O que vamos dizer a ele? Eu imaginava, porque apesar de enfraquecido, Guto estava esperançoso:
Talvez eu possa retomar o trabalho na escola. Já estou de licença há dias, reclamara.
Puseram uma substituta… (Caíque)
…não se preocupe (Mariana).
As crianças não podem ser prejudicadas (Guto).
Que sintam um pouco a sua falta (eu).
Fecho os olhos e as cenas voltam, bailando na memória. Desde a primeira, quando o médico abriu o envelope com o resultado dos exames:
É o que eu mais temia, dona Thereza.
E, Caíque que se casaria dali quatro semanas. Não aceitou, não. Aquilo não podia acontecer com o pai:
Pede outro exame, doutor!
Não é preciso (silêncio). Importante é iniciar logo as aplicações.
Saímos à rua, zonzos com a cruz daquela verdade às costas, e meus olhos se recusavam a ver o mundo que em breve não teria mais a presença de meu companheiro:
É melhor não contar nada a ele.
Não pode ser, não pode ser! Caíque vociferava.
Você tem de cuidar de seu casamento. Eu tentava acalmá-lo.
Vou desmarcar.
Ninguém vai entender. Seu pai vai desconfiar.
Não, não. Ele protestava, ao volante, e eu:
Vamos manter a festa, seria a oportunidade para ele rever, quem sabe pela última vez, alguns parentes distantes.
Que desgraça!
E os exames no banco de trás eram uma silenciosa certeza que, de repente, arrebentara as fundações da família.
E as lembranças brotavam como uma avalanche. Eu mal escutava as buzinas, o ruído dos motores:
Cuidado, filho, dirige com atenção…
Não posso casar nessa situação! A noite me caíra na alma. Tentava entender o vazio que me sufocava e só pensava: Por quê com Guto? Era ele, com seu bom humor, que tornava mais leve o fardo dos nossos conflitos, quem juntava as peças de nossa história perdida no emaranhado dos fatos.
Não pode ser, não pode ser! Caíque roía com raiva os ossos daquela sentença e dela não se desgrudava. Buzinava, buzinava, como se aquele som prosaico dissesse: Estamos perdendo uma pessoa que amamos.
E eu já me sentia abandonada, vomitando solidão. O sol descia recortado pela luz das janelas, e seus raios se espalhavam pelo horizonte. Não conseguia ver meu homem como uma criatura turva; era barro, sim, igual a todos nós, mas ele foi cozido a altas temperaturas, e ganhara a transparência dos vidros, pela qual eu podia ver os mecanismos da vida funcionando em desordem dentro dele e, sem ouvir a minha própria voz.
Calma, filho! Não vá piorar as coisas. Eu me via, no futuro imediato, a procurar os ecos do riso dele, das palavras sempre tão grávidas de carinho. E, subitamente, Deus!, espremi a dor que me dilacerava o espírito e falei:
Assim estamos matando Guto, ele ainda está no meio de nós. Temos de desfrutar cada minuto com ele.
Ele se foi, ele já se foi. Caíque não aceitava:
Não, não, ele ainda tem algum tempo. Mudava as marchas nervosamente, queria avançar, como se desejasse deter o inevitável que, em surdina, não se sensibilizava com o nosso pesar.
Em casa, entrevi o rosto de Guto à janela. Ele nos acenava, feliz, rodeado pelo ocaso. Abaixei os olhos a custo represando os sentimentos controversos que me sacudiam, preparando-me para dizer a maior de todas as mentiras:
É uma inflamação brava, demora pra sarar, mas com a sua ajuda… Foi isso o que eu disse, à mesa, diante do prato de sopa que não me descia:
É o calor, perdi a fome. Mas Mariana, esperta, captou a verdade em meu semblante, e a apanhou como uma pedra à beira do silêncio de Caíque, enquanto ele me apoiava movendo afirmativamente a cabeça:
O que foi, bem?
Tô preocupado com o casamento. Caíque, reunindo cada migalha de sua coragem.
O pai riu, ingênuo, ignorando a dimensão do mal que logo o arruinaria, porque, apesar do aspecto frágil, era ainda Augusto, vazando vida, que eu conhecia desde a infância. E, como era insuportável admitir que ele estava de partida, mais do que convencê-lo que tinha apenas uma inflamação. Exagerei nos detalhes, afirmando que logo estaria bem melhor:
É hora de sair dessa vida mansa. De repente, me vi eufórica, tanto que Mariana entrou no jogo e, cúmplice, apanhou o pão e fez um movimento dissimulado, como se dizendo:
Assim, ele vai perceber. Por meio de olhares, nós três dialogamos sem que Guto notasse, e esquecemos… parecia-me, que tudo retornava ao seu lugar. Caíque se casaria, as aplicações seriam começadas, o mal jamais nos atingiria.
E, então, veio o dia seguinte.
Temos de ser práticos, Caíque. Mariana fez uma pausa. Você o leva pro hospital, reveza com sua mãe, um dia você, outro dia ela.
O rapaz só ouvia, tão menino ainda, tão próximo da felicidade conjugal e, ao mesmo tempo, tão estupefato, porque nós o mimáramos desde pequeno. A noiva pegou em sua mão:
Vamos chamar mais umas pessoas pra festa.
Por quê?
