O céu ainda não havia escurecido totalmente sobre Tel Aviv quando o homem do violino apertou a campainha da porta na entrada lateral do estúdio de gravação, anunciando sua chegada. O virtuoso Ytzhak ben Yosef, já em seus sessenta e quatro anos, carregava o estojo de seu instrumento seguro embaixo do braço e fumava mais um cigarro no dia. Diante do toque de sua insistência, finalmente a porta se abriu com um rangido incomum e o dono do estabelecimento apareceu para recebê-lo. Ismaël al-Yusuf, também em seus sessenta e tantos anos, era só um pouco mais novo do que ele, mas parecia ser bem mais. Conheciam-se desde jovens, quando aquele estúdio era único na região, fundado pelo pai de Ismaël, e preferido pelos grandes artistas e orquestras – sua acústica havia sido calorosamente elogiada pelo grande maestro Zubin Mehta, da Orquestra Filarmônica de Israel. Ytzhak apagou a guimba no batente da porta e cumprimentou Ismaël com um aperto de mão frouxo e protocolar, quase um irônico “há quanto tempo, hein?”. Poderia dizer que ele precisava poupar os dedos artríticos para a sessão de gravação que em breve deveriam realizar. Mas aquilo era o sinal inequívoco de que havia cicatrizado mal uma distância entre eles, nunca antes tão evidente. Pois houve um tempo em que eles foram quase irmãos.
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A grande sala de captação dos instrumentos, com seu pé direito alto e pouca iluminação, tinha adquirido um ar de abandono, apesar do alinhamento cuidadoso das cadeiras dos músicos em semicírculo ao redor do púlpito reservado ao maestro. As paredes encardidas, revestidas com material antigo e obsoleto, ainda proporcionavam relativo isolamento acústico do ambiente externo. Mesmo assim, Ismaël preferia agendar as raras sessões em seu estúdio para a noite, evitando ao máximo os ruídos da metrópole, que experimentou um crescimento exponencial nos mais de quarenta anos de atividades do estúdio.
Ytzhak estranhou apenas que havia uma única cadeira separada, num ponto específico da sala, onde estavam concentrados seis ou sete pedestais de microfones e um estranho artefato, bem em frente ao lugar reservado ao executante – uma enorme cabeça artificial.
– Quando é que chegam os outros? – perguntou Ytzhak ao dono do estúdio.
– Hoje não tem outros. Só você vai gravar, todos eles já vieram – respondei Ismaël.
– Mas não era uma gravação de cordas? – insistiu o hebreu.
– Sim, quase isso, mas agora cada um grava separado – esclareceu o palestino que era, além de proprietário, o único engenheiro de som e empregado do local.
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Era essa tal revolução digital: se antigamente havia poderosas máquinas de gravação multipistas analógicas, com suas fitas de rolo enormes, agora bastava um laptop e os softwares certos para contar com centenas de canais à disposição, além de todos os recursos de tratamento sonoro, antes dependentes de equipamentos periféricos raros e caros, importados da Europa e Estados Unidos. Pouco antes de morrer, o pai de Ismaël havia se endividado com o banco para comprar uma milionária máquina Studer, com seus dezesseis canais, sistema Dolby de redução de ruído e gravação em fita de duas polegadas. Atualmente, até um celular comum tem capacidade de gravação similar, ou até maior, do que o caríssimo equipamento obsoleto. Porém, para os puristas, nenhum equipamento digital supera a qualidade sonora e o calor da fita analógica. De maneira similar, para os músicos, não era preciso mais que todos estivessem ao mesmo tempo na sala, tocando em orquestra – só que a interação e o calor da execução coletiva acabavam se perdendo na fria técnica do multitrack digital. Ytzhak, como músico tradicional, preferia que as coisas continuassem como eram. Ismaël sabia que elas nunca mais seriam como antes. Nem entre eles dois.
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O violinista sentou-se na cadeira indicada, abriu o estojo e tirou violino e arco, encarando desconcertadamente aquela cabeça colorida, onde havia dois microfones, cada um instalado na orelha do boneco.
– Isso aí, para que serve? – perguntou Ytzhak.
– É uma dummy head. Serve para captação binaural – cada microfone é um ouvido dele – explicou Ismaël.
– Nunca entendi essa parte técnica, você sabe, não vai ser agora – disse o violinista.
– E eu nunca tive o seu talento para a música, não é? – retrucou o técnico.
– Não disse isso. Só que você não insistiu como deveria – Ytzhak devolveu.
– Bom, pelo menos eu tenho isso aqui – apontou ao redor, e mais especificamente para a dummy head. – Em vez de uma cabeça falante, agora eu tenho uma cabeça ouvinte – Ismaël quebrou um pouco o gelo e arrancou uma risada contida do violinista.
Ytzhak percebeu algum movimento na sala da técnica, separada do estúdio principal por um grosso vidro duplo.
– O maestro já está aí? Preciso dar uma olhada na partitura antes de gravar. – perguntou.
Ismaël explicou:
– Hoje também não tem maestro. E nem se preocupe com a partitura. Aquele é um produtor, o sujeito que pediu para eu reabrir o estúdio para alugá-lo, e que requisitou especificamente que eu contratasse você. Parece que é famoso. Ele vai dando as instruções de lá e você segue o que ele pedir, como os outros já fizeram nas sessões de viola e cello.
Ytzhak ficou meio confuso. Como assim, sem partitura, sem condutor? Como pode uma música que preste ser gravada assim, sem planejamento? Não entendia nada dos novos tempos.
Pelo fone de ouvido, chegou a voz aguda do jovem barbado no aquário da técnica, cuja figura, com seus enormes alargadores no lóbulo das orelhas e tatuagens no rosto, revelou-se parcialmente atrás do vidro.
