Lucius e Anabelle são dois jovens que vivem em Campos do Jordão, na mesma casa, todavia separados por exatos cinquenta anos no tempo. Apaixonam-se depois de uma improvável troca de cartas que resulta, ainda, na decisão por parte do rapaz de construir uma montanha russa no quintal da propriedade para atender um desejo do falecido pai da garota.
A premissa interessante me deixou entusiasmado, mas a expectativa de uma obra marcante não se confirmou.
Felipe Colbert, o autor de Belleville, é um narrador hábil, mas sua reconhecida competência ficou aquém do esperado no que se refere à construção dos personagens. Tanto Lucius como Anabelle carecem de profundidade. Não há conflitos de personalidade, não há dúvidas, não há maldade versus bondade. Enfim, padecem de um bom-mocismo artificial e por vezes enervante.
Os demais personagens seguem a mesma linha, infelizmente. O professor Miranda é um clichê enorme: óculos, nerd, solitário, mestre em física. Ed e os “cones”, veteranos da faculdade em que Lucius estuda, porém, ganham o troféu Malhação de desempenho. Em todos os momentos que esses garotos aparecem fiquei com a sensação de estar lendo algo “high school”; difícil acreditar que se tratava de gente na faculdade.
Mesmo o tio Lino, que é o “vilão” da história, soa artificial – e reparem que ele tinha tudo para ser o melhor personagem do romance. Seu surgimento não é explicado de modo satisfatório, já que ele surge do nada às portas da casa de Anabelle. Fiquei imaginando que o autor optou por inseri-lo no romance depois que a escrita estava em andamento. Além disso, a relação entre Anabelle e tio Lino não convence, eis que falta substrato psicológico a ambos. No caso do último, dizer que ele “retornou transtornado da guerra” não é suficiente para que o tenhamos como o psicopata pretendido. Diversas passagens em que ele aparece soaram forçadas, como sua maldade gratuita em relação à sobrinha e seu desejo por prendê-la. Tudo sem explicação, numa casa onde convenientemente todas as janelas estavam emperradas.
Também o desenvolvimento da história apresentou falhas. A maneira como Lucius encontra a foto de Anabelle, a dedução de que ela estava enterrando a caixa, o fato do professor Miranda – um nerd solitário – conseguir reunir toda a faculdade para ajudar Lucius, a recusa de Anabelle fugir, mesmo quando ameaçada de morte, por causa do gato, são alguns exemplos que me fizeram torcer o nariz.
Entendo que é uma opção do autor elaborar uma narrativa pouco profunda, dinâmica e sem direito a digressões. Entendo que isso, na opinião de alguns, reflete o espírito da literatura infanto-juvenil atual. Entendo mas não concordo.
Felipe Colbert deveria ter ousado mais. Ao escolher uma trama rasa e pouco inspirada em termos psicológicos, mostrou que prefere o lugar comum, a segurança em detrimento de algo que surpreendesse de verdade.
Leitores adolescentes – público ao qual o livro parece se direcionar –, precisam ser desafiados tanto quanto os adultos, e não simplesmente entretidos. É como entendo.
De qualquer forma, não se pode classificar o romance como ruim. A história, ainda que não original – lembrou-me o maravilhoso conto “Lapsos Temporais”, da Andreza Barroso – segue o padrão de tantas outras publicadas recentemente.
O êxito de Belleville, é esse: ser mais do mesmo, um romance com gosto de sessão da tarde. Nada mais, porém.
Resenha honesta e que acaba colaborando com o autor. Esse é o espírito de uma crítica competente e que soma, não bajula. Parabéns.
Só de ler a resenha já torci o nariz…
Vai parecer que estou puxando a sardinha para o nosso lado, mas muita gente por aqui conseguiria escrever uma história melhor. Bem melhor =/
Sarah Parker que o diga!
Haha, nem pensei nela! Estava lembrando dos contos do Holloway e do Rubem, só para ficarmos no pessoal top. Dão de mil a zero! Sem falar no conto da Andreza, em que o mesmo mote é tratado de maneira bem mais competente.