Pode ser a última vez pro seu pai. Vamos convidar a tia Vera, que ele não vê há anos, e o tio Pedro, padrinho dele. À festa de casamento se aderia outra, sorrateira, da despedida.
Reprogramamos tudo, enquanto os dias avançavam e justamente quando mais queríamos que passassem devagar. A pouca coisa que se revelava em meio ao vazio era um vaso, recheado de crisântemos, sem serventia, a base rebrilhando sobre uma superfície indefinível. O vaso girava vagarosamente no espaço, ou eram nossos olhos que o contornavam. Ao menos tínhamos um ponto, fiapo de nada, mas ao qual logo se acrescentaria outro.
Guto ia às sessões:
Acho que agora vou sarar. Reanimado; e eu confirmava:
Claro que vai! Torcíamos para que as drogas não o debilitassem mais, e nesses dias as nossas palavras se misturaram, por vezes. Nem sabíamos se tinha sido Mariana ou Caíque ou um vizinho, ou meu irmão ou outro familiar quem comentara que o cabelo de Guto estava caindo:
Já dá pra perceber na parte de trás, alguém confirmava.
Ainda bem que na frente nem se nota.
Se o casamento demorar mais uma semana, vai ser pior.
Ele está animado, nem parece tão doente.
Então, cada um se enterrava em sua dor, até que as tarefas cotidianas nos arrancavam novamente do território da perda e nos atiravam ao cotidiano que tínhamos de enfrentar por Guto. Tentávamos nos motivar:
Vamos, nada de desânimo.
Come, Caíque, você vai precisar de energia na lua-de mel.
Nessas horas que a gente se supera.
Nós somos fortes.
O que vocês tanto cochicham? Guto resmungava, lá da sala.
Nada, sogrinho, o Caíque está fazendo regime. Mariana, os olhos úmidos.
Não quer casar com uns quilinhos a mais (eu).
Mas assim você está lindo. O pai ria, ria e Caíque, quieto, pensando no peso da alegria que viera em hora tão imprópria.
Assim, as quatro semanas passaram, velozes. Guto começara a enfraquecer visivelmente e, quando abri a porta do carro para que entrasse, no terno azul-marinho, elogiei:
Puxa, que elegância! Em meus olhos se misturaram uma porção de recordações, das quais ele emergia sempre sorridente, a cabeleira encaracolada. Por um momento, criei que não existia mal nenhum a devastá-lo. Ele respondeu:
Estou tão feliz por Caíque!
Dei a partida bruscamente, como se a minha ira pudesse deter o fluxo das horas fatais que manava e, em breve, nos alcançaria. E, talvez porque visse uma sombra se formar em meu rosto, meu irmão disse:
Enfim, chegou o grande dia! E, espantou o sofrimento que teimava em se grudar a mim. Guto, abrindo o vidro do carro, suspirou:
Vamos! Então fomos.
No salão, alguns convidados transitavam:
Melhor ele ficar naquele canto.
Ali não, venta muito.
Por que tanta preocupação? Guto não entendia…
Vou chamar a tia Vera e o tio Pedro. Eu disfarçava.
Caíque metido num terno negro, aguardava a noiva, olhando o tempo todo para o relógio, e eu sabia que a sua ansiedade não era pela troca das alianças, mas para abreviar ao máximo a festa e poupar o pai.
Não demorou, a noiva entrou, e Guto:
Que linda!
Adorei o buquê de jasmins, e, quando os noivos se beijaram, Acho que vou chorar, como Mariana. Tia Vera falava e ria, tocando de leve o braço de Guto.
Você sempre desaba em casamentos. Tio Pedro nem se dera conta de que as lágrimas de Mariana eram menos para o noivo e mais por Guto que sorria sem saber de sua própria condição.
A festa se iniciou e seguiu normalmente. Às altas horas, Caíque:
Mais um uísque! Já ao lado do pai, e ele a abraçá-lo, a lhe acariciar os cabelos, e eu tentando dissipar a névoa que cobria meus olhos.
Que felicidade estarmos juntos hoje! ainda disse, meio embriagado. Eu sabia que ele em realidade dizia: Que pena que não estaremos mais juntos amanhã. Assim, cada um buscava superar a ameaça iminente.
Foi a vez de os noivos cortarem o bolo, e Guto, contra a nossa vontade, ergueu-se para dançar com Mariana.
Você vai se cansar. A noiva protestara e ele respondeu:
Só um pouquinho.
Caíque a todo custo tentava se manter firme, até que se agarrou à noiva, dizendo:
Pronto, papai, descanse um pouco. Mas ele não queria parar e, em meio aos rumores alegres, ao tilintar dos copos, ao vozerio geral dos convidados, os moinhos do tempo funcionavam surdamente, em marcha lenta dentro de uns, mais rápido em outros, e com força máxima em Guto.
Ele queria dançar e sinalizou para que eu a acompanhasse como nos bailes de nossa juventude. Então, estendi-lhe a mão e comecei a dançar, criando uma felicidade que, só quando ele partiu para sempre, percebi ser a mais legítima que eu sentira.
Abro os olhos, o vazio parece se mover, à minha frente. A cortina do nada vai se abrindo e, o vaso, sem serventia, rebrilha e gira, derramando o silêncio, antes que eu feche os olhos e reate o sonho.