– Boa noite. Eu sou Zayn, agradeço muito o senhor por aceitar o meu convite para essa sessão. Vou ser o produtor dessa sessão e sei que posso contar com o som magnífico do seu violino – e, principalmente, com o seu talento aplicado nele. O senhor é uma lenda para todos nós, jovens músicos em Israel.
Ytzhak apertou os olhos para vê-lo melhor.
– Ah, você é músico? E qual é o seu instrumento?
Após um ligeiro silêncio, o jovem respondeu:
– Meu instrumento são todos e nenhum. Mas não estamos aqui para falar de mim, mas sim para ouvir e registrar uma performance deslumbrante, senhor ben Yosef. Podemos começar, Sr. al-Yusuf, tudo pronto com os microfones?
O dono do estúdio verificou se os microfones estavam ligados e corretamente posicionados.
– Pois não, Sr. produtor, quando quiser – retrucou Ismaël al-Yusuf, não sem uma leve ironia entre dentes, que o rapaz fingiu ignorar ou não foi capaz de perceber.
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Enquanto afinava o instrumento, sozinho na grande sala, Ytzhak intuía uma frenética movimentação na sala técnica. E enquanto ele aquecia os dedos com escalas no violino, Ismaël trabalhava duro, entrando umas duas ou três vezes com outros microfones, para instalá-los em pontos distantes da sala, ou para substituir os que estavam próximos ao executante.
– Senhor ben Yosef, está pronto? – soou a voz metálica do produtor no fone.
– Sim, senhor…
– Zayn.
– Certo, sr. Zayn. Esse é seu sobrenome?
– Meu nome artístico. É assim que eu fiquei conhecido. Por favor, o senhor pode tocar uma nota longa em cada corda solta do instrumento?
– Longa, quanto? Um breve, em que andamento? – inquiriu o violinista.
– Uns dez segundos em cada uma, por favor – explicou o produtor.
Ytzhak ben Yosef, primeiro violinista em várias orquestras de Israel e do exterior, estranhou o pedido simplório, mas fez o que era demandado a fazer por dinheiro.
– Por favor, poderia repetir? – pediu Zayn, o grande produtor. Só que dessa vez, podem emitir notas curtas, em staccatto? Pode tocar diversas vezes, mas por favor faça uma pausa entre os takes.
O violinista, contrariado, curvou o arco e emitiu repetidamente os sons das cordas: sol, sol, sol; ré, ré, ré; lá, lá, lá; mi, mi, mi.
– Maravilhoso! Perfeito! Vamos continuar assim! – animou-se Zayn.
Boa parte da noite e início da madrugada transcorreu assim: o produtor pediu uma nota específica, ou uma técnica qualquer, mesmo sem saber explicar o que era – cabia ao violinista entender se era al legno, tremolo, trinado, ou outra qualquer. Até mesmo os ruídos e deslizes foram solicitados ao exímio violinista, que nunca imaginou que faria tanto barulho por nada.
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Na cozinha do estúdio, em uma pausa para expulsar o cansaço com café no meio da madrugada, Ytzhak e Ismaël finalmente conversaram sobre o ponto de ebulição entre eles.
– Como está Sara? – perguntou Ismaël.
– Velha, como nós dois – Ytzhak constatou.
– Eu também gostava muito dela, você sabe muito bem disso.
– Ela vai morrer sem saber o que aconteceu entre nós – respondeu o violinista.
– Agora é tarde demais para mexer nessas coisas.
– Você poderia ter desobedecido seu pai, Ismaël, mas não teve coragem – acusou Ytzhak.
– Eram outros tempos… e você poderia ter desistido dela também – retrucou Ismaël.
Pausa.
– Na verdade, eu desisti. Mas foi muito mais tarde, e você já não estava por perto – disse Ytzhak.
Com essa resposta, Ismaël refletiu alguns instantes. Depois, insistiu:
– Meu pai queria você como nosso sócio neste estúdio. Mas você preferiu ter uma família com ela. Não foi culpa sua.
– Só casei porque você não quis.
Silêncio opressivo entre os dois.
– Mas não adianta: depois, a música viria mesmo a separar – Ytzhak finalmente admitiu.
– Eu não podia… mas é melhor deixar tudo isso para lá – contemporizou Ismaël. – Está na hora de voltar para a gravação. Esse Zayn é um mag’íl (מַגְעִיל , numa tradução gentil, “um mala”).
Ytzhak riu de novo, com o esforço do outro em pronunciar aquela palavra rude com seu sotaque árabe. Nisso, pelo menos, estavam de pleno acordo.
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Inúmeros takes depois, por insistência do famoso produtor, deram o trabalho por terminado no fim da madrugada. Ytzhak ben Yosef estava exausto, apesar de, no seu entendimento, ter tocado tão pouco. Aquilo não era música, só ruídos. Como pode alguém querer gravar essas coisas sem sentido? Ismaël também estava cansado, e veio aliviado trazer a Ytzhak o cachê, vultoso pelo menos pelos parâmetros de um músico que andava quase sem trabalho. Zayn sentiu-se envergonhado em entregar pessoalmente ao famoso violinista aquele dinheiro, uma miséria diante da fortuna que ele ganhava como produtor, e pediu ao dono do estúdio que o fizesse, agradecendo em seu nome.
Mas, mesmo depois de guardar no estojo o cachê e o instrumento com as cordas frouxas, o violinista não foi embora. Parado na porta da técnica, esticou a cabeça para ver uma vez mais a sala de controle, bem diferente daquela que ele havia conhecido na época em que o pai de Ismaël operava o equipamento. Agora, havia um único computador, conectado à mesa de controle, no qual o jovem produtor Zayn, uma das estrelas ascendentes da música eletrônica no Oriente Médio, ainda um perfeito desconhecido para ele, cortava e colava as ondas sonoras da gravação recém-terminada, numa sinfonia de cliques de mouse e atalhos do teclado. Essa era sua maior, se não única, habilidade musical.
