— Não sei sobre o que escrever.
— Qual o tema?
— Livre.
— Ah, então é fácil! Se é livre, você pode escrever sobre tudo o que quiser.
— É mesmo? Vou falar sobre meu posicionamento político, então.
— Hum, melhor não, porque você vai ser cancelado por, pelo menos, metade dos leitores.
— Com o meu posicionamento político eu, certamente, vou ser cancelado por todos os leitores, inclusive os que ainda estão por nascer.
— Verdade. Ah, e aquela história em que você estava pensando, sobre relações familiares?
— Será? Outro dia me disseram que histórias sobre relações familiares não são originais, que é um tema batido, banal. Que já tem livro sobre isso, filme, série, game, musiquinha da Galinha Pintadinha e sei lá mais o que.
— Bom, original não é mesmo. Mas, e daí?
— Sei lá. Muita gente já tocou no assunto, desde Cem Anos de Solidão e todos aqueles Buendia até em Star Wars com “Luke, I am your father”. Batidaço.
— Já sei! Conta aquela história maluca que aconteceu com você, na matrícula da faculdade. Ou daquela vez que você viajou para a cidade certa só que no país errado. São originais.
— Meio originais demais.
— E daí?
— Vão dizer que coisas assim não acontecem na vida real.
— Ah vá.
— Pois é.
— Se quer vida real, vai assistir ao telejornal!
— É o que acho.
— E se você falar sobre sua vida de escritor?
— Minha vida de escritor?
— É, sua rotina.
— Você acha uma boa ideia falar sobre a minha rotina de acordar às 6:00, escrever o máximo possível até às 8:00, me sentir culpado por não ter usado o tempo para me exercitar, começar o trabalho que paga minhas contas até lá pelas 18:00, quando então, paro para arrumar a casa e dar atenção à família, até que todos vão dormir e eu possa editar o que escrevi pela manhã, o que quase sempre significa reescrever tudo do zero e ir dormir de madrugada?
— …
— Ou sobre a dificuldade pra um bicho do mato que nem eu fazer marketing, essa invenção do capeta? Ou de como é agoniante, após finalmente vender um livro, ficar esperando por um comentário, uma avaliação, um review que nunca vem?
— …
— Você acha uma boa ideia falar sobre isso? Acha? ACHA?
— Melhor não. Até o telejornal parece menos assustador agora.
— Desculpa, me empolguei.
— Imagina! Toma cá um abraço. Isso, pronto, vai ficar tudo bem.
— Obrigado, passou. Estava precisando disso.
— E se você escrever sobre esta nossa conversa?
— Que? Só um diálogo???
— Qual o problema?
— Escrever um diálogo não é contar uma história.
— Como não?
— Quer dizer, eu acho que é, mas tem gente que discorda.
— E daí?
— Ah, sei lá. Já estou até vendo os comentários. “Diálogos truncados”, “a conversa soa artificial”, “quem fala assim?”, “o uso de gírias empobrece o seu texto”, “não usar gírias torna seus personagens pomposos”, “o texto é lindo e maravilhoso, amei, mas não gosto de diálogos, então nota 2”.
— Sabe qual é o problema?
— Não.
— O tema é livre, mas você não.
Esses dias estava batendo papo sobre concursos literários com temáticas livres. Foi quase unânime, o melhor é ter um tema (rsrsrs).
Quanto aos diálogos ficaram com um jogo, ou melhor, uma luta de boxe, cada fala era golpe e cada resposta uma defesa.
Textos curtos e metalinguísticos, todo autor já tentou fazer um. Acho que conseguistes um pouco de glória com o teu. Talvez não seja o melhor que li, mas trabalha de forma profunda a ideia de não ter ideias, de ser criticado e, também a moral toda envolvida na arte de manter-se focado no conto pelo conto.
Este trecho abaixo podia ter sido trabalhado com um pouco mais de pessoalidade entre as personas e, talvez pudesse ser usado até mesmo como grande ponto emocional da coisa toda.
“Imagina! Toma cá um abraço. Isso, pronto, vai ficar tudo bem.
— Obrigado, passou. Estava precisando disso.”
Achei teu texto bem construído e bom, tirando a opinião acima sobre o diálogo que pontuei, então não fique preocupado, comigo a nota não será 2.
Então… o texto ficou muito bom, mas não curto muito diálogos, vou acabar dando um 2.
auhauhauhauhauha
Falando sério agora, adoro diálogos. Prefiro ler diálogos interessantes sobre assuntos banais, do que monólogos chatos sobre assuntos interessantes. E graças a uma epifania sua na hora de escolher, ou não encontrar, o que escrever esse texto trás a primeira opção.
