Passou a noite, rasteira e silenciosa. Orvalhadas expectativas de um novo começo. Ou, talvez, de não precisar desfazer laços e nós. Amanhecer simplesmente com a intenção de não mais pertencer a este ou àquele caminho. Ser, de novo, mistério e intenção. Desapego e alento. Jura e sorriso.
Quando quieta me enrosco em planos que mal tracei, percebo que não estou só. Sei que já me visitas. Desnudas minhas reservas, como quem já conhece o caminho de me perder. Vigias meus passos em sonho, em pensamento, em jornada de não mais querer.
– Já fomos apresentados? – Repetes em eco desafio.
Teu olhar desmanchado em tons de azul. Pelo menos é o que imagino. A voz, com certeza, revela um barítono aposentado. Ah, o que digo? Não sei nem ao menos se falas ou se é apenas o vento.
Sinto tua invisível presença como brisa fresca que conforta para depois varrer lembrança e poeira. Talvez espalhes diamantes e brilhantes risos. Em pó, retornarás passo e cansaço.
Sinto teus olhos sobre mim. Não pesam. Não violam. Estão em negligente pausa, aguardando o trem dos acontecimentos. Meu corpo permanece estação interditada. Ameaça de bomba, fechada conexão. Sem mais deslizar pelos trilhos que de nenhum lugar partem, sem socorro, meus sentidos percorrem desvios e vazios.
Silencio, aquieto-me para não ocupar espaço demais. Se me perceberem inerte, talvez teus olhos não registrem mais fugas. Desconheço razão ou qualquer motivo para te causar dor. Há previsão de tempestades, nada mais.
Teu nome esconde-se em labirintos e nunca em papel registrado. Na minha mente, tuas iniciais são doces visões, porém sem apego algum. Porque sei que se teus olhos mergulharem nas águas turvas do meu desejo só alcançarão o profundo esquecimento.
Sei o que todos falam de mim. Dessas muitas imagens que coleciono em sonhos e compartilho sem pudor. São os teus passos que me levam a esse abismo que chamam de loucura. Alguns já descreveram teu percurso como meu carma. Gente estranha, cheia de vícios e palpites.
Tua passagem é quase uma paisagem que só de relance se encaixa. Claro que não fazes parte do meu passado. Tão óbvio enxergar isso. Não há pegadas ao meu lado na areia do tempo. Ainda não chegaste.
És um fantasma, não duvido. Assombras meus dias com promessas frágeis. Tremulas sob o lençol das possibilidades. És transparente, pois desconheço tuas cores. Espectro que se dobra em outras missões.
Se não fosse por ti, eu não acreditaria nessas coisas do além. Teria passado ao largo sem olhar para o outro lado. Teria aceitado qualquer e inevitável desfecho como lógica e senão. Mas não aconteceu assim.
Cá estou, esperando por ti, noite após noite. Não me assustas, pois és apenas o futuro. O meu futuro. Em tua estranha presença, aos poucos se refazem sonhos, desejos e destinos. Em mim, pousam teus olhos.
Já disse mais de uma vez que não gosto muito de textos poéticos. Vez ou outra, contudo, encontro alguns trabalhos que me agradam. Esse conto é um deles.
Achei bonito e suave.
Gostei bastante.
Só não gostei por gosto pessoal (rs), mas está lindamente escrito! Parabéns pelo ótimo texto!
Adorei o conto! É praticamente um poema em prosa! Está muito bem escrito! Parabéns!
Obrigada pelo seu gentil e generoso comentário, Cácia. O fantasma envaidecido faz reverência e sorri encantado. 🙂
Olá. Vi o tamanho e pensei ‘moleza’, mas que engano. Minha cabeça pra poéticas é muito da limitada, mas li com carinho e gostei bastante. Essa ausência por algum motivo ficou registrando na minha cabeça como a de um filho que ela ainda não pôde ter, não sei por quê, e nem acho que combina muito com o texto em si, mas foi uma ideia martelante que eu tive, talvez uma inspiração. Não me atrevo a julgar ou analisar demais que é fora da minha área, mas foi uma leitura bem boa. Abraços
Obrigada pelo seu comentário, Caio. Gostei da sua interpretação. Um filho, um projeto, um amor, alguém do futuro. Interessante como as ideias surgem durante a leitura. Abraços. 🙂
Amei seu texto, leve, envolvente, muito bem escrito e desenvolvido de maneira poética.
