Comecemos, então, com um telefone tocando.
Mas qual deles?
Comecemos primeiro com aquele tocando insistente em Nice, na França, numa manhã luminosa de 1924.
Sim, exatamente este. Este que soa agora nesta manhã ensolarada de verão, neste pequeno apartamento sórdido e encardido em que estou agora; mas com esta esplêndida vista para o mar das portas do terraço, sem cortinas ou gelosias, deixadas escancaradas contra o calor sufocante da noite.
De início, estou flutuando submerso em um sentimento oceânico. Depois, emerjo aos poucos das profundezas, puxado pela urgência do tilintar da campainha, piscando muito os olhos contra a luz. Minha mão convulsivamente busca os cobertores empilhados sobre o chão ao lado do estrado colocado direto sobre o chão. Meus olhos focam uma mancha amarelada na parede, e dali correm, procurando nos veios e manchas das tábuas largas do assoalho os rostos e paisagens familiares, e pouco a pouco, os encontrando.
Por fim, a campainha estridente consegue arrastar-me de volta ao presente e salto em súbita explosão de atividade.
Salto e me arrasto para fora da cama, enroscando o pé nas calças jogadas no chão, tropeçando, pisando em livros de aventura, quase escorregando sobre jornais e revistas espalhados, e no último instante antes de me lançar em direção ao telefone, derrubando a instável cadeira que me serve de criado mudo, arremessando um pedaço de queijo, um copo e uma garrafa de vinho vazios, cada qual para um canto do quarto, espalhando pedaços de pão e migalhas por todos os lados como confete.
Quando eu cheguei até a sala vazia, o telefone estava novamente silencioso. As telas encostadas nas paredes apenas com as suas faces brancas visíveis, já que quando eu as pintava eu as virava, encaravam-me em muda perplexidade.
Sentei-me entre manchas de tinta recentes e antigas, em meio às explosões e salpicados que rodeavam os três fulcros principais da sala com suas galáxias de gotas. Estes eram os três pontos para onde eu puxava o cavalete com sua trave extra amarrada com arame no topo como um cenário ou um membro prostético, pela manhã, pela tarde, e à noite, e que agora descansava empurrado para um canto, vazio.
Deitei-me no chão. Passei as mãos pelo rosto deixando uma mancha de tinta vermelha que se esticou indolente da testa ao queixo.
É a terceira vez esta semana. A chamada sempre acontecia pelas manhãs, sempre fora do meu alcance, sempre inexplicável.
Na manhã do dia seguinte levantei-me cedo. Não conseguia mais dormir. Não tinha ideia clara da hora por não ter relógio, mas pelas manchas de luz que se estendiam pelas paredes deveria ser talvez umas oito horas. Cedo. Para mim, muito cedo. Como sempre, eu invadira noite adentro diante do cavalete no centro da sala quase vazia.
Eu não preciso de modelo e, portanto, não preciso de um lugar onde colocar objetos ou pessoas. Eu não preciso nem de luz natural. Luz natural ou a luz do lampião, se muito diferentes entre si, me são completamente indiferentes, contanto que a tenha em abundância. A variação não prejudica em nada o processo de trabalho. Ao contrário. Faz parte dele. As cores certamente mudam, mas a surpresa da manhã também traz suas descobertas interessantes. O acaso é meu amigo. O inesperado sempre foi meu parceiro. As manchas, as formas, os contrastes, as harmonias todas despencam pela manhã com um ruidoso estrondo; o mesmo da cadeira, garrafa e copo rodopiando pelo chão do quarto, da manhã anterior.
Todas as manhãs tudo sempre desmorona novamente e, no entanto, aquilo que depois se constrói, aquilo que se edifica sobre os escombros, tem sempre um avanço, um lucro, uma maior complexidade, uma riqueza adicional. Como se fosse preciso destruir o que se sabe para descobrir o que não se sabe.
A reiteração e a insistência abrem portas para extensões ocultas, para lugares ainda insuspeitos. Tudo que é feito, é refeito duas, três, quatro, cinco vezes. Mas não igual. Não. Igual não seria suficiente. Diferente, bem diferente. Usando outro esquema de cores, outro ritmo, outra dinâmica, os contornos sumindo ou sendo confirmados, tudo de novo e de novo, e ainda outra vez mais, naquele delicado equilíbrio entre criação e destruição.
Em uma pequena madeira pregada sobre a porta eu coloquei um bronze de Shiva Nataraja que encontrei no mercado logo da minha chegada. Seu rosto às vezes parecia impassível, às vezes tenso e contraído. O olhar do patrono que escolhi, examina a arena da sala com benevolência, fúria ou soberba indiferença, a cada vez que lhe dirijo o olhar.
Senhor Shiva, senhor de toda a criação e de toda destruição. Qual melhor patrono? Olhei demoradamente a figura antes de a colocar lá, virando-a várias vezes nas mãos, procurando por ângulos e vistas. Hesitei em colocar qualquer outra coisa nas paredes por um bom tempo. Não antes que a explosão de tinta se estabelecesse no chão recém raspado, as pegadas da criação, e Shiva pudesse assumir ali o seu domínio soberano. Eu gosto de parar e ficar olhando aquela figura com os seus múltiplos e simultâneos corpos possíveis que se arranjam sob meu olhar às vezes de uma maneira, às vezes de outra.
