, o modelou no barro.

Com o sopro de Olorum, ele caminhou.

Com a ajuda dos orixás, povoou a Terra (…)”

– Fragmento de uma lenda sobre Nanã, extraída de

“Mitologia dos Orixás”, de Reginaldo Prandi

Oxalá me deu o privilégio de moldar o corpo de minha própria filha. O rio que fluía por meio do Portal que separa os reinos dos vivos e dos mortos estava em plena calmaria, tudo ocorrendo exatamente como deveria. Os espíritos desmemoriados de suas vidas passadas e decantados por mim, subiam com as minhas canoas rio acima em direção à Vida. Uma parte daqueles que ainda não estavam prontos permaneciam ao longo da margem, fazendo coisas que ressoavam de suas vidas passadas, enquanto os outros nadavam nas águas serenas.

Era um fim de noite muito bonito onde não há Tempo. No fundo do horizonte, o Sol rompia o breu, lançando os primeiros tons de lilás no céu escuro e livre de nuvens. O cenário perfeito para modelar uma criança.  

Sem se importar com a barra do vestido anil e branco, entrei na água, sentindo o fluir gelado abraçando aos poucos meus tornozelos e canelas. Continuei entrando, rio adentro, até que a água tomasse meu corpo por completo. Caminhei até a parte mais funda do leito, onde nenhum ser poderia enxergar, nem mesmo eu. Com a planta dos pés, apalpei a terra lamacenta, buscando o material ideal para minha menina. Quando finalmente fiquei satisfeita com a argila, fechei os olhos, controlando o lodo até os pesados vasos que havia deixado na margem do rio.

Sentei numa pedra chata, parcialmente banhada pelo rio, e comecei meu trabalho, diante dos olhares confusos dos espíritos, que me assistiam sem compreender aquilo. Com paciência, modelei com as minhas próprias mãos aquele pedaço de argila até surgir em meus braços uma bebê pretinha rechonchuda da cabeça aos pés, com dobrinhas muito bem colocadas nos braços e nas coxas. Cabeludinha desde o princípio, com fios tão finos quanto a lâmina d’água. Com cuidado, coloquei um olhar castanho escuro como a lama do leito do meu rio, para que sempre que ela olhasse em seu reflexo, lá dentro de seu âmago, ela pudesse se lembrar de onde veio. A pele delicada como um espelho d’água contrastava com as rugas de minha pele, testada e marcada pelo passar das eras.

Filho a gente faz para o mundo. Canô, tão linda e cheia de todo o potencial, aninhada ali nos meus braços. Ou seria eu aninhada por aquele bebê, recém-modelado do meu rio? Por um breve instante, uma correnteza rebelde passou por mim. E se Canô ficasse ali, comigo, crescendo, assistindo o fluir do rio, brincando e aprendendo em meio aos espíritos que passavam por aquelas águas rumo à vida?

O rio vai, não importando a velocidade. O rio volta, devagar e de inúmeros jeitos. O leito permanece. A corrente de rebeldia passou. Olhei para os olhos castanho-escuros da minha filha. Estava calma, embalada numa mantinha singela e numa guia de proteção. Depositei minha menina numa canoa pequena que a levou, entoando alegre e chorosamente um canto de benção, desejando boa viagem. Mãe é mãe, afinal.

Assisti ela cruzar o portal, com a certeza de que Canô voltaria para mim, para o meu tranquilo rio e para a minha lama, como todos voltam.

(…)

A rotina banal foi quebrada uma segunda vez por um embrulho estranho, encostado em algumas pedras da margem. Num primeiro momento, mal conseguiu reconhecer aquilo. Malditas vistas cansadas. Pensou ter ouvido um “nhem!” curto, típico de bebês. Não era possível. Geralmente não tinha ninguém por essas bandas. “Nhem!”. Será que não era apenas uma impressão do seu desejo? Como não cansavam de falar em Ubuntu, já havia passado da hora de ter filhos. “NHEM!” Era um chamado, só podia ser. Largou a trouxa de roupas, correu até o embrulho, tomando Canô em seus braços com cuidado. Com poucos dias de vida, não chorava diante do desamparo. Tampouco se perturbou em ser retirada da canoa-berço. Gorducha, parecia um pouco suja de lama em alguns pontos, como na bochecha e nas perninhas.

— Meu Deus! — Hilária trouxe a bebê para dentro do seu abraço, aquecendo-a um pouco, beijando delicadamente a cabeça já recheada de cabelos fininhos. — Tá tudo bem agora, menininha.

Hilária tateou a canoa atrás de algo que pudesse identificar a neném. Encontrou apenas uma guia de pedrinhas lilás e um papel com algo escrito. Alguém no quilombola poderia ler o bilhete. Pegou a trouxa de roupas, a canoa da bebê e Canô nos braços, e retornou para a comunidade.

“O nome dela é Canô. Cuidem dela, por favor!”

A comunidade de Ubuntu recebeu Canô de braços abertos. Oficialmente, aos olhos do Cartório de Santo Amaro, Canô chamava-se Cândida Batista da Silva, filha de Hilária Batista de Almeida e Ernesto Joaquim da Silva. Um prêmio para o casal que não pôde ter filhos. Mas, na realidade dura mesmo, Canô era filha de todos os moradores do quilombola, criada com muito carinho e liberdade.

Hilária e Ernesto saíam para trabalhar; ela vendia uns quitutes na cidade, enquanto ele era lavrador nas fazendas de cacau da região. A menina cresceu solta em meio às casas simples. Geralmente era calma, na dela. Brincava com as demais crianças, mas não se enturmava tanto. Gostava da farra, mas na primeira confusão, saía meio irritada, meio chateada. Vez ou outra trocava a companhia infantil pela adulta, como se no meio dos mais velhos Canô pudesse ser mais Canô. Escutava as histórias, fosse as de adultas ou não. Aprendeu desde cedo qual podia repetir e qual era melhor manter-se quieto.

