EntreContos

Detox Literário.

O Bloco – Conto (Silvio Vinhal)

__ Esse ano sai o Bloco?

Perguntou o “doutorzinho” empertigado, metade cara de turista, metade cara de ativista ecológico, com seu chapéu pralana safari classic, sua bota Caterpillar, bermuda cargo, camiseta branca Hering e colete fotógrafo de sarja, cheio de bolsos, ao matuto franzido e franzino, curtido no sol, na cachaça e no fumo que estava sentado no velho tronco da riba, forjado em assento.

__ Sei num sinhô.

Respondeu, disfarçando a desconfiança, cuspindo de lado e ganhando tempo enquanto roçava a palha seca entre os dedos grosseiros, de unhas duras e com aquela maldita barrinha – tipo uma francesinha do capeta – de tão suja.

__ Devi di saí, uai! Má pru´modi qui u sinhô prigunta?

__ É que depois daquela tragédia, com mais de trezentos mortos, achei que era natural não sair. O senhor sabe que foram de-zoi-to milhões de toneladas de rejeito arrastando tudo morro abaixo?

__ I é?

Vocalizou o tiozinho arregalando os olhos, como se pudesse mensurar o significado daqueles milhões. De milhão, nada sabia.  Tragédia e tonelada, no entanto, era fácil identificar como aquela desgraça que se abateu sobre tudo que conhecia e amava.

“Oh, jardineira, por que estás tão triste?
Mas o que foi que te aconteceu?”

__ Tragédia anunciada… Continuou a argumentar o refinado e exaltado moço:

__ Como é que a ganância de alguns poucos empresários pode F.O.D.E.R. assim com a vida de tanta gente? Tá certo que já se passou um ano, mas no meu ponto de vista, não tem clima pra festa nenhuma por aqui, muito menos carnaval.

__ Tendi… U sinhô tá incuberto di razão.

Respondeu o velho, encolhendo-se, como se fosse se resignar, sem demostrar que se encolhia como uma mola, guardando a outra metade da fala:

__ Má u sinhô sabi cumé qui é… Us neguim qué mermo é si adiverti.

__ Pois então, retruca o moço: De repente até podiam usar o carnaval como pretexto pra fazer um manifesto, chamar a atenção das autoridades, da empresa, da imprensa, clamarem por justiça. Carnaval também pode ter um lado útil, não só baderna.

Não vai dar?
Não vai dar não?
Você vai ver a grande confusão
Que eu vou fazer…”

__ I é? U sinhô acha?

__ Purqui ú qui si vê pur’aí é ess’donzela sem juíz’ninhum, mostran´as muranga. E us machu garanhan tud´assolapado cainin´cima. Inté pareci qui´tá’tu’no´ci.

Depois de uma longa tragada no pito fedorento, baforou entre dentes e prosseguiu, como quem resgata da memória uma verdade profunda, quase vívida:

___Nus temp’antigo carnavá era mui’mais’mió’di’bão. Tinha mais recato nas muié, e inté as musga era mais respeitosa.

“Ó abre alas
Que eu quero passar…
Ó abre alas
Que eu quero passar…”

 

__ Ah! Vejo tudo isso e dói muito. Nem sou daqui, sou da capital. O sentimento de revolta, no entanto, é tão presente… É como se cada cidadão de Minas tivesse sido violentado, estuprado. Tudo é muito triste. Difícil de esquecer, de superar.

O moço dizia isso enquanto parecia envelhecer trinta anos. Era como se o flagelo daquela maçaroca de lama, caos e terror minasse sua força vital e o transformasse numa carcaça curtida, enrijecida e seca, uma uva passa de si mesmo, despida de esperança e fé.

Sem perceber a sangria que desfigurava o jovem, o velho solta uma frase feita, forjada em humor cáustico e, ainda assim, genuinamente ingênuo:

__ I num é di vera? Má u pov’insqueci faci… Tud’incaba si viran’in carnavá. Cumé que u povo fala mess? “Tud’incaba in’pítiza”…

O olhar amargo do moço procurou refúgio naquilo que um dia havia sido um rio, chamado de ‘Doce’:

__ E esse rio? Ainda tem peixe?

__ Ih! Iss´ingora é uma mintirada só… tu´mortim… Pescadô e ribeirim tu´sem era nem bera, sem consegui tirá nem u sustenti propri e da famia. Di mexê c’us briu dus machu…

__ U sinhô mi diga:  Qui homi, pai di famia, guenta vortá todo dia pra casa de mão abanano… sem murrê aqui pur di´den do peitu?