Confesso que não sou fá de textos que seguem essa linha de escrita,mas seu texto me envolveu e me fez viajar no conto.
Um conto de fantasma diferente dos que li até o momento, e realmente merece os Parabéns.
Boa Sorte!
Obrigada pelo comentário generoso, Paula. Considero um grande elogio o seu envolvimento com a leitura apesar do seu gosto pessoal. 🙂
O pseudônimo entre parênteses me fez imaginar uma fusão muito bizarra entre Clarice Lispector e José de Alencar. Talvez isso tenha me afastado logo de cara dessa prosa poética um tanto dispersa.
Já expliquei anteriormente que sou prima-irmã de José de Alencar …rs. Mas a fusão era essa mesma: Lispector e Alencar. Deu no que deu. Obrigada pelo comentário, Raione.
Belíssimo.
Parabéns.
Ui, até me arrepiei. Obrigada pelo gentil comentário, Tom.
Uma poesia. Uma bela poesia.
A autora faz parecer fácil escrever, os parágrafos nos seduz e suplanta a necessidade de um enredo.
Fácil não é, mas eu gosto muito. E está certo quanto à sedução: envolver o leitor é o meu lema. 🙂
Terei de ser repetitiva ao comentar, mas também tive a mesma impressão, belo e poético, mas não um conto de fantasma.
Mas é um fantasminha romântico e poético…rs. Obrigada pelo seu comentário, Mariana. 🙂
O conto é belo, poético e envolvente. Não me cativou por gostos pessoais, mas a escrita é bem executada e o autor tem seu mérito.
Obrigada pelo seu comentário, Weslley. 🙂
Poeticamente sutil. É algo bom para ser apreciado e contemplado, mas infelizmente não o vejo competindo o desafio. Parabéns de qualquer modo!
Que bom que apreciou, Pedro. Só precisava mesmo deitar as palavras em algum lugar para não ser mais assombrada por elas. 🙂
Belo texto, apesar de não me agradar tanto contos desta maneira, é inegável a beleza do texto. Parabéns à autora.
Obrigada pelo comentário, Ryan. Por não ser um texto bem do seu agrado, o seu elogio é de maior valia para mim. 🙂
Assombrosamente poético! Parabéns!
Obrigada pelo gentil comentário, Lu.
Após ler uma série de observações sobre os comentários por mim postados neste concurso e suas respectivas respostas (infelizmente) concluí que fui tomado de certa pobreza de espírito. Em certos momentos nem fui técnico, muito menos humilde. Peço perdão a este escritor pelo comentário até maldoso por mim desferido. Fui tremendamente indelicado com texto de tamanho romantismo Mas, ainda utilizando-me de minha sensibilidade (que infelizmente não é apurada) ainda assim, não vi o fantasma. Mais um ótimo texto. Obrigado por esta leitura e parabéns.
Obrigada por ler minhas palavras, Gunther. Também estou à procura do fantasma, pois pela sua própria natureza se esconde. Este escolheu o futuro como camuflagem
Lindo conto! Linda prosa! Sei que incomoda um pouco, mas adorei os arcaismos. O resultado é excelente.
Lendo mais este conto fico feliz em, desta vez, estar de fora do concurso. rss
Muito gentil seu comentário, Alexandre. Ainda estou me debatendo com essa coisa de arcaismos..rs. Sou uma dama antiga, com certeza, prima-irmã de José de Alencar…kkkk.
Pena que não teremos um fantasma seu (ou teu???) para nos assombrar neste desafio. 😦
Abraço.