A grande traquinagem da menina era brincar na terra, na lama e no barro, como uma autêntica inimiga das roupas brancas. Disso ela não abria mão, nem por ameaça de uma sova bem dada. Corria, pulava, rolava… sujar-se era apenas um detalhe da diversão; construía inúmeros amiguinhos e monstrinhos, modelando-os nos formatos mais não-humanos possíveis. Também adorava cozinhar as receitas que Hilária fazia, replicando os temperos da mãe com areia e as folhas mais diversas. Solícita, fazia questão de oferecer os quitutes de Canô para qualquer um que passasse perto e não escondia a insatisfação diante da desfeita. E, se sentisse que alguém estava passando mal da barriga, Canô tinha a solução; pegava o velho e surrado copo rosa de plástico, com uma rachadura no fundo, que ela tampava com o dedo, e oferecia com um sorriso terno um chá de água barrenta e plantas.

Hilária logo notou e comentou brincando com o marido:

— Oxi, essa’minina parece que tem uma véia dentro dela! Ondi ela aprendeu essás coisa?

— Ah, vive solta por aqui, né? Deve imitar uma dessas véias fofoqueira, fica ouvindo as histórias lá do terreiro.

Ali, pelo meio da adolescência, Canô tomou para si a missão de cuidar das crianças como elas, filhas daqueles que saíam do quilombola para trabalhar. O pai a proibiu de continuar os estudos. Moça direita tinha que ajudar em casa, ele dizia. E se não tiver como ajudar em casa, vai ajudar na casa dos outros.

— Tu nem tem idádi pá ser tia, Canô. — Uma das mulheres da comunidade comentou, ralhando com o garoto. — Tem que ter respeito, viu?

— Pois pódi me chamar de tia, sim, que faço muto gosto, viu? Meus menino pódi tudo. — Ela respondeu, minimizando a bronca da mulher mais velha, os mimando logo em seguida com abraços apertados e beijos bem beijados, rápidos e mirados em qualquer parte do corpo disponível.

— Vê se num vai ficá boba dêmáis, hein minina, estas péstis vãum montár em você.

Bem que tentaram. Mas Canô parecia ser bem mais madura do que era, lidando com maestria com as crianças. Conseguia controlar os ânimos dos mais espevitados com um olhar castanho-escuro sério. Os mais tranquilos eram agraciados com alguns dos quitutes dona Hilária. Acolhia os chorosos e com saudades dos pais com atenção e carinho.

Tia Canô não mudou com o passar dos anos. É bem verdade, a morte de Hilária foi um daqueles baques tristes. Abatido pela morte da esposa, Ernesto foi-se logo depois. Emagreceu ao ponto de definhar, mal comia. Não tinha quitute que despertava sua barriga. Pouco importava que a filha havia seguido a receia da mãe. Lamentava-se:

— Saudade de mia pretinha. 

Já mulher adulta, refugiou-se incomunicável em casa por algumas semanas. Não queria ser perturbada, nem mesmo pelos rebentinhos do quilombola. Era o último ajuste. Um pouco antes da comunidade realmente ficar preocupada, Canô ressurgiu, mais uma vez cuidando das crianças:

— Onde tá Tio Ernesto e Tia Hilária? — Uma das crianças perguntou para Canô.

— Ah, meu querido. Acho que vi eles sambando pisado por aí, sabe? — Sorriu, ainda de luto. Então, pegou o menino pela mão, girando-o tal qual seu pai fazia com ela e com a mãe.

Tanto no quilombola Ubuntu quanto em Santo Amaro, Canô ficou conhecida por seu talento com as ervas e com as rezas. A melhor do Recôncavo Baiano, diziam por aí. Desde que tivessem fé, Tia Canô recebia de braços abertos aqueles que precisavam de seu dom, sem precisar deixar nada em troca. Claro, geralmente quem recorria a ela retribuía o altruísmo, com doação de comidas, água e roupas velhas. Então, ela repassava para quem mais precisava dentro do quilombola.

— Mia fia, o que é do zotro num é meu, mas o que é meu tá aí pro zotro. Sem os zotros, não sou quem sou. — Costumava dizer para Sandra com uma leveza sem igual.

Sandra, dos filhos e filhas de consideração, era a mais próxima de Canô. Os pais enxergaram em Canô o último recurso para as constantes doenças. Anemia, encefalite, faringite, pressão baixa, esquizofrenia, fingimento… cada mês, uma doença diferente, uma nova receita, uma nova suspeita, uma nova bateria de exames. De boato em boato, a coragem foi construída pelo desespero. Afinal, a garota continuava a conviver com o constante mal-estar e a visão de um homem mal-encarado, que a perturbava nos sonhos e na realidade.

Tia Canô os recebeu. Nunca foi de sentir medo, especialmente daqueles que o maxilar trinca pela tensão e o temor escorre pela espinha quase a paralisando. Sandra estava certa. Quem quer que fosse, parecia se alimentar da energia da garota. E estava extremamente irado diante da ameaça à sua fonte de sobrevivência ou manutenção nesse mundo.

Canô foi testada pelo não-encarnado tanto ao nível intelectual quanto espiritual. Nos primeiros dias, rezava o tempo todo, girando em torno de Sandra, tentando espantar o espírito resistente. Semana sim, semana não ao longo dos dois primeiros meses da garota no quilombola, levava ela para tomar banho de descarrego na cachoeira. Consultava os búzios e os orixás atrás de novos jeitos de lidar com a questão.

Foi uma das poucas vezes que rompi o meu silêncio com a minha filha. Canô me procurou no terreiro. Ebó feito com pirão de batata roxa e rezas, muitas rezas. Eu só vim em sonho; nunca fui dada a grandes reuniões, com espectadores.

— Saluba, mâinha Nanã Burucu! Mâinha, preciso de sua ajuda prá quebrá uma ligação entre Sandra, uma jovem protegida mia como uma fia e um morto. Ele num fez a passagê e tá se alimentando dela. Tô dando o meu melhó, mas num parece ser suficiente.

— Hum, vejo… Canô, você num pode disfazê essa ligação. Só eu posso. É ligação de sangue, o sangue dele corre nela. Ligação assim precisa é de magia, de tempo e de reza.

— Mas, como assim, sangue do sangue? Sandra…

— Ué, minha filha. Todo mundo é filho, filha di um pai e uma mãe. Foi um erro da mãe di Sandra. Se deitô com o homí errado, mia fia. Egoísta e ganancioso, num tava pronto pá morte. Nem queria ser pai, mas sabe que Sandra é sangue do seu sangue. E num vai largar. Ele quer viver, quer mais du mêmo que já vivia…

— Sim.