__ I o ri? Isso num é mais um ri, é um gri’di’choro e um rangê´di´denti. Ess´isparrela di lama sem fim. Nóis sem água inté pra liviá sedi.

“Bebeu água? Não.
Tá com sede? Tô.
Olha, olha, olha, olha a água mineral,
Água mineral,
Água mineral…”

 

__ Ninguém preso, mas a retratação da empresa na TV é bonita! Diz que está fazendo isso e aquilo, que faz e acontece, e que vai deixar tudo novo de novo… Que está limpando o rio, indenizando as famílias, limpando cada pedrinha, cada bichinho, cada folhinha, fazendo respiração boca a boca na boquinha de cada peixinho e sapinho, rezando tudinho que ficou mortinho naquele valezinho de aflitos – assolado pelo capeta, aquele que nada vale – pedindo desculpinha e deixando tudinho tão limpinho e perfeitinho de um jeitinho que nem mesmo Deus faria…

__ I é?

Respondeu o matuto com os olhos esbugalhados, meio incrédulo com o que estava ouvido.

__Issu achu qui nem Deus…

__ Aposto, fácil, que gastam mais em publicidade que na indenização à família das vítimas.

“Ei, você aí
Me dá um dinheiro aí
Me dá um dinheiro aí!

__ I dess’tipo qui tá chuveno… piriga rebentá otras barragi e piorá inda mais. Diz qui tem barragi morr’acima inté capaz de cabá com u mundo!

__E no fim, tudo acaba mesmo em samba…

“deixa as águas rolar…”

“Sa-ssa-ssa-ri-can-do
Todo mundo leva a vida no arame…”

 

E/lá/vem/o/bloco/dos/soterrados/em/monocromáticos/tons/de/sépia/entre/
paus/e/pedras/e/lama/e/galhos/revolvidos/e/ferros/retorcidos/e/minério
/e/rejeitos/explodidos/vestidos/despidos/com/farrapos/ensanguentados/
unidos/em/sua/degradante/mortalha/reunidos/e/partidos/desfibrilidos/
quebrados/estuprados/perdidos/violentados/sufocados/chagados/desesper
ados/aviltados/decepados/retalhados/esquecidos/famintos/partidosdepau
perados/roubados/enterrados/vivos/iludidos/induzidos/traídos/corrom
pidos/encerrados/cortados/perfurados/agonizantes/aterrorizados/aterra
dos/rejeitados/frios/enganados/E/la/vem/o/bloco/dos/soterrados/marcha
ndo/essa/marcha/fúnebre/e/nefasta/consumidos/integrados/para/sempre/no
/vale/no/maucaratismo/da/ganânciadesintegrados/de/suas/vidas/separados
/de/suas/famíliasproibidos/adulterados/dispersos/pulverizados/disformes
/dissolvidos/expurgados/condenados/empalados/alijados/descoloridos/desc
olados/destratados/envolvidos/agredidos/silenciados/banalizados/troca
dos/pelas/trinta/pratas/O/bloco/dos/aflitos/o/bloco/dos/afogados/o/bloco

12 comentários em “O Bloco – Conto (Silvio Vinhal)

  1. Priscila Pereira
    2 de abril de 2024

    Olá, Sílvio! Tudo bem?

    Seu conto está muito bem escrito e fluido, tirando as falas do senhorzinho, que são difíceis de decifrar… (Sobre isso, achei desnecessário as falas dele serem tão caipiras, tipo, eu moro no interior do sul de Minas e nunca vi ninguém falando assim, então, pra mim, ficou carregado demais, eu até curto regionalismo, mas sem exageros 🤭)

    No mais, gostei de como passou sua mensagem sobre o que aconteceu em Brumadinho, o conto ficou com tom de protesto sem cair no panfletário.

    Achei estranho também o turista “parecer” se importar mais com a tragédia do que um local. Mas eu sou chata mesmo com algumas coisas.

    No geral é um ótimo conto! Com uma mensagem necessária! Parabéns!

    Até mais!