Algum tempo depois, talvez semanas, coloquei simétrico a ele, entre as duas grandes janelas com balcões que davam para os telhados e para o mar ao longe, o Homem de Vitrúvio de Leonardo. Seus também quatro braços e quatro pernas com suas 16 combinações possíveis pareciam oferecer uma simetria justa, fazendo frente às 4 combinações de Shiva. Os dois, homem e deus, contemplando com seus olhares a arena em que se desenrolava o meu combate. Eu ia e voltava, atacando com o pincel como esgrimindo com um florete. Depois, reviro a tela e recomeço. Sem para baixo ou para cima. Sem chão ou teto. As coisas se transformando em outras coisas, tudo amarrando e descosendo ao mesmo tempo.
Pelo canto do olho, o velho espelho de corpo inteiro coberto de manchas de oxidação revela-me um vulto. Quem é aquele que vejo lá? Quem é aquela figura que não me olha de volta? Um vulto que vai e volta com inesperado ímpeto e muitas vezes fica parado, paralisado, olhando fixamente a tela com um pé descalço suspenso no ar, o outro pé pousado sobre a terra. Não, não sobre a terra. Sobre uma sombra indistinta acocorada; Sobre o erro e a ilusão.
Quantas vezes aquele vulto para com aquele pé erguido no ar. Como se esperando para dar um passo no nada. Aguardando um sinal que só ele ouve, com a cabeça levemente inclinada e uma expressão interrogativa nos olhos. Depois investindo contra a tela novamente como um touro arremetendo, o próprio retrato da fúria, cabeça abaixada e olhos negros relampejando por debaixo do cabelo molhado de suor, a tinta espirrando em todas as direções como sangue na areia.
Finalmente vazio, eu saía caminhando em meio ao caos ruidoso do mercado que tomava conta da a rua. Os cheiros, as cores, os ruídos, os gritos, o matraquear das vozes, os fragmentos de frase se sobrepondo e montando histórias sincopadas e incongruentes. Cruzei a longa fileira de barracas diversas vezes, indo e vindo, em uma secular procissão incensada a temperos e azeite. Rindo com alguns, rindo de outros, arremessando palavras e frases soltas à direita e à esquerda em furioso abandono. Já conhecia e era conhecido por tantos! Eu procuro o lugar de maior tumulto e lá me instalo, as pessoas fluindo ao meu redor como água. Eu desejo abraçar tudo, agarrar tudo, tragar, sorver, aspirar, inspirar, encher os olhos como quem entorna a garrafa inteira e estala os lábios.
Depois, saciado, volto com qualquer coisa para a noite, algo para comer e beber em um saco de papel pardo.
As botas ficam logo encostadas na parede, mal transposta a porta de entrada. O cachimbo com a lata de tabaco e uma velha espiriteira estão em seus lugares costumeiros sobre a mesa que me serve de paleta com seu vidro sobre o tampo. Perto da porta está o cabideiro com seu porta guarda-chuvas obedientemente portando um velho e desbotado guarda-chuva e também a bengala barata de punho de latão que comprei mais por defesa que por precisão. Uma janela lateral dá para uma pequena escada metálica que sobe para um incongruente telhado de telhas de ardósia, em meio às telhas de barro alaranjadas. Fico lá recostado olhando as nuvens por alguns minutos, fumando uma cachimbada, antes de iniciar a sessão da tarde. No pequeno fragmento da baia visto pelo vão um barco aparece e depois se vai, o tempo correndo lento com ele.
Lembro-me de outros telhados, de outros céus. Lembro-me da cor de cada céu. Os céus parecem iguais, mas não o são. No início fora difícil não me deixar contaminar com a lentidão deste lugar, com a sua falta de urgência; manter o senso de ter uma missão. Manter Paris, mesmo longe de Paris. Demorei tanto para chegar aqui e ver o mar pela primeira vez. Eu também demorara a chegar a Paris. Mas quando desci para a costa, corri com premência. Quase como água rolando serra abaixo turbulenta, saltando e correndo, no caminho que eu traçara para mim mesmo na paisagem.
Ah, o mar. Chegar a Nice por trem, as pequenas faixas de azul, entrevistas entre montanhas, o cheiro de maresia da brisa se confundindo com a fuligem da locomotiva, o vento chicoteando o rosto quando me debruçava pela janela; o sentimento de que pelo avesso aportava em porto definitivo. Os barcos no ancoradouro cheios de promessas de outros lugares. Eu fantasiava de que da minha janela poderia ver a África. Para chegar até aqui foi só necessário se desprender, e começar. Foi só se soltar. Jonas finalmente liberto da baleia.
À tarde, e à noite, retomei o combate, com a pausa para olhar a lua cheia e a fumaça do cachimbo subirem por sobre os telhados. Meus três rounds diários completos.
Naquela noite sonhei que desejava espalhar-me naquelas telas, escorrendo pelos meus olhos como água, como luz, como cor. Ansiava me despedaçar em meio às tintas com veemência e fúria e nascer de novo, muitas e muitas vezes, em infinitos contornos, nuances e matizes. Ser muitos e ser um, ser Jonas e escapar por entre os meus dedos. Espalhar-me pelo olhar em muitos outros olhares, voltar-me para a parede por todos os lados e não ver mais nada. Revelar-me e ocultar-me. Ser só parede branca e deixar tudo registrar-se em mim por si só.
Poderia fazer aquilo para sempre. Poderia me oferecer de tela, ao futuro, para sempre.
O telefone está tocando.
O que? Mas qual, agora?