— Pois bem, quero que você faça uma guia de proteção prá Sandra, do jeito que eu mesma fiz prá você… Façá tudo que já tá fazendo. Canô, mantenha ele longe. Vô apagá o que der dela nele lá no rio, mas demora.

Os pais de Sandra deixaram a garota em Santo Amaro para o restante do verão; gastaram os dias de férias do trabalho e estavam de volta à Salvador. Apenas depois do Carnaval buscariam a filha. Merecia pelo menos um verão de paz. Sandra não compreendia muito bem. Aceitou ficar com Tia Canô porque realmente se sentia bem ali com ela, mesmo diante do receio constante do retorno do homem.

— Ele vai me perseguir, Tia Canô? Mesmo aqui no quilombola? – Sandra perguntou um dia, girando a guia de proteção em seu dedo indicador até que ela se enrolasse para desfazer o enlace, repetindo o movimento contrário. Canô a segurou com firmeza pelo pulso, interrompendo a brincadeira e agachando-se, colocando o rosto na frente do dela.

— É, mia fia. Ele vai estar sempre te rondando, esperando por um momento de fraqueza seu. Por isso, mia fia, eu quero que você use sempre essa guia de proteção e reze bastante. Sempre. Do jeitinho que eu te ensinei. — Canô colocou a guia de volta no pescoço da jovem, acolhendo-a com um sorriso e um carinho no rosto.

— E puquê esse hómi me persegue, Tia?

— Tem coisa, mia fia, que não pécisa de resposta pá nós. E mêmo que tivesse resposta, a gente num iá entender.

Sandra e a família mudaram-se para Santo Amaro, para debaixo da proteção de Canô. Depois de algum tempo, quase livre da perturbação do falecido, Sandra foi para a faculdade em Salvador. Os pais permaneceram, apaixonados pelo Recôncavo Baiano. Ela conseguiu se formar em Farmácia, seguindo parcialmente os caminhos de Tia Canô; juntou os conhecimentos acadêmicos e as vivencias de Canô. Então, retornou para Santo Amaro, dividida em auxiliar Tia Canô no quilombola com os seus chás e banhos, trabalhar numa das farmácias da cidade e fazer suas pesquisas.

E a vida seguiu o seu ritmo.

(…)

A calma do início da madrugada era perturbada pelo temporal que assolava a região. Canô jazia confortavelmente em sua cama, dormindo alheia aos ventos ressoando nas janelas e à minha presença. Sandra, alheia à sua maneira, estava com o rosto tão enfiado naquele aparelho tecnológico que seu rosto negro estava esbranquiçado. Lia algo em busca de uma promissora e milagrosa tentativa de tratamento para a demência de Canô dentre essas que eram testadas pelo mundo afora.

Oculta às duas, aproveitei para ver Canô de perto. Estava envelhecida tal como eu, embora o efeito do Tempo em nós duas fosse diferente; há muito o Tempo não me afetava, ao passo que a cada dia Canô definhava. Alguns ossos sobressaíam-se, frágeis devido à magreza de seu corpo. A pele enrugada, com veias ressaltadas especialmente ao longo dos braços e mãos, continuava delicada. Os dedos eram finos e um tanto alongados. As olheiras transformaram-se em bolsões ao redor dos olhos. Se acordasse, Canô não iria sequer se reconhecer no espelho.

Era hora. Mentalizei um simples e ancestral feitiço, colocando a jovem em um sono profundo. Sandra acharia, pela manhã, que havia sucumbido diante do cansaço. Talvez compreendesse melhor que se tratava de uma daquelas coisas que os humanos não podem e nem conseguem explicar que Canô um dia lhe contou.

Sandra e Canô estavam na beira de cachoeira, a mesma que Canô levava a filha de consideração para os banhos de descarrego. Das memórias que peguei de minha filha, era a minha favorita. A água caía com calma, em cascatas, nas pedras. Na margem do riacho, elas esticaram um pano, colocando as comidas em cima. Agora não havia necessidade de alguma de proteção. A memória de Canô aguçada, intocada por mim. Divertiam-se, trocando histórias, em meio aos quitutes e à cerveja; falavam dos homens, das ervas, das rezas e da vida e suas nuances.

— Saluba, mãinha! — Canô me abraçou com carinho e cuidado, dando um afago em meu rosto.  — Que bom que a senhora tá aqui!

— Saluba Nanã! — Sandra ajoelhou-se rapidamente diante de mim. Ela segurou minha mão esquerda, levando-a até a boca e beijando-a com respeito. Respondi o gesto com um leve afago em seu cocoruto, falando “Bença, minha querida!”.

— A jornada de Canô está no fim. Tô aqui para levar mia fia.

Canô sorriu para mim, antes de se voltar para Sandra. A jovem debulhava-se em lágrimas e soluços. Minha filha abraçou-a com firmeza, secando suas lágrimas como no dia que pais de Sandra a deixaram no quilombola, sob os cuidados de Canô. Fiquei em silêncio, respeitando o momento delas.

— Sandra, cuide do povo por mim.

— Deixe comigo, Tia Canô.

As duas mulheres me ajudaram a subir na canoa. Quando me ajustei na canoa, dei minha mão para Canô. Ela entrou aos poucos, tentando ao máximo se equilibrar sem virar e não me machucar. Eu não conseguia não me divertir. Era o bom humor.

— Vamô, mia fia! Hora de voltá pá casa.

Bati o cajado no fundo da canoa, e partimos juntas, enfim.

“(…) Mas tem um dia que o homem morre,

e seu corpo tem que retornar à terra,

voltar à natureza de Nanã Burucu.

Nanã deu a matéria no começo,

Mas quer de volta no final tudo o que é seu.”

Sobre Fabio Baptista

27 comentários em “Canô (Nanã Burucu)

  1. Queli
    10 de maio de 2024

    Tema ok. Escrita fluida, gostosa, quase consegui ouvir a narradora… muito bom!

    Enredo excelente e original.

    Linda história. Parabéns! Boa sorte!

    • Nanã Burucu
      10 de maio de 2024

      Boa noití, Quélí! Óbrigada pela leitura do meu texto! Fico contentí que tenha gostado da história de Canô! Que Oxalá cubra seus caminhô com múta benção!

