EntreContos

Detox Literário.

Folhas mortas no jardim sombrio – Poesia (Antonio Stegues Batista)

─ O JARDIM DAS HASPÉRIDES ─

Sobre a colina, uma mansão sombria, ancestral.

Torres sinistras erguem-se para o céu

como garras de um monstro ciclópico

surgindo das entranhas da terra.

Musgos sulfurosos cobrem as pedras do alicerce.

Nas margens do caminho, crescem flores funéreas exalando perfumes nefastos.

As gárgulas com suas bocas escancaradas

nos beirais do telhado

são como sentinelas petrificadas em seu rosnar mudo

ao intruso que surge de repente das sombras.

Um bufo imprudente transpõe o portão.

Mas logo foge ao pressentir o encanto fatal.

Coaxa de espanto e medo.

Saltando, retorna ao brejo, sumindo sob o manto da neblina que cobre o pântano. 

Volta o pesado silêncio da noite.

No jardim, permanece o mistério.

-2008

****

A MARGEM

Sentado à beira-mar

Numa cadeira sobre a areia

Eu tentava ler um livro

Na leitura me concentrar

Mas a mente sem rumo vagueia

Por outras esferas

Ouvindo cantos de sereia

Eco de outras Eras

Ao longe vejo um risco escuro

Um vulto tremeluzente

Que surgiu de repente

Miragem? Real?

Não estou seguro.

Talvez seja a dona de minha vida

Aquela do meu destino

Ao longe indefinida

Não dá para saber

Na margem a se mover

Sob o sol a pino

Nessa plena incerteza

Abro o livro, começo a ler.

Dalém do mar profundo

Na tempestade que rugia

Irrompem os Titãs irados

Lutando em altos brados

Sob a chuva que caia

Uma vaga violenta

Sobre a nau se arrebenta

Destruindo sem piedade

E acima do furor da tempestade

Um som horrível se ouvia

O som metálico, soturno.

Do tridente mortal de Netuno

Em meu ouvido sopra a Musa

E volto a olhar a sombra confusa

A confusa imagem

Que surgiu na paisagem

Agora vejo com mais clareza

A sombra encapuçada

Vejo agora que é ela

Implacável, determinada

Com certeza

Aquela a quem espero

Mas com seu andar cadenciado,

Ela passa reto ao meu lado

Segurando displicente

A FOICE iminente

Sorri e vai além

– Ainda não é hora.

Disse ela e foi embora.

O meu livro volto a ler.

-2008

****

****

JUNTOS PARA SEMPRE

E de repente, da realidade

Surge o espanto

Da noite fez-se a verdade

E os dias de felicidade

Viraram angustia, dor e pranto.

Estendido sobre a cama eu chorava

Por aquela mulher que tanto amava

E na dor desse meu pranto

Triste, me lamentava

O que será de mim agora

Sem aquele amor que foi embora

Que será de minha vida

Como viver sem minha amada

Viverei com a alma ferida

Perdido no mundo, sem nada

Estendido sobre a cama eu chorava

Por aquela que eu tanto amava

Que destino atroz

Viverei em meu quarto vazio

Morrendo como planta no estio

De repente ouço uma voz

Ergo a cabeça, escuto atento

Esqueço a tristeza por um momento

Julgo ouvir a voz dela

Rapidamente corro à janela

Uma voz distante soa

Não, não estou sonhando

A voz que ao longe ecoa

É a minha amada que está voltando!

O dia finda

Mas, o sol brilha ainda

Alguém toca piano

Os pássaros estão a cantar

Há um encanto poético no ar

Retornou a minha amada

Ela me chama com afeição

Vou correndo pela estrada

Acabou-se a solidão

Rindo como criança

Cheio de esperança

Corro veloz

Ao encontro de sua voz

Vai-se o dia

Escurece

O canto na mata emudece

Sobre a mata sombria

A lua aparece

Continuo correndo, voo é quase certo

Agora ela está mais perto

Com sua luz tênue, a lua ilumina

O campo coberto de sombras e mistério

Da relva ergue-se uma bruma fina

Da bruma, um vulto etéreo

É ela!

Surge de repente

Com seu vestido vaporoso

Transparente

Os cabelos claros

Que a brisa agita

Uma longa fita

Como adereço

O rosto que bem conheço

Seus belos traços

Corro para ela e me entrego

Aos seus braços

Com seu irresistível encanto

Ela sorri, murmura meu nome

Sinto no pescoço seus lábios ardentes

E aquela boca que amo tanto

Crava em mim

Seus longos e pontiagudos dentes

Sorrindo, lentamente desfaleço

Ouvindo-a sugar meu sangue quente.

Afinal, juntos para sempre!

-2010

****

O CORVO

Certo dia ao entardecer, estava eu a ler antigos manuscritos, quando um corvo pousou na janela do meu quarto.

