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Detox Literário.

A Morte de Fortunato (Amanda Leonardi)

O seu grito soara desafinado, perdido na escuridão invisível das paredes da tumba onde fora aprisionado. Mas Fortunado jurara vingança. Sua alma logo se libertaria daquele corpo fraco, limitado e aprisionado, ele acreditava, e então o seu desapontamento com o seu antigo melhor amigo e executor seria resolvido. Sua alma ferida, revoltada com a vingança cruel de seu amigo, sairia de seu corpo logo que a morte a libertasse de seu receptáculo mortal, e iria assombrar o seu amigo até levá-lo a loucura. Fortunato pensou em mil formas de assombrar o seu executor, em formas de assustá-lo, apavorá-lo até que sua sanidade mental tornasse nula, tão nula quanto a luz que Fortunato via em sua tumba sufocante.

Porém, o tempo foi passando, passando invisível nas trevas de sua tumba sombria. Aprisionado naquela caixa de sombras e silêncio, ele deixara de ser humano. Mas não para tornar-se nada parecido com zumbi, fantasma ou qualquer coisa assim. Simplesmente não era mais humano, pois humanos respiram. E respirar deixara de ser uma necessidade vital para ele. Tornara-se, no início, uma agonia, por sua ausência, então um estranhamento, por tal ausência não fazer tanta diferença, e então, uma impossibilidade, além de algo desnecessário. Até se tornar apenas uma lembrança distante. Tudo que ele tinha eram lembranças distantes: respirar, sentir o ar lhe invadir os pulmões com vida e frescor. Ter pulmões, pele, coração, olhos, tudo isso era já apenas uma memória, sugada pelas trevas, uma memória enterrada nas sombras, engolida pela terra. Dissolvida na escuridão sem lembranças.

Seus olhos, quando ainda existiam, não mais viam, pois sufocados estavam em uma tumba sombria. Porém, eles sentiam: sentiam que sufocavam, precisavam de luz como uma pessoa prestes a se afogar precisa de água, pois se afogavam na escuridão infinita que os cercava. Fortunato sentia-se afogado em trevas. Em trevas e dor. Seus olhos, seus músculos, sua pele, todo o seu corpo começara a doer, era uma dor terrível, constante, como se milhares de insetos corroessem sua carne. Insetos ou vermes, tanto faz, já estava morto, mas sentia. Morto, sem poder mais gritar, se mover, pedir ajuda, mas sentido toda a dor do universo, assim ele pensava. Estava morto, mas ainda sentia. Será isso pior do que estar vivo e nada sentir? Pior do que estar morto em vida? Ele estava vivo, nunca deixara de ter consciência, mas estava apodrecendo. Vivo, mas aprisionado em um corpo que apodrecia, em um corpo morto. Estaria mesmo vivo? Mas os vivos não apodrecem, ao menos não de forma completa e orgânica.

Seus pensamentos de vingança aos poucos foram diminuindo, todos os seus pensamentos diminuíam. Os vermes começaram a corroer seu cérebro, e, pouco a pouco, suas lembranças eram mastigadas pelos vermes até desaparecerem por completo. Eles corroíam os seus planos de vingança, o seu ódio, todo o seu ser.  Corroíam sua crença em liberdade, sua esperança de sair daquele corpo e se vingar. Corroeram até sua dor, até nada restar além de um esqueleto invisível, dissolvido em trevas e silêncio sepulcral. Restou apenas o vazio no fim.

27 comentários em “A Morte de Fortunato (Amanda Leonardi)

  1. tamarapadilha
    12 de julho de 2014

    Acho que foi proposital do autor mas senti uma repetição as vezes bastante desnecessária de palavras. Mas tem uma linguagem bacana. Bem curtinho para que eu consiga dizer se gostei, não me prendeu muito, acho que poderia ter sido mais longo.
    Boa sorte.

  2. Bia Machado
    10 de julho de 2014

    Já pontuaram várias coisas e, para não ser repetitiva, digo que não é o tipo de conto do qual eu goste, já que além de ser curto, soa bem repetitivo e não me traz algo impactante para a leitura. Boa sorte.