Qual dentre todos que tocando insistentes em todos os cômodos, em todos os incontáveis lugares que poderiam passar por uma habitação, em todos os outros instantes reais ou imaginários, desde quando pela primeira vez desde a criação do cosmos uma campainhazinha soou insistente, até a sua derradeira versão e manifestação tecnológica, no mais remoto planeta habitado por seres capacitados a ouvi-la, lá nos confins do tempo?
Qual deles está tocando?
De todos os telefone virtuais que soam agora insistentes e fantasmagóricos no cérebro do leitor, com seus múltiplos harmônicos ainda mais espectrais de outros tantos possíveis leitores, passados e futuros, que seja este.
Novamente, eu emerjo das profundezas como quem sobe para tomar ar, jogando o lençol retorcido para o lado. O telefone toca. Meus olhos procuram um ponto para focar e não encontram. Sento-me e olho quarto em volta banhado na luz azulada do amanhecer, sem compreender nada. O telefone está tocando. Aonde?
Corro até a sala para atender. Reviro as pilhas de folhas de papel rabiscadas e anotadas do romance inacabado espalhadas sobre a mesa. Aqui está ele. É este aqui. O celular que deixei sobre a mesa da sala.
Número desconhecido. Pela janela, as luzes dos prédios tingem a neblina azulada do amanhecer e o relógio da Paulista me olha, perplexo. Eu atendo.
Do outro lado, silêncio.
A rotina de um pintor na Belle Epoque, morando em Nice e tentando transformar sua rotina em arte. Na verdade, a imaginação de um escritor moderno tentando trazer ao presente as sensações e pensamentos do pretérito. Na parte técnica, essa característica se reflete no uso dos tempos verbais misturados; e a grande quantidade de adjetivos prejudica um pouco a leitura, como excessos de tinta na tela. Desejo ao autor boa sorte e sucesso no desafio!
A narrativa detalha o ambiente e o cotidiano de determinado pintor.
Talvez não seja por prazer, mas a narrativa nos faz continuar lendo, conhecendo o artista e tentando compreender a bagunça de sua habitação. Tem figuras de linguagem muito expressivas. E o devaneio da personagem, que se revela ao final, dá ensejo a mais devaneios por parte do leitor.
O texto varia o tempo da narração (ora no presente do indicativo, como em um roteiro, ora no pretérito), e isso causa alguma estranheza.
Jonas Emerge (Chatgris)
Comentário:
Um texto hermético, puramente introspectivo. Resume-se em uma descrição minuciosa do ambiente, um caos que envolve o local e os sentimentos. E tudo é contado de maneira tão impetuosa que até mesmo o entendimento fica caótico. O conto é tão descritivo que o leitor chega a se desviar da cadeira, a procurar o danado do telefone!
O autor consegue reproduzir o desalinho de ânimo e de produção do artista, e faz isso com tanta competência que a aflição passa para o leitor. Esse é o encanto da literatura, transferir as sensações.
Texto bem escrito, tirante o “já que”. Esta expressão danadinha produz uma cacofonia que incomoda a leitura. Fico “doente” com cacofonia, não se assuste. E, como sou leitora menos culta e entendo muito pouco de: religião, dogma, crenças, deusas, fui pesquisar para saber (pelo menos um pouquinho) de Shiva. Muito interessante.
Chatgris, boa sorte no desafio!
Abraços…
O protagonista e a maneira como o conto é escrito constituem os pontos alto do texto. Exceto por uma ou duas passagens confusas, é um conto que traz descrições sórdidas do ambiente em que se insere o personagem e como ele se relaciona com esse cenário. Traduz em sentimentos a maneira como o protagonista enxerga o seu trabalho, mostrando como toda a sua identidade está rendida a um processo criativo caótico e autodestrutivo. Apesar disso, faltou ao texto um enredo mais claro, uma história por onde as expectativas do leitor pudessem correr de modo a fazer desta uma leitura mais cativante. Há uma catarse que se constrói à medida que vamos sabendo mais do cotidiano intempestivo do personagem, culminando no sonho em que explode e tinta, imagem esplêndida para representa-lo. Mesmo assim, o desfecho com a súbita transferência para um romancista – algo que reconheço ter sido aludido no início – tanto encerrou o conto de forma abrupta como não casou com o que vinha sendo contado até então. Mas, justamente, o que vinha sendo contado até então? É ao não responder essa pergunta que o conto perde força.
Antes de continuar, acho justo esclarecer como estou avaliando nesse desafio. Além de uma consideração final, guio-me por três fatores: artístico, técnico e criativo. Não estou participando dessa vez, mas decidi ajudar a movimentar os comentários!
ARTÍSTICO
O processo criativo da arte e a ligação entre os artistas.
O telefone tocando insistentemente é um dos maiores mistérios do conto. E admito: fiquei intrigado. Muito. Não acredito que captei toda a metáfora do telefone. Para mim, trata-se do processo criativo que todos os artistas se deparam, com suas inspirações, suas conexões, seus sentimentos. Tudo interligado.
Preciso admitir outra coisa: o final teria um impacto bem maior se o escritor também estivesse em Nice. Daria um ar mágico para o final. É o que senti, pelo menos.
TÉCNICO
Excelente.
A mão é pesada, mas bela. Cansa bastante, mas a leitura é natural. Sem entraves. Cabe melhorias na lapidação. Algumas repetições de palavras. E muitas repetições de ideias. Alguns trechos do conto são desnecessários, pois, de fato, o leitor já captou a mensagem em outras passagens anteriores.
CRIATIVO
Bom.
É um conto bem adaptado ao tema. E revela trechos belíssimos e bem interessantes. Porém, em alguns momentos, a necessidade de se explicar demais acaba empobrecendo o texto.
