EntreContos

Detox Literário.

O Sopro do Vento Criador (Antonio Stegues Batista)

Levou 2 horas para chegar na cidade. Se não precisasse de remédios não teria ido.

O cenário ali era o mesmo das cidades e povoados da região. Carros abandonados, enferrujados, lixo e mato pelas ruas desertas.

Na entrada do supermercado, cacos de vidros espalhados pelo chão, embalagens rasgadas, restos de alimentos. As prateleiras estavam vazias. Havia escuridão nos fundos.

Entrou na farmácia. Motivo da viagem.

Pegou o que precisava nos armários, colocou na mochila. Analgésicos para dor de cabeça, antibióticos, soro para picada de cobra, remédio para males do estômago. E lenços umedecidos, que era melhor que papel higiênico, além do mais, ocupava menos espaço na mochila.

Saindo, resolveu entrar numa casa elegante, logo adiante. Também com ares de abandono.

Sem pedir licença, empurrou a porta, entrou.

No vestíbulo, encostado na parede, estava um relógio de coluna. As engrenagens congeladas no tempo. Quando os ponteiros pararam, faltavam 3 minutos para a meia-noite, ou talvez, meio-dia.

De algum dia, dias atrás.

Para ele, as horas já não tinham mais importância. Vivia agora, sem compromisso, sem hora marcada. Sem pressa.

Poltronas de couro, sofá Luiz VX. Mesa de mogno, talheres de prata. Pinturas, estatuetas. Tudo coberto por uma fina camada de pó.

Na cozinha, a despensa estava vazia.

Algo corriqueiro naqueles tempos.

Na geladeira, um pé de alface murcho, um pote de massa de tomate mofado e uma garrafa de água mineral. Pegou a garrafa, colocou na mochila.

Subiu ao dormitório.

Ali estavam duas pessoas O que restava delas.

Com olhos frios, observou a cena.

O homem havia matado a mulher. Talvez ela estivesse doente, acamada e ele abreviou o sofrimento dela. Depois ele se suicidou. Se sentou na cadeira de balanço e deu um tiro na cabeça.  

Atitude extrema de quem não tinha mais esperança de nada. Nada mais importou para aquele homem. Apenas a fuga da realidade aterradora.  

O projetil havia destroçado a mandíbula. Um pedaço caiu, quando não havia mais nada para sustentá-lo. Ficou pendurado na camisa. O revolver tombado sobre a barriga.

Usava um macacão de brim, camisa xadrez e botas.

Se interessou mais pelas botas.  Estavam em melhores condições do que as suas velhas sandálias de couro cru.

Quando pegou o calçado, a perna do esqueleto se desprendeu. Caiu no assoalho com um tilintar de ossos.

Não se abalou.

Colocando os sapatos, andou de um lado para outro, ensaiando um passo de dança.

Ficou satisfeito.

Sobre a cômoda, estava uma Bíblia aberta. No Livro de Lucas, uma passagem sublinhada com um traço vermelho; capítulo 21, versículos 10/11; “Nação se levantará contra nação, reino contra reino. E haverá grandes terremotos, e num lugar após outro, pestilência e escassez de víveres”.

O morador apenas confirmou a profecia e depois deu cabo da vida. Preferiu uma morte rápida.

 Ao lado do Livro sagrado, um porta-joias. Tirou a tampa, examinou o conteúdo.

Anéis, pulseiras, brincos, um colar de pérolas. A mãe sempre quis ter um colar de pérolas. Pegou o colar, deixou o resto. 

Em seguida, saiu da casa.

Parou em frente a um prédio antigo, do século 19. Lá estava a data da construção, 1874, no alto. Um costume dos tempos passados.

Porta de madeira de carvalho, com duas folhas de abrir. Janelas venezianas. Telhas romanas. Acima da entrada, a placa de metal revestida de esmalte, anunciava; Biblioteca Pública do Município de Córrego Verde.

Uma biblioteca! Oportunidade para ler novos livros, pensou.

Colocou a mão na velha maçaneta, fez pressão para baixo e para frente. A porta abriu uns 40 centímetros. Emperrou no assoalho de madeira.

O vão era pequeno, mas conseguiu passar. Se fosse mais gordo, não conseguiria.

Entrou, sentindo o cheiro de mofo. Estava escuro. Tentou abrir as janelas, mas não conseguiu. As ferragens estavam endurecidas pela falta de uso e ferrugem.

Não carregava lanterna, mas tinha uma caixa de fósforos. Acendeu um palito.

Prateleiras cheias de livros encostadas nas paredes, dividindo a sala em dois espaços. Uma mesa comprida, cadeiras, além de um balcão e porta-arquivo gaveteiro.  

Foi andando ao longo das estantes. Lendo os títulos, à luz trêmula.

A chama apagou-se. Acendeu outro palito.

Ali estavam, João Guimarães Rosa, Sagarana. Lygia Fagundes, Porão e Sobrado. Auta de Souza, Horto. James Joyce, Ulisses. Johann Wolfgang Goethe, Fausto e muitos outros criadores de mundos e personagens.

Viu a claridade das chamas, antes de sentir o cheiro da fumaça.

Jornais velhos caídos no chão, estavam pegando fogo.

Os palitos apagados que ele jogava fora! Ainda tinha brasa.

Xingou-se.

Como sou estúpido!

Deu um pontapé no jornal em chamas. Fagulhas se espalharam, rutilantes. Revistas velhas arderam na prateleira de baixo. A madeira estalou, queimando, parecia impregnada de óleo. O fogo se espalhou rapidamente,

Não conseguiu apagar o incêndio. A fumaça começou a sufocar. Antes de sair, precisava sair, pegou dois livros que estavam sobre a mesa, meteu na mochila.

Correu, se afastando, rápido.

Parou a uma certa distância, olhando para trás. O prédio foi sendo consumido pelo fogo.

Pelo menos salvou dois livros.

Resolvendo cortar caminho, deixou a estrada, seguiu pelo campo. Guiou-se pela bússola.

Chegou à uma charneca.

Ali estava um velho carvalho, em sua morte lenta. Devia ter uns 400 anos. Era pequeno ainda, quando deve ter assistido à passagem da bandeira de Antonio Raposo Tavares, passando por aquele mesmo caminho. Ou a expedição do corsário Antony Knivet.

Dos 50 metros de altura, possuía só a metade. Fora abatido por um raio. O fogo eliminou sua seiva, secou seu cerne. Mas a árvore não se entregava tão facilmente.

Rodeado por um brejo de ciscos, seixos e liquens, jazia moribundo. Alguns galhos ainda com folhas verdes. Talvez durasse mais 400 anos antes de se tornar, completamente, um tronco seco carcomido pelos insetos.