  3. felipeholloway2
    1 de julho de 2014

    A ideia de uma consciência que apodrece lentamente, como o invólucro orgânico que a contém, é horripilante. O autor só peca por não desenvolvê-la em toda a sua plenitude, digamos, metafísica, e por uns deslizes estéticos (repetições e construções frasais simplórias, como, respec., “seu amigo”, no primeiro parágrafo, e “o tempo foi passando”, no segundo).

    O trecho final, com a ação dos vermes sobre o cérebro se refletindo no abrandamento e posterior extinção dos sentimentos de vingança e medo, ficou excelente.

    No fim das contas, a potência do mote superou os vícios da escrita. Um bom conto.

  4. Thata Pereira
    27 de junho de 2014

    Poxa, gostei muito da ideia do conto, mas quando terminei de ler fiquei com vontade de ter saboreado descrições mais profundas (no sentindo que queria sentir nojo, ânsia, angustia ao ler as descrições dos insetos corroendo o pobre do Fortunato rsrs’). É claro que isso é uma opinião pessoal.

    Gostei. Principalmente no último parágrafo. Só tome cuidado com as repetições da próxima vez.

    Boa sorte!!

  5. rubemcabral
    27 de junho de 2014

    Resolvi adotar algum critério de avaliação, visto que costumo ser meio caótico para comentar.

    Pontos fortes: o mote, a ideia de uma possível vingança da personagem do famoso conto do Poe, tal ideia é ótima.

    Pontos fracos: há muita repetição no texto, há algumas pequenas falhas de escrita, a história acaba por revelar-se muito pouco desenvolvida.

    Sugestões de melhoria: eliminar tanta repetição, desenvolver o enredo, pois a ideia de dar continuidade ao “Barril…” é muito boa.

    Conclusão: o conto resultou irregular.

  6. Cristiane
    25 de junho de 2014

    A ideia em si é bastante interessante! Gostei muito.

    Críticas: muitos termos repetidos, muitos sinônimos, o que, em alguns momentos se torna interessante e em muitos outros, cansativo. Fato: a narração precisa de reparos.

    O que também me chama a atenção são os comentários dos leitores que insistem em sugerir “uma história” ao redor do personagem. Isso é mesmo necessário? Claro que não! Esse texto tem uma proposta diferente e é isso que o torna a leitura mais interessante.

    Parabéns e boa sorte no desafio!

  7. Rodrigues
    23 de junho de 2014

    Apesar de precisar de alguma revisão (vi erros demais para um conto tão pequeno), o texto apresenta boas imagens, coisa bem trabalhada pelo autor. Mas assim como é rico destas construções, ao mesmo tempo, peca por um certo exagero como em “receptáculo mortal”, entre outros, coisa que dava para ser podada, mas que o escritor dificilmente percebe (e mesmo quando percebe fica em dúvida na hora de cortar). O desenvolvimento do texto é como um degradê que vai esfriando, sumindo, e isso me surpreendeu, passou uma perspectiva interessante deste ser que agoniza a dor dos vivos, mesmo estando do outro lado. Gostei também do final, mas cortaria a última frase, que achei óbvia.

  8. Tiago Quintana
    23 de junho de 2014

    Gostei bastante. Acho que a prosa peca um pouco na obviedade em alguns trechos e nem sempre mantém o lirismo inicial, mas no geral, gostei bastante.

    • Tiago Quintana
      23 de junho de 2014

      Desculpe, esqueci de comentar: cuidado com o nome de Fortunato, às vezes você o escreve como “FortunaDo”.

  9. JC Lemos
    22 de junho de 2014

    No começo, gostei bastante. Achei que seria apenas um linguagem figurada, que o real motivo era o homem estar em coma ou alguma coisa assim, mas acabou se mostrando algo muito simples. E o fato de ser simples tirou o brilho do conto, Não vi sentido na história, pois é apenas um relato de alguém que está “morrendo”.

    Acabei não me ligando por esse motivo. Espero que outros venham a apreciar mais do que eu.

    De qualquer forma, parabéns e boa sorte!

  10. Marcelo Porto
    22 de junho de 2014

    O início é promissor, me fisgou de cara e achei que acompanharia uma história de vingança sangrenta, sobrenatural e redentora, mas…

    Mas, apesar da qualidade da narrativa não passa de uma descrição, incomoda é verdade, mas é apenas uma descrição de um corpo que apodrece e nada mais.