A cena da Shiva, por exemplo. Explicar sua natureza e motivo de estar ali não era necessário. Quando você fala sobre o processo criativo da criação e destruição, inserir Shiva no cenário é o suficiente para fazer o leitor mais atento entender sua existência no cenário. Você fez isso com o homem vitruviano, não explicou, e casou bem com a cena.
Sim, tem a questão de alguns leitores menos cultos, que poderiam não entender a relação, entendo essa preocupação. Mas comprometer a qualidade do texto para explicar tudo o que está sendo inserido não vale a pena, ainda mais quando é uma alegoria ou metáfora.
Eu, sinceramente, prefiro deixar o leitor sem entender ou entendendo errado. E prefiro ser tratado assim também. É desgastante ter a confirmação do que você já sabe, além de deixar a leitura menos atraente. Para o leitor que não entende, ele simplesmente vai ignorar, em geral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conto é muito bom.
Foi uma montanha-russa para mim. Amei alguns momentos, detestei outros. Faz parte. A escrita de qualidade impressionou, também, mas vale lembrar que cabe melhorias na lapidação.
Parabéns pelo trabalho e boa sorte no certame.
Olá, Chatgris!
Seu conto contempla o tema do desafio. O personagem principal é um pintor.
A escrita do texto é competente, embora uma melhor revisão seja conveniente. Há algumas palavras repetidas em curto espaço do texto. E a mudança temporal não é explicável para mim.
Aliás, com a saída da narração em tempo presente, existe uma alteração no tom. Se o texto começa com um estilo interessante, com um narrador que parece surgido daquela opção “comentários do diretor”, isso se perde nos parágrafos seguintes. Gostei mais do começo.
A narrativa é densa, muitos sentidos, muita descrição e uma premissa interessante. O estado mental do artista é mesmo uma temática muito querida na literatura – ao menos para nós, aspirantes a artistas. Seus cenários são ricos, conseguimos mesmo nos sentir em contato com seu Jonas moderno.
Gostei muito do pintor colocar Shiva ao lado do Homem de Liturvo. De fato, há semelhanças.
Todavia, escrever é comunicar-se e, na minha opinião, você dificultou essa etapa. E de propósito, eu bem sei. É uma escolha válida. Porém, para mim, a sensação de terminar um texto com a sabendo que compreendi só a parte superficial dele é frustrante. É um defeito meu, enquanto leitor limitado? Possivelmente. Mas acho que se sua história fosse estruturada de forma menos torrencial, ganharíamos todos.
Em todo caso, ler seu texto foi uma boa experiência. Parabéns e boa sorte no desafio!
Olá, Chatgris.
Vou começar meu comentário de forma bastante desagradável, dizendo, diretamente, que não gostei do conto. De nada nele. Acontece, faz parte do jogo e as impressões de quem não gosta do que escrevemos também podem ser relevantes. Abaixo vou listar os motivos do meu desagrado.
Você começa o conto se dirigindo diretamente ao leitor. É um recurso arriscado, mas que pode gerar resultados realmente interessantes. Porém, aqui, ele pareceu gratuito, apenas uma forma de iniciar e fechar a narrativa. Durante o percurso, ele é completamente abandonado; em nenhum momento o narrador dialoga com o leitor ou o convida para reflexões. Ao contrário, o texto é hermético, uma viagem personalíssima, da qual, definitivamente, não fazemos parte. O conto poderia iniciar no quinto parágrafo sem nenhum prejuízo à narrativa. E ainda evitaria a estranha transição geográfica do terceiro para o quarto.
As transições temporais também são esquisitíssimas, variando constantemente entre passado e presente. Pelo clima surreal, imagino que haja algum objetivo nessa incongruência. Mas, se existe, passa longe de ficar claro. Então fica parecendo só uma incongruência mesmo.
O texto, desde o início, abusa de descrições grandiloquentes: a vista é “esplêndida”, o calor é “sufocante”, a mão procura as cobertas “convulsivamente”, a campainha é “estridente” e o personagem desperta num “salto em súbita explosão de atividade(!)”.
É tudo tão grandioso que logo as descrições perdem a força. Afinal, se uma ida à padaria é uma jornada espetacular, uma viagem incrível para Paris parece dar no mesmo.
Isso também empresta um ar de extrema artificialidade para o texto. E logo o narrador esbarra num móvel e o queijo, o copo e a garrafa vão, sabe-se lá como, cada um para um canto do quarto e espalham migalhas “como confete”. Entendo que a narrativa tem uma intenção onírica, surreal; mas se tudo é artificial, se não temos nenhum lugar na realidade para nos fixarmos, então vira um exercício vazio, descrições a esmo que podem significar qualquer coisa, que basicamente é o mesmo que não significar nada.
Algumas dessas descrições sequer fazem muito sentido. Dizer que o artista estava “atacando com o pincel como esgrimindo com um florete”, imageticamente é até engraçado. Mas não parece ser a intenção aqui. O mesmo acontece quando tanto as telas em branco no início do conto quanto o relógio no final encaram o personagem com perplexidade. É uma metáfora bastante descolada da realidade, mas aceitável dentro do contexto do conto. Porém, quando se repete, perde a credibilidade. Parece que o personagem simplesmente tem o poder de deixar objetos perplexos.
Em outros momentos é o encadeamento de metáforas que vai tornando as imagens estranhas. Como nesse trecho:
“Depois investindo contra a tela novamente como um touro arremetendo, o próprio retrato da fúria, cabeça abaixada e olhos negros relampejando por debaixo do cabelo molhado de suor, a tinta espirrando em todas as direções como sangue na areia.”
