Mana, foca aqui: tamo em dois mil e vinte e um, e ela é assim, né, santa do verde-amarelo, mas lá atrás, no antigo dois mil e treze, dois mil e quinze, época de gargantilha preta e Lana Del Rey, a amapô era a xerox da xerox das normativas; leonina, claro (já dá pra ver onde isso desagua, né?), mas compensava o jeitinho básico sendo a ana cláudia do tipo cantorinha, coroa de flores e Rock ‘n Roll gringo no fone de ouvido (paradoxalmente ainda sendo a do cabelo colorido que canta música nacional, que se diz fã de Tribalistas e Legião Urbana sem nem entender o que Tribalistas e Legião Urbana querem dizer — e sei que é só gente uó que critica os outros dizendo que não sabem interpretar Legião Urbana ou Tribalistas, mas bicha, entenda: estamos falando de uma época onde existia o GLS, e ela era orgulhosamente o S: a que faz carão soltando o picumã na cara das gata, achando que pode chamar todo mundo de bicha (e não foi uma nem duas vezes que, numa dessas festas (que foi onde eu conheci o casalzinho vinte), ela quase levou uma na cara por jogar pajubá pra travesti (me escuta bem!, falando na cara das trava assim, gesticulando, e as trava fazendo a egípcia pra não enxotar a boneca e arrumar confusão com os ocó (que é com quem essas futuras empreendedoras e atuais netas de bruxa se valem de poderosas com)))) — e, embasbaque: todo mundo a amava. Verdadeiríssima, gata. All tea, no shade. Se eu quisesse inventar um negócio desse eu não inventava: parece coisa de livro: a ana cláudia chegava toda queridinha (pelo menos no começo, já que ela era do tipo que enche a cara e começa a fazer a Xuxa; a que pede pra rodinha de violão ficar refém das músicas que ela conhece), se agarrando numa poc qualquer (que seria, pobre coitada, sua bolsa a festa toda), gritando babado e mona de tempo em tempo para que entendam como ela é descontruída com seu cabelo colorido e seu cigarro mentolado — ela passava a noite assim, com a bicha a tiracolo, vodca com limão ou cerveja nas garras pintadas em neon, fazendo a ventilador em cima dos ocós, bem dama do condomínio entre os vagabundos universitários, esperando aparecer um bom o suficiente para esmagar a rata dela — até que, um dia, em uma dessas festas “alternativas” que todo mundo adorava naquela época, apareceu o ocó e, bobagem de se dizer, ela cicatrizou em cima dele. Nesse dia, eu fui, eu era a atração da festa, e primeiro ela tava tentando requebrar a bunda branca dela lá na pista com a poc, ventilador e tudo mais, falando coisas como “ai, amiga, eu estou muito louca, me dá um selinho”, até que ele veio, dançando — quer dizer, dançando o caralho porque hétero é difícil de dançar direito, né, eles ficam sarrando o ar e, por mais gostoso que alguns (raros, mas alguns) fiquem fazendo isso, ele não era o caso. O que não impediu o interesse da gata. Vi depois ela indo para o banheiro, ele na porta esperando, e depois sumidos. Voltaram já em dupla, festas depois, já montando a casa mágica, e poucas foram as oportunidades de ver seus rostinhos ao longo dos anos, afinal, área gourmet não se constrói sozinha. E tutupom. Pelo menos pra eles, né, gata. Ah, sei lá: eu nunca fui muito de andar com esse tipinho dela, sabe que eu não gosto de me queimar, ainda mais com o que ela tem falado de uns anos para cá (e nunca gostei muito dela exatamente porque fazia a Matilda e dizia coisas como ter lido O som e a fúria com doze anos, mas só falava de A culpa é das estrelas — uó!), mas há boatos de que não teve nada demais, nada do que normalmente faz um casal hétero se juntar sem querer, pelo menos, mas eu tenho minhas divergências. Por isso que ainda assisto as porcarias que eles postam. Vai que. É, e nem vou largar. Passei a admirar, sabia? Desde o caso lá do Machado de Assis (e ainda mais depois, com a bandeira!), o casal vinte virou meu canal número um no YouTube. É bom demais… cringe, gata, cringe: a audácia da bocetuda, achando que pode gongar Machado de Assis em cinco minutos no YouTube! Melhor: que pode defender J. K. Rowling sem ter pesquisado nada, apenas chegado lá e falado, “ah, eu acho, eu acho” — você acredita? Falaram um tanto de porcaria (de defender o direito das pessoas a serem conservadoras a “defesa da mulher que é assediada por mulheres trans”), isso tudo sem nem saber o que significa cis! Vê se pode? A baba-beck (e isso eu tive o desprazer de experenciar eu mesma) se achando a própria Damares Alves! É o poste mijando no cachorro! Coitada? Ha! Coitada de mim: ela sempre foi muito