– Quer ver como vai ficar o trabalho? Já tenho uma primeira amostra sampleada e editada em 96kHz, 24bit de resolução – convidou Zayn, puxando uma cadeira para que ele sentasse ao seu lado.
O jovem produtor trouxe à sua frente um pequeno teclado musical controlador, que mais parecia de brinquedo, e pressionou uma nota. O violinista surpreendeu-se ao ouvir, pelos monitores do estúdio, exatamente o timbre característico do seu violino, soando mágica e digitalmente limpo, desprovido de qualquer humanidade.
– Agora é só editar os samples das outras performances… tenho todos os sons que eu preciso do seu violino, e eles agora estão eternizados! Qualquer um vai poder tocá-lo, em qualquer lugar do planeta… com a mesma técnica que você nos deu!
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Pela mesma porta lateral do estúdio, mas não mais como havia entrado, o antigo virtuoso Ytzhak saiu à rua iluminada, carregando novamente seu instrumento embaixo do braço, e caminhou algumas quadras em andamento largo pela madrugada de Tel Aviv, antes de ir dormir no seu apartamento suburbano em Jafa, onde morava, sozinho. Tudo deveria ser uma coisa só: Tel Aviv e Jafa, israelitas e ismaelitas. Ao sul, o céu iluminou-se. Não era ainda o amanhecer, mas o Domo de Ferro em pleno funcionamento, confiável sistema antiaéreo criado para interceptar bombardeios do Hamas vindos de Gaza. Disparos diários, que afligiam a todos, judeus ou não, moradores daquela metrópole multiétnica. Pelo menos, nisso, a tecnologia havia sido boa com eles. Como não se ouviam sirenes de alerta, sentiu-se seguro e parou um instante para acender outro cigarro, em frente à vitrine de uma panificadora kosher. Balançou um instante o estojo do instrumento para conferir a presença do maço com as cédulas de dinheiro, contando que haveria ali o suficiente para pagar a casa de penhores pela manhã, e retribuir a gentileza deles em devolver a ele o instrumento, de forma antecipada, para que pudesse usá-lo naquela noite. De repente, pelo reflexo do vidro, percebeu a aproximação rápida e, quase em seguida, sentiu o impacto, estatelando-se no chão. O estojo de seu precioso instrumento foi violentamente arrebatado das suas mãos por um jovem ladrão, que passou correndo e desapareceu ao virar a esquina. Ytzhak ben Yosef voltara à realidade. Pela segunda vez, havia perdido – ou lhe foram subtraídos – o violino, a esperança e alma.
Um conto sobre música, mas que trata ao fundo das questões de c0nvivência árabe-israelenses por meio dos protagonistas, e do novo/velho entre a música de hoje e a tradicional. Na parte técnica, acho que o autor se excedeu em algumas descrições e foi muito tácito nos diálogos, deixando muitas perguntas em aberto – eram amigos/amantes ou disputavam a mesma mulher? Ponto positivo: o final, que surpreende – ao invés de uma bomba, vem um roubo. Boa sorte no Desafio!
Dois velhos conhecidos se encontram em um estúdio musical e dialogam sobre detalhes que interromperam a amizade.
O conto tem uma boa fluidez, com ritmo ágil e boa linguagem. A ambientação é boa, apresentando fielmente um estúdio musical ao leitor. Me pareceu que a desavença entre as personagens, que, a princípio, parece central na trama, não justifica a importância que se espera dela. O arremate tem um elemento surpresa e simbologia, mas a estrutura da narrativa, em si, não chega a ser tão impactante, marcante.
Parabéns e boa sorte!
Olá, Golem.
Bastante significativo esse pseudônimo. 🙂
O conto tem ideias interessantes, mas parece um bocado sem foco. Acaba por não desenvolver a contento as premissas que propõe.
A relação entre Ytzhak e Ismaël, que se anuncia como algo relevante, é apenas pincelada. Entendemos um pouco sobre ela através do diálogo que eles travam no meio do conto, mas é um conflito que termina sem resolução ou consequências.
O tempo inteiro o conto parece flertar com um comentário político. A retomada constante dos sobrenomes dos personagens reforça essa impressão. Mas ela nunca é realmente concretizada. Apenas no último parágrafo temos um vislumbre dessa questão, mas sem aprofundamento. No fim, não é algo relevante para a trama.
Felizmente, o comentário sobre arte, tema do desafio, é o melhor desenvolvido. Há uma reflexão interessante sobre o momento do mercado fonográfico e a diferença que pode fazer o elemento humano, em oposição à precisão fria da reprodução do computador.
Interessante ver a reverência com que o produtor trata o músico, mesmo sabendo que está desnaturando sua arte e o tornando irrelevante. A vergonha de entregar o cachê é bastante simbólica também.
Acho que o conto se perdeu um pouco em termos e descrições técnicas, quando poderia estar desenvolvendo melhor os personagens e seus conflitos. Não chegou a tornar a narrativa enfadonha, mas é uma escolha narrativa questionável.
Algumas frases de efeito soaram artificiais, parecendo forçar um impacto emocional sobre o leitor. Como essa:
“Ytzhak ben Yosef, primeiro violinista em várias orquestras de Israel e do exterior, estranhou o pedido simplório, mas fez o que era demandado a fazer por dinheiro.”
A já falada insistência nos sobrenomes dos personagens e em destacar que o produtor era “jovem” (a palavra aparece cinco vezes) pareceu gratuita.
De forma geral, o conto é bem escrito, não notei grandes falhas de revisão.
O final pareceu abrupto, uma tentativa de fechamento de um ciclo que não foi bem desenvolvido durante o conto. E, mais uma vez, encerra com uma frase de efeito que não pareceu orgânica.
Apesar das críticas, não achei o conto ruim, não foi uma leitura desagradável. O texto traz um comentário interessante sobre o tema do certame – o que o fortalece no contexto da competição -, e tem boas descrições, sobretudo na parte do estúdio. As premissas apresentadas são boas, mas falta um melhor desenvolvimento. Há potencial para um ótimo resultado, mas, da forma que está, achei apenas mediano.
