EntreContos

Detox Literário.

Mausoléus (Simone Mattos)

“Por favor, o ônibus é que vai levar pro…”

“Pro enterro.”

Cleide se pôs atrás das pessoas enfileiradas à sombra linear do poste, outras já haviam subido. Na mão esquerda, a sacola de feira pesava, com a direita ela se puxou na escada de degraus altos. Sentou-se na última fileira e arriou a sacola à frente das pernas encolhidas. Seu vizinho de assento levantou de leve o chapéu, ela torceu que ele não puxasse conversa. Tiraria um cochilo, se o percurso não fosse tão curto, mas ao menos fechou os olhos, tão raro estar sentada àquela hora da manhã. A cozinha desarrumada, pia com louças do café, fogão e caçarolas esperavam por ela.

Não demorou, uma curva acentuada a chacoalhou. Espiou pela nesga da janela. O ônibus entrava na pista expressa e o cemitério do centro ficava para trás. Só seus olhos se moviam, muito abertos. Inesperadamente, ela seguia rumo à saída de Belém. Mas para onde? Os outros viajavam serenos, meditativos. Inspirou fundo o ar-condicionado e se virou para o vizinho:

“Quanto tempo até lá? ”

“Uma pra duas horas, conforme o trânsito. Capaz que venha chuva com essa quentura.”

A poltrona pareceu-lhe feita de gelo. Simular uma dor, uma cara-branca, gritar que precisava descer seria a solução, mas faltou-lhe coragem. Contar a verdade também a amedrontava. A vergonha doía na boca do estômago. Com que cara lambida revelar que estava de penetra, que nem conhecia o morto, que só queria ir de ônibus até o cemitério do centro, a vinte passos de casa. A sacola muito pesada, o sol tinindo, o troco da feira que nunca dava para a passagem. Que esperteza, diriam, pegar carona em ônibus de funeral, isso é até um desrespeito com a família enlutada. Mas dera tão certo da outra vez, aproveitara a carona, e foi só desviar do cortejo, miudinha, e dar poucos passos no rumo de casa.

“A senhora também trabalha pros Rufino? ”

“Trabalhei.”

“De que?”

“Na cozinha.”

“E saiu do emprego? Por quê?”

Cleide ajeitou a sacola, tirou a liga que prendia os cabelos, puxou os fios crespos e refez o rabo de cavalo. Passou a mão no rosto, sentiu o cheiro de tempero nos dedos. Impregnara, não havia dia em que não amassasse dentes de alho. Sem resposta, o vizinho continuou:

“Desculpa, moça, sou meio intrometido, não devia ter perguntado. É que é difícil alguém deixar trabalho na casa deles.”

Sair de emprego certo é sempre difícil, Cleide pensou, enquanto formulava a resposta.

“Fui ajudante de cozinha, uma vez ou outra me chamavam.”

“Ajudou a Conceição?”

Ela assentiu. A respiração presa.

“A Conce trabalhou pra eles a vida toda, não queria saber de aposentar. Também alugaram ônibus pro enterro dela. São gente muito boa, endinheirados com espíritos de pobres. Os filhos, os netos, não tem um que seja metido a maioral. ”

“É”

“A senhora soube que a dona Melinda também morreu?

“Não.”

Ele não conseguia lembrar a data, então fez a pergunta em voz alta: “Foi quando que a dona Melinda morreu?”

Outros passageiros responderam: “Em junho.”

Foi o que bastou para que a conversa se espalhasse. Vieram as boas lembranças, não aquelas enfeitadas para fazer de santo um falecido, mas de benquerença de verdade, Cleide percebeu.

Quando entraram na BR 316, ela já sabia que aquelas pessoas serviam a família Rufino, trabalhavam na casa do senhor Afonso, viúvo, cujo corpo seguia para o cemitério; ou na casa de um dos quatro filhos.

O ônibus pegou velocidade e a conversa correu frouxa. Só Cleide com a boca trancada. De vez em quando, ela se distraía e esquecia que estava ali por acaso, mas estremecia quando se espantava com a realidade: devia estar cortando maçãs para a torta, para a salada agridoce, fritando bananas, torrando castanhas. Nunca falhara com os patrões. Vai num pé e noutro que há muito o que fazer, dona Glória dissera.

Um passageiro ofereceu suco de caju, Cleide aceitou, se sentia murcha. Outro passou com uma cesta de pães, ela pegou dois, o estômago se contorcia. Depois olhou para sua sacola da feira.