    Gostei do personagem, acho que ele merece um desenvolvimento além tumulo, ele merece concretizar a sua vingança contra quem o colocou nessa situação terrível.

  11. Anorkinda Neide
    14 de junho de 2014

    Olha… nao vi nada original no conto.
    Como exercício é ótimo, mas gostaria ver um conto na tumba com mais emoções novas.. hehehe

    essa frase me gerou expectativas nao necessariamente fantasmagoricas, mas enfim, eu quis ser surpreendida.. mas nao fui… 😦

    ‘Fortunato pensou em mil formas de assombrar o seu executor, em formas de assustá-lo, apavorá-lo até que sua sanidade mental tornasse nula, tão nula quanto a luz que Fortunato via em sua tumba sufocante.’

    Um abração

  12. Edivana
    14 de junho de 2014

    Boa tarde,
    É difícil para mim não gostar da idealização, é boa (!), mas também senti falta de algo a mais no texto. Abraços.

  13. Thiago Tenório Albuquerque
    12 de junho de 2014

    Gostei, mas senti que faltou algo.
    Boa sorte no desafio.

  14. mariasantino1
    5 de junho de 2014

    Pobre Fortunato…
    .
    A ideia é até legal, mas não consegui senti nenhum pouco da atmosfera do Poe.
    .
    Siga firme. Boa sorte.

  15. Rafael Magiolino
    5 de junho de 2014

    É, o conto não me agradou. Confesso que a repetição de palavras me incomodou, assim como a falta de sentido no conto ao todo. Acredito que você poderia ter escrito mais, criado uma história em torno desta morte.

    Um abraço!

  16. Leandro B.
    4 de junho de 2014

    “Mas não para tornar-se nada parecido com zumbi, fantasma ou qualquer coisa assim. ”
    Achei essa passagem um pouco deslocada. Saiu um pouco do tom mais lírico do início. Quer dizer, compare-a com: “O seu grito soara desafinado, perdido na escuridão invisível das paredes da tumba onde fora aprisionado.”

    Percebe a diferença? Ou será só coisa minha?

    Acho que essa parte também pode ser suprimida: “E respirar deixara de ser uma necessidade vital para ele.”

    Essa informação já estava clara e com ela você acaba tornando a passagem um pouco menos sombria, como se tentasse explicar o óbvio.

    primeiro

    “Ter pulmões, pele, coração, olhos, tudo isso era já apenas uma memória, sugada pelas trevas, uma memória enterrada nas sombras, engolida pela terra.”

    e então

    “Seus olhos, seus músculos, sua pele, todo o seu corpo começara a doer, era uma dor terrível, constante, como se milhares de insetos corroessem sua carne. Insetos ou vermes, tanto faz, já estava morto, mas sentia. ”

    Então não havia apenas lembrança, mas também dor. Achei as duas passagens um pouco contraditórias. De resto, gostei do conto. Ao contrário dos colegas, gostei mais do final.

    Desculpe pelas críticas pontuais e mais chatinhas foi só porque acho que o conto pode ficar ótimo.

    Boa sorte!

  17. Brian Oliveira Lancaster
    4 de junho de 2014

    Nossa, terminou de susto. Curti, apesar do balde de água fria. Um ou outro probleminha gramatical não atrapalhou a leitura.

  18. Rsollberg
    3 de junho de 2014

    Excelente sacada. Li como a continuação do conto ou mesmo um epílogo. O autor soube muito bem usar o estilo da obra original, a mesma narrativa. Gostaria de ter sentido um pouco mais da embriaguez do personagem. De qualquer modo, curti bastante, em especial o parágrafo final.
    Parabéns e boa sorte no desafio!

  19. Pétrya Bischoff
    3 de junho de 2014

    Uma releitura de Poe! O autor me conquistou aqui, um dos meus autores favoritos. As repetitivas redundâncias não me incomodaram, senti como a perda de sanidade. Só o que me desagradou foi a ideia de que a consciência habita o cérebro… Penso nela como onipresença. Fora isso, gostei. Boa sorte.

  20. Fabio Baptista
    2 de junho de 2014

    Me incomodou um pouco o excesso de verbos do tipo “soara / fora / jurara / deixara / tornara”. Não há nenhum erro a se pontuar, mas também nenhuma boa construção que se destacasse.

