─ O JARDIM DAS HASPÉRIDES ─
Sobre a colina, uma mansão sombria, ancestral.
Torres sinistras erguem-se para o céu
como garras de um monstro ciclópico
surgindo das entranhas da terra.
Musgos sulfurosos cobrem as pedras do alicerce.
Nas margens do caminho, crescem flores funéreas exalando perfumes nefastos.
As gárgulas com suas bocas escancaradas
nos beirais do telhado
são como sentinelas petrificadas em seu rosnar mudo
ao intruso que surge de repente das sombras.
Um bufo imprudente transpõe o portão.
Mas logo foge ao pressentir o encanto fatal.
Coaxa de espanto e medo.
Saltando, retorna ao brejo, sumindo sob o manto da neblina que cobre o pântano.
Volta o pesado silêncio da noite.
No jardim, permanece o mistério.
-2008
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A MARGEM
Sentado à beira-mar
Numa cadeira sobre a areia
Eu tentava ler um livro
Na leitura me concentrar
Mas a mente sem rumo vagueia
Por outras esferas
Ouvindo cantos de sereia
Eco de outras Eras
Ao longe vejo um risco escuro
Um vulto tremeluzente
Que surgiu de repente
Miragem? Real?
Não estou seguro.
Talvez seja a dona de minha vida
Aquela do meu destino
Ao longe indefinida
Não dá para saber
Na margem a se mover
Sob o sol a pino
Nessa plena incerteza
Abro o livro, começo a ler.
Dalém do mar profundo
Na tempestade que rugia
Irrompem os Titãs irados
Lutando em altos brados
Sob a chuva que caia
Uma vaga violenta
Sobre a nau se arrebenta
Destruindo sem piedade
E acima do furor da tempestade
Um som horrível se ouvia
O som metálico, soturno.
Do tridente mortal de Netuno
Em meu ouvido sopra a Musa
E volto a olhar a sombra confusa
A confusa imagem
Que surgiu na paisagem
Agora vejo com mais clareza
A sombra encapuçada
Vejo agora que é ela
Implacável, determinada
Com certeza
Aquela a quem espero
Mas com seu andar cadenciado,
Ela passa reto ao meu lado
Segurando displicente
A FOICE iminente
Sorri e vai além
– Ainda não é hora.
Disse ela e foi embora.
O meu livro volto a ler.
-2008
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JUNTOS PARA SEMPRE
E de repente, da realidade
Surge o espanto
Da noite fez-se a verdade
E os dias de felicidade
Viraram angustia, dor e pranto.
Estendido sobre a cama eu chorava
Por aquela mulher que tanto amava
E na dor desse meu pranto
Triste, me lamentava
O que será de mim agora
Sem aquele amor que foi embora
Que será de minha vida
Como viver sem minha amada
Viverei com a alma ferida
Perdido no mundo, sem nada
Estendido sobre a cama eu chorava
Por aquela que eu tanto amava
Que destino atroz
Viverei em meu quarto vazio
Morrendo como planta no estio
De repente ouço uma voz
Ergo a cabeça, escuto atento
Esqueço a tristeza por um momento
Julgo ouvir a voz dela
Rapidamente corro à janela
Uma voz distante soa
Não, não estou sonhando
A voz que ao longe ecoa
É a minha amada que está voltando!
O dia finda
Mas, o sol brilha ainda
Alguém toca piano
Os pássaros estão a cantar
Há um encanto poético no ar
Retornou a minha amada
Ela me chama com afeição
Vou correndo pela estrada
Acabou-se a solidão
Rindo como criança
Cheio de esperança
Corro veloz
Ao encontro de sua voz
Vai-se o dia
Escurece
O canto na mata emudece
Sobre a mata sombria
A lua aparece
Continuo correndo, voo é quase certo
Agora ela está mais perto
Com sua luz tênue, a lua ilumina
O campo coberto de sombras e mistério
Da relva ergue-se uma bruma fina
Da bruma, um vulto etéreo
É ela!
Surge de repente
Com seu vestido vaporoso
Transparente
Os cabelos claros
Que a brisa agita
Uma longa fita
Como adereço
O rosto que bem conheço
Seus belos traços
Corro para ela e me entrego
Aos seus braços
Com seu irresistível encanto
Ela sorri, murmura meu nome
Sinto no pescoço seus lábios ardentes
E aquela boca que amo tanto
Crava em mim
Seus longos e pontiagudos dentes
Sorrindo, lentamente desfaleço
Ouvindo-a sugar meu sangue quente.