“Eu trouxe frutas, só não estão lavadas. ”

Ela caminhou pelo corredor, e as bananas, maçãs, peras, ameixas e uvas ganharam novos donos. Os patrões podiam comprar mais, além disso, as frutas não chegariam mesmo para o almoço.

Apontaram para o portal da cidade de Castanhal. Logo depois, a miniatura do Cristo Redentor, no meio de uma pracinha redonda. Cleide não passava por ali havia meses, pouco visitava os pais, que moravam alguns quilômetros adiante, no município de Terra Alta.

O ônibus virou da BR para uma transversal e encostou ao lado de um muro. Viam-se as mangueiras e o cume das sepulturas mais altas. Muitos carros também encostaram, o comprido e lustroso passou pelo portão até o largo da entrada. Quatro homens de terno retiraram o caixão laqueado de branco com crucifixo dourado. 

O cortejo seguiu pelas ruelas entre as sepulturas, algumas com vasos, flores murchas e tocos de velas, outras cercadas de mato enlameado. Cleide lamentou não estar de roupa escura como os outros, mas não vestia estampa gritante. Deram-lhe um punhado de dálias, ela deixou de ser a única de mãos abanando.

Chegaram ao mausoléu da família Rufino, uma construção bem cuidada, com dois anjos de pedra na entrada, canteiro com violetas. As homenagens, os cânticos, as rezas e a despedida. Todos jogaram flores sobre o caixão, Cleide também.

Numa inércia triste, com as cortinas barrando a claridade, os passageiros do ônibus voltavam ao ponto de partida. O barulho da chuva fez Cleide lembrar das janelas abertas no andar de cima da casa. Talvez ainda não chovesse em Belém, ela pensou. Encostou-se e esticou as pernas. Os pingos grossos percutiam na lataria. Num instante, o toque-toque era dos sapatos de dona Glória, que vinha na direção dela, chamando a atenção de todos. Vestia um quimono branco de mangas enviesadas, que pareciam asas. Um trovão despertou Cleide. Ela disfarçou o sobressalto, perguntando as horas.

“Dez pras duas.”

Sentiu o corpo sacudir num tremor de febre. Tanto tempo longe, sem ter avisado. O que fazer? Restava esperar, então se juntou aos passageiros que cantavam músicas de igreja. Havia tempo que não ia à missa, mas ainda sabia alguns refrãos. Aos poucos, as vozes foram sumindo. Todos cansaram.

O ônibus parou no ponto de partida, nas proximidades da capela, na esquina da rua da feira. Cleide andou as dez quadras, o esforço que quis evitar pela manhã, pelo menos o céu estava nublado e não havia mais o peso na sacola. Passou em frente ao cemitério do centro, mais alguns passos e chegou à casa, com a sacola enrolada feito um canudo. O portão do jardim não abriu, ela precisou tocar a campainha várias vezes, até que dona Glória surgiu na sacada do segundo andar, vestindo o quimono preto. Rente às grades, feito uma prisioneira, Cleide esperou por bons minutos e enfim escutou o destrave eletrônico. Arrodeou a casa até a porta dos fundos e deu com dona Glória parada no meio da cozinha. Os cabelos despenteados, marcas do rímel seco abaixo dos olhos.

“O que aconteceu? ”

“Tive de ir num enterro, a senhora me desculpe, não tive meio de avisar.”

“Enterro?“

“De um senhor muito bom que conheci.”

“Pois eu passei um aperto dos diabos. Célio pediu comida de restaurante, ficou atrás de mim, falando na minha cabeça, daquele jeito. Passei vergonha, os impacientes vieram pra cozinha, abriram a geladeira, acabou o gelo. Um horror.”

Pratos sujos empilhados na pia e no balcão. Embalagens de comidas e latinhas de cerveja transbordando da lixeira. Pelo canto do olho, Cleide viu a sala de visitas, copos com restos de bebidas cor-de-vinho, cor de laranja, por toda parte, um no chão, quebrado.

“Enterrar esse tal conhecido foi mais importante que o teu emprego? E toda essa demora? O Célio estava pra explodir de raiva. Por ele, faço tuas contas agora. Já paguei o mês, nem tens a receber. ”

“Foi no cemitério de Castanhal, e caiu muita chuva, eu tava preocupada, palavra, dona Glória, mas não tinha como eu voltar. ”

“É, não tem volta. Limpa tudo e faz um assado. Põe a mesa pra quatro, ele convidou três colegas. Capricha bem, que ele se acalma. Vou dizer que morreu um tio lá na tua terra, fica com cara de velório.”