Num galho baixo, estava um ninho. Construído numa forquilha.

Ficou na ponta dos pés para ver o interior.

Havia 3 ovinhos, azuis, salpicados de manchas roxas. Estava absorto, encantado com as belezas da Criação, quando ouviu guinchos, bater de asas sobre sua cabeça.

Era um tordo, atacando, tentando defender sua propriedade, suas crias.

Correu, se afastando. O pássaro o perseguiu até expulsá-lo de seu território.

Deixando a charneca, atravessou um bosque.

A folhagem se modificava com o fim do verão. Faias, bétulas, urzes, plátanos, ganhavam novas cores em suas folhagens. O verde das folhas era substituído pelo amarelo, vermelho, laranja, dourado e marrom, antes de caírem no chão.

A luz do sol diminuiu. As folhagens começaram a se agitar.  

Para o sul, o céu estava negro. Uma tempestade estava chegando.

Caminhou rápido, descendo para o vale.

Avistou, ao longe, a torre de energia eólica. As pás imóveis, pois o vento lá, ainda era apenas uma brisa fraca, leve como um toque de pluma.

Construiu a casa no meio do parque de diversões. Limpava e lubrificava as engrenagens da roda-gigante, do carrossel, dos carrinhos da montanha-russa.

Quando criança, desejou ter um parque de diversões só para ele. Agora tinha. Mas nada funcionava, faltava eletricidade. Não havia vento para as pás da torre girar, gerar energia elétrica.

Mas agora, com a mudança de estação, chegavam os ventos do sul.

Com a esperança de ver o parque funcionando, entrou em casa.

No meio da sala tinha uma roda.

Tinha uma roda no meio da sala.

Com quase dois metros de circunferência. Sobressaía do assoalho através de uma cavidade. Destaca-se, estranha, no ambiente doméstico.

Não era objeto de decoração, de ornamento. Tampouco um adorno de arquitetura.

 Uma roda dentada que tinha por função, dar movimento. Uma engrenagem. Mecanismo que impulsiona um universo.

As primeiras criações do ser humano sobre a face da terra, surgiram de acordo com suas necessidades.

A primeira obra construtiva do Homem, no sentido de arquitetura, foi uma trama de galhos e folhas, que poderia ser chamada de porta, para fechar a caverna onde vivia com sua família.

Utilitários outros foram criados conforme suas necessidades. Quando tiveram a ideia de enterrar seus mortos, construíram túmulos. Túmulos simples, túmulos- templos, mausoléus, criptas.

O alicerce é o princípio da estrutura, a base fincada no chão. Criaram os tijolos, triangular, quadrado, retangular, de barro misturado com palha, cosido ao fogo.

Nasceram as construções megalíticas de pedras, as pirâmides, os palácios, as muralhas, os castelos, os estádios, as termas, os aquedutos, as pontes.

Formaram-se a categoria dos estilos, a beleza da estética.

Surgiram as formas, as proporções, os planos. O equilíbrio dos arcos, das abóbodas, das colunas, das torres.

Veio a abside, o átrio, a nave, a arcada, o capitel, os frontões e as colunas.

Mas nada se comparava àquela roda dentada no meio da sala.

 Não para ele.

Há quatro mil anos, entre o Tigre e o Eufrates, em Ur, se erguia o templo de Nannar, o deus da Lua. Certa manhã, quando os sacerdotes encerravam os ofícios daquela noite, ouviram no silencio do deserto, um chiado intermitente. Ficaram espantados ao verem um homem à frente de dois bois puxando uma caixa de madeira com dois “pés” redondos. Era uma carreta de boi, transportando bilhas, ânforas, vasos e potes de barro.

Uma ideia brilhante, concordaram os sacerdotes. O homem pegou duas tábuas, arredondou um dos lados em cada uma, e depois juntou as duas pelo lado reto. Fez um encaixe para o eixo, e o eixo sobressaindo, foi preso com uma cavilha enfiada num furo. Pronto, estava criada a roda para carroça. No princípio uma engrenagem desengonçada, em giro lento pelo atrito do eixo. Se olhassem para a roda, sem a caixa retangular de madeira, os sacerdotes não saberiam qual a utilidade dela.

Claro, a história dos sacerdotes de Ur, é uma suposição, ficção.

Não há registros de quem inventou a roda.

─ Mãe, cheguei.− disse, logo que entrou em casa. Como de costume, a mãe estava sentada na cadeira, Pingo, deitado ao lado.

Deixou a mochila sobre a mesa. Tirou o colar do bolso e colocou no pescoço da mãe.

─ Olhe o que eu trouxe para a senhora.

Deu um passo para trás para contemplá-la.

─ Tá bunita!

Um trovão soou ao longe. O vento chegou, soprou as hélices.

A lâmpada pendurada no forro, piscou três vezes, depois a luz estabilizou, permaneceu.

Naquele dia, às cinco horas da tarde, as hélices da torre eólica começaram a girar e o parque ganhou vida.

Luzes coloridas se acenderam. A roda-gigante começou a rodar, os carrinhos da montanha-russa se movimentaram, a princípio, devagarinho. O carrossel, o trenzinho, o chapéu mexicano.

A roda no meio da sala começou a girar lentamente. O eixo, com rolamento de esferas de aço, silencioso. Os dentes da roda se encaixavam em dentes de outras rodas menores, embaixo do assoalho, colocando em marcha, engrenagens, mecanismos semelhantes.

Através de dentes helicoidais, hipoides, espirais, parafusos sem-fim, cremalheiras.

Pessoas surgiram no parque, deslizando sobre seus carris, de um lado para outro, se cruzavam sem se esbarrar, em perfeita sincronia.

A mãe se levantou da cadeira, andou suavemente pelo trilho. Foi na pia, fez uma volta, dirigiu-se ao fogão, mais uma volta, e retornou à cadeira. Pingo, o cão, rodeou a mesa, foi até a porta, e voltou ao seu lugar. Os dois repetiram o trajeto. Deslizando sem ruído.

Saiu para o parque e andou em todos os brinquedos. Rindo como uma criança.

Já era noite quando retornou à casa.

Deu uma olhada ao redor e sorriu, satisfeito com sua criação. Tudo funcionava perfeitamente.

Colocou lenha na lareira. Estava preparado para quando o inverno chegasse.

Depois de guardar os remédios, pegou os livros que havia trazido. Se sentou numa cadeira para ler.

Um dos volumes tinha por título, Os Pássaros, de Daphne Du Maurier. O outro era O Paraiso Perdido, de John Milton.

Começou a ler.