Clarice, me permita: pessoalmente, empreguei o termo “arcaísmo” indevidamente. Referi-me a desinência verbal da segunda pessoa do singular, que, à mim, não agrada (mas não mesmo). Mas isso não ofusca o meu entendimento de que o seu conto é particularmente notável. Você é um Picasso das letras. Em duas linhas põe os seus leitores – OS SEUS, entre os quais me incluo agora, sem a mais remota ideia de quem você é – a flutuar.
Já vi que serei uma excepção, mas pessoalmente não gostei da escrita, achei que houve uma tentativa excessiva de a embelezar, que resultou em abuso de purple prose.
Já o ângulo com que pegaste o tema deixou-me uma ideia mais positiva.
Não creio que tenha sido uma exceção, Inês. O excesso nem foi tentado, talvez tenha sido somente um atentado. Veio naturalmente, sem forçar, mas bem abusado, não é?
Obrigada pelo comentário. 🙂
Lindo texto. Não se trata de um conto na acepção estrita do termo, mas é inegavelmente inspirador, dono de uma beleza ímpar. Poucas vezes vi a ausência retratada de forma tão sensível e, o que é mais interessante, um tratamento futurístico, do por vir. Sensacional. Vou até dormir melhor hoje, rs.
Muito grata pelo seu comentário. Espero que a leitura não tenha atrapalhado seu sono nem causado pesadelos com fantasminhas. Abraço.
Achei bonito, sutil, mas muito arcaico, pesado, difícil de ler.
Senti como se você tivesse pegado uma ideia pequena – uma mulher apaixonada por um fantasma que irá encontrar só depois da morte – e a inflou demais, deixou pomposa demais.
Enfim, está muito bom. Só não me agradou pessoalmente.
Obrigada pelo comentário. Pena que o conto pesou para você. Não foi minha intenção, mas às vezes erro a mão na densidade mesmo. Abraço. 🙂
Gostei muito do conto. Particularmente, creio que os arcaísmos estão mesmo empoeirados. Mas isso é juízo de valor. Não permito que o entendimento pessoal ofusque o reconhecimento de uma narrativa tão adequada ao suave fantasma que descreve.
Que comentário gentil, Ricardo. Eu gosto da desinência verbal da segunda pessoa do singular, mas não do pronome TU. No entanto, acho que não usei muitos termos arcaicos, meu vocabulário não chega a tanto.
Você acertou quanto a minha intenção – queria mesmo passar a ideia de um suave fantasma, nebuloso como um sonho.
Abraço.
Clarice, você está certa. Reli o seu texto até parar de contar e quanto mais leio mais gosto. Um abraço.
Ah, isso foi uma abordagem bastante interessante do tema “fantasmas”. Bastante original, aliás. Fantasmagoria sem fantasma. Fantasma no sonho, Fantasos. Bem legal.
Só o que me incomodou mesmo foi a linguagem arcaizada. Entendo que a ideia fosse dar um tom mais “poético”, mas acho que outros meios teriam dado resultados mais interessantes. Mas não faz mal. Só a visão única do tema já valeu e muito.
Se apresentei algo diferente, já está valendo pra mim. Foi uma experiência que me veio como inspiração-fantasma. Valeu pelo comentário. 🙂
Não creio que possa ser classificado como um conto propriamente, mas não somos a Academia. Sendo assim, acho que podemos abrir uma exceção, ainda mais para um texto tão bem escrito, tão poético.
Parabéns à autora.
Precisamos pedir socorro aos imortais da Academia! (Não acho que os universitários ajudariam muito)
Obrigada pelo comentário, Marcellus. 🙂
Linda prosa poética! Estou maravilhada! Tocou meu coração de verdade!
Obrigada, Ana, você foi muito gentil. Que bom que minhas palavras conseguiram tocar seu coração. Espero que de maneira suave e nada de sustos que congelam o sangue. rs. 🙂
Sim, é um conto. Sim, é poético. Sim, é em prosa.