A ave sinistra me olhou como se eu fosse um inseto e disse: – Vês o sol que parece um olho vermelho tingido de sangue? Foge da noite que chega com seus milhões de olhos lívidos e estranho silencio.

Após dizer essas palavras, o corvo bateu asas e voou, crocitando: – Poe! Poe! Poe, onde estás?

Me ergui para fechar a janela, mas no assoalho cheio de pó, depois de muito tempo sentado escrevendo, meus pés criaram raízes…

-2019

****

VERSOS-DI-VERSOS

As rochas, brancas, lisas

Cingem o deserto com avareza

Como brancas balizas

Expõe sua magreza

I

Longos, como estradas tortas

Seguem os rios vivos

Ressuscitando coisas mortas

Pelos seus caminhos de giros

II

Desliza a brisa

No início da manhã

Alisa a brisa

A relva em lã

III

No pensamento a poesia

Toma forma

A forma de teu rosto

Na forma de teu rosto

A poesia se torna

E teu rosto se forma

Em forma de poesia.

IV

Como que ao céu pendurado

O mar brinca, bamboleia

Rapidamente beija a areia

Um beijo molhado

V

É tarde e a estação está vazia

Triste e fria na paisagem

E os trens nos trilhos

Trilham a vida em viagem

VI

No abandono

A lua

Mira

Silencio

De

Esquecimento

Solidão distancia tira

A vida sem fingimento

VII

Um sentimento explode-Paixão.

Sua ausência é febre-Solidão

A esperança é sonho-Fantasia

De tê-la nos braços- Um dia

Amá-la com ardor- Paixão

Mas acordo e sinto- Solidão.

VIII

Você, tão longe

Triste destino o meu

Nesta cidade deserta

Você se cala

Não escreve não telefona, não fala

Saudade aperta

Eu faço a mala

Pego o trem-bala

Chego na estação

Você estende a mão

Mas, o trem não

para…

-1980

****

O SILÊNCIO

O silêncio da boca

Revela a alma oca

O silêncio da boca

Que se cala

Foi guardado na mala

Da sala.

****

O SOM

Suspira a lira

Um som delírio

 Na translúcida manhã

Alisa a brisa

A relva em lã

_1970

****

                      O REINO DO DRAGÃO

Uma menina sentou-se em frente à lareira e começou a ler um livro de contos de fadas, depois cansada, adormeceu e sonhou.

Na lareira, num galho de figueira encantada, brotou uma chama dançante como se fosse uma estrela brilhante. O galho ardente estalou lançando figuras coloridas no ar.

Enquanto a menina dormia, da chama, dragões, duendes e fadas surgia ao seu redor a dançar.

O tempo passou, amanheceu e a menina acordou. A lareira estava apagada com o interior escurecido, tal qual a boca de um dragão adormecido.

Entre as cinzas uma figura faiscante ainda estava a dançar, a menina sorriu, fechou os olhos e continuou a sonhar.

-1970

****

                      T-800

Aço frio, sem pensamento, botões, alavancas, fios, faísca, energia

Bloco inteiro dormente, osso, aço e o sangue a fluir, vivendo sem sentir

Engrenagens grossas, finas, discos e serpentinas

Placa luzente, pele de metal, parafusos, rebites, espiral

E o ruído do motor libertando-se do seu senhor…

****

        RIMAS

O solo estala-Embora leve

O mar e a mala- Agora a neve

Se o horizonte me chama- Olho o poço

A vida é um drama-Não sou mais moço

Procuro a rima-Descrevo o olhar

A luz vem de cima- Pensamento no ar

Se o sol brilha-Esqueci de escrever

Eu sou uma ilha-Convém esquecer…

****

                      TEMPO

Plácidos dias que passam

Calmas horas que voam

Tempo que passa e voa

Em plácidos dias calmos

Nestes calmos dias que passo

Olho as horas que voam

Nas calmas horas que passam

Nos dias que passam e voam

Fico um pouco mais velho

Parado na Vida à toa

Mas o tempo não para, voa…

****

                      AMANHECER

O dia nasce o sol desponta no horizonte, as aves cantam nas folhagens. Uma brisa leve sopra sobre as águas do rio, agita os lírios que crescem nas margens.

No dia claro, na manhã fresca, cantam os pássaros que o sol aquece, no meio da mata, na beira do rio onde o lírio cresce.

O dia lentamente finda e o sol atrás dos montes desaparece, a mata emudece, cala-se o pássaro na noite que desce, a flor se recolhe, adormece.

Surgem os animais noturnos, rastejantes, voadores, silenciosos caçadores.

A lua aparece. Ruge uma fera, a mata estremece. Calam-se os grilos, o mocho se assusta, o sapo no brejo desaparece. E a fera, que a fome aborrece, rosna entre aa folhagem, na beira do rio pisando sobre os lírios da margem.