É touro arremetendo, olhos negros relampejando, a tinta que se espalha como sangue na areia em todas as direções – afinal, uma só nunca é o suficiente. É metáfora demais pra pouca ação.
Voltando às repetições, esse foi o ponto que mais me incomodou no conto: ele é extremamente tautológico. As ideias se repetem o tempo inteiro, seja em trechos específicos, seja ao longo do texto. Exemplos:
“O acaso é meu amigo. O inesperado sempre foi meu parceiro” >> As duas frases dizem exatamente a mesma coisa.
“um avanço, um lucro, uma maior complexidade, uma riqueza adicional” >> O mesmo, em dobro: quatro formas diferentes de falar a mesma coisa.
“Mas não igual. Não. Igual não seria suficiente. Diferente, bem diferente” >> Não igual, diferente, bem diferente…
Já ao longo do texto somos bombardeados pelas ideias de aleatoriedade e de construção x destruição. Como o conto basicamente não tem um enredo e as reflexões giram em torno das mesmas ideias, logo elas se tornam cansativas.
A conclusão do meu comentário é ainda mais desagradável do que seu início: o conto me parece pretensioso. O que, por si só, não chega a ser o maior dos defeitos, o problema é que ele passa longe de cumprir suas pretensões.
O excesso de metáforas, as cenas apelando aos sentidos, um certo rebuscamento no vocabulário, a confusão espaço-temporal: tudo aqui parece elaborado para oferecer alguma densidade ao texto e uma complexidade de significados às divagações. Porém, essas as pretensões esbarram num conteúdo superficial e em diversos erros de escrita: vírgulas mal colocadas, acento faltando, uma confusa mistura de algarismos e números por extenso aparentemente aleatória, uma letra maiúscula inexplicavelmente no meio de uma frase, confusão entre “onde” e “aonde” e até redundâncias como “telhado de telhas”. Fica a amarga sensação de uma escrita ainda muito distante da complexidade a que se propõe. Enquanto o conteúdo fica no máximo complicado. Mas complicado é diferente de complexo.
Bom, sei que meu comentário não foi lá dos mais agradáveis e você tem todo o direito de retrucá-lo, se assim desejar. Minha intenção não é destruir ninguém, apenas aponto os problemas que vejo – e que podem ser problemas apenas na minha visão – da mesma forma que desejo que apontem as falhas na minha escrita. Espero que entenda. Como disse no início, faz parte do jogo.
De toda forma, desejo sorte no desafio.
Abraço.
Jonas emerge
A introspecção profunda de um pintor num texto muitíssimo simbólico, numa descrição de uma realidade nada concreta.
O título é muito, muito instigante. A história de Jonas (que acredito por fé ser real, mas há quem chute ser uma espécie de parábola judaica) é um dos textos mais belos, profundos e poéticos de toda a bíblia. Se alguém não leu o monólogo final de Deus naquele curto texto, perdeu uma das maiores obras poéticas. Lembro-me de ter experimentado um choro incontrolável ao ler aquele monólogo. Entendi a sua intenção com o “emerge” e faz sentido na sua história, apesar de que, na real, Jonas foi salvo quando foi engolido e não emergiu, mas foi cuspido por ordem Divina, sem qualquer esforço da sua parte. Apenas uma consideração, já que o título foi apropriado e belo para seu texto.
Coesão – O sentimento do seu texto é de claustrofobia. Ao menos para mim, foi isso. Cada vez mais para dentro, recolhido, numa progressão angustiante que às vezes parecia me sufocar. A descrição do ambiente largado, sujo, deprimente, e dos movimentos lentos, pesarosos, como de um bêbado, ajudaram a construir esse imaginário altamente fechado e até inóspito. Se essa foi sua intenção, retratar o duro processo criativo desse pintor, conseguiu com muito sucesso. Entendi que o “emergir” se dava nos momentos em que ele ia para a rua se encher, inspirar, para depois desaguar no quarto e na arte. Ou seria o contrário? Ele “emergia” quando se esvaziava no seu quarto? Não sei dizer. É um enigma para mim e muitos dos seus leitores. Com relação à confusão de lugares, entendi que ele, num quartinho em SP, deslocava-se mentalmente para tantos lugares, inclusive aquela feira e aquela rua da Índia não me pereceram reais. Será? Ou seja, vai ser abstrato assim lá na mente de um artista (kkkk).
Ritmo – Lento como o acordar do pintor, como a rua, como tudo no seu texto. Logo, adequado. Confesso que cansa um pouco, deprime bastante, mas a qualidade da escrita, a consciência de quem produziu o texto compensa essa sensação.
Impacto – Grande, pela absoluta ausência de concretude, pela depressão intrínseca, pela metáfora de Jonas, pela qualidade da escrita.
Parabéns. Um texto difícil e belo.
Jonas Emerge (Chatgris)
Olá.
Vamos ao Jonas.
Primeiro. Não entendi seu texto. Mas fala de Arte. Talvez se ele, narrador, tivesse em terceira pessoa eu entendesse um pouco.
A viagem alucinante entre Nice, Paris justamente no ano em que se inicia os estudos para algo como a telefonia individual que vemos hoje e de volta à realidade brasileira de uma época em que ela existe e às vezes atrapalha, nos leva do ambiente bem descrito de um pintor para o que parece ser o espaço de um escritor. Se eu ainda sei fazer conta, passam, se levar em consideração o ano atual, 95 anos nesta narrativa!