    • Sílvio Vinhal
      4 de abril de 2024

      Priscila, obrigado por comentar. O linguajar do matuto é algo que está em extinção, não gosto muito de usá-lo, pois às vezes tende ao caricato. No entanto, é uma construção rica, que deveria ser melhor estudada. Embora eu seja mineiro, confesso que tive mais contato com esse linguajar no interior de Goiás, por meio de um programa de televisão (Frutos da Terra) e de um contador de causos (Geraldinho), que ficou famoso na época. https://opopular.com.br/geraldinho-1.1492050 . Se você quiser se divertir um pouco, procure no google, tem vários vídeos hilários. Por aqui (triângulo mineiro), eu também não convivo muito com esse linguajar, prevalece o “r” arrastado e que ultimamente virou jargão, principalmente na cultura musical sertaneja, sertanejo-universitário e femineja. Esse “r” arrastado que é mais comun no interior de São Paulo, mas que ganhou adeptos também no Triângulo Mineiro, Goiás e Mato Grosso do Sul, principalmente.

      Quanto ao fato do “turista” se importar mais que o morador de Brumadinho, é interessante o que o Fábio D’Oliveira comentou “O turista da cidade grande, que se revolta com uma injustiça, critica tudo, mas não vive aquela dor na pele. E o matuto da cidade pequena, que aceita, supera as dificuldades, mas vive aquela dor na pele.” 

      Muitas vezes essa “resignação” reflete a ignorância, a falta de recursos de quem sofre as mazelas, mas não sabe muito bem como reagir, a não ser através da resiliência. Infelizmente, a maior parte da população brasileira, pobre, vive assim. Uma hora na seca, outra sob enchentes, sob epidemias, pandemias, quase sem uma saída. O “turista”, de certa forma, somos nós que nos incomodamos – mas não vivemos na pele aquela dor. Às vezes criticamos, tentamos fazer algo, porém, na maioria das vezes só nos “acomodamos” e seguimos nossa vida. Ou seja, “o turista” é, também, uma auto-crítica.

  2. Fabio D'Oliveira
    1 de abril de 2024

    Buenas, Silvio!

    Gosto quando a escrita é simples, mas com várias camadas. Não precisa complicar pra fazer bonito. O rebuscamento não combina com os tempos atuais, onde temos coisas MAIS pra fazer e MENOS tempo pra aproveitar.

    O conto brinca com um belo paralelo. O turista da cidade grande, que se revolta com uma injustiça, critica tudo, mas não vive aquela dor na pele. E o matuto da cidade pequena, que aceita, supera as dificuldades, mas vive aquela dor na pele. O regionalismo está muito bem empregado, apesar de travar um pouco a leitura, mas é natural pra quem não está acostumado, como eu. E o risco de uma travadinha vale a pena, neste caso, pois deixa o paralelo, o comparativo, muito mais rico.

    No decorrer da conversa, entendemos que se trata da tragédia de Brumadinho, fazendo uma alusão a empresa responsável, sutilmente, quando o turista pergunta sobre o rio que um dia foi chamado de Doce (Vale, a antiga Vale do Rio Doce), além da alusão ao Carnaval, o qual a prefeitura se recusou a cancelar. Lembro dessa polêmica, na época. Segundo os defensores dessa ideia, a população precisava esquecer a tragédia, além do interesse econômico, claro. Movimenta o comércio, entra dinheiro, ajuda na reconstrução das inúmeras famílias que foram impactadas. Gostei dessa sutileza, de trabalhar com detalhes, sem entregar de bandeja para o leitor.

    No final das contas, o Carnaval não é apenas uma das facetas mais conhecidas do Brasil pelo exterior, é também um dos maiores escapes do brasileiro. É o lugar onde as pessoas se esquecem de tudo e apenas se divertem.

    Continue escrevendo, Silvio!

    • Sílvio Vinhal
      4 de abril de 2024

      Fabio, primeiramente, obrigado por comentar. Fico feliz que o conto, mesmo depois de quase 2 anos, ainda suscite recordações – imagina – eu já nem me lembrava do detalhe que você mencionou e que, de fato, foi a fagulha que motivou a escrita. A discussão se haveria ou não o carnaval em Brumadinho naquele ano. O linguajar do matuto é algo que está em extinção, não gosto muito de usá-lo, pois às vezes tende ao caricato. No entanto, é uma construção rica, que deveria ser melhor estudada. Embora eu seja mineiro, confesso que tive mais contato com esse linguajar no interior de Goiás, por meio de um programa de televisão (Frutos da Terra) e de um contador de causos (Geraldinho), que ficou famoso na época. https://opopular.com.br/geraldinho-1.1492050

      Enfim, somos um país muito rico (apesar das mazelas), tudo tem lugar na nossa cultura, inclusive o carnaval.