Desejo sorte no desafio.
Abraço.
96kHz/24bit (Golem) 10
Conto deprimente. E muito bem escrito. Parabéns!
O idoso sendo personagem principal, porém não ativo. A atitude dos dois músicos idosos na narrativa é sempre passiva. E é isso que vai determinar o desfecho. A sensação de brindar com a esperança e de não ser atingido por ela acompanha toda a narrativa e fecha o conto: “Ytzhak ben Yosef voltara à realidade. Pela segunda vez, havia perdido – ou lhe foram subtraídos – o violino, a esperança e alma.”
O conto desenha a posição do idoso frente à “precariedade da posição do indivíduo
no mundo moderno (ROSENFELD, 1996, p. 97)”.
Com a narrativa que apresenta os dois idosos se reencontrando e repensando sua relação anterior, enfrentando as mudanças que o envelhecer e as tomadas de atitudes anteriores modificaram para ambos. Na verdade, a velhice, “como todas as situações humanas,” têm nessa narrativa uma amplitude existencial que serve para modificar “a relação do indivíduo com o tempo e, portanto, sua relação com o mundo e com sua própria história” (Beauvoir, 1990) e, acaba por permitir que ambos repensem as escolhas que modificaram a história que compartilham.
O tema está bem costurado e a Música aparece de forma bem amarrada ao enredo, fazendo, portanto, parte da narrativa. O uso da influência pop a a modernização com o emprego da técnica de sampler, coincide com a mudança sobre a identidade do protagonista, que está se perdendo com a chegada da idade senil.
Essa interferência do jovem na arte de Ytzhak pode ser vista como a primeira quebra de personalidade artística e ainda, de forma mais violenta que a segunda, que ocorre com o roubo do instrumento. Aqui, a juventude simbolizada em Zayn, mostra dois pontos marcantes. Primeiro, a exploração do idoso que se reflete na ação social é representada como “a exploração dos trabalhadores” que resulta na “atomização da sociedade” e que gera a miséria cultural, que, como afirma Beauvoir, conduzem às velhices desumanizadas. Esta ocorrência se dá pelo silêncio da sociedade. O que abre o segundo ponto: O abuso sempre é justificado ((BEAUVOIR, 1990, p. 15). Na narrativa o que justifica é o pagamento pela arte que era de um profissional e agora passa a ser “possível” por qualquer “comprador” de serviço de música. Não importando sequer o nome das notas. Virou só produto, coisa, como o artista, que uma vez que abre mão de sua arte, porque precisa comer, se torna obsoleto.
Estruturalmente, o conto dá todos os dados, O desfecho é inesperado, mas coincide com o subtema da perda da identidade musical do violinista e sua queda financeira que, obviamente, interfere em todas as áreas da subjetividade de Ytzhak.
O fator depressivo se deve ao fato que de tão verossímil o conto nos faz ver nossa própria senilidade e nela perceber a solidão e insegurança possível de nos acometer. Souza, falando da velhice na Literatura afirma que “A velhice do Outro se torna uma lembrança antecipada da própria velhice e o contato com a pessoa idosa abala as fantasias defensivas que são construídas como muralha contra a ideia de sua própria velhice.” E essa previsão do próprio envelhecer destrói as nossas defesas e abalam nossa crença “obsessiva na eterna juventude” nos afastando, ou pior, criando a rejeição e o “desejo inconsciente de fugir à inexorabilidade das leis da natureza” através do afastamento da vetustez alheia.
Seu conto, Golem, traz as nuances e melancolia do entardecer solitário de muitos humanos. O descarte do artista se iguala no ambiente doentio do estúdio de música. A artrite do músico e a porta rangendo. O produtor sampleando a arte do idoso. O idoso aceitando sem esperança. A solidão na única cadeira para que ele tocasse sem mais nenhuma corda para acompanhá-lo.
Seu conto, Golem, me fez lembrar do filme “Music And Lyrics”, Marc Lawrence. 2007. O uso do passado para alavancar a carreira de alguém pop é o mesmo elemento. Lá o que se deseja é a letra, aqui a música, entretanto, ainda assim, deprime. Ainda assim retira a esperança na humanidade.
A necessidade de ben Yosef mostra que a fala de Beauvoir faz sentido, já que “A extrema pobreza conduz à imprevidência: o presente comanda, o futuro lhe é sacrificado. Quando o clima é duro, as circunstâncias difíceis, os recursos insuficientes, a velhice dos homens assemelha-se muitas vezes à dos bichos.” E a aproximação do malfeitor por trás, tendo o músico o visualizado praticamente de relance, mostra que a humanidade do Ytzhak ben Yosef já se perdeu. Ele entra no conto sendo exaltado por sua virtuose e sai dele como uma caça abatida.
A velhice aqui é deprimente, decrépita mesmo. Diferente do que foi para algumas sociedades, algumas até tidas como silvícolas. Nelas, o envelhecimento era visto, vivido e concebido como fonte de experiências, fazendo com que o ser que alcançava uma idade mais elevada, tornasse protetor das tradições, que, como conselheiro, tinha o dever social de manter as histórias de origens, deuses. O idoso era o elo com as vivências ancestrais.
Com o advento do pensamento civilizatório e a criação de novas tradições para o enfraquecimento dos homens originários das terras que foram saqueadas e colonizadas (HOBSBAWM et RANGER, 1983), a velhice perdeu seu elemento de sacralidade (SECCO, 1994, p. 10-11) e a vetustez passou a ser um empecilho para o novo. Enfraquecer o idoso, transformando-o em um peso é, sobretudo, uma forma de manter o poder na mão do invasor.