É um texto interessante, embora eu não tenha captado todo o sentido dele.
No ambiente confuso pode-se antever a simbologia de Shiva, divindade hindu que sei simbolizar a destruição que precede a criação. Já o homem de Da Vinci tem a simbologia direta de sua representação: Equilíbrio e beleza e veio depois de Shiva, logo, na minha humilde opinião deveria significar a conclusão da obra – na arte ou no conto.
O texto traz explicitamente a fala sobre destruição e renovação vista no ambiente: “Todas as manhãs tudo sempre desmorona novamente e, no entanto, aquilo que depois se constrói, aquilo que se edifica sobre os escombros, tem sempre um avanço, um lucro, uma maior complexidade, uma riqueza adicional”, e uma fala direta sobre a simbologia de Shiva: “Senhor Shiva, senhor de toda a criação e de toda destruição.” Entretanto, ao inserir o homem vitruviano na narrativa, cria a ilusão que haverá alguma criação com algum ordenamento. Mas falha, ao menos comigo.
Tema alcançado, mas de resto, fica difícil analisar e, repito, a culpa deve ser minha, logo, não há como investigar continuidade (ritmo), estrutura, desfecho e história.
É uma narrativa, fala das formas de criação de um pintor, acaba no ambiente de um escritor. Gostei da descrição do espaço externo. Tanto o visto pela janela quanto o visto pelas ruas. Esses elementos de ambientes externos consegui ver e acompanhar. As bagunças internas me confundiram.
Há certa metaforização com Jonas bíblico e a submersão, mas não consigo ver essa emersão e conquista de algo. E como não consigo ver, não consigo cristalizar minhas impressões, fico com a ideia de que falta algo o tempo todo.
Sobre o final, falta a mim algo que dê um impacto, algo que faça o leitor (eu) entender em que solo esteve pisando porque o tempo todo fica a sensação que essa bagunça deveria dar em algo. Sabemos que o telefone vai estar em silêncio do outro lado, mas nem mesmo cria um suspense antes de isso acontecer e menos ainda, não deixa nada para imaginar e, não por excesso.
Na verdade, o tempo todo, usando uma citação do próprio texto, “as coisas se transformando em outras coisas” vão criando uma sensação de que não há intenção por traz da narrativa e esse oco cansa. Não tenho preparo psicológico para ir adiante.
Gostei de conhecer as gelosias. Nunca que saberia que as rótulas decorativas tinham esse nome!
Sucesso no Desafio. E espero já ter entendido algo seu antes. Fui.
Oi Chatgris.
Acho que seu conto não foi feito para ser entendido e, sim, sentido. Eu o compreendi como um mergulho nos pensamentos de um artista, na sua forma de ver o mundo.
Para mim, pessoa cartesiana que sou, causou estranheza. Pensei que poderia retratar também alguma forma de loucura, de distorção da realidade.
A escrita é excelente, muito bem conduzida.
Parabéns.
Kelly.
Oi, Chatgris!
Gostei do título e do pseudônimo, achei os dois muito chiques! 😊
Seu conto é um daqueles que são tão enigmáticos que são ao mesmo tempo um prazer e uma frustração. Ele é muito bem escrito, e demonstra que você não é iniciante na coisa: tem estilo, tem partes inspiradíssimas, consegue criar bem a ambientação. O conto tem ainda uma cadência interessante, e, à medida que a gente vai lendo, ele promete uma compreensão de algo muito além do que está sendo dito. Essa foi a parte do prazer. Mas eis que justamente então chega a frustração: essa promessa não se cumpre e eu – só posso dizer por mim, claro –
chego ao fim com uma careta de incompreensão.
E tenho que confessar que esta sensação de ser burra e não ter entendido muita coisa não é gostosa, não.
Anotei algumas partes que falharam na revisão, mas nada demais. Falo só porque falei nos demais contos e porque eu particularmente gosto quando me apontam os erros; já aprendi muito assim. Se não apreciar, peço que me perdoe.
Algumas falhas já foram mencionadas, então não repetirei.
– Repetição muito próxima não costuma me incomodar quando eu vejo uma intenção. Aqui não vi:
“Minha mão convulsivamente busca os cobertores empilhados sobre o chão ao lado do estrado colocado direto sobre o chão.”
– Algumas vírgulas neste conto foram mal usadas, tanto na presença, como abaixo, separando sujeito e verbo, quando na ausência, em outros momentos:
“O olhar do patrono que escolhi, examina a arena da sala com benevolência”
“Quase como água rolando serra abaixo turbulenta”
– Artigo sobrando:
“em meio ao caos ruidoso do mercado que tomava conta da a rua.”
– Esse “não o são” não faz sentido. Seria apenas “não são”. Aqui só entraria esse “o” se fosse um substantivo, tipo “Os céus parecem o fim do mundo, mas não o são”.
“Os céus parecem iguais, mas não o são.”
– Era “baía”, ou não? E “que” recebe acento quando estiver imediatamente antes de um ponto de interrogação, final ou de exclamação.
“No pequeno fragmento da baia visto pelo vão”
“O que?”
Mas, de um modo geral, o conto é bom. Só gostaria de ser um pouco mais esperta e ter entendido melhor. A não ser, é claro, que não fosse feito para ser entendido, então, nesse caso, ele é só bom. 😊
Parabéns e boa sorte no desafio!
Olá, Chatgris, tudo bem?
Farei considerações sobre seu conto na forma de A-R-T-E:
A = A arte em si = pintura, o processo de criação, a viagem criativa do artista.