Antes de sair da cozinha, Glória ainda falou que o marido já havia dito várias vezes que gente querendo trabalhar não faltava, ainda mais pra comer no emprego.

No banheiro dos empregados, a água rala demorou a encharcar os cabelos. Cleide se lembrou da vez em que ouviu dona Glória ao telefone: a minha empregada é de confiança, não mexe em nada, é rápida na cozinha. Será que teriam coragem de mandá-la embora?

Quando entrou no quartinho, teve vontade de se deitar. A cama estreita, o colchão molenga, o travesseiro que comprou com o primeiro salário. Quanto tempo? Quase sete anos. O quarto abarrotado de coisas da casa: o aspirador, latas de tinta, toalhas velhas pra fazer pano de chão. Ela passava ali as horas de folga, nunca no domingo. Domingo era dia de casa cheia, homens na piscina, nas mesas de sinuca, senhoras atentas aos maridos, para não brigarem por política ou futebol.

Cleide amarrou o avental, recolheu o lixo e levou o grande saco até a calçada. O jardineiro podava a cerca viva, o adestrador passeava com os três cães. Enxergava aquelas pessoas, não sabia se eram felizes ou apáticos. Meu marido não gosta de camaradagem com outros empregados, dona Glória avisara, na entrevista de emprego.

Havia muito o que fazer. Limpou o chão, lavou as louças, temperou a carne, enfiou no forno. Arrumou a mesa. Voltou ao quarto e se deitou sob o teto baixo e encardido. Uma jacinta voava ao redor do bico de luz amarela. O quartinho, ela pensou, um retângulo branco e sem janelas, era um pouco menor do que o mausoléu da família Rufino. O morto ficara ali, ela devia se levantar e terminar o jantar.

A cozinha se encheu do cheiro do assado, estava no ponto. Aprendera aquela receita com a mãe, o pai chama de comida dos deuses. A mãe não dispõe de filé ou de picanha maturada, mas tempera qualquer carne com requinte, com ervas de quintal. Contará aos pais sobre aquele dia, dirão que há sempre uma razão e uma lição. Crescera ouvindo isso.

 Derramou o molho de passas e champignon sobre a carne, enquanto ouvia a pancada de chuva. Alguém precisava fechar as janelas do andar de cima, ela não! Ela se lembrava das janelas do ônibus, os pingos de chuva escorrendo tortuosos pela vidraça, a rodovia, o ir e vir das pessoas em paralelo aos braços do Cristo. Pensou na mãe, que a chama para o abraço e tira de onde não tem para servir comida de festa. Quando o pai provar aquele assado…

A chuva estiou, a noite cobriu a casa. O casal descansava na suíte. Cleide esticou sobre a cama os uniformes: os estampados, o chemisier preto, o branco, que remetia ao desejo de ser enfermeira. Olhou para o relógio de parede, dezoito e quarenta e cinco. Os convidados chegariam em uma hora. Dona Glória desceria apreensiva, para conferir a arrumação da mesa, e talvez trouxesse uma camisa de linho para engomar. O assado, bem embalado e ainda morno, Cleide acomodou no fundo da sacola de feira e, por cima dele, couberam roupas, sapatos e o travesseiro. Saiu cautelosa, pé ante pé, depois caminhou apressada para não perder a condução. Em noventa minutos passaria pelo Cristo Redentor, mais trinta e chegaria à Terra Alta. O último ônibus sai todos os dias às dezenove.

Sobre Fabio Baptista

23 comentários em “Mausoléus (Simone Mattos)

  1. Thales Soares
    9 de março de 2024

    Este conto não me conquistou, mas creio que seja por uma mera questão de gosto pessoal.

    O autor se saiu muito bem utilizando um estilo narrativo que mescla o cotidiano com elementos de reflexão. A escrita foi executada de forma bastante fluida, fazendo com que a leitura fosse prazerosa. No entanto, achei a ideia da história um pouco desinteressante, não me prendendo totalmente à narrativa.

    O mausoléu da família Rufino contrasta com o quartinho abarrotado de Cleide (parecido com o quarto do Harry Potter), sugerindo uma reflexão sobre o valor das conexões humanas em contraste com o materialismo e o isolamento. A narrativa mostra esse contraponto entre a riqueza e a pobreza, evidenciando a desigualdade de classes sociais. Apesar de bem executado, não vi nada de inovador em meio a essa discussão, ou nenhum ponto que me chamasse a atenção em relação à empolgação ao ler o conto, com ausência de um climax.