  2. Marco Saraiva
    8 de maio de 2024

    Em primeiro lugar: durante este desafio eu não terei acesso a um teclado brasileiro, então os meus comentários serão desprovidos da maioria dos acentos. Perdão pela dor nos olhos!
    Em segundo lugar: resolvi adotar um estilo mais explícito de avaliação, pegando emprestado do que o Leo Jardim fazia antes, com categorias e estrelinhas, e também deixando no final um “trecho inspirado”, que é uma parte do conto que achei particularmente bela ou marcante.

    —————————————-

    Avaliação

    A historia de Cano, filha de Nana Burucu, enviada a terra para viver uma boa vida, protegendo um povo de bem, e entao retornar ao rio de sua mae. Um texto muito bem escrito, com regionalismos bem tecidos e muita personalidade. Estranho dizer isso, mas uma das coisas que mais me pegou no conto foram as cenas belissimas. Na minha cabeca, o rio de Nana eh lindo de uma maneira diferente: natural, escuro, cru. Com as suas descricoes eu senti o cheiro da terra e a temperatura da agua. Eh um conto de qualidade estetica invejavel.

    TÉCNICA ●●● (3/3)
    Nao ha o que reclamar da sua tecnica. Eh o tipo de escritor ou escritora que me faz querer escrever igual. Coisa linda de ler.

    HISTÓRIA ●●◌ (2/3)
    A historia eh bem descrita, traca o seu caminho, e tem um final justo. So nao acho que foi tao memoravel. Eh simples, o que nao eh um problema. Mas acho que o conto se destaca mais pela poesia das suas linhas do que pela historia.

    TEMA ●◌ (1/2)
    Nao eh o unico conto no desafio que usa o tema “viagem” para descrever “a viagem de alguem pela vida”. Acho justo… mas meio forcado.

    IMPACTO ● (1/1)
    O impacto do conto vem da mitologia que tanto achamos conhecer mas que eh tao pouco explorada nos textos que lemos. Sempre que vejo alguem explorar os orixas assim, tao bem, com tanto misticismo e beleza, fico impactado. Eh um conto que fica na cabeca, e que vai me fazer cita-lo no futuro, quando estiver conversando com alguem sobre literatura brasileira “raiz”.

    ORIGINALIDADE ● (1/1)
    O conto parece ter nascido de dentro da lama, tipo Cano. Bem original.

    Trecho inspirado

    “O rio vai, não importando a velocidade. O rio volta, devagar e de inúmeros jeitos. O leito permanece. A corrente de rebeldia passou.”

    • Nanã Burucu
      8 de maio de 2024

      Olá, Marco! Lhiágradeçô pelas palavras, espécialmente sobre a questão de técnica e sobre se sentir márcado, dialguma fórma pela história de Canô.. Fiquei bastante tocáda, visse? Múto óbrigada! Afê, uma véia como eu emócionada desse jeito?? Pódi nãum… É a idadí

      Se você me pérmiti fazer um comentário sobre essá questão de misticismo e orixás, particularmente me alegra múto ver que, pelo menos nesse desáfio e nesse grupô, até o momento, foi bem recebída. Há múta coisa béla não escrita no Brasil porque não é vista… Qualquer dia, se arrisquí.

      Quem sabe um dia eu vólto com uma história com um pouquinho mais de dendê.

      Bença meu fio!

  3. Thiago Amaral
    7 de maio de 2024

    Oi Nanã, tudo bem?

    Texto redondinho, gostoso de ler! Daqueles que eu não tenho muita familiaridade com o universo, é diferente no começo, mas acabo gostando de conhecer!

    Toda a jornada de Canô foi contada com riqueza de detalhes e ótima construção do ambiente. Acho que foi o conto mais “profissional” que li até agora no desafio!

    Alguns errinhos de revisão me distraíram no começo, mas depois sumiram e embarquei na jornada. Gostei da parte em que ela é benzedeira, talvez por trazer algum drama que nós leitores viciados em adrenalina tanto almejamos. No geral, foi uma viagem tranquila, então, como já disseram, podemos ficar com um gostinho de quero mais. Mas acho que isso é mais um defeito nosso que do seu texto.

    Parabéns pela dedicação na criação do seu conto, e até a próxima!

    • Nanã Burucu
      7 de maio de 2024

      Thíagô, quí bom que você embárcô na viagê com a gentí. Fico mutíssima féliz e contente que tenha gostado da história de Canô. Vô até deixar uma música pra você, pra ir ouvindo no Caminho. Geralmente eu gosto de deixá uns quitutes pra dá um sabor gostôso nessa andança que é a vída, má nãum tem outro jeitô num é mesmo meu fio.

  4. Givago Thimoti
    5 de maio de 2024

    Saluba Nanã

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Viagem/Roubo – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

    No mais, inspirado pelo Marco Saraiva, também optei por adotar um estilo mais explícito de avaliação, deixando um pouco mais organizado quando comparado com o último desafio. E também peguei emprestado do que o Leo Jardim fazia antes, com categorias e estrelinhas, e também deixando no final um “trecho inspirado”, que é uma parte do conto que achei particularmente digno de destaque.

    Mesmo diante de tudo isso, as notas e os comentários podem desagradar, como percebi hoje, dia 29/04/24. Como já está no meio do desafio, e eu já avaliei alguns participantes, eu vou manter o estilo de avaliação, “anunciando” a nota e tecendo minha opinião do mesmo jeito. A diferença é que essa nota é provisória e sujeita a alterações. Obviamente isso se estende aos contos já avaliados.

    Outra coisa que eu percebi que deu ruído até o momento também foram os critérios. Vamos lá,  para tentar esclarecer: refleti bastante sobre o assunto e a minha conclusão é a seguinte: não consigo avaliar um texto literário como um conto, dentro desses critérios, sem considerá-los como um todo.  Afinal, uma técnica apurada pode beneficiar a história do mesmo jeito que o contrário pode ocorrer; um conto com a escrita não tão boa pode afetar a história, seu desenvolvimento e seu impacto e assim por diante.

    Por fim, é isso! Meu critério é esse e não sofrerá mais alteração. Creio que é o mais justo entre meu jeito de avaliar, a lisura do certame e o respeito e a consideração pelo autor/pela autora.

    Avaliação + Impressões iniciais

    “Quem não rezou a novena de dona Canô?”