Sim, comemos melhor para termos longevidade, mas como vivemos em uma sociedade em que o idoso passou a ser um peso, nos tornamos, assim, apenas um fardo social que uma vez despido de sua utilidade, torna-se o resto social, o dejeto que não pode ser lançado fora apenas por uma falsa preocupação. de imagem.
Saindo dessa releitura sobre o envelhecer, o conto traça uma história paralela, que é um interessante triângulo amoroso.
Essa história de fundo apresenta os traços que destruíram uma amizade especial pelo elemento mais banal de todas as história, a vértice amorosa que envolve os amigos e uma mulher e, para além desses, um pai supostamente castrador. Fica, desde o início, na troca indiferente de mãos, a ideia que o desfecho poderia ser fechado nesta relação. Bem desenhada por baixo da trama principal, essa história paralela é toda contada, mas não invalida o enredo, afinal, o fecho do conto se dá ainda no âmbito da Música com o roubo do instrumento e do dinheiro que havia dentro da caixa que o protegia. Instrumento emprestado. Parabéns pelo conto.
Eis um conto que honra tanto o seu tema – arte – como o seu subtema – tempo – ambos se conectando muito bem. Destaca-se o efeito do tempo sobre todas as coisas e, assim, percebe-se o que o passar dos anos fez à amizade dos dois personagens – embora, escolha acertada, a autoria não tenha se detido em maiores explicações para além de sugestões – e, também, percebe-se o tempo em novas formas de fazer música que surpreendem tanto o músico como o seu antigo amigo. Chega a ser engraçado, pois se torna evidente a interpretação da música eletrônica como algo que banaliza a verdadeira arte, tipo de debate que passa por outras formas artísticas frente às suas práticas contemporâneas. É um fenômeno que me parece acontecer em cada época, fazendo desse conto um retrato bem pintado deste tempo em que vivemos e, portanto, emprestando ao texto uma verossimilhança que o enriquece. A ambientação em Tel-Aviv também ficou bem executada, especialmente a julgar pelos termos e pelos poucos trechos passados fora do estúdio.
Olá, Golem!
Seu texto contempla o tema do desafio. A arte escolhida foi a música, que o autor demonstra conhecer muito bem.
Os conceitos técnicos relacionados a gravações, bem como a ambientação em um país estrangeiro (Israel) merecem destaque. É bom encontrar textos com erudição, que nos desafiam a ampliar nossos conhecimentos.
A escrita tem qualidade e indicam um autor experiente. Particularmente, não gosto de frases deveras longas – e há algumas delas em seu texto. Ainda assim, não prejudicam a leitura.
Seu conto me agradou bastante. Gostei do ritmo do suspense que vai guiando a história. A tensão de israelenses e palestinos, o triângulo amoroso, o produtor misterioso… É um conto com mais qualidades do que defeitos.
Algumas coisas, porém, acabam se mostrando desnecessárias. Uma delas é o triângulo amoroso. Fica uma informação meio solta. Já havia motivos para uma tensão entre eles, colocar uma mulher no meio acaba sendo um clichê desnecessário. Ainda assim, tudo bem, não era algo tão prejudicial. O problema foi o final. Acho que ali você pesou a mão demais. A gente sabe que histórias tristes costumam se sair bem nos desafios. E, veja só, já havia tristeza o suficiente: o produtor “extraindo” o som do violino, a evolução tecnológica dando pouco espaço para o velho músico, o instrumento de trabalho na casa de penhor. Então, aquele último parágrafo ficou todo descompensado, em um ritmo afobado que contrasta com o resto do texto. O assalto foi uma desgraça desnecessária, ao meu ver.
Infelizmente, quando o final parece mal acabado, a sensação ao fim da leitura é de uma leve frustração. Mesmo assim, o conto é bom.
Boa sorte no desafio e parabéns!
96kHz/24bit (Golem)
Comentário:
Texto muito bem trabalhado, melancólico. Conforme a leitura avança, tudo vai sendo tingido de cinza, acho que em momento algum houve “sol”. A ambientação perfeita segue o mesmo tom, taciturno. E, ao final, nada muda. Em resumo, cuidadosamente o autor criou um enredo muito interessante, trabalhou o tema (música) com muita delicadeza, e a descrição minuciosa transporta o leitor para Tel Aviv, para um estúdio obsoleto, escuro; as palavras são ditas de modo quase inaudível, tudo moderado, lento, e na (minha) imaginação, nem as roupas trazem a cor branca. Misericórdia, down, down, down…
Golem, além de ser competente na escrita, o senhor deve ser muito entendido de música e aparelhamento musical. Que riqueza de detalhes! Eu “malemá” conheço um instrumento! Admiro quem domina a arte.
É claro que não tenho a competência necessária para absorver os preceitos da tradição judaica expostos no texto, isso requer um estudo profundo, mas percebi até mesmo o respeito nas falas, na narrativa. Nesse mundo, descrito no texto, tudo tem muita simbologia, nada é “por acaso”. Parabéns, Golem, você deve ser um grande estudioso!
De todos os textos que li, até agora, este tem um cuidado maior no contar, é muito bem construído, pausado, propicia uma leitura fluente, prende a atenção. Não encontrei deslizes, apenas erro de digitação. O desfecho segue o ritmo do conto, triste.
Parabéns, Golem! Belo trabalho, você entende do riscado.
Boa sorte no desafio!
Abraços…
Mr. Golem:
O conto está no tópico e conta uma história envolvente e intensa. Parece-me que existem algumas oportunidades perdidas no conto. O triângulo amoroso é bem interessante, e merecia maior desenvolvimento. Igualmente o entrelaçamento desse triangulo amoroso com o relacionamento musical e profissional entre os dois. O roubo final é eficaz, mas parece um pouco um ‘deus ex machina’ para fornecer uma humilhação final e definitiva ao músico. Não sei se é realmente necessária. A situação inteira já extremamente humilhante. A relação com o Golem da tradição judaica, um homem artificial, uma espécie de escravo sem inteligência, é bem interessante, mas que no momento que o conto receber seu autor definitivo desaparece do conto. Essa é uma relação que seria bem interessante ser puxada para dentro do conto e desenvolvida. Existe também uma certa artificialidade na linguagem, que me fez pensar em algo traduzido de outra língua ou escrito por um lusófono morando há muitos anos no estrangeiro. Isso transparece até na tradução literal de determinadas expressões como a de “talking heads” para comentadores de televisão.