R = Revisão = alguns detalhes:
– criado mudo > melhor trocar por mesinha de cabeceira
– deveria ser talvez umas oito horas > deveriam ser talvez umas oito horas
– Todas as manhãs tudo sempre desmorona novamente > talvez o pleonasmo tenha sido intencional para dar a ideia de repetição incessante.
– Aonde? > Onde? a não ser que a intenção fosse dizer “para onde?”
T =Trabalho de escrita/narrativa = Texto muito denso, complexo, cheio de camadas e referências. O telefone tocando é um chamado da realidade? O artista parece estar em planos diferentes – Nice, Paris e acaba despertando em São Paulo. Ou tudo é uma ilusão assim como a sua arte? Linguagem carregada de adjetivos e sentidos, ritmo mais lento e leitura dificultada pela tentativa de compreender o universo criado pelo autor.
E = Então, autor[a] = Não sei se fui capaz de interpretar seu texto como merecia, mas juro que tentei. Não entendi a menção a Jonas, mas também pouco domino da temática bíblica. Talvez seja surrealismo demais para a minha mente limitada.
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio.
Olá, Chatgris, você trouxe um texto bastante denso, para ser lido com muita calma. Muitos acontecimentos misturados, muitas referências, muita “piração” do protagonista.
Gostei da ideia do telefone como um despertar e, ao mesmo tempo, uma ligação, uma conexão entre pessoas, situações e lugares.
Cuidado com a repetição das palavras.
“um sentimento oceânico – achei estranha esta construção.
“explosão de atividade” e “Salto” não condizem com “e me arrasto para fora da cama”
O texto está no presente e, a partir do parágrafo 8, está no passado.
A expressão “encaravam-me em muda perplexidade” referindo-se a telas brancas ficou estranho
“Sentei-me entre manchas de tinta recentes e antigas, em meio às explosões e salpicados que rodeavam
os três fulcros principais da sala com suas galáxias de gotas.” – não consegui visualizar esta cena.
Você usou a palavra mancha três vezes quando se referiu à tinta. Aqui “ manchas de luz que se estendiam pelas paredes”, talvez fosse melhor sombra na parede.
“Como se fosse preciso destruir o que se sabe para descobrir o que não se sabe.” – bonito isso.
indistinta acocorada; Sobre (após ; use minúscula) o erro e a ilusão
Eu fantasiava de (tirar o de) que da minha janela
olho (o) quarto em volta.
Aonde – onde
Olá Gato Cinzento. O seu pseudónimo é, curiosa ou propositadamente, o nome de uma cor para pintura de paredes. E se esta coincidência é curiosa, é o texto que tenho de comentar. É um bom texto, que nos capta a atenção pelas descrições elegantes que nos transportam para o íntimo do artista, talvez o lugar onde procurar respostas se revela uma tarefa irrelevante e destinada ao fracasso: enquanto o cientista se preocupa apenas em encontrar respostas, o artista apenas se preocupa em fazer perguntas da forma mais criativa. Os dois campos complementam-se, nunca interagindo entre si: cabe à subjectividade humana fazer a ponte e é nisto que, para já, vencemos qualquer máquina artificialmente inteligente.
É assim que vejo este texto, que não nos dá uma mínima resposta. Parece descrever uma pintura do pintor que pinta uma paisagem do seu quarto. Tudo o resto é surrealismo, puro e duro. A ligação à realidade é feita através do telefone que toca, mas o artista rejeita esta ligação. Quando finalmente atende a chamada, não há ninguém do outro lado – a ligação telefónica é perdida, tal como a ligação ao mundo físico, deixando o artista perdido no seu surrealismo. Enquanto que a complexidade do texto poderia fazer com que o leitor se perdesse (como é frequente em textos que tenho lido no Entrecontos, onde os autores se perdem num emaranhado de palavras), aqui o leitor sabe exactamente onde se situa a narrativa e, mesmo surrealista, não se perde.
Olá, Chatgris! Obrigado por compartilhar Jonas Emerge conosco ♥️
Adorei seu conto! Deixou a inspiração fluir, mas não de maneira irresponsável ou despretensiosa.
Iniciar com um “sentimento oceânico” foi uma ótima escolha, porque é uma imagem poderosa e permite que o leitor compre facilmente o surrealismo da sua narrativa.
– PONTOS POSITIVOS: Metáforas bem utilizadas; fiquei encantado com a transformação dos sentimentos e pensamentos abstratos do artista em frases bem estruturadas.
Fazer referência a Shiva foi uma ótima sacada, já que ele faz parte da trindade criadora, ao lado de Brahma e Vishnu, e tem o papel de destruir, desorganizar; e esta frase “O acaso é meu amigo. O inesperado sempre foi meu parceiro.” faz jus à referência caótica, imprevisível.
O final foi uma escolha ousada, mas fechar esse roteiro com algo concreto poderia ser um tiro no pé.
– CONSIDERAÇÕES: Tem excesso de frases e de descrições que não combinam com o tom inicial (onírico) do texto. Houve uma preocupação exagerada em descrever os cenários, o que não seria um problema, se estas mesmas descrições tivessem função narrativa. Algumas ficaram muito soltas e danificaram demais o ritmo. O que é uma pena, porque o cerne do conto é muito inspirador.
Em suma, você soube trabalhar muito bem com sua inspiração, de modo que o texto, ainda que tenha uma pegada esotérica/metafísica, conversa com vários tipos de leitores.
Parabéns! ☮
Ambientação= No tema-Pintura
Escrita= Boa.