    Que conto bonito, pena que um pouco fora do tema! 

    História (2,5/3)

    “Canô” é um conto narrado pela orixá Nanã, na qual ela nos narra a história de Canô, sua filha, benzedeira de uma comunidade quilombola próxima da cidade de Santo Amaro, na Bahia.

    O conto inicia-se de uma maneira bastante poética. Nanã conta a concepção de Canô, moldada a partir da argila do rio. A autora/o autor foi bastante feliz (e ousado) na escolha de começar o conto dessa forma. É uma parte linda, que encanta. Em contrapartida, de certa forma, o calcanhar de Aquiles do conto está aqui.

    Se eu pudesse resumir Canô em uma palavra, e acho que a história mostra isso, seria “cuidado”. E é isso que o conto mostra no seu decorrer: Canô sendo adotada por Hilária e Ernesto, Canô crescendo e proibida de ir na escola, Canô passa a cuidar. Primeiro cuida das outras crianças. Depois do último retoque de Nanã, Canô passa a cuidar mais dos outros que a procuram como benzedeira. Como no caso de Sandra, assombrada pelo pai biológico mesmo depois dele morto.

    Então, chega a hora de Canô ser cuidado e levada de volta.

    A autora/o autor gastou algum tempo debruçado sobre as características de Nanã e os seus filhos. 

    É uma história linda: simbólica, afro-brasileira, baianidade, com fé, cuidado e suave como um rio.

    Minha crítica para a história realmente se resume à opção da autora por não ter se debruçado um pouco mais em mostrar Canô em seu “ofício” como benzedeira, com um pouquinho mais de calma e cuidado. Ficou muito por cima, infelizmente, na minha opinião. 

    Acho que é um daqueles contos que devem ser trabalhados depois do término do desafio, alongando-se para além do limite de 3.500 palavras.

    Técnica (2,5/3)

    Um dos calcanhares de Aquiles: o início poético  não se repete no meio da história, e volta no final bem discreto. Penso que para a autora/o autor foi difícil manter o lúdico e o mitológico por todo o texto. 

    Percebi um ou outro deslize gramatical, tipo vivências sem o acento circunflexo no “e”. 

    Ainda assim, é um conto com uma técnica bonita, que fez questão de ser simples para contar a história de Canô e ressaltar a baianidade por meio de diálogos regionais, com as palavras escritas e especialmente acentuadas de tal forma que ressaltasse o saboroso sotaque baiano. 

    Tema (0,5/1)

    Infelizmente, o conto dá uma pequena fuga do tema aqui. Viagem está mais para uma metáfora sútil, pouco lembrada, destacada quase no início da ida e no fim da partida para encaixar o conto no desafio.A vida de Canô é uma viagem que começa e termina no rio, da qual temos belos relances. 

    Impacto (2/2)

    O impacto foi bem positivo em mim. É um conto agradável, com uma história fluída e muito bela, que mistura elementos “mágicos” de religiões de matriz africana e uma história meio de cotidiano. 

    Originalidade (1/1)

    Acho que a originalidade desse conto reside em sua afro-brasilidade, na baianidade e, sobretudo, o cuidado. Canô veio para este mundo cuidar, seja do corpo, através de conhecimentos ancestrais, seja do espírito, através de suas rezas.

    Trecho interessante: Com paciência, modelei com as minhas próprias mãos aquele pedaço de argila até surgir em meus braços uma bebê pretinha rechonchuda da cabeça aos pés, com dobrinhas muito bem colocadas nos braços e nas coxas. Cabeludinha desde o princípio, com fios tão finos quanto a lâmina d’água. Com cuidado, coloquei um olhar castanho escuro como a lama do leito do meu rio, para que sempre que ela olhasse em seu reflexo, lá dentro de seu âmago, ela pudesse se lembrar de onde veio. A pele delicada como um espelho d’água contrastava com as rugas de minha pele, testada e marcada pelo passar das eras.

    Nota: 8,5

    • Nanã Burucu
      5 de maio de 2024

      Que Oxalá lhiabençoe, meu filho!

      Fico féliz que a história de Canô lhitocou dialgum jeitô. É impressão de miá partí, mas o sinhôzinho ficou cúrioso pra sabê mais sobre os cáusô de Canô, num foi? Olhí, tu num me atice nãum que eu gosto diuma boa prosa…

  5. Emanuel Maurin
    1 de maio de 2024

    Antes de ler meu comentário, eu gostaria que o autor entendesse que eu não sei comentar direito, mas seu conto é uma leitura com a qual não estou familiarizado e, por isso, pesquisei no Google para aprender sobre os personagens. Estou me desafiando a fazer o que quase nunca faço: estender meu comentário analisando algumas partes da história. Por essa razão posso errar.

    Na lenda sobre Nanã, a Orixá que viu a concepção do Universo e a criação da humanidade, a protagonista central é retratada como uma mulher idosa, vestida com trajes tradicionais. Ela é considerada a memória do povo, pois vivenciou toda a criação do Universo e dos seres humanos. Sua experiência e conhecimento a tornam uma figura respeitada e temida, e ela é encarregada de cuidar do portal que separa a vida e a morte. A lenda descreve como ela deu a porção de lama a Oxalá, que modelou o homem a partir desse barro, e como os orixás colaboraram para povoar a Terra. Nanã é também conhecida como a Rainha da Lama, simbolizando a origem de todos os seres humanos. Sua história é rica em significado e profundidade, conectando-se à criação e à memória ancestral.

    O narrador, ao não revelar explicitamente quem é Nanã, cria um senso de mistério e intriga na lenda. Essa escolha narrativa permite que o leitor se envolva mais profundamente com a história, especulando sobre a identidade do narrador e suas motivações. Além disso, ao manter a identidade de Nanã oculta, o foco permanece na própria Orixá e em sua importância na criação do Universo e da humanidade. A ausência de uma revelação direta da personagem também pode ser uma maneira de transmitir a ideia de que Nanã é uma figura transcendental, cuja presença e influência se estendem além dos limites da narrativa. Assim, o mistério em torno do personagem contribui para a atmosfera mítica e sagrada da lenda.