Gosto quando os autores usam de metalinguagem para trazer o assunto e preencher a obra. Acredito que uma das principais característica dos minicontos, sejam eles narrativas, diálogos, crônicas e etecetera, seja o desfecho impactante. Se não fosse pela última linha de diálogo, eu teria achado um diálogo bom, divertido, mas não mais que isso. Porém, achei seu fechamento fantástico e com certeza valorizou muito o restante da obra. Parabéns.
Ótima crítica ao mundo dos escritores! Aliás, aqui temos um texto que serve a todos nós até como conselho. Particularmente não gosto de diálogos longos sem verbos discendi para ajudar a me situar. Quando estes não existem, como foi o caso aqui, exige-se um esforço bem maior do leitor, de modo que facilmente a narrativa fica confusa. É uma escolha, sem dúvida: arrisca-se a clareza em prol do ritmo. Apesar disso, me pareceu coerente com a proposta e você passou uma mensagem importante e, a meu ver, até corajosa para o meio literário. Somos livres para escrever o que quisermos, mas as pessoas também são livres para lerem o que quiserem. A liberdades deles – os leitores – tolhe a liberdade nossa, de escritores.
Olá, Alguém, ops Ninguém.
Já falei e falo só, comigo mesma, com minha sombra. Com Ninguém é a primeira vez.
Antes de iniciar minha microanálise, saiba que tenho interesse na história da viagem errada. Por favor, nos conte.
Agora vamos lá. Que bom que já sabe que ninguém é livre quando precisa ser avaliado. E sim, seu diálogo é crível, conta um fato, sem ser conto. Na verdade é uma belíssima crônica.
O conto narra o diálogo entre duas pessoas sobre o que um deles deveria escrever no desafio de contos. Os diálogos são muito bons, ágeis e bem estruturados. O humor meio ranzinza também funciona. Gostei da forma com que terminou, com aquele último diálogo. No entanto, eu tenho que dizer que contos assim, ao meu ver, são meio batidos e banais, com pouca criatividade, apesar de ter gostado, o impacto que podia gerar em mim ficou enfraquecido. Boa sorte no desafio.
Bom, acho que qualquer escritor se identifica com o tema. As vezes a liberdade do tema livre acaba nos deixando sem um norte. O medo do julgamento do outro também é uma parte sempre presente do ofício. E o título é um trocadilho perfeito com a situação
Quanto aos diálogos, eu gostei deles.
Vi uma palestra hoje sobre o conto contar uma história maior ainda por debaixo dos panos. A parte da opinião política faz perfeitamente esse papel, e chega a dar um pouco de medo até.
Enfim, comecei a ler achando que ninguém iria merecer um 10 aqui, e agora eu tenho certeza.
Boa sorte!
Final inusitado porém equivocado, pois já dizia o poeta: Ninguém é livre.
Desculpe, não resisti! 🙂
Mas falando sério agora… O seu conto começou tão simplista, naquele velho formato de metalinguagem que já vimos muitas vezes, e eu confesso que pensei que não ia pra lugar nenhum. Mas adorei essa última frase!
E aí minha opinião ficou mista…. O final pra mim foi perfeito. Talvez tenha algumas coisas pra condensar um pouco até chegar aí, desenvolver um pouquinho mais rápido. Mas pelo que eu entendo, toda essa introdução serviu exatamente pra enfatizar a última linha. Então, no geral, foi uma leitura um pouco arrastada mas satisfatória, parabéns!
O diálogo está perfeito. Leitura agradável e fluida, dicções muitíssimo bens marcadas. Consideraria um ótimo conto se tivesse entregado um final com um pouco mais de impacto.
Desejo sorte no desafio. Um abraço.
Olá!
Como fórmula de avaliação utilizo os quesitos: G -gramática, F-forma e C-conteúdo, onde a nota é distribuída respectivamente em 4, 3 e 3, e ainda, há que se levar em conta minhas referências, gostos e conhecimentos adquiridos como variável para tanto (o que é sempre um puta risco para o avaliado. KKK). Então…
G = 4. Não vejo motivos para não dar nota máxima para seu texto neste quesito, pois não vi erros gramaticais, não há mistura de tempos verbais ou palavras coloquiais com outras mais formais. Está tudo claro, com pontuação bem firmada que auxilia na assimilação das ideias em crescente.