    Sobre a aplicação do tema, o recomeço na história surge no momento em que Cleide, ao final do conto, escolhe deixar para trás o emprego e a rotina que a confinavam a uma vida de insatisfação. Com aquela viagem de ônibus ao funeral de um estranho, Cleide vivencia um processo de introspecção e conexão com as histórias de vida dos outros passageiros, então ela desperta para a realidade de que deseja mais do que a vida que tem levado até então. Não foi um uso tão original do tema, porém, foi um uso eficiente, então nada tenho a questionar a esse respeito.

    Tenho certeza de que muitas pessoas gostarão deste conto, pois ele está bem escrito e com o tema executado de forma satisfatória. Porém, para mim foi um conto ok.

  2. Mauro Dillmann
    8 de março de 2024

    Conto bem escrito, pensado, estruturado.

    Leitura flui muito bem, o enredo é bom, tem dinamismo.

    Quase uma homenagem às empregadas domésticas, tanto tempo exploradas no Brasil por uma elite patriarcal que julga fazer um favor ao explorar trabalho de mulheres por comida. Quantas Cleides não existiram ou ainda existem por aí?

    Parabéns !!! Gostei bastante.

  3. Priscila Pereira
    8 de março de 2024

    Olá, Merakiano! Tudo bem?

    Seu conto não está na minha lista de obrigatórios então não poderei avaliá-lo, mas mesmo assim quero deixar meu comentário.

    Estava apreensiva por não encontrar o tema e eis que ele aparece bem no finalzinho, mas parece!

    Gostei bastante do seu conto! Muito bem escrito, escrita firme e confiante. O enredo é divertido, coitada da Cleide, mesmo sendo sobre enterros e patrões abusivos, mas no final houve o revide!

    Talvez o engano do ônibus foi a melhor coisa que aconteceu com a coitada da Cleide! E ainda roubou o assado! Final perfeito!

    Muito bom! Parabéns!

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

    • Simond
      10 de março de 2024

      obrigada, Priscila! Adorei ler seu comentário.

  4. Givago Thimoti
    3 de março de 2024

    Mausoléu (Merakiano)

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Recomeço – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

    No mais, seguimos para minha avaliação: 

    Impressões iniciais: 

    – Conto devagar, quase parando…

    Resumo: “Mausoléus” é um conto que fala sobre a história de Cleide, uma empregada doméstica de um casal abastado que entra erroneamente num ônibus que parte do o centro de Belém em direção ao interior, para um enterro. Diante dos relatos dos enlutados, Cleide percebe que sua situação de trabalho é um tanto quanto precária. Além disso, por passar grande parte do seu tempo dentro da casa na qual trabalha, ela sente falta dos pais.

    Corpo (gramática/estilo de escrita): Gramaticalmente, não percebi grandes erros gramaticais. Apenas um “BR 316” que deveria ter um hífen. 

    Quanto ao estilo de escrita, achei simples, sem grandes arrojos. 

    Alma (o que tocou ou não o leitor. Pontos fortes e/ou fracos):

    Como disse ali nas impressões iniciais, achei um conto um tanto devagar. A condução da história me incomodou; por exemplo, embora o início da história de Cleide, pegando um ônibus que a levaria para um funeral seja importante, ele toma um pedaço da narrativa muito grande. Pedaço esse que poderia ser utilizado para demonstra melhor a relação de Cleide e a família para a qual trabalha, como chegou ali…

    Também poderia ter sido retratado, por exemplo, de uma forma mais cuidadosa, a saudade que Cleide sente de sua família por exemplo. 

    Como o conto focou, na minha humilde opinião, em pontos não muito pertinentes para a história, o conto não teve tanto sucesso em me tocar.

    Nota: 6

  5. Alexandre
    2 de março de 2024

    Gostei do conto. Os poucos equívocos com a pontuação não tiram o brilho da história. Meu único incômodo foi achar que o autor retratou menos o núcleo do morto e a vida dos patrões do que a própria personagem. Mesmo assim, a história é muito boa. Gostei, especialmente, do final. Parabéns ao autor. Nota 7,5.

  6. Karina Dantas Nou Hayes
    1 de março de 2024

    As descrições dos ambientes chegam a nos levar para cada lugar citado no conto. Entramos no ônibus, embarcamos nas conversas dentro dele, sentimos até os sabores do lanche oferecido e das frutas distribuídas por Cleide. Chegamos também a ver no cemitério, o cortejo, os vasos, flores e velas das sepulturas e suas ruelas, o caixão luxuoso. Deu pra perceber o quanto que o falecido era tão benquisto pelas pessoas a ponto de fazerem a Cleide sentir o mesmo por ele, que até pôde deixar também a sua homenagem póstuma no caixão com um punhado de dálias. O recomeço se mostra em subtextos como quando Cleide volta para a casa da patroa e compara o pequeno tamanho do quarto que ela dorme com o mausoléu da família Rufino. Na hora que arrumando os uniformes que usava para trabalhar na casa, destaca o branco, lembrando do desejo de ser enfermeira, quando coloca o assado na sacola lembrando da mãe e do pai. O próximo ônibus que Cleide pega não vai ser de novo para um cemitério, mas sim em direção a uma nova vida.