Primeiramente, a história é muito emocionante. Acho que tem aquela coisa de fazer o leitor se identificar, afinal muita gente já passou por situações parecidas. Enfim, mais uma abordagem bem criativa e fora do trivial do tema “engrenagens”, aqui com as engrenagens do tempo e da vida. Mas tem algumas coisas que tiraram um pouco o impacto total que o texto poderia ter causado: primeiro, a formatação está um pouco confusa, principalmente nos diálogos, o que dificulta a leitura. Um leitor que está se esforçando para entender a estrutura do texto não tem tempo para se emocionar com a história. Segundo, achei o ritmo da narrativa meio corrido, o que dificulta um pouco de ruminar toda a carga emocional que se propõe. E por último, achei o final um pouco resumido, parece que o texto acaba do nada, sem uma finalização adequada. Enfim, acho que se você resolver essas questões e republicar esse texto futuramente, essa história tem muito potencial, pode ser realmente um grandíssimo conto!
Olá, Thereza.
Resumo do conto:
Às vésperas do casamento do filho, uma mulher descobre que seu esposo teu um câncer terminal. Ela e o filho resolvem esconder do doente sua real condição, para poupá-lo de tristezas e para poderem aproveitar ainda um pouco de sua presença sem a sombra da morte a espreitar. O casamento chega e Guto está cada vez mais fraco, mas disposto e feliz. O último parágrafo insinua que tudo tenha sido um sonho mau.
Análise do conto.
Texto bem escrito, emocionante, bem narrado e com um ápice no casamento. A construção dos personagens foi boa, idem para os diálogos. Não vi muito do tema do desafio, contudo. O final, que insinua um sonho, destoa do bom conto até então.
Boa sorte no desafio!
Olá, Thereza.
Comecei o conto um pouco confuso. As falas em itálico com o nome dos personagens em parênteses me remeteram a um texto teatral, com rubricas. Mas sem nenhuma apresentação dos personagens fiquei meio perdido.
Demorou um pouquinho para que eu conseguisse me situar e, quando me encontrei na narrativa, voltei ao início para reler com maior compreensão.
Creio que foi uma escolha estilística arriscada, talvez afaste alguns. Particularmente, apesar desse engasgo inicial, eu gostei bastante. Gosto de ousadias estéticas, de ver formatações diferentes nos textos. Depois que recomecei a leitura já adaptado ao recurso, tudo fluiu muito bem e achei muito interessante esse estilo diferente. O único problema que encontrei, uma ou duas vezes, foi o itálico invadindo o início da narração após uma fala. Mas é só um pequeno erro de revisão, que não compromete.
Quanto à escrita em si, creio que há um problema nesse trecho:
“E, Caíque que se casaria dali quatro semanas. Não aceitou, não.”
Me parece que deveria ser uma frase só, com uma vírgula ao invés do ponto final.
Tirando esse pequeno problema, achei a escrita excelente. Boa narração, português claro, pontuação correta, ótimo vocabulário. O tom da narração casa muito bem com o enredo e algumas metáforas são inspiradas. É um texto bonito, elegante. Coisa de quem domina a pena.
O enredo é simples, comum, mas muito bem contado. Narra uma história triste com muito realismo e beleza. Gostei muito do desfecho. Quando tudo indicava um final triste, melancólico, você nos trouxe algumas notas de felicidade. Me surpreendeu positivamente.
O único problema, pra mim, foi a adesão aos temas. Confesso que simplesmente não consegui entender sua intenção aqui. Não me parece ser relacionado à criação. A não ser que a criação seja a mentira inventada para manter Guto no escuro. Mas não me parece o caso. Seria um conto sobre as engrenagens da vida? Talvez. Mas não vi nada que me remetesse a essa ideia também. Enfim, infelizmente, não consegui identificar os temas do certame no conto. Isso não o enfraquece como conto, mas certamente o enfraquece dentro da competição. Talvez tenha me faltado interpretação, sempre é possível que a falha seja minha. Se você pudesse explicar sua ideia depois do desafio, gostaria de ouvir.
De toda forma, é um bom conto e me trouxe uma leitura muito agradável.
Um abraço e boa sorte no certame.
Resumo: Vida e morte. Família se aproveita de um momento de felicidade (casamento) para passar um tempo junto a Guto, portador de uma doença letal. A devastadora noticia da doença corroeu os familiares que fizeram de tudo para preservar o pouco de energia que ainda restava no personagem. Situação que fez a engrenagem de suas vidas mudar completamente.
Pontos fortes: O detalhamento das cenas, o impacto da noticia triste e o desfecho feliz deram ao texto consistência, tornando o leitor preparado para uma cena triste, mesmo que não narrada.
Ponto fraco: Não gosto muito de diálogos que ficam marcando o nome de quem fala, me parece algo muito juvenil.
Comentário Geral: Deixando de lado a questão de marcar personagens nos diálogos, o texto é muito bom. Poderia ser ainda melhor explorado se o limite de palavras não fosse tão baixo. Tenho certeza de quem o escreveu pensou em algo mais.
Boa Sorte autor(a)
Olá. Este texto narra a história de uma mulher que casa depois de saber da doença do pai. Pelo menos foi este o entendimento que fiz. Achei o texto com uma estrutura complexa, onde me perdi frequentemente. Bem sei que o autor tentou arranjar uma voz própria, mas continuo a achar que não há nada como a clareza de uma boa ideia. Cheguei ao final sem encontrar a adequação a qualquer um dos dois temas do desafio.