F =1. Novamente temos um texto todo fundamentado em diálogos. É bacana por um lado porque dinamiza as coisas, mas senti que o texto deu muitas voltas, sabe?, e acabou que cansei um pouquinho. É só um cara reclamando dos pentelhos, julgo ser muitos os que comentam no EC. Não estou preparada ainda para essas modernices da nova literatura fantástica que cita obras e exemplos mais recentes e faz piada, mas não foi isso que incomodou no seu texto. Não, o lance de Galinha Pintadinha, Star Wars, mas o fato de que o tom narrativo, talvez com o uso disso também, tenha ficado imaturo. E isso fere um pouco o protesto.
Discordo ardentemente de algumas afirmativas dialogadas aqui, porque não importa muito o conteúdo, mas sim a forma que esse conteúdo é repassado. O lance de relações familiares, que diálogos não é conto e tals. Mano do céu, as armas são praticamente as mesmas para todos, mas a forma que se utiliza essas armas é que vai fazer você acertar o alvo ou não. Tipo, manda eu me foder, mas faz de um jeito onde eu me sinta lisonjeada em ir, saca? Enfim… Nota dada.
C = 2. Entende-se o lance de insegurança, também o fato de tornar-se refém de opiniões, injustiça e afins. É compreensível, mas esbarra na forma, e o recurso de fazer alguma alusão ao desafio é algo cômodo.
É isso! (ou quase).
Média final: 7
Parabéns e boa sorte neste desafio.
Olá, Ninguém.
Começo com uma introdução comum a todos os participantes: primeiro li os dois conjuntos completos de contos, um por um e rapidamente, para colher uma primeira impressão geral e já mais ou menos gradativa e agora regresso a cada um deles e releio com mais calma, para comentar.
O seu é um diálogo dirigido diretamente aos leitores do EC. Nem todos os comentadores apreciam isso, como sabe. E criticam sempre com esses chavões todos que você enumerou e ainda mais alguns. Enfim, nem todos, muitos conseguem fazer uma leitura crítica, mas neste contexto também é um bocado complicado, o anonimato simplifica e dificulta o comentário.
Mas, gostem ou não, a última frase suplanta qualquer descontentamento que venha de trás e o leitor só não acaba bem com o seu conto, se quiser mesmo embirrar.
Ninguém é livre. Ninguém, é livre. Livre é ninguém. Livre, é ninguém. Livre, Ninguém é. Ninguém é livre. Você ousou, tudo bem. E eu gostei, mas não costumo apontar esse tipo de detalhes.
Parabéns e boa sorte no desafio.
Olá, Ninguém!
Serei bem sucinto nesse desafio, avaliando com as impressões imediatas que tive do miniconto.
BELEZA
O final é a cereja do bolo. Sintetiza tudo que precisamos saber quando lidamos com o público no meio artístico. Gostei.
IMPACTO
O final me pegou desprevenido, então foi satisfatório, mas o restante da leitura, admito, foi um tanto enjoativa. Literalmente pegou todas as reclamações que acontecem no EC e ironizou. Legal, mas previsível, sabe? Ainda bem que teve a sacada final.
ALMA
Zombeteiro, né? Costumo gostar de almas assim. Também costumo ser assim e geralmente encaro os conflitos com risadas. A proposta do conto se mantém fiel até o final.
Olá autor, como vai?
A preocupação com as críticas e a liberdade do tema são mesmo capazes de embotar a criatividade. Seu texto faz um uso muito inteligente da metalinguagem para falar desse bloqueio. O diálogo está perfeito: ótimo engajamento e personagens bem marcadas. Nem me perdi, nem me desinteressei, mérito seu. O que comprometeu um pouco seu texto na minha leitura, foi o fecho não muito inspirado. A ideia de que o medo das críticas e tal aprisiona o autor é boa, mas faltou uma ênfase talvez. Enfim, foi essa minha impressão.
Um bom conto. Parabéns pela participação.
Talvez por rabugice minha, tenho certa implicância com os textos que falam sobre a falta de assunto. No seu caso, “ a falta de assunto” foi usada para colocar questões maiores que muitas vezes acabam interferindo na produção da escrita. Gostei deste uso e não vou implicar tanto. Ao longo do conto conseguimos ver como subtexto a vida limitada do personagem escritor, preocupações com os comentários as avaliações e uma breve reflexão sobre a liberdade . O texto é reflexivo e muito bem construído por meio do diálogo. O duplo sentido do título é muito inteligente. Parabéns!
05 – Não tema (Ninguém)
O autor resolveu seu momento de baixa criatividade com boa criatividade, abordando a própria dificuldade.
Salvo engano, num desafio de 2018, a Priscila Pereira resolveu o mesmo dilema pela mesma via, no conto Em Criação, quando transformou suas “dificuldades” na própria solução.