Enfim, bom conto, bem desenvolvido, mas que pode ser bem mais do que é; merece algumas reescrituras. Bom trabalho e boa sorte.
Antes de continuar, acho justo esclarecer como estou avaliando nesse desafio. Além de uma consideração final, guio-me por três fatores: artístico, técnico e criativo. Não estou participando dessa vez, mas decidi ajudar a movimentar os comentários!
ARTÍSTICO
Abordado com perfeição. É um conto sobre a música, criando um ótimo contraste entre os músicos antigos e os músicos atuais, num conflito silencioso. Enquanto a juventude encara as mudanças como boas, os idosos resistem e pensam em seu legado: sua vida de estudos importou? Parece que não, pois uma máquina, agora, pode replicar em segundos o que levou anos para aprender. Se perde a importância artística da obra? Não sei.
O conto não se preocupa em debater os assuntos que levantei acima, mas, ao menos, foi bem sucedido em cativar essas reflexões.
O estilo da narrativa é morno, porém, apesar de tudo estar bem escrito, não há muita beleza na forma do seu conto. Isso seria um bônus, porém. Não é algo que pesa muito na avaliação.
TÉCNICO
Excelente, apesar da narrativa morna.
Poucos erros de revisão. Fora isso, tudo dentro dos conformes. O autor mostrou domínio da arte musical, o que ajudou a pintar contornos mais naturais para o conto.
Como sugestão, diria para definir um estilo, para conquistar os leitores mais chatos, como eu. Você tem potencial para isso.
CRIATIVO
Razoável.
A história me inspirou cenas melancólicas. Acho que foi proposital. O ressentimento da velha amizade, o sentimento de ser substituído por uma máquina, a noite solitária. Tudo ajuda na construção desse sentimento triste.
O conto não chega a brilhar em nenhum momento. A abertura é um pouco fraca, mas o final é excelente. Se isso é um padrão em seus trabalhos, foque no ponto fraco, na próxima criação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É um conto muito bom.
Leitura fluiu naturalmente, sem entraves, mas sua narrativa é sempre morna. Gostei da relação construída e das reflexões cativadas.
Parabéns pelo trabalho e boa sorte no certame!
Olá, Golem, gostei bastante do seu texto, muito bem escrito, um dos meus preferidos.
Deu para perceber que você possui conhecimentos sobre música e produção musical. Eu, que não entendo nada do assunto, consegui apender alguma coisa. As citações mais técnicas poderiam ter me incomodado, truncado a leitura, mas achei interessantes e as recebi com prazer.
O texto traz vários temas importantes como a contraposição entre o antigo e o novo; a evolução, que muitas vezes é compreendida como algo positivo e nem sempre o é; a relação homossexual e proibida; o relacionamento entre pessoas de povos distintos e em conflito.
Na verdade, gostei de quase tudo no seu texto, só achei que a questão das diferenças entre passado e futuro tiveram um desenvolvimento e uma atenção muito maiores no texto em comparação com a questão da Sara. Citou o triângulo amoroso e nos convidou a uma espiadinha na esfera pessoal, mas acabou tratando do assunto de forma muito breve. O final também achei um pouco aquém do que eu esperava.
aperto de mão frouxo e protocolar, quase um irônico “há quanto tempo, hein?” – achei estranho este trecho, um aperto de mão frouxo remete a fraqueza, desinteresse, insegurança não a um irônico há quanto tempo. Isso na minha opinião.
Respondei – respondeu
cada um instalado na (em uma) orelha do boneco
alargadores no lóbulo (nos lóbulos) das orelhas
para essa sessão. Vou ser o produtor dessa sessão – repetição de palavras muito próximas
o sr. aparece ora com maiúscula, ora com minúscula. O correto é tudo em minúscula.
nunca imaginou que faria tanto barulho por nada – kkkk gostei dessa
Olá Golem.
Lindo conto sobre a desumanização das artes. Pode-se extrair os sons de um violino tocado por um grande mestre. Pode-se limpar o som perfeitamente. Mas não há como inserir alma.
Durante o conto, Ismael e Ytzhak também se confrontam com escolhas e perdas do passado. Tudo adiciona mais camadas de sentimentos à sua história.
O final, triste, reforça as perdas de Ytzhak e a sensação de que não há lugar no munto para a verdadeira beleza e o verdadeiro talento.
Parabéns!!!
Kelly
Olá. Estava curioso para ler este texto, que dois entrecontistas “chutaram” como sendo de minha autoria. Espero o respectivo caché… 🙂 Piadas à parte, gostei do texto, que vive de vários confrontos: o confronto étnico (Israel – Palestina), o confronto entre o passado e a actualidade, onde se privilegia o imediato (sem esquecer o desfecho violento, mais um sinal da actualidade). Por último, há um confronto amoroso, um trio romântico improvável em duas culturas que reprimem a homofobia – é neste último confronto que reside alguma incoerência, passando a ideia de que há 40 anos, a escolha entre um relacionamento homossexual ou heterossexual seria banal. Não o é agora, não seria na altura. Mas esse peso não é sentido no conto. Penso que isso fica subjacente ao tema: o peso da tradição pesou na decisão e duas pessoas foram infelizes durante as suas vidas devido a essa escolha. Em termos linguísticos, não encontrei problema de maior. O desfecho é inesperado, mas fecha brilhantemente a história.