Assim é o futuro!
. 🙂 .
Parabéns pela obra!
Se você diz que é conto, eu acredito…rs. 🙂
Gostei de toda essa poesia, mas acho que não é um conto. Prosa poética? Reflexões? Não sei… Mas ficou muito bonito, não há dúvidas quanto a isso!
Então, Bia, não sei realmente se vale como conto ou não. Há controvérsias. Não tive alternativa a não ser arriscar já que o fantasma da moça me perseguiu por noites…rs. Muito obrigada pelo seu comentário. 🙂
Menina, de forma alguma quis desmerecer seu texto, ou lançar a questão de “valer”, ou “não valer”, por achar que ele não é um conto. Eu também não recorreria à Academia para sanar essa dúvida. Apenas acho que falta o enredo para classificá-lo como conto. E, apesar disso, gostei do seu texto, pode ter certeza. Para mim, está muito bem escrito. Ainda não estabeleci um “ranking”, com essa correria da minha vida, mas quando for fazer isso, o critério que eu tenho sempre é: “gostei” ou “não gostei”. E, entre os quais gostei, se foi “mais” ou “menos” do que o outro, nada mais além disso. E que bom que você cedeu à perseguição! 😉
Como obra, impecável. Escolheu as palavras certas e tem o dom da parada. Mas como conto, falhou para mim, pois não leva o leitor a lugar nenhum. Você escreveu algo muito bonito, eu gostei muito, mas ficou só nisso mesmo. Particularmente, nesse desafio, estou preferindo contos com tramas, personagens e situações. Boa leitura, valeu 🙂
Pedro, obrigada pelo comentário. Tenho mesmo essa mania de não levar o leitor para lugar algum. Quero deixá-lo perdidinho no labirinto das emoções. Abraço. 🙂
O texto é de uma beleza ínfinita. O uso das palavras e a própria prosa dele transformam as letras em verso. Mas, caso esteja enganado, o futuro é o fantasma? Onde está a parte aterradora do conto? Não vou nem comentar que é mais uma obra solta (sem tempo ou espaço) e, que para piorar, não sabemos se trata-se de um homem, mulher ou o ET de Varginha! Tanta beleza faz o texto fugir do tema… Boa sorte.
Agradeço o seu comentário, Gunther e aproveito para esclarecer que a narradora é uma mulher bem romântica, mulherzinha total. Um bom detetive teria percebido a pista “Quando quietA me enrosco…”, ah, mas isso é coisa do outro desafio.
Pena que não tive a ideia do ET de Varginha. Seria bem diferente, não? Fica pra próxima! Abraço.
A linguagem é muito bonita, porém não me chamou a atenção. Mais por questão de gosto, pois sei que outros colegas irão gostar.
Parabéns pelo belo texto e boa sorte!
Jefferson, seu elogio quanto à linguagem foi muito mais gratificante para mim por não ser um estilo do seu gosto pessoal. Obrigada. 🙂
BESTIFICADA!
Simplesmente adorei!! Lindo, lindo, lindo, lindo!!
Quem gosta de poesia só pode sentir uma coisa: amor!!
Boa Sorte!
PS: Acho que isso depende muito do autor, mas… apesar de ter admirado muito, considero que não seja um conto e sim uma prosa poética.
Thata, agradeço o seu comentário generoso. Realmente, não sei se o texto se encaixa no desafio como conto, mas tendo em vista a elasticidade atual da classificação de gêneros, acho que passa. Não pude evitar, a narradora ficou me assombrando até eu terminar de escrever e enviar essas palavrinhas…rs. 🙂
Te entendo Clarice!!
Mas é como disse no desafio de cemitérios em uma prosa poética que apareceu por lá: só de nos ter presenteado com essa linda narrativa… obrigada!
Adorei! Muito sutil, envolvente, bem escrito. Se fosse votar, certamente teria meu voto..
Novo, diferente, parabéns!
Obrigada, Selma, pelo seu gentil comentário. 🙂