Olá, Thereza!
Seu conto está escrito de forma admirável, cheio de sentimento, poesia, dor, mágoa… O se preparar para a morte de um marido, um pai, um sogro… É algo que uma hora ou outra iremos viver, mas preferimos ignorar até que não haja mais tempo.
Não entendi por que não contaram para o Guto, não consigo entender por que alguém se acharia no direito de esconder uma coisa dessas da pessoa que está morrendo. É uma coisa horrível de se fazer.
Não achei nada que desse para encaixar no tema, e aliás, não entendi o título também… Sim, eu li com atenção, duas vezes até, mas é bem possível que tenha deixado passar alguma coisa importante… Não estou em um bom momento pra ler, desculpe desde já.
No mais, gostei bastante do conto, pela carga dramática e empática que ele tem. Mesmo não entendendo a motivação dos personagens.
Parabéns pela participação e pelo ótima escrita!
Boa sorte 😘
O conto tangencia o tema proposto.
A tentativa de aludir a uma ‘engrenagem’ é tímida e frágil, mesmo que possa ser uma engrenagem de personagens e diálogos.
O recurso de distinguir as falas (em ‘negrito’) colocando a autoria ao final entre ‘parenteses’ é original, mas sua virtude se perde quando o recurso é abandonado.
O texto e bem escrito e tem um bom desenvolvimento, embora pudesse ser mais enxuto sem prejuízo ao enredo. Há informações e falas que parecem estar apenas cumprindo o limite mínimo exigido pelo desafio.
A história é pouco original, muito já se escreveu valendo-se do mesmo tema. Sua força, que poderia ser melhor explorada, reside na figura e nas reflexões da narradora. Os demais personagens não têm a mesma densidade, antes parecem decorativos e escada para o brilho da narradora
A família descobre que Augusto tem câncer, o filho quer adiar o casamento marcado para dali algumas semanas, a esposa e filha se desesperam com a morte eminente do chefe da casa.
Todos passam a esconder o fato. O casamento acontece. Guto dança, está feliz. Talvez soubesse que tinha pouco tempo de vida. Com a quimioterapia e todo aquele cuidado, impossível não saber.
O conto é uma história do Cotidiano, comum, infelizmente acontece nas melhores famílias. Tive a impressão de que o tema Engrenagem foi enfiado à força no corpo de Guto, aliás, no texto.
A estrutura dos diálogos, ligados à narração, dá uma estética diferenciada ao texto. Pode causar entrave na leitura, porém, é válido, é um recurso que faz parte do estilo de escrita de autores. Boa sorte.
Gostei muito deste conto. Triste e lindo, falando de despedida e de luto. Chamou a atenção a maneira como os personagens foram tão bem desenhados e caracterizados, mesmo sem descrições. As ações são coerentes, cada um tem uma forma de se expressar e a sensação que fica é de ter espiado uma cena por um vão da cortina. Parabéns!
O desarranjo que não planejei (Thereza)
“A arte de morrer é tão importante como a arte de viver, o futuro do ser depende talvez inteiramente de uma morte corretamente controlada.” (O livro dos mortos tibetano, Prefácio à Segunda Edição)
O conto é triste e bonito. Vagueia entre o drama e o onírico.
Desarranjo é um jogo de palavras em relação ao vaso imaginado onde há crisântemos – inúteis – para uns, de tanto serem usados em caixão, são flores de defunto. Tive dificuldade de compreender o neologismo porque na minha linguagem desarranjo é outra coisa…
Tema com certeza de engrenagens, relacionado às últimas horas do relógio da vida de Guto, esposo, pai e sogro que espera feliz o casamento do filho. Entretanto a contagem é feita a partir da perspectiva da esposa, a narradora e, por isso mesmo está fixa na forma em que ela vivencia o processo de adoecimento e de despedida que seu núcleo familiar escolheram vivenciar, já que o paciente desconhece realmente seu verdadeiro estado.
Para Heidegger “O impessoal não permite a coragem de se assumir a angústia com a morte” e Desarranjo – vou abreviar para analisar – é praticamente um estudo sobre o luto e em um recorte original, em que o paciente não sabe que sua ruptura está próxima, com uma mentira inocente a família o convence que é só “uma inflamação brava, demora pra sarar, mas com a sua ajuda…”.
O campo semântico leva em consideração todos os fatores geradores dessa perda anunciada e que não será dividida com quem vai partir. No ponto de vista ético e moral a sociedade que está próxima – seja ela a equipe médica, seja os amigos – devem respeitar a escolha que a família fez. Não importa se quem vê de fora ache injusto com o doente o fato de lhe negarem sua real condição – já que nem ao menos há mais chance de um tratamento além do paliativo, para evitar maior sofrimento. E sim, mesmo que houvesse e o doente escolhesse não fazer uso de medicação, ainda assim ninguém poderia fazer nada, repito, desde que haja manifestação por parte do enfermo.