Um conto que mergulha em si mesmo e nesse mergulho encontra uma saída, uma espécie de sonho dentro de um sonho que se auto revela pela criação.
Ficou boa a discussão entre o tema livre e a liberdade do autor, bem como a ausência de um tema que se reflete no título do texto, por meio do seu Não Tema, dando asas à criação.
Boa sorte no Desafio.
Adorei! Reflete exatamente o que é o Entrecontos hahaha…
Gostei do formato em diálogo, e, mais ainda, do conteúdo. As falas são naturais, verossímeis e a argumentação foi muito bem desenvolvida.
Na parte técnica, notei apenas umas duas vírgulas estranhas. Ah, uma birra pessoal: não me desce esse lance de caixa alta e três pontos de interrogação. Mas isso não tira nenhum mérito deste texto tão legal.
Parabéns e boa sorte no desafio! 🙂
Entendi como um monólogo, uma introspecção. Causa identificação. Totalmente verdadeira. A fala sobre a vida do escritor é perfeita. Toda escrita é norteada pelos leitores: o que vão achar? vão entender? tem preconceitos? claro demais? entrelinhas demais? Adorei o titulo: não tema. O que mais fazemos é temer. O medo de desagradar está no texto. Uma ironia bem plantada.
Gostei do texto porque o diálogo avança e mostra o desconforto de afunilar o tema livre dentro de parâmetros “bem aceitos”
Gostei muito.
Não tema
Olá, Alguém.
Um Meta EntreContosDesafioMinicontos2021Livre?
Que legal! Um pouco encomendado, não acha?
Brincadeirinha (rsrsrs). Adorei.
Coesão – O processo criativo de alguém que se parece muito com a maioria de nós. Um texto todo em diálogo, bastante verossímil e divertido. Bem amarradinho e com sacadas inteligentes.
Impacto – Adorei, nota 10. Só espero que pela sacadinha lá da “opinião política” não te confundam comigo. Se acontecer, caro (a), pode ter seu texto bem canceladinho (rsrsr). Espero que não. Torço e contribuo para que vá para as cabeças.
Grande abraço e parabéns.
Outro conto só com diálogos, mostrando sua performance para o tema. Um conto em poucas palavras precisa de um mote interessante, contundente, impressionável e o seu é tudo isso, abordou vários paradigmas em poucas palavras e contou pouca coisa. O pessimismo é retumbante. Uma abordagem batida, mas ficou interessante.
Olá, Ninguém.
Resumo: Duas pessoas estão conversando sobre o que escrever para o desafio e tentam chegar a um acordo.
Parecer:”— Ah, sei lá. Já estou até vendo os comentários. “Diálogos truncados”, “a conversa soa artificial”, “quem fala assim?”, “o uso de gírias empobrece o seu texto”, “não usar gírias torna seus personagens pomposos”, “o texto é lindo e maravilhoso, amei, mas não gosto de diálogos, então nota 2”.” – Além de tudo que vocês comentaram, faltou dizerem que os personagens estão parados como estatua. Conto raso e sem empolgação.
Hahahahaha, olha, faltou um outro adjetivo para o conto: engraçado. Há uma referência ao desafio e as conversas longas que temos no grupo, principalmente sobre o que se escreve e como avaliamos uns aos outros. Acontece, caro escritor ou escritora, que adoraria ter escutado qualquer uma das histórias possíveis: relações familiares, política (adoro autores que se posicionam, desde que o façam com sutileza!), histórias reais (desde que bem ficcionadas, é claro), só diálogos, etc…
Bem contada, não me importo com o clichê. E o seu conto é bem contado, um mini para se vingar, eu diria! Apesar dos 4 últimos parágrafos o deixarem quase incriticável, vou pecar aqui e repetir um dos apontamentos do seu personagem: quem fala assim?
Dá para captar a intensão do autor por trás do texto de forma muito clara, quase como um reclame. Todo o enredo é construído sobre essa ideia que, de tão evidente, prejudica o todo. De fato, o tema é livre, mas quem publica, jamais sai ileso do julgamento do público. Faz parte.
Grande abraço!
Dos diálogos que li até agora, o teu foi o que está mais real, mais dia-a-dia. No meio fica um pouco forçado, com falas enormes, mas comparado com os outros que li, ainda tem o nariz à frente.
É uma pena que o tema é muito trivial, o que não é mau já que os diálogos tem o poder de transformar um tema simples em algo interessante, mas teria ganho mais com um tema mais profundo.
Mesmo humor pode ter profundidade.