    Falta história, não há muito sendo contado aqui. Isso poderia ser compensado se o texto instigasse reflexões no leitor, o que, infelizmente, não acontece.

    Não gostei.

    Abraço!

  21. Davi Mayer
    1 de junho de 2014

    O conto começou bem, depois pareceu ficar mais do mesmo. Não teve nenhum outro elemento que surpreendesse, uma história, um fato que alterasse o evento. Foi um bom angulo de narração, mas faltou aprofundar mais e inserir mais elementos a trama.

  22. williansmarc
    1 de junho de 2014

    Comigo o conto não funcionou. É muito bem escrito, porém, na minha opinião, são apenas divagações do protagonista sem haver nenhum conflito ou tensão, como o Eduardo Selga já comentou.

    Abraço e boa sorte!

  23. Jefferson Reis
    1 de junho de 2014

    Este conto de Poe é mesmo chocante na primeira vez em que é lido. Existe um conto de Lygia Fagundes Telles bastante parecido chamado “Venha ver o pôr do sol”. Ambos causam agonia e expectativa no leitor.

    A leitura de “A morte de Fortunato” me relembrou essa agonia e a maestria de Poe. É natural seguirmos os personagens além da narrativa original, preenchendo as lacunas, por isso gostei da ideia de retomar embates já conhecidos, fazer sugestões Eu mesmo já fiz isso com um conto de Caio Fernando Abreu.

    Gostei da ideia e acho que ela poderia ser melhor aproveitada. Eduardo Selga sugeriu o uso da primeira pessoa, é uma boa dica.

  24. Claudia Roberta Angst
    31 de maio de 2014

    “The Cask of Amontillado” de Edgar Allan Poe, é um conto inesquecível. O personagem nutre o desejo de vingança e o enfoque aqui passa a ser o emparedamento dos seus pensamentos. O mesmo enredo, o mesmo nome do personagem, apenas a visão do outro lado, uma releitura de um mesmo conto?
    In pace requiescat.
    Boa sorte!

  25. Adriane Dias Bueno
    31 de maio de 2014

    Embora seja um conto legal, ficou parecido demais com um já escrito, se não me engano por Edgar Allan Poe, um conto em que ele fala sobre os efeitos de interromper o processo de morte através da técnica do mesmerismo. Realmente, não me causou impacto pela semelhança como disse, mas é legal.
    Sucesso.

  26. Eduardo Selga
    31 de maio de 2014

    O conto curto, ainda mais que o tradicional, demanda a existência de grande tensão na trama. Não que seja necessário um embate em algum nível entre protagonista e antagonista: pode haver um conflito entre o protagonista e ele mesmo .

    O ponto de tensão deste conto, a vontade do personagem de assombrar o seu assassino sendo minada por um imobilismo gerado pelo apodrecimento, não me parece forte o bastante para suster a trama num nível interessante. Talvez se as lembranças do que lhe fizera o “melhor amigo” ocupassem, na forma de discurso indireto livre o fluxo de consciência, os pensamentos do protagonista, a relação de ponto e contraponto ficasse mais explícita.

    O(a) autor(a) parece ter optado por uma narrativa que, sem deixar de ter alguma tensão, procura manter um ritmo que demonstre a agonia do personagem diante do apodrecimento de seu corpo físico. Contudo, a escolha do narrador em terceira pessoa prejudicou esse “efeito de agonia”, pois a terceira causa um distanciamento,e a sensação a ser demonstrada é algo bem pessoal, que pediria o uso da primeira pessoa.

    Interessante o bom uso que é feito das repetições de palavras, propositais para demonstrar o quão agônico se encontra Fortunato (uma escolha irônica o nome, pois vem de fortuna, no sentido de felicidade e sorte) e sua determinação em viingar-se, como em

    “Fortunato pensou em mil FORMAS de assombrar o seu executor, em FORMAS de assustá-lo, apavorá-lo até que sua sanidade mental tornasse NULA, tão NULA quanto a luz que Fortunato via em sua tumba sufocante.”

    Observe-se também, no mesmo exemplo, o uso de sinônimos, que têm o mesmo efeito da repetição das palavras: ASSOMBRAR, ASSUSTÁ-LO, APAVORÁ-LO.

E Então? O que achou?

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Informação

Publicado às 31 de maio de 2014 por em Tema Livre e marcado .