Para quem acompanha e segundo alguns estudos sobre doentes terminais o que aumenta o sofrimento é justamente a desilusão da eternidade. Quando enfrentamos a doença de tão perto, as nossas fantasias de imortalidade que nos acompanham desde sempre são testadas e destruídas e isso gera o desequilíbrio. E essa construção de fantasias imortais acontecem exatamente no ambiente lúdico, afinal “a Morte tornou-se mais um fator de desconstrução social” que faz todo o sentido quando estamos tentando viver esquecidos de que a vida é uma engrenagem feita para parar e ninguém sabe quando é que se dá o fim, só se sabe que ele chegará.
Dando sequência à análise da Linguagem, todo o processo de despedida é descrito, já que, ao esperar a morte de Guto, o marido, a esposa começa a dividir com o filho o luto antecipado. Tão logo recebe o diagnóstico, vem a solidão a dois: “E eu já me sentia abandonada, vomitando solidão.” A não aceitação: “Aquilo não podia acontecer com o pai.”, e: “Não pode ser, não pode ser! Caíque vociferava.” O desespero: “Saímos à rua, zonzos com a cruz daquela verdade às costas.”
As angústias do processo de luto surgem inconfessáveis, porque devem ser camufladas em uma alegria que deveria ser genuína, porém estão embaçadas pela dor e pela antecipação da despedida: “Abaixei os olhos a custo represando os sentimentos controversos que me sacudiam”. Ao ser feliz na festa, Caíque, o noivo enfrenta os sentimentos ambivalentes:”O pai ria, ria e Caíque, quieto, pensando no peso da alegria que viera em hora tão imprópria.” E tinha a culpa, ali, sorrateira: “Assim estamos matando Guto, ele ainda está no meio de nós. Temos de desfrutar cada minuto com ele.” e tinha a fé : “Guto ia às sessões.Acho que agora vou sarar”. E tinha a imortal e ilusória esperança: “parecia-me, que tudo retornava ao seu lugar. Caíque se casaria, as aplicações seriam (sic) começadas, o mal jamais nos atingiria.” E há os momentos em que o familiar culpa o doente: “E eu já me sentia abandonada, vomitando solidão.”
Ainda seguindo a riqueza com que a linguagem é utilizada, vale apresentar a diferença entre narração e diálogos. Marcados apenas pela diferenciação de uso da fonte, normal para a voz narrativa, itálico para os diálogos. Diálogos esses elaborados quase todos em modo de contato (função fática), facilitando assim a percepção de conversa paralela, que é o que gera as desconfianças ingênuas de Guto: O que vocês tanto cochicham? Guto resmungava, lá da sala.; ou “O que foi, bem?”
Para tornar o convívio menos pesado ao paciente, esta família cria um modo próprio de comunicação. Algumas vezes “Por meio de olhares, nós três dialogamos sem que Guto notasse (…)”, em outras, gestos: “apanhou o pão e fez um movimento dissimulado, como se dizendo: Assim, ele vai perceber.”
E que amor há entre eles, quanto apoio quando um está próximo a perder o equilíbrio: Mariana, esperta, captou a verdade em meu semblante, e a apanhou como uma pedra à beira do silêncio de Caíque, enquanto ele me apoiava (…) O que foi, bem? Tô preocupado com o casamento. Caíque, reunindo cada migalha de sua coragem.
O Eufemismo para a situação surge poético, ao ver o marido fragilizado a narradora o descreve como alguém “rodeado pelo ocaso.” Também é interessante e profunda em significados a frase sobre o desespero pós-diagnóstico: “zonzos com a cruz daquela verdade às costas”, carregado de símbolos de dor e de doação. Muito além da conotação religiosa, é como um irmanamento com todos os que passaram por essa situação: ter que escolher em terminar a alegria contando a verdade ou deixar quem se ama morrer. Nos dois casos a mente já trabalha a culpa antecipada, dois cenários de responsabilidade que podem transformar as possibilidades de futuro.
Ainda no plano da Linguagem, há muita força na fala de Tereza quando ela fala sobre Guto está “Vazando vida” mostra o quanto é difícil para quem vive, na sociedade de hoje, o luto antecipado. Olhar e ver quem ama dando um espetáculo de vida, feliz, sorridente e, nesse caso, desconhecendo seu final, aqui a vida que vaza, escorre e não transborda, escoa como água pelas mãos. É uma imagem muito forte e uma escolha semântica acertada.