Do Homem primeiro canta, empírea Musa

A rebeldia- e o fruto, que, vedado

Com seu mortal sabor nos trouxe ao Mundo

A morte e todo mal na perda do Éden

Até que o Homem maior pôde remir-nos

E a dita celestial dar-nos de novo. (…)

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22 comentários em “O Sopro do Vento Criador (Antonio Stegues Batista)

  1. Rubem Cabral
    20 de março de 2021

    Olá, Javali.

    Resumo do conto:

    Homem erra por um mundo pós-apocalíptico, buscando víveres e livros. Causa um incêndio sem querer e salva alguns livros. Ao retornar à casa, presenteia a mãe com um colar de pérolas achado e vê sua criação: um conjunto de turbina eólica e de engrenagens que traz à vida um antigo parque de diversões, que passa a ter suas luzes novamente acesas e seus brinquedos a funcionar. Ao fim, o homem abre um livro para ler: Paraíso Perdido.

    Análise do conto:

    O texto é bem escrito, com poucas falhas (só vi um erro na falta de um plural e o cosido, que deveria ser cozido). A construção do personagem principal foi bem feita, os diálogos – simples – não comprometeram. A narração é eficiente, embora não voe muito alto. O enredo é simples, mas o final é bom, tem certa poesia.

    Boa sorte no desafio!

  2. Andrea Nogueira
    20 de março de 2021

    Atende ao tema proposto.

    O grande problema do Conto reside no desenvolvimento do modelo narrativo adotado, o ‘modelo paralelo’. A divisão em vários subtemas, que correm paralelos ao tema central e devem somar para encaminhar a conclusão do desfecho, exige do autor o domínio da técnica de articulação e de encadeamento das ideias. Aqui o Conto falha: seu ritmo narrativo é fragmentado e errático, a extensão do texto cansa, algumas ideias parecem soltas e sem função.

    É aparente a falta de domínio e de costura entre os subtemas, por parte do autor, que encaminhem para a conclusão do desfecho. Em consequência leva o leitor a fazer malabarismos mentais para estabelecer relação entre um rol de assuntos diversos (a peste, as guerras, os saques, as pilhagens, o clima, os desastres naturais) e o foco da história: “Uma roda dentada que tem por função dar movimento. Uma engrenagem. Mecanismo que impulsiona um universo”.

    Para o protagonista, entre as criações humanas “[…] nada se compara àquela roda dentada no meio da sala. Não para ele”. Será que essa tese, tal como se apresenta no Conto, convence o leitor?
    São problemas na prosa:

    – O emprego de palavras em desuso: não sendo para datar o tempo da história, são ruídos na linguagem coloquial adotada; não agregando qualquer valor ao enredo, soam como pedantismo ou passadismo do autor;

    – Há erros de digitação; por consequência denotam falta de uma revisão atenta.
    O título “O Sopro do Vento Criador”, a parte sua complexidade inicial, é um jogo inteligente de duplo sentido: a roda como criação inspirada do homem, roda essa, que por sua vez, prescinde do vento – força físico-climática e força criativa humana, para evoluir em suas funções e seus benefícios. É o elemento mais criativo e melhor resolvido do Conto.

    • antoniosbatista
      22 de março de 2021

      Como vou agradecer você ter destroçado o meu conto? Você poderia ter mostrado as falhas, dado exemplos, mas mostrou uma atitude arrogante, com intuito de mostrar sua superioridade intelectual, coisa de megalomaníaco.
      “seu ritmo narrativo é fragmentado e errático, a extensão do texto cansa, algumas ideias parecem soltas e sem função “.

      “Para o protagonista, entre as criações humanas “[…] nada se compara àquela roda dentada no meio da sala. Não para ele”. Será que essa tese, tal como se apresenta no Conto, convence o leitor? ”

      “O emprego de palavras em desuso: não sendo para datar o tempo da história, são ruídos na linguagem coloquial adotada; não agregando qualquer valor ao enredo, soam como pedantismo ou passadismo do autor”.

      Imagino o que você diria da forma de escrever de James Joyce, sobre a falta de pontuação nos contos de Saramago, das palavras e ideias em desuso nos Clássicos e apesar disso continuam Clássicos, e tantos outros pelo mundo afora.

      Se você sabe tanto assim, não participou com um conto no Desafio por que?

      Espero que no próximo desafio você seja mais humano e não um robô exterminador de autores.

  3. cgls9
    20 de março de 2021

    Numa realidade pós-apocalíptica, um rapaz explora uma cidade abandonada, a intenção era somente ir à farmácia, mas ele consegue uma bota seminova, livros e uma roda. Com a roda, ele consegue dar vida a uma engrenagem que traz de volta a eletricidade. É um conto bastante descritivo e repleto de informações, mas sem muita trama. Muito bem escrito, como, aliás, todos aqui! Muito boa sorte no desafio.

  4. danielreis1973
    19 de março de 2021

    Prezado Entrecontista:

    Para este desafio, resolvi adotar uma metodologia avaliativa do material considerando três quesitos: PREMISSA (ou Ideia), ENREDO (ou Construção) e RESULTADO (ou Efeito). Espero contribuir com meu comentário para o aperfeiçoamento do seu conto, e qualquer crítica é mera sugestão ou opinião. Não estou julgando o AUTOR, mas o produto do seu esforço. É como se estivéssemos num leilão silencioso de obras de arte, só que em vez de oferta, estamos depositando comentários sem saber de quem é a autoria. Portanto, veja também estas observações como anotações de um anônimo diante da sua Obra.
    DR

    Comentários:

    PREMISSA: num momento distópico, o conto constrói com ações todo o panorama de uma realidade destruída, onde a energia renovável é a “engrenagem” e os livros queimados não valem vintém.

    ENREDO: o enredo é bem estruturado, com apresentação da realidade distópica na medida certa, sem excesso de informações ou explicações. Aos poucos, vamos entendendo onde está e o que faz o protagonista, sua motivação (a mãe e o parque).

    RESULTADO: o resultado desse conto foi muito bom, inclusive em apresentar a engrenagem na temática pós-apocalíptica. Eu, que não sou exatamente grande conhecedor de FC. gostei bastante. Sucesso!

  5. Regina Ruth Rincon Caires
    19 de março de 2021

    O Sopro do Vento Criador (Javali Cheiroso)

    Comentário:

    Tentei ambientar o conto, queria arrumar uma localização para o desenrolar da história. Precisava colocar essa cidade fantasma num território. E parti da lareira da sala. Fui pesquisar as bandeiras chefiadas por Raposo Tavares. Entre tantas, em 1636, o explorador andou pela região de TAPE – RS. Pronto, fiquei satisfeita. Consegui, até mesmo, sentir o clima das terras gaúchas, o nevoeiro, as nuvens baixas de tempestade. Caro autor, não se assuste, leitor nenhum é normal.