bem de vida. É aí onde entra o que eu falei, o fator x que faz as normativa se juntarem e produzirem outros normativinhos e normativinhas, o elemento que une tribos: pense bem: faça as contas: coloque na ponta do lápis que o pai dela sempre teve uma condiçãozinha e trabalhava (sem dúvidas até hoje trabalha) numa empresa chique lá pros lados de Macaé; coloque também aí nesse pensamento que todo mundo desse fim-de-mundo cu de cidade aqui se acha muito importante por receber dez mil no mês (a famosa síndrome do cu que se acha cheio porque recebeu dois centímetros a mais do que costuma aguentar); e não se esqueça, claro, do essencial: a filhinha que recebe por osmose as manias do pai e da mãe mas diz que não, diz que é a oposição da família (mesmo que — se o que eu fiquei sabendo é verdade — ela receba em sua conta trinta por cento de um salário que o amigo do pai tinha arrumado para ela), acredita? Onde isso levou, eu te pergunto? Ela, que durante a adolescência (e eu lembro disso porque ela desfilava com um boné do MST pra cima e pra baixo nas festas), era toda lulalá, e adivinha? Até vídeo costurando uma bandeira do Brasil do zero ela fez durante a pandemia! Aos prantos! Pois é, não seria diferente, a rachadinha dela era, querendo ou não, um bom pé-de-meia pra se começar, ainda mais pro boy que não trabalhava e não tinha tanta condição de vida quanto a boneca, mas não foi por isso que o príncipe e a princesa se puseram a beijar o cu sujo um do outro sem discriminação, não: surpreenda-se: mesmo com o futuro meio que traçado pelas ideias que, pra alice, parecem vir de seu livre arbítrio, mesmo com sua rebeldia e até um pouco de putianice (aquela ali dava era para uma boceta, e tudo bem também, se hoje não falasse as merdas que fala), tudo muda: tudo — e com esse tudo eu digo a “oposição da família”, a “lulalá” — muda e muda mesmo, e ela não se tornará a puta mulher foda que o meio universitário a incentivaria a ser. O figurão, acredito eu, é o centro da história, catalisador: um bobby (e eu só falo isso porque sei bem das coisas que ele faz, tenho meus contatinhos) daqueles a quem o próprio reflexo distrai, pittiboy (claro, as amapô gosta de bofe assim, né, com tudo em cima), cuja a vida de vila faz com que seu discurso seja o da correria sendo que nem um arroz sabe fazer. Camarão, claro — até eu (e estou usando de minha plena e digníssima sinceridade), no fundo, se eu estivesse bebendo, já colocadinha, bem garota, bebinha na balada, e ele me chamasse pra ir no banheiro — ah, mas eu faria: como com a maioria desses homens que não prestam: dava, e dava linda. Mas enfim. Já dá pra imaginar, né: ele se colocou junto dos migos queridos dela, que na época estavam se colocando junto das tais revoluções que de revolução não tinham porra nenhuma; não virou chefe do puteiro, mas se instalou embaixo das tetas dele — a gata faz os corre dela. Ele era mais velho do que ela, já com seus vinte e cinco, vinte e seis, na época, e hoje já fazendo mestrado em uma dessas áreas de exatas dividindo sua carreira de YouTuber com o mozão. Segundo o perfil de casal deles no Insta, no começo do affair eles conversavam pouco (e, na maioria das vezes, sobre assuntos que ela dominava bem (aos quais, se pelos vídeos podemos definir alguma coisa, ele só respondia com “aham” e “claro, sim, entendo”)); transavam com força. Não que eles tenham falado sequer “transar”, não, isso é coisa que se só fala (sendo hétero e normativa, como manda a norma) quando se está solteiro e podendo transar com quem quiser — eles falam, nos vídeos family-friendly, “tico-tico no fubá”, “amorzinho”, “chamego”. Mas, no fim, a mesma merda: estouraram um o cu do outro, que era o que ambos queriam. No bolso, aqué; na frente das câmeras, só love. Essa parte é como o roteiro manda, né: dinheiro na mão, calcinha no chão, e ele queria tanto ter uma fração da vida que ela tinha que nem se perguntou o que seria de sua vida depois do sim, não, da noite pro dia foi o casamento: mozinho e mozão; ela ainda no namoro fazendo a linha mãe e colocando naquele cabeça de vento o que faltava para se tornar um homem de família e ele, após o avô dela morrer e deixá-la com um aqué fortíssimo mais um apartamentinho babadeiro em Botafogo, pedindo a gata em noivado na frente da família de ambos, que, cafonas que só eles, amaram a ceninha da proposta, visto que o ocó decidiu se vestir de Renato Russo e cantar (ou tentar cantar, pelo que vi no Instagram) Eduardo e Mônica. Ela amou, claro — você achou que não ia? Ih, acorda: mesmo se ela não tivesse gostado, ia bater palma pro macho dela. Tão juntinho até hoje por causa do amor! — você não acredita? Pois é. Longe de mim dizer algo sobre o relacionamento de outros, ainda mais de um casal tão formoso quanto esses dois, mas os eventos dizem por si. Estão aí, juntinhos porque Deus quis assim, com dois erêzinhos dentro de casa, bem de vida porque o pai dela injetou um dedinho invisível na loja que eles abriram quando ela engravidou e agora já possuem duas ou três ao redor da cidade, fora os serviços por fora do boy que eu fiquei sabendo — se isso é estar na pior, porrán, o que é que quer dizer tá bem, né? Se somar com a rachadinha que ela deve receber até hoje, mais o projetinho nas redes sociais (porque até Tiktok de casal eles têm) que, de um tempo pra cá, só estourou (e, se for olhar bem — não sou eu quem estou dizendo, é coisa de olhar mesmo —, foi logo depois que saiu aquele bafafá de influenciador sendo contratado pelo Governo pra fazer propaganda na internet) — tá ruim, bicha? Tá nada. Tão muito é na boa. É por isso que hoje em dia não pinta mais o picu de azul, não anda mais com poc pra não influenciar a cabeça das crianças; que ele não fuma mais maconha escondido dos pais, e nenhum dos dois mais frequenta a festas cheias de universitários enchendo a cara de lança e o nariz de padê: não, por favor, hoje ela mal bebe uma taça de vinho e ele só se droga quando passa de madrugada na esquina do posto com o ar-condicionado do carro ligado e o vidro-fumê lá no alto; dois anjinhos — feijão com arroz, defendendo tratamento precoce na internet; dando entrevista pra tv crente como exemplo de casal moderno; patrocinados — aclamadíssimos. Tá bom pra você?
Olá Julio,
Adorei ler seu texto. A oralidade escorregadia da sua escrita me encantou. Por dois motivos. O primeiro é que eu gosto mesmo quando vejo um texto escrito representar assim com tanta propriedade e ritmo a fala. O outro motivo é que eu não sei fazer essa mágica, então fico me detendo em quem a faz pra ver se aprendo. Gostaria de ler mais textos seus.
Abraço!
Olá, Elisa, obrigado pelos comentários!
Posso adiantar que estarei no MMA, mandei o meu hoje.
Espero te ver por lá também
Abraços
O Pajubá me fisgou na bimeira linha, e me fez continuar lendo e lendo, mesmo sem a clássica divisão de parágrafos. No início eu achei que era falha, depois percebi que era estilo (assim como os parêntesis dentro de parêntesis, dentro de parêntesis (que no início você fica meio louca tentando entender, mas depois flui que é uma maravilha!)).
Teu estilo eu diria que é quase “neo-machadiano”, ele criticava a hipocrisia burguesa da época dele, você crítica a da nossa. Achei genial, adorei conhecer sua escrita! Parabéns!!!
Olá, Dayane, boa tarde!
Agradeço pelo comentário e pela leitura! Que bom que gostou do pajubá, ele é uma das minhas armas literárias preferidas, ainda mais quando para criticar e expor um olhar descentralizado sobre a heteronormatividade! E sobre os parênteses, eu admito que é difícil (pra escrever foi uó kkk), mas gosto bastante!
Pasmo com o neomachadiano (gosto bastante dele, embora não tenha lido tanto quanto deveria) ♡♡
Olá, Júlio.
Vixi, conheço muita alice e muita ana claudia assim. Pior, conheço muita gente desse naipe. Vive o “Paz e amor” e uma hora “acorda pra vida” e muda de discurso, mas tanto lá no lulalá quanto acolá no “verde e amarelo” tem fala frouxa, cheia de som e você sabe que carroça só faz barulho vazia.
Agora sobre sua escrita. É corrida, quase sem fôlego, é uma linguagem muito mais chegada a Oralitura que a Literatura. Por sinal, escolher um corpus com construções identitárias típicas do grupo a que pertence o narrador (ente) foi de uma sagacidade incrível.
Obviamente fiquei com receio de desapropriar os sentidos, mas fiz minha leitura sem buscar significados dos termos utilizados já que não senti necessidade, o contexto cumpriu bem o papel de orientar todo o campo de descodificação.
Não sei se já conhece minha forma de ler os textos postados aqui, mas gosto de ver como o autor cria sua manta semântica e ao escolher uma linguagem próxima ao universo do narrador e do ambiente em que ele conhece o referido casal, foi, na minha opinião, uma excelente sacada. Mesmo que para quem não é do meio haja dificuldade de alcançar a uniformidade imediata que a linguagem exige, contudo, como já disse anteriormente, seu contexto gera o sentido comum genuíno que a compreensão exige.