As personagens estão muito unidas, assim, os laços entre os três parentes de Guto são praticamente os mesmos. Mas ele está bem delineado. Sobre ele vale mostrar que os sentimentos da família são sedimentados em sua conduta anterior aos fatos apresentados. Professor, afastado por enfermidade, preocupado com os alunos: “As crianças não podem ser prejudicadas;” apegado a família e mesmo a nora, noiva do filho, já lhe é cara. Sensível, “Que linda! Adorei o buquê de jasmins”, mas ao mesmo tempo que era alguém débil era o pai, amigo e esposa sempre porque, apesar do aspecto frágil, era ainda Augusto, vazando vida,”(…)
A festa é uma fala filosófica explicada. Ou ainda, poética, ao convidar os parentes mais distantes a família está citando, indiretamente Hélinand de Froidmont: “Morte, eu te envio a meus amigos”, (…) – “quero consolá-los”; “saudar.” e aparecem nas falas: “Vamos convidar a tia Vera, que ele não vê há anos, e o tio Pedro, padrinho dele.” Não nada macabro em convidá-los, a adesão da festa como despedida é só percebida no momento, o tempo muda o que de fato acontece, apaga o fúnebre, mesmo porque a narrativa dá conta disso, afinal, Guto é quem mais se diverte: “Pronto, papai, descanse um pouco. Mas ele não queria parar (…)
O que faz com que todos sofram, entre uma alegria e outra, antes da festa e durante é explicado pela frase: “A morte do outro configura-se como a vivência da morte em vida” porque afinal, não estamos enfrentando só a perda de um ente que amamos, estamos sendo afrontados por algo inexorável e que não há como evitar. E ela além de quebrar nossas fantasias, como já foi citado, destrói também a nossa representação cultural familiar ou qualquer outro tipo de visão mais real que temos, que é a nossa “própria representação da morte.”(Maria Júlia Kovács)
As engrenagens da morte surge agora não mais além do texto, subentendidas no discurso fático e fatídico que constrói a narrativa de Tereza, aqui ela elenca cada parte desse passar de tempo. Independente das alegrias representadas pelos rumores, das novas memórias, da comemoração incessante impressa nos tilintar dos copos; as novas construções de memórias compartilhadas no vozerio geral dos convidados, algo estava acionado e, segundo a narradora, “os moinhos do tempo funcionavam surdamente, em marcha lenta dentro de uns, mais rápido em outros, e com força máxima em Guto”. E essa produção textual da conta de todo o universo do viver, ou seja, “o homem é um ser para a morte” (Heidegger), embora viva como se ela nunca mais viesse.
As duas cenas finais são riquíssimas. Ao dançar junto com o esposo, enfim ela consegue estar com ele em todas essas semanas finais. Ali eles eram jovens de novo e nas palavras dela, estava apenas “criando uma felicidade(…)”. E depois do tempo corrido da memória e tendo lavado as marcas da separação, ela diz, textualmente que “ só quando ele partiu para sempre, percebi ser a mais legítima que eu sentira.”
E para fechar com chave de ouro, o vaso volta. E volta enquanto ela dorme. A narrativa de um acontecimento é real – está posto, mas a forma em que é narrada dá um tom onírico, o que não afasta do plano da memória?
Olá, como vai?
Primeiramente, não serão considerados gosto pessoal e nem adequação ao tema, já que o mesmo passou a ter entendimento extremamente esparso. Para evitar injustiças por não compreender que o autor fez uso dos termos escolhidos, ainda que em sentido figurado, subjetivo, entenderei que todos os contos terão os pontos correspondentes a este quesito.
A minha avaliação é sob a ótica de um mero leitor, pois não tenho qualquer formação na área. Irei levar em questão aquilo que entendo por “qualidade” da obra como um todo, buscando entender referências, mensagens ocultas e dar algumas sugestões, se achar necessário.
Agora, meus comentários sobre o seu conto:
Uma história muito triste e eu pude sentir bastante a revolta do filho, Caíque. E todo o esforço da família para esconder de Guto sua doença terminal, mas tem algo aí que não me convenceu: Por que uma pessoa lúcida como Guto não foi ao médico para receber o resultado dos seus exames e como ele foi ingênuo o suficiente para morrer acreditando que só tinha uma simples “inflamação”? Eu realmente fiquei incomodado durante toda a leitura por não compreender isso. Se eu tivesse escrito, teria optado por deixá-lo com um tipo de demência, assim seria mais fácil “enganá-lo” de todas as formas. Mas se tratava de um homem lúcido e que não tinha problemas de mobilidade. Em muitos casos, os médicos só dão o diagnóstico aos próprio paciente, mas no conto não há qualquer justificativa para isso.
Em minha avaliações, não julgo pelo meu gosto pessoal ou por ter gostado ou não do final, nem mesmo por defender valores contrários dos meus, mas levo em consideração um certo tipo de coerência. Sim, tudo é possível na literatura, mas em todos os universos existem suas regras. Analisando o contexto do conto, vejo como incoerente o fato da família ter recebido o diagnóstico de morte do Guto e o mesmo ter sido enganado tão facilmente. Penso que o autor poderia ter pensado numa outra explicação e são nestes detalhes que uma obra se destaca. Posso concluir que estou diante de um bom texto, que se dispõe a tocar o leitor e isso aconteceu. Fiquei emocionado e li de novo para comentar, mas o tema é incômodo pra mim. Por outro lado, achei que o seu Augusto era meio “burrinho”. Que ele descanse em paz.
Boa sorte.
O texto parece meio alegórico, meio metafísico e bem visceral.
Contudo a alegoria fica meio confusa e me perdi um pouco quanto a vida ou morte da personagem.
O desarranjo que não planejei (Thereza)
Comentário:
E, de repente, em meio a tantos textos complexos, aparece a suavidade de uma escrita que faz com que, pela dor e realidade, coloquemos os pés no chão. Uma narrativa do cotidiano, da vida como ela é. O conto traz o drama de uma família que enfrenta a verdade de uma doença, e a narrativa é suavizada por descrições que exalam poesia. Fica nítido o cumprimento do tema proposto pelo desafio. A vida com suas engrenagens, alegrias e tristezas misturadas. E tudo segue, é preciso seguir. A vida continua e os elos nos puxam.