    O texto foi escrito com a técnica de frases curtas, fartamente virguladas, e parágrafos rápidos remedando versos. Este recurso de retalhar a narrativa exige que o leitor capte a ideia ainda que apresentada de modo interceptado. Demanda percepção mais aguçada do leitor. A sequência de parágrafos curtos pode comprometer a fluência da leitura. Acredito que pede uma segunda leitura. Quanto à escrita, percebe-se que não há padrão no uso de números/numerais.

    O autor criou uma história bem interessante, com certa morbidez (usar a bota do esqueleto, misericórdia!), num ambiente sinistro, assombroso. Desenvolveu o tema das engrenagens de maneira fantástica, explorou o devaneio.

    Divaga sobre a criação da roda, da estrutura, do valor do alicerce, das construções de pedra, das pirâmides, chegando às pontes. Estilos, estéticas, e volta à roda dentada, objeto que ostenta no centro da sala. E discorre sobre os sacerdotes de Ur, O texto é uma viagem.

    Após um raio, a eletricidade retorna, e o parque, antigo e desativado, passa a funcionar. Mas por um pequeno espaço de tempo. A roda dentada da sala, emperrada havia tanto tempo, volta a girar. A mãe (morta) sai da cadeira, o cachorro (morto) dá um giro pela sala.

    Acidentalmente, incendiou a biblioteca da cidade fantasma, salvou apenas dois livros. E, no desfecho, o nosso personagem solitário inicia a leitura por John Milton, Paraíso Perdido, justamente a obra que traz a visão cristã da origem humana, a Criação. Portanto, o autor fez uma miscelânea bem temperada.

    Resumindo, foi uma leitura bem diferente. Nosso querido autor entrecontista tem uma imaginação privilegiada. Viajei.

    Parabéns, Javali Cheiroso!

    Boa sorte no desafio!

    Abraços…

  6. Fabio Monteiro
    17 de março de 2021

    Resumo: Homem vaga indefinidamente por seu mundo, perdido, desolado, aparentemente destruído por alguma praga, guerra ou outra condição mortal. Ele busca por remédios e comida. Entra num local onde encontra livros e acaba provocando um incêndio por acidente. Salva dois livros das chamas e os leva para sua casa.

    Pontos fortes: Textos assim são maravilhosos, nos levam a um mundo imaginário, ilusório, fictício e mechem com a percepção de realidade.

    Pontos fracos: As passagens no texto são espaçadas, não dando ao leitor a sensação de continuidade. As frases iniciam e mudam de parágrafos de forma inconsistente, provocando uma perda no entendimento do que esta acontecendo com o personagem.
    Outro ponto é a falta de algo impactante. Tirando o caos do mundo, faltou um por que de só o personagem principal e sua mãe terem ficado desfrutando deste universo ainda tão bem provido de certos recursos.

    Comentário geral: Tive a sensação de estar lendo algo inovador com um pouco do mesmo, estava esperando uma explosão de explicações para o que o autor nos trouxe sobre sua narrativa de fim de mundo. Isso não aconteceu. Mas, não acho o texto ruim. Ele me prendeu cativamente do inicio ao fim. Sugiro apenas rever os passos da escrita. Tornar coerente os pontos trabalhados, ligar as cenas as frases, mexer ainda mais com a imaginação.

    Boa Sorte autor (a)

  7. Bruno Raposa
    17 de março de 2021

    Olá, Javali Cheiroso.

    Há ótimos pseudônimos nesse desafio, mas o seu deve entrar pra história do site, rs.

    Para facilitar minha análise, vou dividir meu comentário em alguns pontos, positivos e negativos, que gostaria de ressaltar:

    – Gostei da ambientação. Que foi quase uma não ambientação, rs. Achei muito legal sua decisão de não explicar que catástrofe gerou o apocalipse – que, aliás, nem sabemos se é realmente um apocalipse, se é algo de escala global ou local -, tampouco mostrar como o mundo estava se reorganizando. Como são citados povoados, imagino que houvesse outros sobreviventes, mas nada sabemos sobre eles. E pouco sabemos sobre o protagonista, temos apenas o seu vagar e um pouco de seus pensamentos. O foco é todo em suas ações e fica a cargo do leitor entender o que está sendo visto. Essa abordagem me deixou curioso e me fez embarcar mais facilmente na jornada do personagem.

    – Por outro lado, achei que os acontecimentos na andança do personagem foram um bocado vazios. Ele passa por vários locais e algumas passagens são bacanas, como o incêndio e o encontro com o casal morto, mas tudo passa muito rápido, sem um grande aprofundamento no personagem ou no ambiente ao seu redor. Não seria preciso grandes explicações, mas uma descrição mais detalhada dos cenários enriqueceria bastante o universo do texto. E se o protagonista tivesse atitudes mais significativas, conseguiríamos entendê-lo melhor e nos aproximar dele, mesmo sem uma descrição direta de seus sentimentos ou pensamentos. Creio que seria mais interessante se ele passasse por menos lugares, mas com esses lugares sendo mais bem explorados. Faltou um pouco mais de substância ao enredo.

    – Parece contraditório que o supermercado tenha sido saqueado e a farmácia não. Talvez haja alguma explicação dentro do seu universo, mas, da forma que está, só soou meio esquisito.

    – A divagação sobre invenções que desemboca na história dos sacerdotes de Ur foi interessante, mas não parece ter encaixado de forma orgânica no conto. Talvez precisasse de mais espaço para contextualizá-la melhor.

    – Achei excelente a forma como você abordou a temática. As temáticas, na realidade, já que tem criação também. Gostei muito do jogo de engrenagens. Trazer o tema na forma de um mecanismo foi previsível, mas gostei demais da forma como você descreveu o mecanismo, de maneira bastante detalhada e inventiva, e, sobretudo, da sua utilidade. Que merece um tópico a parte, rs.

    – Achei realmente sensacional o desfecho do conto. O parque é simbólico de diversas formas, traz uma boa dose de humanidade ao protagonista e descobrir que a mãe e o cão eram animatrônicos foi realmente surpreendente pra mim. Como a mãe não o respondeu quando ele lhe deu o colar, imaginei que pudesse estar morta, algo assim, mas não o que se revelou. E toda a cena foi muito visual pra mim. É uma imagem bela, triste, criativa e marcante. Ganha muitos pontos por ela, rs.

    – A citação final me pareceu desnecessária, não agregou. Talvez a referência seja interessante para quem a conhece, talvez tenha a ver com seu universo. Mas ela deve se sustentar sozinha no texto, principalmente quando é algo assim explícito. Aqui, ao menos pra mim, não funcionou.