Afinal, juntos para sempre!
-2010
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O CORVO
Certo dia ao entardecer, estava eu a ler antigos manuscritos, quando um corvo pousou na janela do meu quarto.
A ave sinistra me olhou como se eu fosse um inseto e disse: – Vês o sol que parece um olho vermelho tingido de sangue? Foge da noite que chega com seus milhões de olhos lívidos e estranho silencio.
Após dizer essas palavras, o corvo bateu asas e voou, crocitando: – Poe! Poe! Poe, onde estás?
Me ergui para fechar a janela, mas no assoalho cheio de pó, depois de muito tempo sentado escrevendo, meus pés criaram raízes…
-2019
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VERSOS-DI-VERSOS
As rochas, brancas, lisas
Cingem o deserto com avareza
Como brancas balizas
Expõe sua magreza
I
Longos, como estradas tortas
Seguem os rios vivos
Ressuscitando coisas mortas
Pelos seus caminhos de giros
II
Desliza a brisa
No início da manhã
Alisa a brisa
A relva em lã
III
No pensamento a poesia
Toma forma
A forma de teu rosto
Na forma de teu rosto
A poesia se torna
E teu rosto se forma
Em forma de poesia.
IV
Como que ao céu pendurado
O mar brinca, bamboleia
Rapidamente beija a areia
Um beijo molhado
V
É tarde e a estação está vazia
Triste e fria na paisagem
E os trens nos trilhos
Trilham a vida em viagem
VI
No abandono
A lua
Mira
Silencio
De
Esquecimento
Solidão distancia tira
A vida sem fingimento
VII
Um sentimento explode-Paixão.
Sua ausência é febre-Solidão
A esperança é sonho-Fantasia
De tê-la nos braços- Um dia
Amá-la com ardor- Paixão
Mas acordo e sinto- Solidão.
VIII
Você, tão longe
Triste destino o meu
Nesta cidade deserta
Você se cala
Não escreve não telefona, não fala
Saudade aperta
Eu faço a mala
Pego o trem-bala
Chego na estação
Você estende a mão
Mas, o trem não
para…
-1980
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O SILÊNCIO
O silêncio da boca
Revela a alma oca
O silêncio da boca
Que se cala
Foi guardado na mala
Da sala.
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O SOM
Suspira a lira
Um som delírio
Na translúcida manhã
Alisa a brisa
A relva em lã
_1970
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O REINO DO DRAGÃO
Uma menina sentou-se em frente à lareira e começou a ler um livro de contos de fadas, depois cansada, adormeceu e sonhou.
Na lareira, num galho de figueira encantada, brotou uma chama dançante como se fosse uma estrela brilhante. O galho ardente estalou lançando figuras coloridas no ar.
Enquanto a menina dormia, da chama, dragões, duendes e fadas surgia ao seu redor a dançar.
O tempo passou, amanheceu e a menina acordou. A lareira estava apagada com o interior escurecido, tal qual a boca de um dragão adormecido.
Entre as cinzas uma figura faiscante ainda estava a dançar, a menina sorriu, fechou os olhos e continuou a sonhar.
-1970
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T-800
Aço frio, sem pensamento, botões, alavancas, fios, faísca, energia
Bloco inteiro dormente, osso, aço e o sangue a fluir, vivendo sem sentir
Engrenagens grossas, finas, discos e serpentinas
Placa luzente, pele de metal, parafusos, rebites, espiral
E o ruído do motor libertando-se do seu senhor…
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RIMAS
O solo estala-Embora leve
O mar e a mala- Agora a neve
Se o horizonte me chama- Olho o poço
A vida é um drama-Não sou mais moço
Procuro a rima-Descrevo o olhar
A luz vem de cima- Pensamento no ar
Se o sol brilha-Esqueci de escrever
Eu sou uma ilha-Convém esquecer…
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TEMPO
Plácidos dias que passam
Calmas horas que voam
Tempo que passa e voa
Em plácidos dias calmos
Nestes calmos dias que passo
Olho as horas que voam
Nas calmas horas que passam
Nos dias que passam e voam
Fico um pouco mais velho
Parado na Vida à toa
Mas o tempo não para, voa…
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AMANHECER
O dia nasce o sol desponta no horizonte, as aves cantam nas folhagens. Uma brisa leve sopra sobre as águas do rio, agita os lírios que crescem nas margens.
No dia claro, na manhã fresca, cantam os pássaros que o sol aquece, no meio da mata, na beira do rio onde o lírio cresce.