O tempo passa, vai-se a lua que a noite fenece. A manhã murmura um som que é uma prece. As feras se recolhem as suas tocas e ninhos, nasce novo dia e o sol lentamente, resplandece. Cantam as aves entre a folhagem, e na beira do rio, renascem novos lírios na margem.

-2011

****

CORAÇÃO CATIVO

Mulher rendeira, fiandeira, feiticeira

Tece fios, tece mágica, com suas fitas, faz infinitas

Tramas que engendras nos laços

Com teus dedos mágicos, em gestos rápidos, tramas

Infinitas rendas

Minha vida se enrola nos mistérios de teus encantos, fico preso

Nas rendas de teus abraços…

****

           TEORIA DAS IDEIAS         

Palavras ao vento não deixam sinais

O tempo que passa não volta jamais

A cratera na face da lua

Revela a solidão de sua pele nua

A esfinge espia as almas cansadas

Nas pontas dos dedos contos de fadas

O mistério dentro da alma ecoa

As razões que o pensamento no espaço voa…

****

A CARAVANA

A caravana viaja

Junto seguem os cães

Os lobos espreitam

As hienas espiam

A caravana para

Os viajantes almoçam

Os cães comem as migalhas

Os lobos lambem os beiços

As hienas suspiram

A caravana descansa

Os viajantes dormem

Os lobos cercam

As hienas esperam

Os lobos atacam

Os viajantes fogem

Os cães ladram

A caravana se perde

Os lobos rosnam

As hienas roem os ossos

E satisfeitas, riem…

-1980

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8 comentários em “Folhas mortas no jardim sombrio – Poesia (Antonio Stegues Batista)

  1. Anderson Prado
    25 de abril de 2021

    Ontem li o primeiro poema. Hoje li o segundo. Não sei ler poesia (ou não tenho o hábito de ler poesia). Ia comentar apenas ao final de toda a leitura, mas esse segundo poema me divertiu tanto, mas tanto, que não resisti a deixar um comentário de uma vez! Parabéns, Antônio! Tive de me conter para não dar uma boa gargalhada com essa visita da morte à praia!

    • Anderson Prado
      25 de abril de 2021

      O terceiro também é bastante divertido. Pelo tom, fui percebendo que não seria sobre o amor romântico. Por um momento, pensei até que o eu-lírico seria uma criança e, a amada, a mãe. Mas, de qualquer maneira, o final foi surpreendente.

      • Anderson Prado
        25 de abril de 2021

        O Reino do Dragão é bem legal! Muito delicado! Fofo!

      • Antonio Stegues Batista
        9 de setembro de 2021

        Obrigado pela leitura e comentário

  2. Elisabeth Lorena
    24 de abril de 2021

    Olá.
    Gostei de seus versos, mas dos fortes. Vampiros e mortes em poesia me agradam. Gosto da forma com que foram acontecendo, das mudanças, da forma que pontuou ou melhor, não pontuou alguns. Em alguns tem o jogo de palavras que criam uma cadência que atrita, sem ser desconfortável, obviamente. Os finais de algumas delas são bem delineados, quase um conto poético. ”T 800” me levou ao cinema. ”A Caravana” é intrigante, perfeita e terrível também. “O Corvo” também é interessante – inclusive acho que vou deitar porque minhas pernas já estão raízes aqui na beira da cama. “O som” me lembrou das aulas de Escansão (Silabas Poéticas) do poeta e professor Paulo Henriques Britto. Fui até brincar um pouco com ele.

    sus-pi-raa-li-ra > (4 sílabas [4 = 5-1])

    um-som-de-lí-rio > (4 sílabas [4 = 5-1])

    na-trans-lú-ci-da-ma-nhã > (7 sílabas)

    a-li-saa-bri-sa > (4 sílabas [4 = 5-1])

    a-rel-vaem-lã > (4 sílabas)

    Amei seus versos.
    Elisabeth

    • antoniosbatista
      25 de abril de 2021

      Obrigado Lorena pelo comentário, especialmente pelo destaque das silabas.

  3. Wilson Barros
    24 de abril de 2021

    Gostei muito. O tom contemplativo, plagente, árcade, embala os pensamentos para longe. Os símbolos, as alusões mitológicas dão um toque místico, encantatório. O ritmo, às vezes até lúgubre, deixa a leitura fluir, musical. Nem percebi quando cheguei ao fim. Muito agradável para ler e meditar, para refletir ou relaxar a mente ao entardecer
    Parabéns, Stegues.

    • antoniosbatista
      25 de abril de 2021

      Obrigado Wilson pelo comentário e excelente interpretação.

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Publicado às 24 de abril de 2021 por em Poesias e marcado .
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