    – Fiquei dividido em relação à escrita. Achei poucos erros, uma ou outra vírgula mal colocada, mas nada que uma revisão mais atenta não lime. A divisão de parágrafos é que me deixou com uma sensação estranha. Os parágrafos curtíssimos emprestam alguma velocidade à leitura. Mas, em alguns momentos, gera um efeito contrário, travando um pouco a fluidez do texto. São muitas as vezes que dá a impressão de uma ideia entrecortada, quando simplesmente juntar as frases funcionaria melhor.

    Concluindo, achei um bom conto, embora um tanto irregular. Gostaria de ver essa história tendo mais espaço, mais desenvolvimento. Faltou carne à narrativa. Mas o final realmente compensa. Esse passeio no parque vai ficar na minha mente por um bom tempo.

    Um abraço e boa sorte, seu Javali.

  8. Catarina Cunha
    15 de março de 2021

    Criação: Embora algumas passagens não interfiram na trama, (trata-se de bela gordura, como o encontro dos ovinhos e do par de botas) , achei mágica a forma como o vento deu vida às engrenagens do parque de diversões. Eu teria me encantado mais se o foco fosse maior no parque.

    Engrenagem: Opa! As prateleiras do supermercado estavam vazias e da farmácia cheias? Achei estranho e esperei uma justificativa no decorrer do conto. Lógico que não encontrei.

    Como o conto abre várias janelas, achei que haveria espaço para um romance, focado no parque, frequentadores e desafios de sua manutenção. Um ótimo capítulo de um romance, mas apenas um bom conto.

    Destaque: “Quando pegou o calçado, a perna do esqueleto se desprendeu. Caiu no assoalho com um tilintar de ossos.” Cena digna de ser aproveitada em “the walking dead”. Rsrsrsrs….

  9. Elisabeth Lorena Alves
    9 de março de 2021

    Comentário

    O Conto é de Criação através da Engrenagem – o conto preenche os dois pontos do tema, em tempo pós apocalíptico. Interessante porque na Teoria Literária o presente conto figura como abordagem de dois pólos pós fim do mundo: O fim e um novo começo. Aqui, porém, a criação figura como obra das mãos do homem que vive em um mundo que criou só para si. Sendo uma especulação alegórica, dá uma interpretação bem focada no subjetivo e se insere no campo da ficção científica com muita liberdade de interpretação e de escrita, sem deixar de ser uma excelente utopia.
    De acordo com Clayes, uma utopia precisa ter algum ponto de realidade na história e nele se fundamentar, assim, ao elaborar o texto autor deve criar um ambiente que traga uma das duas certeza, “sejam de esperança e melhora ou de desesperança e piora.”, mas ainda assim continuar sendo apenas utopia – ou distopia. Aqui vale lembrar que a análise de um texto que dá a ele a certeza de que é ou não distópico se dá também pela junção dos valores do leitor à leitura do escrito. No lugar que um vê apenas utopia, outro pode ver a distopia e elencar os elementos que a define e, aqui vale citar Hilário que descreve bem essa definição do que é distópico: “As distopias problematizam os danos prováveis caso determinadas tendências do presente vençam. É por isso que elas enfatizam os processos de “indiferenciação” subjetiva, massificação cultural, vigilância total dos indivíduos, controle da subjetividade a partir de dispositivos de saber. (HILÁRIO, 2013, p. 206)”
    Cabe ao leitor do texto afirmar ou não, desde que apresente os pontos que o fundamente.
    Para mim, o texto é utópico porque não acredito em um pós apocalipse em que só sobre uma pessoa – e nesse desafio, até onde vi, há, além deste, outro conto com um único sobrevivente. E até poderia ser o capítulo um de um romance em que essas duas histórias se encontrem, embora as narrativas de ambos sejam diferentes na formação do enredo, os textos estão bem construídos.
    E porque o conto pode ser inserido também no campo da ficção científica? Porque tem os atributos. Não interessa e nem é necessário que o conto seja acompanhado de todo o procedimento científico que configurou a criação. Aqui vale citar Russ que diferencia bem fantasia e ficção científica e explica se os erros interferem na inserção de determinado texto em uma ou outra temática: “A ficção científica não é fantasia, pois os padrões de plausibilidade da fantasia não derivam da ciência, mas da observação da vida como ela é — a vida interior, talvez, neste caso. Erros científicos, possivelmente, não transformam a ficção científica em fantasia. Eles são apenas erros. Nem a desatualização da teoria científica transforma a ficção científica do passado em fantasia. A ficção científica sem erros é um ideal tão impossível de ser alcançado quanto o ideal do século XIX de um romance ‘objetivo’ e realista.”
    Para concluir aqui a introdução, vale bloquear com teoria a visão de alguns leitores que acreditam o conto não é o melhor espaço para a construção de um universo de fantasia, ficção científica que teoricamente não são a mesma coisa, terror e aventura e para isso bastam duas observações, uma no próprio âmbito da literatura e sua leitura,
    e a segunda na teoria da Literatura. No campo da Literatura o leitor que contesta o espaço desses temas no conto desconhece a escrita de Machado de Assis, Moreira Campos, Poe e outros autores cuja escrita contista perpassa pelo fantástico, o maravilhoso, o horror, a fantasia e outros gêneros. Já a refutação teórica está em Lins e, segundo ele, todas as narrativas foras da realidade e que ocupem espaços utópicos, distópicos e afins (…) podem ser alinhadas aos modos narrativos especulativos, entendendo por ficções especulativas aquelas que, de modo geral, configuram-se por meio de diversos subgêneros que exploram estratégias menos miméticas em comparação aos modos mais realistas de narrar. (LINS, 2016, p. 16).