Algumas pérolas que encontrei:
“E eu já me sentia abandonada, vomitando solidão. “
“Não conseguia ver meu homem como uma criatura turva; era barro, sim, igual a todos nós, mas ele foi cozido a altas temperaturas, e ganhara a transparência dos vidros, pela qual eu podia ver os mecanismos da vida funcionando em desordem dentro dele e, sem ouvir a minha própria voz.”
“das palavras sempre tão grávidas de carinho.”
“Ele nos acenava, feliz, rodeado pelo ocaso.”
“A pouca coisa que se revelava em meio ao vazio era um vaso, recheado de crisântemos, sem serventia, a base rebrilhando sobre uma superfície indefinível. O vaso girava vagarosamente no espaço, ou eram nossos olhos que o contornavam. Ao menos tínhamos um ponto, fiapo de nada, mas ao qual logo se acrescentaria outro.”
“Mas ele não queria parar e, em meio aos rumores alegres, ao tilintar dos copos, ao vozerio geral dos convidados, os moinhos do tempo funcionavam surdamente, em marcha lenta dentro de uns, mais rápido em outros, e com força máxima em Guto.”
“Abro os olhos, o vazio parece se mover, à minha frente. A cortina do nada vai se abrindo e, o vaso, sem serventia, rebrilha e gira, derramando o silêncio, antes que eu feche os olhos e reate o sonho.”
O autor, através de uma técnica narrativa que se assemelha ao texto teatral, constrói um conto de linguagem fluente. Tudo é escrito sem qualquer embaraço, elevando, a cada parágrafo, a expectativa do leitor. A certeza da morte soa imperativa, mas a esperança fica bailando na imaginação de quem está lendo. Sempre há esperança. E o desfecho é doído. Doído e bonito.
O trabalho é bem construído, sem deslizes de escrita. É um contar que prende a atenção, é dar a conhecer uma dor tão presente na vida de muitos de nós. Um conto encantador.
Parabéns, Thereza!
Boa sorte no desafio!
Abraços…
O senhor Guto está morrendo. Câncer? O filho está de casamento marcado e a esposa já sofre com a partida eminente do companheiro de uma vida. O conto é basicamente a revelação desses sentimentos de tristeza e de uma despedida esperada.
Tirando o fato do senhor Guto permanecer sem saber da sua condição de saúde, algo improvável, na vida real, é um belo trabalho. Um conto triste, repleto de boas figuras imagens que o enriquecem e ajudam nesse clima melancólico da partida. Boa sorte.
Prezado Entrecontista:
Para este desafio, resolvi adotar uma metodologia avaliativa do material considerando três quesitos: PREMISSA (ou Ideia), ENREDO (ou Construção) e RESULTADO (ou Efeito). Espero contribuir com meu comentário para o aperfeiçoamento do seu conto, e qualquer crítica é mera sugestão ou opinião. Não estou julgando o AUTOR, mas o produto do seu esforço. É como se estivéssemos num leilão silencioso de obras de arte, só que em vez de oferta, estamos depositando comentários sem saber de quem é a autoria. Portanto, veja também estas observações como anotações de um anônimo diante da sua Obra.
DR
Comentários:
PREMISSA: o progressivo avanço da doença de um pai, o casamento de um filho que está marcado e, como narradora, a esposa que faz de tudo para ver com olhos positivos a situação se deteriorando e decide poupar seu companheiro de saber o que acaba por acontecer.
ENREDO: desde a descoberta do prognóstico, os preparativos para o casamento, a descrição da alegria de Guto e a saudade da esposa, toda a narrativa é construída com muita sensibilidade e elegância. Passando pelo uso do itálico nos diálogos (que surpreendentemente me agradou como recurso estilístico) até o desfecho, a meu ver inevitável, o conto tem uma tristeza latente e pujante.
RESULTADO: apesar de ter gostado bastante da história, considero que ela se desviou bastante do objetivo do Desafio, e por isso não seria justo com os demais considerá-la perfeita. Boa sorte!
Criação: A promessa da morte a ser cumprida em breve. A família “pisando em ovos,” entre a proximidade da morte de Guto e a nova vida do filho, deu uma agonia danada. O título me deixou confusa, me levou ao erro. Seria apenas um desarranjo intestinal e não uma doença fatal? Adorei ser enganada. O jogo do arranjo de flores foi muito inteligente.
Engrenagem: Os diálogos intercalados de forma fragmentada e livre deu velocidade à trama. Gostei da dispensa do “travessão”, não é um recurso fácil de dispensar sem confundir o leitor. O final deu o arremate preciso, quase aberto. Como se o (a) autor (a) nos deixasse o direito de escolher entre o sonho da vida e o pesadelo da morte.
Destaque: “ Era ele, com seu bom humor, que tornava mais leve o fardo dos nossos conflitos, quem juntava as peças de nossa história perdida no emaranhado dos fatos.” – Síntese do conto. Feliz da família que possui um juntador de peças.
O desarranjo que não planejei
Olá, autor.
Encontrei um texto sensível e repleto de emoção.
Critério de avaliação CRI (Coesão, Ritmo e Impacto):
Coesão – Logo na primeira frase, você nos apresenta o dilema do texto e isso é bom, especialmente em narrativas curtas. Durante todo o tempo de leitura, o medo da morte e a expectativa pela reação de Guto nos acompanha. Tenho uma ressalva quanto ao fato de ele já estar em “aplicação” (imagino que de terapia anticancerígena. Foi o que pensei.) e ainda não saber sobre o seu diagnóstico. Além de parecer bastante inverossímil, já que trata-se de um homem lúcido e instruído, acredito que não é permitido submeter um paciente (em plenas faculdades mentais) a um tratamento sem o seu conhecimento e adesão.