Enredo= Divagações de um pintor entre realidade e ilusão.
Considerações Gerais= A escrita é boa, mas você usou muito clichês, frases e descrições muito repetidas em literatura: -quarto sórdido- escada metálica que sobe para um incongruente telhado de telhas de ardósia- fumando uma cachimbada-caos ruidoso do mercado- No pequeno fragmento da baia visto pelo vão um barco aparece e depois se vai, o tempo correndo lento com ele- o cheiro de maresia da brisa se confundindo com a fuligem da locomotiva- e muitos outros.
Acho que faltou originalidade na maioria das frases. O seu texto me lembrou vários escritores, de Dashiell Hammett a W. Somerset Maugham, o que, de certa forma, é positivo.
Embora cheio de clichês, achei um conto bem estruturado, que tem seu valor pela complexidade do argumento. Boa sorte.
Gato Cinzento (Chat Gris), “você joga seu coração como um novelo de lã” — A arte “emerge” aqui em um processo anárquico entre sons, cores e escrita, referências metalinguísticas e mitológicas, a Leonardo da Vinci e a beleza das proporções, e a Jonas, que, no relato bíblico, simboliza o mergulho no inconsciente. O pseudônimo, também está relacionado à uma letra de música de Salvatore Adamo; assim, parece-me que o(a) autor(a) discorre sobre a criação artística em si; não de uma arte específica.
É um texto complexo, carregado de divagações e reflexões que pede leitura atenta, prejudicada em parte pela repetição de palavras. Enfim, gostei muito do trabalho, apesar das ressalvas feitas.
Parabéns! Sucesso no desafio. Abraço.
Olá! Tudo bem?
Seguindo os passos da melhor revisora de todos os tempos, a dileta Claudia Roberta Angst, farei considerações sobre seu conto na forma de A-R-T-E:
A = A arte em si = A arte aparece com sucesso no conto: o protagonista é um pintor em um momento e escritor em outro.
R = Razões para ODIAR o conto (porque sou desses) = Falta de atenção na escolha do vocabulário. Leia-se a frase:
“Todas as manhãs tudo sempre desmorona novamente”
Ficou péssimo colocar “todas”/”tudo”, “sempre”/”novamente” na mesma frase. Há redundância.
“seu porta guarda-chuvas obedientemente portando um velho e desbotado guarda-chuva”
“Porta-guardachuva”, “portando” e “guarda-chuva” de novo! Que isso, cara! Você tem talento! Está estragando tudo por causa de desmazelos que beiram o insignicante.
Uma última frase:
“telhado de telhas de ardósia, em meio às telhas de barro alaranjadas”
“Telhado”, “telhas” e “telhas”! Foi proposital? Ficou esquisitíssimo.
Agora sim a última:
“Lembro-me de outros telhados, de outros céus. Lembro-me da cor de cada céu. Os céus parecem iguais, mas não o são.”
É muito céu numa frase só.
T = Trabalho de escrita/narrativa = A escrita é boa: está bem encaminhada.
E = Então, autor[a] = Gostei do conto. Achei a utilização da ideia do telefone bastante perspicaz. Só fiquei decepcionado com a escolha do vocabulário nos exemplos que destaquei. Acaba manchando um trabalho que é bom.
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio!
Resumo: Artista desperta com o soar de um telefone que nunca consegue atender. Convidados a acompanhar sua rotina e seu caótico processo criativo, partimos por uma viagem metalinguística entre artes plásticas e literatura.
Comentário:
Olha só, um conto excelente que parte da perspectiva do artista, discutindo sua relação com o mundo, ainda que desordenada e confusa, fazendo bom uso das palavras, da narrativa e da ideia de que, dentro da criação artística, tudo é possível. Longe do clichê do artista incompreendido e louco, aqui somos postos muito bem dentro da cabeça de alguém que se dedica ao trabalho e busca, em tudo, nas viagens, na relação com as pessoas, na paisagem , sues sons e cheiros elementos para criar sua obra que, propositalmente, não são descritas pelo autor, pois o foco está mais no fazer artístico do que seu resultado. Por outro lado, a descrição do fazer artístico de dois artistas, pintor e escritor, tem como resultado, este conto, numa metalinguagem que faz todo sentido dentro da proposta do desafio. Gostei também do fato desse pintor, ainda que francês, ainda que enérgico, ainda que fumante e boêmio, como tantos outros, tem características próprias inseridas pelo escritor do conto, o que percebi no uso das imagens de Shiva e do Homem Vitruviano tensionando o artista: o Deus da Criação; o Homem como centro do universo e a arte como síntese. No fim, os artistas são, essencialmente, frutos desse conflito, ou seja, semelhantes no seu ofício.
Posto isso, esse personagem aberto para o mundo, para as gentes, traça um caminho simples, fruto de um enredo que não tem muitos acontecimentos, mas é recheado de reflexões, terreno difícil para o escritor inexperiente, pois corre-se o risco de não cativar o leitor pelo caminho caminho percorrido pelo personagem, assim como não arrebatá-lo pelo nível das reflexões, que podem ficar rasas, superficiais, dentro do senso comum, jogadas ao léu. Não foi o caso aqui, por isso destaco os méritos. Tudo está no lugar, muito bem escrito, com as palavras certas.
O conto ainda termina em outro mergulho, ou despertar, na cabeça de outro artista, agora o escritor, talvez o mesmo do conto, talvez outro, quem sabe, pois dentro da proposta metalinguística, pode ser qualquer um ou todos ao mesmo tempo.
Parabéns pelo texto!