    Dito isso, a título de introdução, passamos à estrutura. A Introdução do texto foi muito bem elaborada. O conto inicia-se com a busca por remédios por parte do nosso personagem foco e o narrador, falando em terceira pessoa, nos dá o trajeto inicial e já vai apresentando a situação à volta do nosso viajante. O desenvolvimento do texto segue toda a caminhada de volta, os encontros macabros e o retorno. Nesse ponto encontramos o anticlímax e o clímax. E o clímax é também o lugar que explica a solidão do único sobrevivente desse apocalipse.
    Personagem principal – e durante a narrativa descobrimos ser ele o único vivo, reconhece sua situação de último sobrevivente, o que explica a certeza que tem em ter a liberdade de entrar “Sem pedir licença, e empurrou a porta, entrou.”
    Vive a seu próprio ritmo: “Vivia agora, sem compromisso, sem hora marcada.” e tem a liberdade de fazer suas escolhas: “pegou dois livros que estavam sobre a mesa”, tem a noção de preservação nímia: “Antes de sair, precisava sair”, porém ainda mantém alguma valor de cidadania, que aparece em sua ação pouco efetiva de apagar o incêndio. Manter-se é a prioridade, afinal, busca remédio, víveres, água potável e alimento. É organizado, o que se vê na escolha dos lenços umedecidos, escolhendo-os pela praticidade.
    Ainda mantém o desejo de aprender e adquirir cultura, tanto que busca por livros e não é ambicioso, a escolha pelo colar que a mãe gostava é a comprovação dessa qualidade: “Anéis, pulseiras, brincos, um colar de pérolas. A mãe sempre quis ter um colar de pérolas. Pegou o colar, deixou o resto.” Assim como ainda guarda em si algum otimismo: “Pelo menos salvou dois livros.”
    Até a conclusão da narrativa, a percepção da frieza verificada em nas informações sobre seu olhar frio e sua incapacidade de empatia podem ser vistas como deslize psicológico, porém ao descobrirmos que está só no mundo, passa a ser irrelevante. Afinal, acostumados a ver só a desilusão e a dor na situação pós apocalíptica, o sofrimento do outro já não o afeta.
    Nem mesmo retirar as botas de um morto e usá-la sem higienizar – e aqueles passos de dança mexeram comigo…
    A Linguagem é bem focada no ambiente. A destruição sendo apresentada pelo caminho, nos ambientes internos. E é seca de figuras, tudo ocorre no modo automático, como se houvesse um botão denotativo que toca tudo, que apresenta tudo no sentido real.
    Só quando cita o relógio e o tempo aparece uma conotação: “As engrenagens congeladas no tempo.” Nada tem qualidade. Nada é qualificado, as poltronas só são apresentadas por sua matéria-prima: “de couro”; o sofá remete ao tempo histórico; também é a matéria prima que define a mesa “de mogno”, o mesmo para talheres de prata, a alusão à situação financeira dos antigos moradores está em dados sobre as pinturas, estatuetas, os talheres de prata e as jóias, nada mais.
    A falta de adjetivos também ocorre na Biblioteca, tudo é batido, descrito e só: “Porta de madeira de carvalho, com duas folhas de abrir. Janelas venezianas. Telhas romanas (…), placa de metal revestida de esmalte (…)”

    Às vezes em que surge um qualitativo é expressivo para marcar sentido de abandono; “cheiro de mofo.” e falta de presença humana: “As ferragens estavam endurecidas pela falta de uso (…)”; situação espacial: “Estava escuro”; também surgem como marcador de quantitativo: “Prateleiras cheias de livros” e, de precariedade: “à luz trêmula.”

    As duas descrições de algum significado mais filosófico estão relacionadas à natureza. O carvalho, exibindo resistência mesmo destruído pela metade mantém-se vivo, testemunha da História, velho, conheceu o bandeirantismo, na pessoa de Antônio Raposo Tavares e as expedições piratas na pessoa de Anthony Knivet. E o tordo, que em meio à destruição, tem a ferocidade necessária para defender sua cria, representada nos ovos.

    O cenário vai sendo delineado aos poucos, na farmácia sabemos que é depois dos anos dois mil, a personagem faz a escolha pela praticidade do produto, que só foi criado no século XX, mas se passou despercebido ao leitor, a descrição do prédio da Biblioteca do Município mostra outro dado: “um prédio antigo, do século 19. Lá estava a data da construção, 1874, no alto. “ E pra marcar bem: “Um costume dos tempos passados.”
    O que causou a destruição do mundo não aparece, entretanto uma referência direta à uma citação profética da Bíblia, Lucas 21:10 e 11. E a frase referente ao encontro do versículo só nos mostra que é impossível descobrir o que realmente aconteceu: ““O morador apenas confirmou a profecia e depois deu cabo da vida. Preferiu uma morte rápida.”, temos que acatar as sugestões dadas pela narrativa de que, provavelmente o homem destruiu a si mesmo.
    Os livros que o viajante vê na Biblioteca são provocativos e podem ou não ter importância ou não para a trama. João Guimarães Rosa, autor de “Sagarana”, com a junção de palavras não irmãs criou um neologismo de unidade, já que utilizou de duas culturas para construir o nome capaz de criar para essa obra uma identidade própria. O outro livro, “Porão e Sobrado, de Lygia Fagundes é um livro que representa a criatura renegada pelo criador. Já a poesia de Auta de Souza e seu livro “Horto” é classificada pela temática da morte e religiosidade. E “Ulisses”, de James Joyce, é considerado por alguns como uma literatura esquizofrênica e, mais precisamente, como um texto-terapia, onde o leitor faz o papel de analista. “Fausto” , de Goethe, é a história de luta do bem e do mal por parte do cientista que faz um pacto com o diabo. A obra tem um desdobramento que mostra os perigos do arrebatamento pelo excesso de conhecimento, o apego às belezas humanas/terrenas e a “danação” espiritual – essa última que era uma temática da época.
    Já os outros dois livros estão ligados ao começo e ao fim. O livro de John Milton, O Paraíso Perdido, é a versão de satanás para o início de todas as coisas e Os Pássaros, de Daphne Du Maurier, conta a história de um ataque de pássaros. E isso dá uma certa aspereza ao conto aqui estudado porque o sabiá, ou melhor, tordo deixa de ser apenas um defensor de sua espécie, pode ser a sugestão de um inimigo real da humanidade que pereceu.
    No ambiente ficou, seu destino, há algumas distensões imagéticas e um esticamento do texto. No ambiente da casa há permissão para a poesia e ela acontece com uma intertextualidade: “No meio da sala tinha uma roda. /Tinha uma roda no meio da sala.”
    E incrivelmente é essa poética dá início ao real mundo da personagem. Uma engrenagem que coordena, com a ajuda do vento, todas as realidades que ele conhece: “ Mecanismo que impulsiona um universo”. E a fala mais acertada: “As primeiras criações do ser humano sobre a face da terra, surgiram de acordo com suas necessidades.” E não há erro nisso. Lá no passado, Daniel, um profeta bíblico registrou isso: “a ciência se multiplicará.” E aqui está. A solidão do último sobrevivente faz correr por trilhos, usando o vento e a roda toda a companhia que lhe interessa, de forma ordenada. Mas antes a narrativa dá conta de muitas criações humanas, até chegar em um dos primeiros relatos sobre a roda. E a narrativa volta para o espaço da casa, o aviso da chegada, a entrega do presente, o elogio – tudo sem retorno.
    E quando a luz se dá, todas as trevas da narrativa se dissipam e a verdade surge: “A mãe se levantou da cadeira, andou suavemente pelo trilho.” Com o fim de tudo o único modo de manter a sanidade – ou provar que a perdeu – manter as coisas funcionando em uma falsa normalidade, seca de retorno, mas ainda assim representativa. A mãe “Foi na pia, fez uma volta, dirigiu-se ao fogão, mais uma volta, e retornou à cadeira.” sendo esses todos os movimentos de uma dona de casa quando entardece e é a hora de alimentar – e agasalhar – os seus. O melhor amigo, aqui o” Pingo, o cão, rodeou a mesa, foi até a porta, e voltou ao seu lugar.” E assim continuou, a nova normalidade, o novo mundo. Ele, como criança que se sentia, brincou no parque e se deixou envolver pelo lúdico, mesmo que gerado por ele.
    Depois voltou a ser adulto e, observando suas responsabilidades com seu mundo, sentou-se para ler. E escolhe justamente a versão da gênese narrada por satanás…
    Sucesso no Desafio.