Há algo mais em seu texto, ele tem movimento. O monólogo criado pelo seu narrador para um interlocutor (interlocutora/gata) desconhecido não gera ruídos, pelo contrário, parece que o ente que fala tem um balanço próprio que você criou ao usar a linguagem informal comum nas falas cotidianas com todos os vícios onomatopeicos dessa prática, isso desde o início do texto com o proverbial “foca aqui”.
Parabéns pelo texto.
PS> Sou cristã e detesto TV de crente. Detesto TV.
Olá, Elisabeth, boa tarde!!
Agradeço muito pela leitura e seus comentários. Chega fiquei sem graça! Haha e simm, gosto muito de brincar com a essa literatura mais oral, especificamente porque foi assim que eu me inseri primeiramente (minhas avós era uma excelente contadoras de histórias e eu sempre amei ouvi-las). Uma das minhas escritoras preferidas é a Conceição Evaristo exatamente por esta veia, e fico feliz que tenha conseguido passar isso.
E sobre as cabeças vazias: são as minhas preferidas pra fazer personagens haha A própria narradora é um pouco recalcada nesse sentido, afinal, por mais que esteja correta em vários aspectos, carrega um pouco de hipocrisia (o famigerado teto de vidro ne).
Agradeço mais uma vez pela leitura!
E sobre a tv de crente: eu também detesto, mas como a narradora, não fico sem durante muito tempo haha sem ela eu não tenho material pra escrita kkkk (e espero não ter lhe ofendido pelas questões religiosas, tento fazer a crítica ao modelo, ao que é pregado hipocritamente, mas durante muito tempo de minha vida tive meus preceitos e modelo de vida guiados pelo cristianismo (fui da assembleia durante uns anos, depois da batista), e eu não só vejo a importância da religião na vida das pessoas como respeito).
Um abraço!
Oi, de novo.
Não me senti desrespeitada. Seu conto foi muito bem construído, não há desrespeito e, convenhamos, falar de hipocrisia tanto no ambiente cristão quanto secular nunca vai ser errado. Pode ser que o leitor desatento entenda sua escolha de linguagem como algo abusivo, mas, como disse antes, para mim foi uma excelente opção.
E mesmo seu texto cortando com navalha certas ignorâncias e falsidades, não é nem de longe planfetário.
Com certeza o usaria para aproximar um aluno do grupo lgbtqia+ que declarasse odiar ler. Infelizmente só tive uma boa experiência com alunos desses grupos, na maioria já estão tão desesperançado que se negam a aprender algo diferente. Seu texto ajudaria muito em um momento assim…
Costumo preparar material de leitura individual para meus alunos e sempre escolho algo que seja do interesse deles. De novo, parabéns.
Fui
Júlio, cara, parabéns pelo texto! Muito autoral, utilizando-se de expressões presentes no mundo LGBTQ+ para abastecer essa narradora que enxerga as transformações na vida de uma conhecida e a hipocrisia na forma como iria constituir seu futuro casamento. Confesso que não conhecia a maioria das expressões, mas ao invés de parar o texto e ir pesquisar, me deixei levar pelo contexto e, devido à sua habilidade para contar a história, cheguei bem orientado no final. É um texto rico, ágil, pois apesar de longo flui muito bem, e constrói uma relação muito próxima com o leitor, quase de amizade, dado que a narradora nós revela tudo como se fossemos colegas próximos se encontrando num desses rolês aleatórios que Alice costumava frequentar, mas agora renega.
Espero te ver mais vezes por aqui!
Grande abraço!
Oi, Thiago, muito obrigado, tanto pela leitura quanto pelo comentário. É curioso só de imaginar uma pessoa fora do meio lendo,e admito que, tanto na hora da produção quanto na hora de enviar, era essa minha maior curiosidade: como que seria recepcionado. O pajubá é parte da maioria dos meus textos (e da vida porque né haha), e foi nesse conto onde melhor senti que o articulei literariamente falando (até mesmo porque é quase um a la Guimarães Rosa, porque boa parte dessas palavras nem se usa mais).
E estarei sim, esse desafio de fantasia tá me deixando com uma pulga atrás da orelha sinistra!!
Ahh, só pra corrigir (coisa que não gosto, mas como disse que não tinha procurado (o que eu faria e é total compreensivo e indicado), nao vejo problema de explicar, ninguém é obrigado a saber nada), mas alice não é bem o nome da personagem, e sim parte do pajubá (mais recente, então não se encontra muito nos dicionários), e significa uma pessoa que vive no mundo das ilusões.
Abraços!!