    No segundo parágrafo, existe uma mudança no padrão narrativo para a primeira pessoa que adiciona uma camada de intimidade e imersão à história. Ao narrar diretamente como a criadora da criança, a protagonista (que agora sabemos ser Nanã) compartilha suas sensações, pensamentos e ações de maneira mais pessoal. Isso nos aproxima da experiência dela e nos permite mergulhar mais profundamente na cena, sentindo a textura da lama, a temperatura da água e a expectativa de moldar algo especial. Essa escolha narrativa cria uma conexão mais forte entre o leitor e a personagem, tornando a lenda ainda mais envolvente e misteriosa.

    Voltando ao primeiro parágrafo do conto, achei envolvente e misterioso, com uma atmosfera que nos transporta para um mundo mágico e ancestral. A transição entre a modelagem da bebê e a reflexão sobre Canô poderia ser mais suave. Talvez uma frase de transição ou uma breve pausa para contemplação ajudasse a conectar esses momentos. Embora a descrição física e visual seja rica, explorar mais as emoções de Nanã durante esse processo poderia aprofundar ainda mais a conexão com a personagem. No geral, o primeiro capítulo é rico, fluido e bem escrito. Mas achei que meio que copiou o que já está mais que batido na Bíblia, fez uma mistura entre crença cristã e crença nos elementos da natureza. Fico me perguntando se isso ocorre porque nós fomos ensinados desde que nascemos a acreditar em algo que outros acreditam, daí o autor pode ter se influenciado pela narrativa bíblica. Nessa cena em específico, se o autor tivesse feito Nanã levar a filha pessoalmente para deixá-la em algum lugar dentro da comunidade quilombola, criaria um ar de mistério e intriga mais original e as pessoas da aldeia ficariam surpresas se perguntando de onde apareceu a criança.

    Quando a menina chega na comunidade, ninguém questiona de onde veio a menina. Sabe, em comunidade pequena todos se conhecem. Se algum forasteiro chega, todos já sabem, imagina um bebê. Acho que nessa chegada poderia ter tido algum tipo de debate sobre a origem da criança. Depois, o desenrolar da história foi descompassado. Muitos detalhes sendo explicados, ao invés de serem revelados através da ação, fizeram a história perder força. Canô cresceu sem se perguntar como ela apareceu ali, de onde ela veio. Parece que todo trabalho da construção inicial, que foi excelente, foi jogado no rio na continuação do conto.

    O final, apesar de ser poético, já era previsível desde o início, mas no geral, foi um bom conto.

    • Nanã Burucu
      2 de maio de 2024

      Olá, Emanuel! Tudo bem com o sinhô? Lhiagradêço pelo comentário e também pelo cuidado do sinhô ao ixpôr tua visão. Sobre tua pérgunta, se fui influenciada ou nãum pela Bíblia, eu lhe digo que nãum. Sou uma orixá que veio até mesmo anti deste livro.

      Pois bem, se o sinhô me pérmiti, eu lhidevolvô a pergunta. É puquê tô mei carente, ninguém passa aqui pá papear um pouco, na paz. É Puquê eu fico me pérguntando, será se os brasileiros, assim como aqueles moradores de países que a maioria profece uma réligião católica ou cristã, num tem dentru de si um fórti referencial católico que parte do pressuposto que todos, difato, conhecem as principais histórias da Bíblia, como a de Moisés? E sí não for este o caso? E sí for Apenas uma cuincidência?

      Má, Emanuel, isso num é importanti nãum. Mais uma vez lhiagradeço pela leitura e pelo respeito de seu comentário

      • Emanuel Maurin
        2 de maio de 2024

        Vc tá meio carente? Quer conversar? KKKKKKKKKKK. Esse certame tá melhor que Big Brother. Em qual desses comentaristas vc manda pro paredão?

      • Nanã Burucu
        5 de maio de 2024

        Ah Emanuel, o sinhô acrédita que num sei se eu ia mandar alguém para o paredão? É que todo mundo foi tão respeitôso cúmigo que num parece que tô nesse tal de Bigue Bódi Brasil nãum.

  6. Angelo Rodrigues
    28 de abril de 2024

    Olá, Nanã Burucu

    O conto, de certa forma, é uma metáfora para a criação da vida, toma emprestada a lenda de Moisés, posto dentro de um cesto e deixado ao desejo do rio, até ser encontrado pela filha do Faraó. Assim no trecho “Depositei minha menina numa canoa pequena que a levou, entoando alegre e chorosamente um canto de benção, desejando boa viagem. Mãe é mãe, afinal.”

    Assim nas escrituras:

    Não podendo, porém, mais escondê-lo, tomou um cesto de juncos, e o betumou com betume e breu; e pondo nele o menino, o pôs nos juncos à borda do rio.

    ……….

    5E a filha de Faraó desceu para banhar-se no rio, e as suas donzelas passeavam pela borda do rio; e ela viu o cesto no meio dos juncos, e enviou a sua criada, que o tomou.

    Um bom empréstimo, aqui trabalhado com a proposta de um Portal, de uma remessa no Tempo. O texto do nosso autor recorre a um conceito antigo e dá vida ao seu texto amoroso e bem construído.

    A partir de um ponto do relato, Canô vive uma vida sem mistérios. É o que são as meninas, ainda que mais séria e mais velha que sua idade permite. Transformou-se em Tia Canô.

    O texto tem aspectos curiosos. Particularmente quando salta de uma linguagem quase primitiva para grandes centros urbanos e universidades, com formações acadêmicas de relevo. Parecem dois mundos, e um deles, o primitivo, ganha, por decorrência disso, um certo tom de farsa. Creio que, mesmo sendo uma escolha do autor, talvez merecesse uma revisão conceitual.

    Durante a leitura tive a impressão de que o início do conto poderia não se conectar ao fim que se avizinhava. Não foi assim. O autor foi especialista na finalização quando devolveu Canô ao seu mundo de origem. Bela passagem final.

    Um belo conto. Uma fábula que toma emprestada uma fábula mais antiga. Uma boa sacada do autor.

    Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.

    ps.

    Fiquei curioso sobre o significado de “burucu”, não obstante poder não significar coisa alguma, apenas um som. Mas descobri que Nanã pode ser também Anamburucu, Nanan Buruku ou Nanã Buruquê, uma divindade iorubá. Bem foi o que aprendi com o pseudônimo do escritor. Algo que logo vou esquecer. Tem dessas coisas nos desafios.