  10. Renato Silva
    8 de março de 2021

    Olá, como vai?

    Primeiramente, não serão considerados gosto pessoal e nem adequação ao tema, já que o mesmo passou a ter entendimento extremamente esparso. Para evitar injustiças por não compreender que o autor fez uso dos termos escolhidos, ainda que em sentido figurado, subjetivo, entenderei que todos os contos terão os pontos correspondentes a este quesito.

    A minha avaliação é sob a ótica de um mero leitor, pois não tenho qualquer formação na área. Irei levar em questão aquilo que entendo por “qualidade” da obra como um todo, buscando entender referências, mensagens ocultas e dar algumas sugestões, se achar necessário.

    Agora, meus comentários sobre o seu conto:

    Conto bacana (até lembrou o meu neste desafio). Em poucas palavras, você conseguiu mostrar o mundo distópico em que vive o protagonista e sua jornada pela sobrevivência. Bem interessante o final, quando as hélices das torres de energia eólica começam a funcionar e fazem os brinquedos de um antigo parquinho funcionar. Eu vejo ali a renovação da esperança. Não é apenas um parque funcionando, mas o restabelecimento da produção de energia, que pode ser o primeiro passo para a recuperação da civilização perdida. Bom, foi isso que eu entendi.

    Boa sorte.

  11. Felipe Lomar
    8 de março de 2021

    Interessante essa sua abordagem da “Criação” em um sentio pós-apocalíptico, talvez uma criação dentro de uma outra criação, após a sua destruição.
    Me pareceu que você tem um certo conhecimento em arquitetura, além de história e literatura. É ótimo trazer vários conhecimentos diferentes, isso enriquece o texto! Você fez um belo uso desse recurso.

  12. Jorge Santos
    1 de março de 2021

    Olá autor Javali. Só o nome já me traz boas recordações do meu primeiro desafio neste grupo. Gostei bastante do seu conto, se bem que precisa de algum “polimento”. Ele narra a história de um homem que vive sozinho num cenário apocalíptico. Como única companhia tem as personagens animatrónicas de um parque de diversões. O cenário é macabro, bem definido. O discurso é intimista, a roçar o surreal. No meio da catástrofe, aquilo a que a personagem dá mais valor é ao livro, enquanto veículo para vivências passadas, pré-apocalípticas. O conto não nos dá respostas sobre o que aconteceu – contrariamente ao que costuma acontece nas histórias do género. O autor contenta-se em mostrar o homem inserido num ambiente hostil, onde aquilo que mais o afecta é a sua solidão. Concordo plenamente com esta opção e demonstra maturidade literária. No entanto, notei algumas incongruências e erros. O primeiro é o facto das prateleiras do supermercado estarem vazias mas as da farmácia estarem cheias. Pode demonstrar os efeitos de um suposto apocalipse zombie, muito retratado nos filmes, mas pareceu-me algo frágil. Depois, vem o Luis VX, quando a forma correcta é Luis XV. Ou terá sido um erro propositado?

  13. Priscila Pereira
    1 de março de 2021

    Olá, Javali cheiroso ( amei o pseudônimo)!

    Eu gostei bastante do seu conto! Eu gosto muito dessa pegada de O último homem da terra (é uma série de comédia, se não viu, fica a dica 😉), inclusive tenho uma série de contos com esse tema. Gostei muito de como você retratou essa solidão. Não dá pra saber se ele é bom último homem da terra mesmo ou se está só em uma cidade fantasma, mas em todo o caso, o clima de solidão, auto inflingida ou não, é extremamente bem exposto.

    O final, com o parque ganhando vida e a descoberta sobre a família dele foi uma ótima sacada! Ficou realmente muito bom.

    Está bem escrito, bem ambientado, um clima sombrio e melancólico está presente e o personagem principal é bem verossimil e empático.

    Parabéns pela participação e pelo conto cheio de sentimento.
    Boa sorte 😘

  14. Fheluany Nogueira
    28 de fevereiro de 2021

    Sobrevivente explora mundo pós-apocalíptico e recria a energia elétrica eólica para ver funcionar um parque de diversões.

    Uma distopia inspirada nos dois livros que o protagonista pega para ler. Os trechos do epílogo são de “Paraíso Perdido” que trata da rebelião de anjos contra o Paraíso que leva à queda ao inferno. O outro fala do mundo “antes da chegada dos pássaros” e chama a atenção o relacionamento com a mãe, assim como no conto em que o protagonista cria engrenagens para fazê-la se movimentar.

    A ideia é interessante e gera reflexões; porém o(a) narrador(a) descreveu sobre suas sensações, seus desejos, mas eu queria ter visto acontecer. Acho que o texto ficou muito contado e pouco mostrado. Gostaria de ter visto mais as experiências dele.

    Esse mote de apocalipse, solidão e perda das invenções é meio batido. A novidade ficou por conta das engrenagens, reinvenção e das alusões literárias. Mesmo assim, é um conto interessante que mostra criatividade e um poder de reflexão grandes.

    Parabéns e boa sorte! Abraço.

  15. Luciana Merley
    28 de fevereiro de 2021

    O Sopro do Vento Criador

    Olá, autor.
    Achei o conto delicadíssimo apesar do cenário aterrador. Foi impossível não me lembrar de “O livro de Eli” e também de umas das cenas de “Ensaio sobre a cegueira” (a do supermercado abandonado).