O texto trabalha com a reconfiguração da música e de seu mercado, depois do avanço da tecnologia da área, e traz, ainda, um paralelo com o cenário socioeconômico.
A trama está bem ambientada e desenvolvida, apesar de que o excesso de termos técnicos e alguns trechos dispensáveis tenham, em parte, quebrado-lhe o ritmo. A história apresenta uma série de situações identificáveis ao leitor, e tenta pegá-lo de jeito em certos momentos do protagonista, que provoca bastante empatia. Nessas cenas, parece-me, que o andamento calmo e constante usado não confere tanto impacto e tenho a sensação de ver a intenção de emotividade, sem chegar a senti-la. Bem, o desfecho traz uma carga dramática maior, é comovente.
O pseudônimo, acho, é uma referência à artificialidade da música eletrônica, já que Golem é um ser artificial místico, associado à tradição judaica, que pode ser trazido à vida através de um processo divino.
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio!Abraço.
Olá, Golem! Obrigado por compartilhar 96kHz/24bit conosco ♥
Um conto provavelmente escrito por alguém que entende muito do processo de construção musical. Bem escrito, com argumentos e conflitos interessantes, mas que foram pouco entrelaçados.
– PONTOS POSITIVOS: A relação entre “velha” e “nova” forma de fazer música sendo trabalhada paralelamente à relação entre os dois personagens principais foi o ponto mais alto do texto.
Tem questões sociais muito importantes no seu conto, só acho uma pena que elas só tenham aparecido, de fato, no final do texto.
– CONSIDERAÇÕES: Os diálogos ficaram um tanto artificiais, sem a fluidez de uma conversa, e alguns até repetitivos. Exemplo: “Boa noite. Eu sou Zayn, agradeço muito o senhor por aceitar o meu convite para ESSA SESSÃO. Vou ser o produtor DESSA SESSÃO”.
O excesso de informações técnicas atrapalhou o ritmo e o potencial emotivo de algumas cenas. (Neste ponto, achei uma semelhança entre este conto e o AS CARAS DO CLUBE.)
É um trabalho legal, com muito potencial, só acho que faltou uma última revisão da escaleta para deixar tudo em harmonia (que é tão importante para a música, quanto é para a literatura).
Parabéns! ☮
Sou péssima em comentar contos. Fico sempre no “gostei” e no “não gostei”; realmente me falta a objetividade e a profundidade nas análises. Por isso já peço desculpas pela pobreza das minhas observações.
O conto é bem escrito, nada a criticar nesse quesito. Até mesmo acho que já sei de quem é, pela temática musical e pelo “jeitão”. E foi pelo estilo até que me decepcionou um pouco, porque pareceu ter sido escrito com um pouco de pressa.
Mas isso eu sinto no meu próprio conto – que realmente foi escrito com pressa e agora dele até me envergonho -, então posso estar apenas projetando. Enfim, divago. O que quis dizer é que a escrita, apesar de correta, não me encantou muito.
A história prometeu muito, mas acho que não entregou. O conflito entre os dois homens, que foi sugerido habilmente no começo, minguou ao longo do texto. A contraposição entre a arte “moderna” e a “tradicional” foi um pouco mais feliz, mas ainda assim um pouco prejudicada pelo excesso de referências técnicas. Se me entediou um pouco ler sobre isso, eu sendo uma pessoa que frequentou estúdios de gravação, imagino a sensação que deve ter dado a alguém fora desse universo.
O final poderia ter sido um pouco mais bem trabalhado, na minha opinião, porque, apesar de impactante, foi, pra mim, abrupto demais. Deixou-me com uma sensação de incompletude. Mas talvez tenha sido exatamente essa sua intenção.
Enfim, um bom conto, bem escrito, uma história bem ambientada e intrigante. Mas faltou alguma coisa que nem sei explicar. Sim, sou péssima mesmo nesse negócio de comentar.
De qualquer modo, parabéns pelo trabalho e boa sorte.
Olá, Golem, tudo bem?
Farei considerações sobre seu conto na forma de A-R-T-E:
A = A arte em si = Música raiz, música nutella, música tecnológica! O tema exigido pelo desafio foi abordado com sucesso.
R = Revisão = Poucas falhas:
– respondei Ismaël > respondeu Ismaël
– bastava um laptop e os softwares certos > bastavam um laptop e os softwares
– podem emitir notas > pode emitir notas
T =Trabalho de escrita/narrativa = A escrita apurada revela conhecimento musical e de técnicas mais modernas de gravação. Os personagens são bem construídos, mas não vi necessidade de explicar a razão do conflito entre os dois homens. Eram de mundos e experiências diferentes, mas ao mesmo tempo possuíam muito em comum. O diálogo em que conversam sobre Sara poderia ser facilmente omitido, mas também não prejudicou em nada a narrativa. Sara deveria ser judia como o violinista e portanto, o pai de Ismaël não aprovava o relacionamento entre ela e o filo.
E = Então, autor[a] = Já estava angustiada com a percepção de ter seu talento transferido para uma máquina de sons, sua técnica apurada ter sido captada e eternizada para composição de arranjos alheios, mecânicos e sem o toque de sua humanidade. Isso já foi bem doloroso de ler, aí você acrescenta o assalto… Levam o instrumento, o dinheiro e a esperança. Agora o pobre coitado nem pode saldar a divida na loja de penhores, não tem mais o instrumento para trabalhar e sabe-se lá como vai viver. Por que fez isso comigo? Como pode ver, seu conto conseguiu me envolver bastante. Vou tentar não ficar com raiva de você…
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio.
96kHz/24bit
Um texto contrapondo a técnica tradicional de criação musical com as novas engrenagens da indústria fonográfica.
Me agrada a pegada conservadora do conto, no sentido da valorização do criar artístico enquanto parte da expressão humana mais elevada, para além dos desejos e atropelamentos do mercado da música.