    • Nanã Burucu
      28 de abril de 2024

      Boa tardí, seu Ângelo! Espéro que o sinhô esteje bem! Óbrigada pelo comentário!

      Pois eu discórdo um tanto do sinhô num certo ponto, quando diz bem assim ó:

      ”O texto tem aspectos curiosos. Particularmente quando salta de uma linguagem quase primitiva para grandes centros urbanos e universidades, com formações acadêmicas de relevo. Parecem dois mundos, e um deles, o primitivo, ganha, por decorrência disso, um certo tom de farsa. Creio que, mesmo sendo uma escolha do autor, talvez merecesse uma revisão conceitual.“

      Veja bem, gósto de uma prosa, sabe? Ádoro me perder no que falo, uma hora tô aqui, na outra iméndo uma história ali, é assim vou indo… Saltá saltá num acho que sáltei,teve uma construção por trás, masinfim né

      Veje bem, meu fio, eu também discórdo que são dois mundos diferentes, que o primitivo ganha um tôm de fársa. Até puquê, nem foi essa minha inténção. Eu sou a orixá mais antiga, eu vi a construção desse mundo desde o início. Essa tál de dicotomia, primitivo ou nãum, do estudado acadêmico ou nãum, cérto ou errado, ela encurta nossa visão, você num acha?

      Não é puquê é mia filha, mas Canô mesmo tem conhecimento que médico nenhum tem, assim como eles também têm né? Tem um livro que lí esses dias sobre Exú: Pedagodia das Encruzilhadas. Sandra ama esse livro, ela que me emprestô. O livro fala justamentí sobre a necéssidade de superá essa dicotomia do que é tido como conhecimento digno de ser considerado conhecimento e aquilo que é considerado né, só não-conhecimento, chárlatãnismo. Porexémplo, benzedeiras, rezadeiras, curandeiras tem sim um conhécimento capaz de contribuir com a ciência! Foi isso que Sandra fez em seu mestrado. É mestrádo que fala né? Pegou os conhecimentos que aprendeu com Canô e os adápitou para a ciência.

      Penúltimá coisa: a vida é parecida com um rio, ela vai fluindo, vai prá lá, vai prá cá. É a beleza da vida, que não se limita a uma linha réta.

      Mas é isso, seu Ângelo, muto agradicida pelo seu comentário. Tenho certeza que aprendi uma coisa ali e ôtra ali. Espero que o sinhô também!

      • Nanã Burucu
        28 de abril de 2024

        PS: eu posso me manifestar de dívérsas formas, Ângelo! Tem umas pessoas que afírmam que os orixás possuem diversos arquétipos. Quando Burucu ou Burukê, sou a senhora da Terra, da Lama e do Rio. Pósso ser Nanã Ajapá, defensora da Mata…

  7. Antonio Stegues Batista
    28 de abril de 2024

    Li o conto como uma metáfora inspirada numa lenda da criação do mundo. Todos, ou, a maioria dos povos primitivos acreditavam que seres superiores criaram o mundo e essas lendas se conservam através do tempo para algo que nem a ciência tem a resposta. O conto é bem escrito, a história é bonita, poética. A leitura propicia um conhecimento inspirador. Gostei.

    • Nanã Burucu
      28 de abril de 2024

      Boa tardí, seu Antônio! Tudo bem com o sinhô? Obrigada pelo comentário, curtinho, mas significátivo demais, viu?! Um dia conto mais sobre a criação do mundo, Oxalá coitádo, tentou de túdo, até mádeira ele usou… Pense no desástre que seria um forró com cintura de baobá??? Eu e minha láminha lá, só esperando ele pércebér o que era mélhor… E o homí naum me escutava.

  8. Regina Ruth Rincon Caires
    27 de abril de 2024

    Um belo texto ambientado em tradições africanas, na UMBANDA – religião afro/brasileira.  A narrativa toda é uma consagração aos rituais de orixás e divindades, à crença na imortalidade da alma e na reencarnação. É maravilhosa a descrição da modelagem do ser humano (da filha) feita da lama do fundo do rio. O homem foi feito de lama e Nanã auxiliou o Criador nesta missão. Neste conto do desafio, ela modelou a filha Canô.  Nanã, na mescla religiosa em que vivemos, é também Santa Ana, mãe de Maria, avó de Jesus. Portanto, Nanã, Senhora da Criação é orixá intransigente, austera, mas de índole branda, é um porto seguro para seus filhos. Matriarca, ela representa a velhice, a experiência de vida, os aprendizados mais profundos. Ela domina os lagos, os pântanos, a lama e os encontros do rio com o mar.  Suas cores são: roxo, lilás e branco. E as suas velas são roxas. Gosta de receber flores, batata doce, jabuticaba, ameixa e vinho licoroso rosé, entre as oferendas. Resumindo, ela cuida da encarnação, da morte e da reencarnação. Cuida de todos que entram e saem do planeta Terra. Saluba Nanã! – significa “Salve a Senhora da Lama”. Fui aprender tudo isso para compreender ainda mais o texto. Será que pesquisei de maneira correta?

    Gostei muito do nome da filha (Canô), e acho que foi uma linda homenagem à dona Claudionor Viana Teles Veloso, mãe de Caetano/Bethânia (?????). Achei poética a passagem da filha para os cuidados de quem a encontrasse, (sei lá a razão,mas pensei em Moisés sendo levado pelas águas do rio). O texto todo é crivado de simbologia.

    “Assisti ela cruzar o portal, com a certeza de que Canô voltaria para mim, para o meu tranquilo rio e para a minha lama, como todos voltam.”

    E Canô foi criada por Hilária e Ernesto. Cresceu e cuidou do seu povo. Bonita também a história de Sandra, o aconselhamento de Canô com sua mãe Nanã para ajudar Sandra. Tudo muito místico.  E o desfecho foi suave, Nanã buscou a filha e fizeram a viagem de volta.  

    “— A jornada de Canô está no fim. Tô aqui para levar mia fia.

    Canô sorriu para mim, antes de se voltar para Sandra. A jovem debulhava-se em lágrimas e soluços. Minha filha abraçou-a com firmeza, secando suas lágrimas como no dia que pais de Sandra a deixaram no quilombola, sob os cuidados de Canô. Fiquei em silêncio, respeitando o momento delas.

    — Sandra, cuide do povo por mim.