  7. Givago Thimoti
    24 de fevereiro de 2024

    Mausoléu (Merakiano)

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Recomeço – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

    No mais, seguimos para minha avaliação: 

    Impressões iniciais: 

    – Conto devagar, quase parando…

    -Não foi um conto que conseguiu despertar, em mim pelo menos, uma conexão com a história

    Resumo: “Mausoléus” é um conto que fala sobre a história de Cleide, uma empregada doméstica de um casal abastado que entra erroneamente num ônibus que parte do o centro de Belém em direção ao interior, para um enterro. Diante dos relatos dos enlutados, Cleide percebe que sua situação de trabalho é um tanto quanto precária. Além disso, por passar grande parte do seu tempo dentro da casa na qual trabalha, ela sente falta dos pais.

    Corpo (gramática/estilo de escrita): Gramaticalmente, não percebi grandes erros gramaticais. Apenas um “BR 316” que deveria ter um hífen. 

    Quanto ao estilo de escrita, achei simples, sem grandes arrojos. 

    Alma (o que tocou ou não o leitor. Pontos fortes e/ou fracos):

    Como disse ali nas impressões iniciais, achei um conto um tanto devagar. A condução da história me incomodou; por exemplo, embora o início da história de Cleide, pegando um ônibus que a levaria para um funeral seja importante, ele toma um pedaço da narrativa muito grande. Pedaço esse que poderia ser utilizado para demonstra melhor a relação de Cleide e a família para a qual trabalha, como chegou ali…

    Também poderia ter sido retratado, por exemplo, de uma forma mais cuidadosa, a saudade que Cleide sente de sua família por exemplo. 

    Como o conto focou, na minha humilde opinião, em pontos não muito pertinentes para a história, o conto não teve tanto sucesso em me tocar.

    Nota: 6

    • Simone
      10 de março de 2024

      Você entendeu, mas não gostou. Totalmente compreensível. Obrigada

  8. Antonio Stegues Batista
    24 de fevereiro de 2024

    A história de Cleide, uma empregada doméstica que pega carona num cortejo fúnebre. O enterro é de um empresário que ela não conhece, ou conhece? Depois de mais de duas horas ela volta ao ponto de partida, ou seja, Cleide fez uma viagem sem necessidade, não entendi muito bem os motivos. Desperdiçou um tempo enorme e quase foi demitida do emprego. Ao final, com ameaça de demissão, a mulher pega o assado que seria dos patrões, seus parcos pertences e foi embora. A história é simples, mas a escrita dá um brilho especial à narrativa. O problema é o motivo da viagem sem sentido, parece que apenas para fazer as conexões de seu quartinho no emprego, pequeno como uma tumba, com o mausoléu da família Rufino. Existem outras maneiras para fazer isso. Dá a impressão que o autor queria fazer uma coisa e fez outra, estava indo para um lado e mudou de direção por motivos técnicos, ou talvez não tenha motivo algum, o conto é assim mesmo. 

    • Simone
      9 de março de 2024

      Antônio,

      Grata pelo comentário. Caso tenha interesse leia outros comentários. Há colegas que entenderam perfeitamente que Cleide tentou uma carona para o cemitério perto da casa na qual trabalhava e foi pega de surpresa porque o enterro seguiu para outra cidade.

  9. mariainezsantos
    23 de fevereiro de 2024

    Texto bem escrito

  10. Fernanda Caleffi Barbetta
    21 de fevereiro de 2024

    Mausoléus (Merakiano)

    Merakiano, seu conto é ótimo. O enredo é inovador, adorei a ideia e a forma como foi desenvolvida. Sua escrita é madura, os diálogos são muito bons e as personagens são críveis. A gente se apega à Cleide e torce por ela. Rimos com ela e nos emocionamos também.  

    Há construções muito boas, como por exemplo: “A vergonha doía na boca do estômago” / “estremecia quando se espantava com a realidade”

    Adorei o final, ela ter levado o assado foi uma ótima ideia.

    Parabéns e obrigada pelo texto.

    Deixo abaixo poucas sugestões.