  3. Kelly Hatanaka
    1 de abril de 2024

    Um diálogo entre um morador de uma das cidades que foram arrasadas pela vale do rio doce, empresa que não merece maiúsculas, e um morador da capital.
    É, pior que o descaso é o silêncio.
    As falas dos personagens estão muito bem desenhadas, o personagem urbano, como de costume, declamando suas indignações. O morador da cidadezinha, por sua vez, exibindo aquela aceitação mansa de quem já se habituou a ser o lado mais fraco da corda.
    Preciso dizer que o personagem urbano é daqueles que eu amo odiar, talvez por me identificar com ele. Mas, no seu conto, ele cumpre bem sua função.
    Uma curiosidade: por que vc usou ___ no início dos diálogos? Eu nunca tinha visto.
    Parabéns pelo seu conto.

  4. Kelly Hatanaka
    1 de abril de 2024

    Um diálogo entre um morador de uma das cidades que foram arrasadas pela vale do rio doce, empresa que não merece maiúsculas, e um morador da capital.
    É, pior que o descaso é o silêncio.
    As falas dos personagens estão muito bem desenhadas, o personagem urbano, como de costume, declamando suas indignações. O morador da cidadezinha, por sua vez, exibindo aquela aceitação mansa de quem já se habituou a ser o lado mais fraco da corda.
    Preciso dizer que o personagem urbano é daqueles que eu amo odiar, talvez por me identificar com ele. Mas, no seu conto, ele cumpre bem sua função.
    Uma curiosidade: por que vc usou ___ no início dos diálogos? Eu nunca tinha visto.
    Parabéns pelo seu conto.

    • Sílvio Vinhal
      4 de abril de 2024

      Kelly, obrigado pelo comentário. De certa forma, também me identifico com o “turista” que – apesar de deslocado do conflito – acaba sendo quem “mete o dedo na ferida” e não deixa o “incidente” simplesmente morrer. A linguagem do matuto, está em extinção, sabemos, mas foi divertido fazer o exercício de escrevê-la, quase como se fosse uma outra língua dentro da nossa (seria de fato?). Penso que no conto ela cumpriu o papel de destacar esse contraste, embora não seja um recurso que eu goste muito de utilizar, pois acaba correndo o risco de ficar caricato. Quanto à sua curiosidade, usei o ___ porque na ocasião eu havia me esquecido como fazer o travessão — no meu teclado. E acabei enviando assim para a antologia da Liga de Autores Mineiros. Depois, ao enviar para o EC acabei me esquecendo de corrigir, rs. Você foi perspicaz e notou! Que bacana!

  5. Angelo Rodrigues
    1 de abril de 2024

    Olá, Silvio

    Conto bem bacana. Traça um confronto entre a realidade sabida e a realidade vivida por quem é da terra. A visão diferente das partes. O citadino bem mais indignado e o matuto resignado, que, dependendo ainda da terra onde pisa, possuído por sua simplicidade, se resigna a aceitar e até achar desculpas para tudo que lhe acontece e à sua comunidade.

    O conto tem algo de alegórico com canções sendo introduzidas no decorrer do texto. De modo geral canções antigas de carnaval. Acho que elas funcionaram como elementos acessórios à narrativa, como se no meio de um diálogo espocassem fogos de artifícios ao longe. Não sei se foi essa a sua intenção, mas ficou interessante.

    O conto termina com uma espécie de fluxo de consciência do autor, que vai lascando pensamentos/sentimentos enquanto escreve, organizando as ideias enquanto progride o pensamento.

    Parabéns pelo conto!

  6. Regina Ruth Rincon Caires - Caires
    31 de março de 2024

    Grandes tragédias encorajam gritos silenciosos traduzidos em textos críticos. Aqui está um destes. O teor é a desumanidade sentida pelo descaso das autoridades sobre o desastre anunciado, aquele que arrasou o RIO que era DOCE.  A construção do texto é feita numa linguagem matizada pelo regionalismo. É preciso “pôr reparo“ para “traduzir”, na sua essência,  o mineirês aqui registrado.

    Há uma mescla entre a folia e a dor. A narrativa impregnada pelas letras de marchinhas carnavalescas traça um paralelo irônico entre o real e o profano. Tudo casado, meticulosamente casado. O real é sofrido.

    O texto é um manifesto de revolta, é um desabono à ineficiência do Estado. E o que mais cativa é a índole amansada do nativo. A alma chora, mas a prosa é serena.