O dia lentamente finda e o sol atrás dos montes desaparece, a mata emudece, cala-se o pássaro na noite que desce, a flor se recolhe, adormece.
Surgem os animais noturnos, rastejantes, voadores, silenciosos caçadores.
A lua aparece. Ruge uma fera, a mata estremece. Calam-se os grilos, o mocho se assusta, o sapo no brejo desaparece. E a fera, que a fome aborrece, rosna entre aa folhagem, na beira do rio pisando sobre os lírios da margem.
O tempo passa, vai-se a lua que a noite fenece. A manhã murmura um som que é uma prece. As feras se recolhem as suas tocas e ninhos, nasce novo dia e o sol lentamente, resplandece. Cantam as aves entre a folhagem, e na beira do rio, renascem novos lírios na margem.
-2011
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CORAÇÃO CATIVO
Mulher rendeira, fiandeira, feiticeira
Tece fios, tece mágica, com suas fitas, faz infinitas
Tramas que engendras nos laços
Com teus dedos mágicos, em gestos rápidos, tramas
Infinitas rendas
Minha vida se enrola nos mistérios de teus encantos, fico preso
Nas rendas de teus abraços…
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TEORIA DAS IDEIAS
Palavras ao vento não deixam sinais
O tempo que passa não volta jamais
A cratera na face da lua
Revela a solidão de sua pele nua
A esfinge espia as almas cansadas
Nas pontas dos dedos contos de fadas
O mistério dentro da alma ecoa
As razões que o pensamento no espaço voa…
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A CARAVANA
A caravana viaja
Junto seguem os cães
Os lobos espreitam
As hienas espiam
A caravana para
Os viajantes almoçam
Os cães comem as migalhas
Os lobos lambem os beiços
As hienas suspiram
A caravana descansa
Os viajantes dormem
Os lobos cercam
As hienas esperam
Os lobos atacam
Os viajantes fogem
Os cães ladram
A caravana se perde
Os lobos rosnam
As hienas roem os ossos
E satisfeitas, riem…
-1980
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Ontem li o primeiro poema. Hoje li o segundo. Não sei ler poesia (ou não tenho o hábito de ler poesia). Ia comentar apenas ao final de toda a leitura, mas esse segundo poema me divertiu tanto, mas tanto, que não resisti a deixar um comentário de uma vez! Parabéns, Antônio! Tive de me conter para não dar uma boa gargalhada com essa visita da morte à praia!
O terceiro também é bastante divertido. Pelo tom, fui percebendo que não seria sobre o amor romântico. Por um momento, pensei até que o eu-lírico seria uma criança e, a amada, a mãe. Mas, de qualquer maneira, o final foi surpreendente.
O Reino do Dragão é bem legal! Muito delicado! Fofo!
Obrigado pela leitura e comentário
Olá.
Gostei de seus versos, mas dos fortes. Vampiros e mortes em poesia me agradam. Gosto da forma com que foram acontecendo, das mudanças, da forma que pontuou ou melhor, não pontuou alguns. Em alguns tem o jogo de palavras que criam uma cadência que atrita, sem ser desconfortável, obviamente. Os finais de algumas delas são bem delineados, quase um conto poético. ”T 800” me levou ao cinema. ”A Caravana” é intrigante, perfeita e terrível também. “O Corvo” também é interessante – inclusive acho que vou deitar porque minhas pernas já estão raízes aqui na beira da cama. “O som” me lembrou das aulas de Escansão (Silabas Poéticas) do poeta e professor Paulo Henriques Britto. Fui até brincar um pouco com ele.
sus-pi-raa-li-ra > (4 sílabas [4 = 5-1])
um-som-de-lí-rio > (4 sílabas [4 = 5-1])
na-trans-lú-ci-da-ma-nhã > (7 sílabas)
a-li-saa-bri-sa > (4 sílabas [4 = 5-1])
a-rel-vaem-lã > (4 sílabas)
Amei seus versos.
Elisabeth
Obrigado Lorena pelo comentário, especialmente pelo destaque das silabas.
Gostei muito. O tom contemplativo, plagente, árcade, embala os pensamentos para longe. Os símbolos, as alusões mitológicas dão um toque místico, encantatório. O ritmo, às vezes até lúgubre, deixa a leitura fluir, musical. Nem percebi quando cheguei ao fim. Muito agradável para ler e meditar, para refletir ou relaxar a mente ao entardecer
Parabéns, Stegues.
Obrigado Wilson pelo comentário e excelente interpretação.