    “ela se puxou na escada” – soou estranho

    “ela torceu (para) que ele não”

    “uma cara-branca” – não entendi

    Colocaria a palavra centro com o C em caixa alta.

    “ Os pingos grossos percutiam na lataria. Num instante, o toque-toque era dos sapatos de dona Glória, que vinha na direção dela, chamando a atenção de todos. Vestia um quimono branco de mangas enviesadas, que pareciam asas” – neste trecho, quando coloca a dona Glória no enterro, houve um estranhamento na minha primeira leitura. Sugiro que dê alguma dica anterior de que ela está imaginando. A não ser que tenha sido proposital causar este estranhamento.   

    • Simone
      10 de março de 2024

      Fernanda, muito obrigada pelos comentários e sugestões. Você tem razão. Cara branca é um regionalismo que significa sensação de desmaio.

  11. Regina Ruth Rincon Caires - Caires
    17 de fevereiro de 2024

    Mausoléus (Merakiano)

    Inicialmente fui buscar entender o pseudônimo que o autor usou.

    Meraki = (do grego) é a palavra mais bonita do mundo, com um significado muito rico e profundo. Significa que você deixa um pedaço de si mesmo, uma parte da sua alma, dos seus sentimentos, em tudo o que você faz. A ideia é colocar um pouco de amor em cada detalhe, é colocar a essência do amor e criatividade de dentro de si em algum trabalho, dar parte de si em algo. E também encontrei alguma coisa de REIKI, de bons fluidos, de vivência…

    Sabendo disso, e já fisgada, comecei a leitura. A descrição minuciosa, cristalina, em poucos segundos já me colocou na fila, subindo os degraus e encontrando uma poltrona vazia. E viajei. Eu sabia que Cleide não entrara no ônibus fretado por engano! Era costume conseguir uma carona “na faixa” até chegar ao cemitério da cidade. Carregar a sacola da feira com aquele peso não era trabalho fácil. Descendo no ponto do cemitério, ficaria pertinho da casa da patroa, Dona Glória. O problema foi que, naquele dia, os “convidados” iriam para um funeral em outra cidade, em Castanhal. E ela só se deu conta, quando um solavanco a tirou de um cochilo e então percebeu que estava na BR.

    Daí em diante, não havia o que fazer. Só seguir viagem e ouvir as conversas sobre o morto, os elogios, as críticas, a descrição da árvore genealógica do defunto. Apesar de Cleide pensar em como explicaria o atraso para a patroa, os passageiros eram tão acolhedores que ela se serviu dos “comes e bebes”. E ainda distribuiu as frutas da patroa que estavam na sacola!

    Bem, só sei que deste conto aparentemente tão simples, os sentimentos foram brotando num crescente que até fiz pausas para absorver tudo. A rotina de tarefas, a submissão, o eterno respeitar, a completa anulação. Servir, servir, servir. Por que sempre servir e nunca ser servido?!

    Adorei o fechamento da trama. O ajuntamento dos pertences, a decisão de abandonar o emprego que tanto lhe sugara, deixar o cubículo chamado de quarto, e o melhor: ajeitar o assado no fundo da sacola e levar para a família! Artigo de luxo! Recomeçar, este era o desejo, esta era a oportunidade.

    Perfeito. História bem construída, surpreendente, terna. A estrutura do conto é um primor, a leitura encanta. Coisa de mestre!

    Parabéns, Merakiano! Que trabalho lindo! Como não gostar de literatura?!

    Boa sorte no desafio!

    Abraço…  

    • Simone
      10 de março de 2024

      Regina, você é sensível e empática. Aquariana?
      Amei ler suas palavras tão gentis.

      obrigada

      • Regina Ruth Rincon Caires - Caires
        10 de março de 2024

        Virgem (só de signo kkkkkkkk)! Menina, teu conto é um doce, AMEI!!! Parabéns pela competência, você sabe o que faz… Abração…

  12. Gustavo Castro Araujo
    16 de fevereiro de 2024

    Muito bom o conto. Escrita madura, firme, típica de quem já está há tempos no ofício. Um texto com ares de realismo trágico, ou como se diz por aí, a vida como ela é.