    O desfecho, aparentemente, fica no:

     “deixa as águas rolar…”

    “Sa-ssa-ssa-ri-can-do

    Todo mundo leva a vida no arame…”

    Mas, há uma denúncia muito grave nos parágrafos finais (em letras itálicas). Acredito que o autor descreve, neste final, o bloco embarreado que restou da tragédia. Tudo incompleto, dilacerado.

    Parabéns pelo trabalho, Sílvio!

    Abração…

    • Sílvio Vinhal
      31 de março de 2024

      Agradeço o comentário tão sagaz, cara amiga. Sua sensibilidade e perspicácia, a qualidade e a pertinência da sua escrita já estão no meu radar há algum tempo. Muito bacana poder compartilhar como você o o fazer literário e podermos caminhar juntos. Aprendo muito com você.

  7. Givago Domingues Thimoti
    31 de março de 2024

    Olá, Silvio Vinhal!

    Tudo bem?

    Seu conto está bem escrito. O encontro entre o senhor, nascido e criado no interior de Minas (numa cidade como Brumadinho, por exemplo, ou Mariana) e um turista está bem marcado entre o regionalismo interiorano e a fala padrão das capitais.

    Particularmente, meu único “a” sobre o conto está nos trechos de samba-enredo/marchinhas de carnaval. Embora você possa perceber que elas têm uma função ali, acho que elas ficaram meio sobrando ali. Lembrou-me muito aquelas risadas forçadas das sitcoms estadunidenses que marcam a risada para quem está assistindo acompanhar, reforçando “Olha! Isso é uma piada! Ria!”

    Acho que o que tem de mais positivo e que gostei também foi a reflexão sobre o carnaval. E aí, vale a pena pular carnaval? Carnaval não é um evento pão e circo? Tudo realmente acaba em samba, como diz o poeta Jorge Aragão? Como eu sou amante (e estudante) do samba e do carnaval, eu creio que sim, vale a pena pular o Carnaval. Aqui, aproveito até para trazer as palavras do mestre Luiz Antonio Simas sobre o Carnaval e a sua relacao com a Luta e com o Brasil:

    “ O Brasil exclui grande parte da população dos direitos básicos de cidadania. É um projeto concentrador de renda, aniquilador dos corpos não brancos. Isso é um projeto, é o projeto do Brasil.

    Eu costumo comparar esse Brasil a uma espécie de muro, o Brasil oficial, mas gosto de dizer que, nas frestas desse muro, esses que foram subalternizados pela experiência histórica da exclusão e foram construindo sentidos de vida. O carnaval é um exemplo desse tipo de coisa, porque o carnaval chega ao Brasil como uma festa europeia trazida pela colonização portuguesa, mas no Brasil adquire características muito populares, sobretudo pelos cruzamentos entre a herança do carnaval português e as diversas africanidades, as musicalidades, as espiritualidades, as percepções de mundo.

    O carnaval, portanto, vai se africanizando e, consequentemente, se abrasileirando. Quando eu estudo a história do carnaval, mostro que houve uma disputa interna ferrenha. Num certo momento, sobretudo no pós-abolição, virada para o século 20, de um lado você tinha uma elite que queria defender um modelo de carnaval elitista, um modelo de carnaval de salão, e do outro lado estava o povo do Brasil que queria construir um modelo de carnaval ligado à sociabilidade das ruas.

    Quando eu falo que o carnaval inventou o Brasil possível, é porque, para mim, o Brasil possível é o Brasil da diversidade, é o Brasil da solidariedade, é o Brasil da construção de sociabilidade, é o Brasil que contesta um modelo hétero-patriarcal, normativo, branco. E esse Brasil diverso, transgressor, inventor, contestador e plural é o Brasil que se manifesta no carnaval.”

    Obrigado pela reflexão!

    • Sílvio Vinhal
      31 de março de 2024

      Caro Givago, obrigado por comentar e trazer essa profunda reflexão sobre o carnaval, a partir de seu estudo – que é muito interessante. Necessitamos, cada vez mais, conhecer a nossa verdadeira história. Particularmente, também sou defensor da verdade, das diversidades e das nossas realidades. No caso específico desse conto, foi escrito para uma antologia denominada “O dia em que o samba parou”. E justo quando ocorreu o “acidente” em Brumadinho, daí, a inspiração para contrapor esses elementos. Eu venho da poesia e da composição musical, tem pouco tempo que me aventuro em textos mais longos. É um aprendizado diário, sem dúvidas, e participar do Entrecontos e estar em contato com outros escritores e outros pontos de vista, só nos auxilia.

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Informação

Publicado às 31 de março de 2024 por em Contos Off-Desafio e marcado .