Vamos a algumas observações acerca do seu texto:
Coesão – O texto é claro ao apresentar, desde o primeiro parágrafo, a intenção de contar uma história de um músico das antigas, talentoso, porém, sem o gozo das benesses do sucesso. Entretanto, existe uma parte do texto em que o autor desvia o foco para uma terceira pessoa, um relacionamento conflituoso, ao menos nas intenções, e que deixa uma dúvida, se era uma espécie de conflito pelo amor da mesma mulher ou um sentimento reprimido entre os dois homens. Pelo diálogo acredito que seja a segunda opção. Então, veja, uma dúvida que toma toda a atenção do seu texto, que rouba a energia dele para um assunto não fundamental (à minha leitura) ao enredo que você nos apresenta lá no começo.
Ritmo – O apontamento que fiz sobre a coesão, interfere também no ritmo, uma vez que tenho que decifrar a questão paralela que você me apresentou para então poder voltar ao assunto cerne do conto. Além disso, as quebras no texto pareceram-me desnecessárias, uma vez que você não fez nenhuma viagem no tempo ou mudou completamente de assunto.
Impacto – Gosto do debate necessário entre a arte clássica e a pós-moderna. E gostei do apontamento sobre a falta de “humanidade” na música produzida pelos equipamentos, o que, obviamente, desvirtua o propósito clássico de arte enquanto um “elevador” da condição humana, muito mais do que uma “atendedora” de necessidades mercadológicas imediatas.
Gostei da premissa e parabenizo pelo texto.
Olá! Tudo bem?
Seguindo os passos da melhor revisora de todos os tempos, a dileta Claudia Roberta Angst, farei considerações sobre seu conto na forma de A-R-T-E:
A = A arte em si = A arte aparece com sucesso no conto: o protagonista é um músico que sofre de inadequação à realidade do mercado.
R = Razões para ODIAR o conto (porque sou desses) = Ele é melhor do que o meu. E está ambientado no estrangeiro.
T = Trabalho de escrita/narrativa = A escrita é excelente.
E = Então, autor[a] = O conto está muito bem escrito e aborda uma questão relevante: o que é arte? No texto, o protagonista aparentou fazer uma escolha conservadora, mas, nem por isso, desprezível – acho válido por certos trabalhos “artísticos” sob suspeita, embora não chegue ao estremo de por sob suspeita tudo aquilo que me desagrada (a que se analisar cada caso).
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio!
Ambientação= No tema, Música. Ambientar a história fora do Brasil, é válido. Escritores conhecidos fazem e fizeram. Inclusive eu. rsrs.
Escrita= Boa, normal, descrições e diálogos coerentes.
Enredo= Músico antigo, é contratado para fazer uma gravação com aparelhagem moderna, recebe o pagamento e na saída, é roubado.
Considerações Gerais= Achei um argumento muito simples, comum e não percebi o mote do conto. Os termos técnicos se destacaram mais do que a própria história. Me pareceu parte de uma história maior, pois havia um relacionamento entre Ytzhak e Ismaël, que pouco foi contado. A maioria dos termos técnicos não entendi, não conheço teoria musical, notas musicais, tampouco os equipamentos mencionados, mas isso não é desculpa para não ter gostado do conto. Tirando isso, sobra pouca coisa. Não fiquei impressionado seja com as emoções, o suspense, o mistério, porque não houve, não que seja obrigatório num conto. Achei que Zayn seria um místico, que faria algo fantástico, transcendental, mas apenas fez um programa de computador. Veja que há várias possibilidades para esse argumento. Um enfoque maior na relação dos dois homens, tornaria a história mais interessante do que os termos técnicos.. Boa sorte.
Resumo: Velho violinista é chamado para uma sessão de gravação no estúdio de um antigo amigo. Desacostumado com as novas tecnologias, se depara com o mundo contemporâneo das produções musicais, além de se reencontrar com antigas pendências.
Comentário: Olá, Golem. Seu conto, dividido em pequenos episódios de uma noite israelita, levanta uma série de reflexões sobre a forma de se fazer arte no mundo contemporâneo. Há, claro, um saudosismo na figura de Yosef, um músico que, apesar de virtuoso e reconhecido, se encontra falido diante do novo mercado artístico e dos produtos que ele consome. O andar da narrativa segue para esclarecer esse argumento. O produtor musical é visto como sem talento artístico nenhum, pelo fato de saber mexer com tecnologias e apenas reproduzir o som do violino de Yosef no computador sem nenhuma humanidade. Claro que esse é um debate que vai longe, sobre a qualidade ou valor artístico daquilo que se produz atualmente. Alguém que produz música eletrônica, ou escuta décadas de discos clássicos de inúmeros gêneros para fazer o sample certo, misturando técnicas, é também um artista competente( além de precisa entender o mínimo de música).
Ainda nesse ponto, lendo seu texto lembrei de uma coluna do Antônio Prata, intitulada “Civilização” (27/01/2019), na qual o autor apresenta a história de uma cidade inteira que fica em silêncio para que um museu pudesse registrar o timbre dos violinos produzidos por Antonio Stradivari, únicos no mundo, mas pertos de chegarem no seu limite físico. Na coluna, a ideia defendida é a de que, no futuro, jovens de todas as partes do mundo poderão compor com as notas únicas soadas pelo Stradivarius. Esse resgate, possível pela tecnologia, e uso livre da obra de um grande artista, sua transformação e reprodução em outros meios, também pode ser considerado como manifestação artística.
Voltando para o conto, o personagem tem um aspecto ranzinza que combina com a história que está sendo contada. A música lhe deu humanidade, mas tirou o amigo e a esposa. É, talvez, a única coisa que possuía de fato, por isso o desprezo com o produtor. A escrita é boa, sem erros e floreios.
Já o final, fortalece o drama do protagonista: roubado duas vezes, o que lhe restará?
Um belo conto, mas com a necessidade desse parêntese.
Parabéns e boa sorte no desafio!