    Aqui conhecemos Cleide, a empregada de uma rica família de Belém que usa de subterfúgios para economizar os poucos trocados que lhe restam. Com efeito, para chegar à casa em que trabalha, sobe num ônibus que leva pessoas a um funeral. O problema é que em vez de ir ao cemitério do centro da cidade, que lhe é conveniente, acaba num cemitério localizado em uma cidadezinha distante. Assiste ao enterro, medita sobre sua própria vida, e retorna, bem atrasada, aos seus afazeres. Seus patrões são “pessoas de bem”, que se sentem felizes por dar-lhe um emprego digno, mas que também exigem dedicação sob pena de manda-la “ao centro do meio do olho da rua”. Cansada desse regime de semi-escravidão, Cleide, ali incumbida de preparar um assado para o jantar, decide romper com tudo e, escondendo a refeição numa sacola, toma o rumo da casa dos pais.

    Há uma excelente crítica social em cada linha dessa composição. Alguns poderiam considera-la maniqueísta, torcendo o nariz por que o(a) autor(a) retratou os pobres como entes honestos e éticos a qualquer prova e os ricos, ao contrário, como babacas desumanos, como se isso fosse regra. Isso, de fato, pode incomodar. Só que incomoda porque é o retrato esculpido em carrara – o cuspido e escarrado na verdade fica melhor – da nossa sociedade, que, como dizia Chico Science, privilegia o estado de coisas em que “o de cima sobe e o de baixo desce”.

    Cleide não tem chances. Está condenada a uma vida de privações, com limites bem definidos. Jamais romperá a bolha de pobreza; seus patrões, ao que tudo indica, não têm preocupação alguma em ceder a mínima porcentagem da posição privilegiada que ostentam.

    Não quero fazer discurso político aqui – mas acho que já fiz kk – mas creio que toda literatura deve ser corajosa. Sim, é uma frase emprestada de Hemingway. Aquilo que escrevemos deve incomodar, deve convidar a pensar, deve propor uma ideia, deve, como ocorre neste conto, esfregar na nossa cara o tipo de desigualdade que vemos todos os dias mas não enxergamos.

    Nesse aspecto, o conto nos remete a Tolstoi e a Orwell, para dizer o mínimo, denunciando a pobreza endêmica que nos permeia mas que, paradoxalmente nos deixa cegos. A vida como ela é – para usar o chavão rodrigueano – sempre rende bons textos, ainda mais quando há perícia na maneira de contar.

    Voltando ao texto, não há como não vibrar com a atitude de Cleide – só faltou ela deixar um bilhetinho para os patrões com o telefone do McDonald’s – mas não sei se, no fim, na vida real ela teria toda essa coragem. Infelizmente emprego estável, mesmo nessas condições, é disputado a tapa. Talvez, só talvez, o(a) autor(a) pudesse acrescentar fatos outros que demonstrassem que Cleide estava no limite mesmo; isso reforçaria e tornaria mais crível sua decisão de partir. De todo modo, em vista do limite de palavras, o conto é muito bom. Um dos que mais gostei até aqui. Parabenizo em pé a pessoa que escreveu. Boa sorte no desafio.

    • Simone
      12 de março de 2024

      Muito obrigada, Gustavo!

      Sua análise minuciosa me surpreendeu e alegrou.

  13. danielreis1973
    16 de fevereiro de 2024

    A história de Cleide, com seu desvio da rotina de compras para a casa onde trabalha, indo parar num enterro de figurão de periferia, me agradou bastante pelo realismo na narrativa e construção do enredo (ou seja, o quanto ela se enreda no problema até conseguir voltar para o “mundo normal”). A situação em si é bastante realista: quando fui ao enterro do meu sogro, no Rio de Janeiro, havia um ônibus assim no cemitério, com muita gente uniformizada com camiseta e o rosto do “padrinho” da comunidade – no final, não sabíamos dizer se as salvas eram fogos de artifício ou de fuzil. Destaca-se nesse conto a habilidade na construção dos cenários – bem e adequadamente descritos, formando uma imagem vívida para o leitor; e, principalmente, dos diálogos (o uso de aspas me agradou bastante, é um assunto que venho estudando – mas ainda não consegui fechar uma conclusão, já que o travessão me parece, em alguns momentos, “duro” na hora da fala da personagem. Como ponto de crítica, eu acho que depois do retorno ao trabalho, o papel da protagonista ficou menos denso, mais omisso, do que ela demonstrou na primeira parte. E os patrões, um pouco estereotipados, quase que como causa única da mudança de vida pretendida pela Cleide. Outro detalhe: no perfil dela, pela história, não consegui identificar se ela era muito nova, ou não. Me pareceu que sim, quase uma menina.