Ritmo – Confesso que a forma como você apresentou os diálogos me causou um certo cansaço, uma preocupação extra em saber quem era quem e o que estava falando. Existem várias formas de apresentação de diálogos, mas, penso que os melhores são os que não tornam-se, na sua forma, um obstáculo extra à apreensão do conteúdo.
Impacto – Como disse, um conto sensível, bastante emocional. As ressalvas que fiz foram no sentido de ajudar a aprimorá-lo, se assim o desejar.
Um abraço.
Ei, Thereza, esse seu conto me emocionou deveras. Caramba, a gente realmente não planeja jamais esse tipo de desarranjo, não é. Que história linda e dolorosamente triste do esvair da vida do Guto em meio às vidas que se fazem com o casório prenunciando novas vidas que virão para preencher a lacuna deixada por aquele que se foi tragado pela finitude da vida. E você faz esse contraponto com o vaso. Funcionou muito bem. Um uso privilegiado da nossa língua. Só reparei um detalhezinho quando Guto a chama para dançar parece que o artigo ficou trocado. Um belo e emocionante conto. Parabéns pelo seu desarranjo que na verdade está lindamente arranjado. Meu abraço.
Conto parece ter parentesco com um roteiro de cinema ou teatro. É difícil limitar as falas e distinguir rapidamente que o narrador é Dona Thereza, mulher de Guto e mãe de Caíque.
Dona Thereza e o filho Caíque recebem a triste notícia de que Guto está seriamente doente. Caíque que está de casamento marcado com Mariana, sofre com a perda que enfrentará em breve.
O final revela alguém – Dona Thereza – que abre os olhos e enxerga o nada, um vaso sem serventia, o silêncio, antes que feche os olhos e volte para o sonho de felicidade que criou. É nesse ponto que aceitei a adequação ao tema proposto pelo desafio. A criação de um sonho de felicidade.
A linguagem empregada é simples, o ritmo é dinâmico, as falas se intercalam de forma um tanto confusa, mas a leitura flui.
Há algumas passagens que poderiam ser revistas para tornar o texto mais compreensível.
Uma história triste e ao mesmo tempo bela de uma família que preserva seus momentos de felicidade pois sabem que a morte é certa.
Boa sorte.
Escrita segura e competente. Me agradou muito o posicionamento de pontos e vírgulas, apesar de alguns poucos desvios. A opção por assinalar os diálogos com itálico não me agradou muito, criando algumas dificuldades na leitura – eu optaria por travessões. A presença do tema do desafio ficou meio vaga (fenômeno que vem se repetindo entre os contos). A presença de “sonho” no desfecho sempre me causa incômodo, pois possuo alguma antipatia por “era tudo um sonho”, “era tudo um jogo”, “era tudo um devaneio”, pois me parecem lugares comuns literários. Os personagens são apresentados de maneira meio brusca, demorando para ficar clara o posição de cada um deles na família. A maneira como o adoecimento e a morte foram retratados ficou muito bonita, excelente mesmo. Foi uma leitura agradável. Teria lido com muito boa vontade mais e mais linhas dessa história.
Thereza, que percepção interessante para o luto. Pelo que entendi, dentro da sua proposta de escrita, os familiares de Guto escamoteiam um câncer fatal para preservar os últimos dias e a vontade de vida do patriarca da família, sendo que, mais do que Guto, que parte, quem sofre mesmo são os ficantes. Num primeiro momento, fiquei confuso com a estrutura, os diálogos em itálico e os nomes dos personagens entre parênteses, mas, no decorrer da narrativa, você arquiteta bem os acontecimentos de forma que, no final, tudo fica esclarecido. Aparentemente, o conto todo é um devaneio na cama, lembranças e pensamentos remoídos. Há, dentro da proposta do desafio, uma série de reflexões: a relação com os familiares, a proximidade da morte, o ritmo mesmo da vida, de quem parte e de quem fica.
Destacável também que muitos contos do desafio abordaram a questão do nascimento, da gestação e da criação de filhos, sendo que aqui, preferiu-se falar sobre a morte, num estado ainda de superação. Guto se foi e sua ausência ainda é sentida. Todo o cuidado para que viva bem os últimos dias e se divirta no casamento do filho foi escrito com maestria. A cena da dança é enternecedora.
Muito sensível, sua escrita, além de bastante elegante.
Grande abraço!
Creio que o texto merecia um pouco mais de edição e de revisão. Teria sentido retirar alguns pronomes e expressões desnecessárias.
Acho que o diálogo inicial não funciona bem. Poderia estar melhor formatado e a falta de contexto com três personagens que ainda não foram apresentadas faz o início do texto muito confuso. Esta é o tipo da coisa que faz com que os leitores desistam de continuar.
Creio que seria muito mais apelativo se tivesses começado o texto a apresentar o conflito da doença e do casamento. Iria prender o leitor logo de cara. Além disso, mas contexto aos diálogos teria ajudado muito.
Não entendi bem onde entram os temas, engrenagem e criança, no texto.