    Critério de avaliação CRI (Coesão, Ritmo e Impacto):

    Coesão – A solidão e o abandono num cenário pós grande guerra ou pós apocalíptico. Sua narrativa é bastante eficiente em manter o leitor preso à história, que apesar de trazer um cenário de terra desolada já explorado por inúmeras produções, tem peculiaridades que toram o texto bem interessante.
    Uma ressalva: achei que as explicações sobre a história das criações humanas se estenderam além do necessário e fizeram uma quebra não agradável no texto.

    Ritmo – O texto tem um ritmo bem próprio, compassado, como quem conta uma história enquanto caminha e precisa parar para conseguir mais ar. É agradável. Não cansa e não leva a atropelos na leitura.

    Impacto – As cenas finais são reveladoras de um personagem ainda mais interessante do que pareceu no início. Sozinho, ele criou um mundo para ele. Fiquei em dúvida se as pessoas no parque e a mãe eram esqueletos também ou construções em madeira ou algo assim. Acredito que esqueletos, já que você não fez referência a construções de pessoas. A citação é belíssima. Traz a causa dos males dos homens e a Esperança certa de modo poético, lindo. Estou com Paraíso Perdido na estante. Com um pouco de medo daquele tamanho todo, mas sei que preciso encarar mais essa obra prima da humanidade. Seu texto me deu novo ânimo.

    Gostei muitíssimo. Parabéns.

  16. Fernando Dias Cyrino
    27 de fevereiro de 2021

    Olá, Javali Cheiroso, você me traz uma história que se passa em um mundo sem pessoas. O nosso personagem é o único ser vivo que aparece na narrativa. Um renascer da vida após colossal catástrofe que a todos aniquilara? Uns antes e teve gente mesmo, como o homem na casa rica que lhe cede as botas, que preferiu por terminar com a vida da esposa doente e suicidar-se em seguida. Uma história que ficou, ao meu ver, Javali, com algumas pontas meio soltas. Tento me explicar: enquanto o supermercado estava vazio, totalmente saqueado, a farmácia continha suas prateleiras parecendo intactas. Até lenço umidificador o nosso herói encontrou. O parque também eu achei que faltou uma explicação. Afinal, ele criou o parque? Ou era o parque da cidade que ele usava como moradia e divertimento quando os ventos do Sul chegavam e moviam as hélices gerando a energia eólica? Bem, amigo, é isto. Olha, bem pode ser também que apesar das minhas várias leituras da história, sou eu o bitolado que não consegue enxergar aquilo que para os demais está claro e evidente. Nesse caso, releve, ok? Grande abraço.

  17. Anderson Prado
    27 de fevereiro de 2021

    A primeira parte do conto (bastante hollywoodiano, aliás) me interessou bastante. Gostei de acompanhar esse homem solitário caminhando em meio à devastação. Gostei do emprego da pontuação e da clareza e concisão da maior parte do conto (principalmente da primeira parte). Não me ficou clara a intenção do autor com o desfecho escolhido. Achei a inserção do tema do desafio algo forçada. A paragrafação me pareceu ruim: não vi motivo razoável para certos parágrafos estarem divididos, tão curtos.

  18. angst447
    26 de fevereiro de 2021

    Demorei para encontrar o tema proposto pelo desafio, mas achei, depois da metade do conto, uma bela engrenagem. Achei a imagem da casa dentro de um parque de diversões bem lúdica e poética. A engrenagem que dava vida ao local era acionada pelo moinho de vento, um vento sem dúvida alguma criador.
    A narrativa parte de um cenário distópico, de realidade desoladora, um homem [acredito que jovem ainda] percorre um caminho pós apocalipse em busca de remédios. Também encontra livros, mas só consegue salvar dois, devido ao incêndio por ele mesmo provocado.
    A linguagem empregada é clara, os parágrafos bastante curtos, telegráficos, ou versos?
    O ritmo mantém-se constante, apesar de pouca ação e muita descrição, a leitura não é prejudicada e flui com facilidade, apenas ralenta quando o narrador trata do histórico da invenção da roda.
    Boa sorte.

  19. Kelly Hatanaka
    25 de fevereiro de 2021

    Gostei desse cenário pós apocalíptico e desse sentimento de solidão, que ficou ainda mais forte depois do “despertar” da mãe e de Pingo. Apesar de levantar questões e curiosidades sobre o que teria acontecido ao mundo e se ele o personagem é de fato a única pessoa que restou no mundo, o conto é uma história inteira, completa, não falta nada. Excelente!

  20. thiagocastrosouza
    22 de fevereiro de 2021

    Caro Javali Cheiroso, creio que conheço sua identidade a partir de outros contos publicados nesse blog.

    Sobre esse, lido agora, tenho alguns apontamentos. Seu estilo é bastante poético no formato. Frases curtas, muitos parágrafos, enfim, uma forma de escrita que encadeia bem os acontecimentos apresentados na narrativa.

    Estamos acompanhando um homem solitário num Brasil pós apocalíptico, colhendo remédios, pertences e materiais. Assim como as ações do homem, episódicas e sequências, é o texto que se revela na frente do leitor. Interessante que, para contemplar o desafio em ambos os temas, você fez uma analogia entre as engrenagens, o universo e as rodas. Num primeiro momento, quando o conto parte para uma recapitulação histórica, achei que tinha sobrecarregado o enredo, mas percebi sentido em levar, graças às reflexões do personagem, o leitor para um passado onde estávamos no início dos avanços tecnológicos em contraponto a realidade destruída do personagem. Quanto a este, há uma sisudez nos modos, na forma que invade a casa ou lida com os mortos, ao mesmo tempo que é sensível com seus familiares e com a cultura sobrante de um mundo decadente que insiste em recriar e consegue, mesmo que artificialmente, por meio de reproduções mecânicas da mãe e dos outros, que ganham vida com o parque. Pelo menos foi o que compreendi.

    O final é familiar e esperançoso, apesar de tudo. Há um funilamento das frases para fechar o conto, rareando as palavras como no final de um poema, o que emboniteceu o todo da obra.

    Grande abraço!

  21. Eduardo Fernandes
    21 de fevereiro de 2021

    O Comentário acima foi postado erroneamente. O Correcto é:

    Creio que o teu texto precisa de edição, principalmente nos parágrafos, que são muito curtos e quebra ideias concatenadas pelo meio. Muitos dos teus parágrafos poderiam ser juntados num só. Parecendo que não, isso tira força ao texto, porque o efeito do “pequeno” poderia ser usado para destacar o que era realmente importante.

    Algumas partes parecem-me meio forçadas, principalmente a estória dos sacerdotes de Ur, que aparece meio fora do contexto. Não sei, talvez trabalhar mais a transição.

    Outro texto que me deixou com uma opinião divida entre ter gostado ou não.

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Publicado às 21 de fevereiro de 2021 por em Engrenagens da Criação e marcado .
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