    Critérios de avaliação:

    1. Premissa: interessante uso do “dia fora do normal”, com antagonismo entre personagem e situação – ela precisa voltar para o trabalho e não consegue; depois, precisa abandonar tudo e voltar para sua cidade – o ponto onde o tema Recomeço foi efetivamente tratado, foi justamente no fim da história.
    2. Construção: o enredo é construído em passo adequado, sem se arrastar nem correr – exceto na parte final, que creio estava quase no limite de palavras, o que obrigou o autor a resolver um pouco apressadamente a situação.
    3. Efeito: bom efeito – na memória e na impressão geral, uma leitura agradável, sem grandes desafios ou percalços – o que, na minha ótica, é uma característica positiva.
  14. danielreis1973
    16 de fevereiro de 2024

    Comentário:
    A história de Cleide, com seu desvio da rotina de compras para a casa onde trabalha, indo parar num enterro de figurão de periferia, me agradou bastante pelo realismo na narrativa e construção do enredo (ou seja, o quanto ela se enreda no problema até conseguir voltar para o “mundo normal”). A situação em si é bastante realista: quando fui ao enterro do meu sogro, no Rio de Janeiro, havia um ônibus assim no cemitério, com muita gente uniformizada com camiseta e o rosto do “padrinho” da comunidade – no final, não sabíamos dizer se as salvas eram fogos de artifício ou de fuzil. Destaca-se nesse conto a habilidade na construção dos cenários – bem e adequadamente descritos, formando uma imagem vívida para o leitor; e, principalmente, dos diálogos (o uso de aspas me agradou bastante, é um assunto que venho estudando – mas ainda não consegui fechar uma conclusão, já que o travessão me parece, em alguns momentos, “duro” na hora da fala da personagem. Como ponto de crítica, eu acho que depois do retorno ao trabalho, o papel da protagonista ficou menos denso, mais omisso, do que ela demonstrou na primeira parte. E os patrões, um pouco estereotipados, quase que como causa única da mudança de vida pretendida pela Cleide. Outro detalhe: no perfil dela, pela história, não consegui identificar se ela era muito nova, ou não. Me pareceu que sim, quase uma menina.
    Critérios de avaliação:
    Premissa: interessante uso do “dia fora do normal”, com antagonismo entre personagem e situação – ela precisa voltar para o trabalho e não consegue; depois, precisa abandonar tudo e voltar para sua cidade – o ponto onde o tema Recomeço foi efetivamente tratado, foi justamente no fim da história.
    Construção: o enredo é construído em passo adequado, sem se arrastar nem correr – exceto na parte final, que creio estava quase no limite de palavras, o que obrigou o autor a resolver um pouco apressadamente a situação.
    Efeito: bom efeito – na memória e na impressão geral, uma leitura agradável, sem grandes desafios ou percalços – o que, na minha ótica, é uma característica positiva.

  15. Kelly Hatanaka
    12 de fevereiro de 2024

    Olá, Merakiano.

    Estou avaliando os contos de acordo com os seguintes quesitos: adequação ao tema, valendo 1 ponto, escrita, valendo 2, enredo, valendo 3 e impacto valendo 4.

    Adequação ao tema
    Atende ao tema. Cleide, cansada, resolve recomeçar sua vida.

    Escrita
    Excelente, clara, precisa. Um texto bem escrito e bem revisado.

    Enredo
    Cleide pega carona num ônibus que vai para um enterro, pensando que ele vai para o cemitério perto de sua casa, mas ele vai para outra cidade. De volta, leva bronca da patroa e decide partir para a casa dos pais. Achei a reviravolta do final surpreendente, talvez um pouco demais. Alguns parágrafos antes, Cleide demonstra temor de ser despedida, e, pouco depois, empacota tudo e vai embora.

    Impacto
    Uma boa história, contada de forma envolvente. Sinto que a decisão de Cleide foi o resultado dos acontecimentos de seu dia. Ver as pessoas no ônibus falando com carinho dos Rufino deve tê-la levado a comparar aquela famíla com Gloria e Célio. Isto deve tê-la feito perceber o quão era mal tratada naquela casa. Passar perto da casa dos pais acordou a saudade. Mesmo assim, senti falta de alguma coisa que ligasse de forma mais clara as coisas que Cleide vivenciou e sua decisão.

    Parabéns pela participação.

  16. Vladimir Ferrari
    12 de fevereiro de 2024

    Entendi mais como uma narração do cotidiano do que como premissa de recomeço. Um fluxo narrativo interessante, parecendo conhecido. A despeito da proposta, uma história bem construída e num recorte de tempo aprovável. Cenas bem construídas e descrições sólidas. Mas não captei a proposta de recomeço.

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Informação

Publicado às 10 de fevereiro de 2024 por em Recomeço e marcado .