    — Deixe comigo, Tia Canô.

    As duas mulheres me ajudaram a subir na canoa. Quando me ajustei na canoa, dei minha mão para Canô. Ela entrou aos poucos, tentando ao máximo se equilibrar sem virar e não me machucar. Eu não conseguia não me divertir. Era o bom humor.

     — Vamô, mia fia! Hora de voltá pá casa.

    Bati o cajado no fundo da canoa, e partimos juntas, enfim.”

    A escrita é firme, com alguns poucos deslizes, e a autora conduz a narrativa de modo competente, tudo muito bem explicado.  O texto proporciona uma leitura sem qualquer embaraço.

    Todo o conto é mesclado de linguagem poética. A linguagem coloquial diminui a distância, a história fica bem próxima do leitor. E o linguajar local é uma preciosidade. Tudo muito brasileiro.

    Parabéns pelo trabalho, Nanã Burucu!

    Boa sorte no desafio!

    Abraço.

    .

    • Nanã Burucu
      28 de abril de 2024

      Dona Régina, que térnura, que delicadêza, que cuidado em seu comentário! Fico múto feliz e agradicida em ler suas palavras viu! A sensação que tive é que comi umas jabuticabas, enquanto uma amiga quirida me conta com sincéridade sua ópinião…

      Sua pesquisa foi múto bem feita também! Tô me coçando pá falá mais, mas num posso entregá todos os detálhe assim naum, tenho que fazer um mistério né, naum? Quando terminar esse desafio, eu volto a falar com a senhora viu? De preferência com um cafézin e um docinhu…

      Vô deixar uma música aí pra senhora, espero que goste viu

      • Regina Ruth Rincon Caires
        28 de abril de 2024

        AMEI!!!! 

        Obrigada!

  9. Kelly Hatanaka
    27 de abril de 2024

    Costumo avaliar os contos com base nos seguintes quesitos: Tema, valendo 1 ponto, Escrita, valendo 2, Enredo, valendo 3 e Impacto, valendo 4. Abaixo, meus comentários.

    Tema
    Não encontrei o tema. A ideia é de que a vida é uma jornada e estamos seguindo a jornada de Canô? Um aproveitamento bem elástico do tema, né? A ver…

    Escrita
    Linda, com poucos erros de revisão como “(…) Sem SE importar … entrEI (…)”.

    Enredo
    Seguimos a vida de Canô, filha de Nanã, desde o momento em que é moldada por sua mãe até sua morte.

    Impacto
    Gostei especialmente do começo, no rio que separa os vivos dos mortos e da descrição daquele mundo e de Nanã. O restante da história brilha pela sua linguagem bonita e pela forma doce como vemos a vida de Canô. Também achei interessante como as características de Canô de fato batem com a de uma filha de Nanã. O seu gosto por cuidar, seu jeito de velha, conhecimento das ervas, o dom da cura, sua preferência por estar no meio dos adultos.
    Só senti falta de algum “sal” na vida de Canô. Parece ter sido tudo tranquilo demais. Ou, não sei, talvez seja esta a graça.

    • Nanã Buruuc
      28 de abril de 2024

      Kelly, querida, obrigada pelo comentário! Quér dizer então que faltou um dendêzin, um sal na história? Num vou negá que fiquei triste em saber disso. É que pruma vó, num tem coisa melhor que receber seus filhos e netos com uma comida gostosa, bem temperada… Mas pelo menos, a história tá dando pra saciar um pouco né? Num passou fome né?

      Sobre o tema, quando a gente é mais velha, a gente vê as coisas dum jeito diferente. Sendo a orixá mais véia, eu aprendi que certos ou errados, o importante no final do dia é sentá junto na mesa sem querer forçár meu jeito de ver e vicevérsa

      Agradeço o comentário mia fia! Volte outro dia, tenho mais história pá contá viu?!

      • Nanã Burucu
        28 de abril de 2024

        Buruuc nãum, essa péste de letrinhas…

      • Kelly Hatanaka
        29 de abril de 2024

        Ô Nanã,

        não é que a comida não tenha ficado gostosa. Ficou sim. É só que a gente deve ter ficado acostumado com o amargo forte dos dramas, com a pimenta braba do medo, com o doce enjoativo dos romances. A história da Canô é doce como a batata doce que a senhora tanto aprecia. Um doce leve, para comer de monte. Por isso, terminei meu comentário dizendo que, talvez, fosse esta tranquilidade a graça da história.

        Kelly

  10. vlaferrari
    27 de abril de 2024

    É preciso viajar na vida de Canô. Não vejo o atendimento da premissa, apesar da belíssima narrativa. O sincretismo religioso deixa o conto particulamente interessante para mim, pois gosto de conhecer a respeito de todas as religiões e suas regras e história.
    Encontrei apenas uma frase “estranha” e como sugestão (apesar de alguns não gostarem que eu faça isso), trocaria os termos sem alterar o sentido: “Vô apagá o que der dela nele lá no rio, mas demora.” Eu escreveria “Vô apagá o quer dela no indivídu (ou outro termo que se refira ao perseguidor de Sandra) lá no rio, mas demora.” Essa sequência ”der dela nele”, apesar de perfeitamente possível para uma maneira de se comunicar, fica um tanto estranha no texto. Mas, é a MINHA OPINIÃO. Você pode desconsiderar tranquilamente.
    No mais, é um conto longo e bem escrito, com frases bem construídas e boa capacidade de entreter. Sucesso no desafio.

    • Nanã Burucu
      28 de abril de 2024

      Vladimir, meu filho, obrigada pelo seu comentário! Fico feliz que você tenha gostado da história que contei. Uns dizem que sou meio rancorosa, guardando mágoas… É védádi, num posso negá naum. Mas seu apontamento num me incomodou, tá no seu direito de leitor e avaliado. Fique sussegado quanto a isso, viu??

      Especialmente, múto me deixa feliz que a fé tenha te cativado.

      • vlaferrari
        28 de abril de 2024

        Todo assunto me cativa. Nunca se sabe onde pode estar escondida uma boa estória. Seja na argila do fundo do rio, seja entre as folhas da floresta, ou entre os grãos da areia do deserto, tudo é uma questão de imaginação.

E Então? O que achou?

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Informação

Publicado em 27 de abril de 2024 por em Viagem / Roubo.