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Detox Literário.

A mariposa na janela – Conto (Victoria Nascimento)

Eu estava deitada no sofá numa tarde de vento, enquanto lia um romance de verão quando a vi pela primeira vez. Ela estava no canto da janela e eu não conseguia dizer ao certo se estava do lado de dentro ou de fora da minha casa. Seu formato se misturava com as folhas das árvores ao fundo e sua cor se camuflava com o tom amadeirado da janela.

Ela estava ali, me observando.

Os dias foram, as folhas das árvores mudavam de cor, o livro em minhas mãos mudava e ela continuava ali.

Comecei aos poucos a me sentir observada. Durante o banho, enquanto acordava ou ia dormir, na hora das refeições, no banheiro ou lavando roupas. E o sentimento de que as coisas estavam se mexendo devagar também me acompanhava.

A farinha de trigo para o bolo não estava mais ali. O óculos de leitura que morava no criado mudo também deixou de estar ali.

Pensei ter perdido no trabalho, esquecido na sala de estar do consultório médico ou deixado cair enquanto guardava na bolsa. Comprei outro, mudei de lugar e de repente, o novo óculos também sumiu dali.

Os objetos sumiam ou mudavam de lugar mas ela continuava ali, me observando da janela, crescendo, ganhando espaço e quase não cabendo mais naquele pedaço em que a vi pela primeira vez.

A pequena mariposa crescia, se alimentando dos objetos que sumiam em casa e seus olhos já pareciam ter o dobro do seu tamanho, me encarando com maestria a cada movimento.

Alguns dias eu acordava e não a via. Pensava que havia voado, procurado outra casa para se alimentar. Mas poucos minutos depois reparava nela pousada do lustre, ou a via camuflada em cima do móvel, sendo denunciada apenas por um relevo na pintura perfeita do verniz.

As chaves do carro, o vaso de porcelana, a lista de compras, o abajur. Ela se alimentava e crescia sem explicar porque estava ali.

Quis dividir com alguém, mas a história ia parecendo mais sem sentido a cada palavra que eu contava.

-Barbara, você não pode estar falando sério, por que você está inventando tudo isso? Eu estou no meu horário de almoço e não tenho tempo para essas bobeiras – respondeu Alice enquanto encerrava seu prato de massa e levantava irritada – É a terceira vez que você conta a mesma história sem pé nem cabeça. Já está ficando chato para as pessoas ouvirem.

Então resolvi travar uma batalha e recuperar meus objetos, minha privacidade e minha casa.

Comprei venenos e espalhei pela casa, mas ela era mais inteligente que isso. A cada veneno um objeto a menos, como um claro sinal de deboche. Venenos em spray pareciam fazê-la crescer. Chineladas, ventiladores ligados na tentativa de fazê-la voar, raquetes de choque, cortes com a tesoura, tudo a fazia crescer e ela simplesmente continuava a observar.

Certa noite, pouco diferente das outras, tomei banho acuada, tímida e casada do seu olhar. Me ensaboava e a observava através do vidro do box, enquanto suas asas imóveis e gigantes me observavam de volta.

Me enrolei na toalha decidida a fazer algo, a pedir, implorar que procurasse outra casa, outra vizinhança para atormentar. Subi na tampa da privada para ficar mais perto dela, para conversar, para pedir que parasse.

-Você conseguiu. Estou cansada, quase sem objetos em casa, as pessoas não acreditam em mim e até o meu banho você observa. Você já está gigante, então por favor, deixe a minha casa e procure alguma oura coisa para fazer. Por favor.

Foi rápido, muito rápido e eu juro que cheguei a ver um sorriso se abrindo em suas asas.

A bacia da privada quebrou, espatifando a cerâmica em diversos pedaços que se misturavam com o vermelho do meu sangue enquanto eu sentia a dor dos cortes.
E sim, o sorriso estava lá. Ela me observava do espelho e com calma começava a se alimentar de longe, do meu sangue. Eu fui perdendo a consciência enquanto a via lentamente se transformar em mim.

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Um comentário em “A mariposa na janela – Conto (Victoria Nascimento)

  1. Fabio D'Oliveira
    11 de janeiro de 2019

    O corpo é a beleza, a forma, o mensurável, o moldável. A alma é a sensibilidade, os sentimentos, as ideias, as máscaras. O espírito é a essência, o imutável, o destino, a musa. E com esses elementos, junto com meu ego, analiso esse texto, humildemente. Não sou dono da verdade, apenas um leitor. Posso causar dor, posso causar alegria, como todo ser humano.

    – Resumo: Ela gostava de ler perto da janela. A mariposa ficava por lá, observando-a, desejando-a. Aos poucos, tudo em sua vida começou a sumir: desde coisas materiais até sua sanidade. E o inseto estava sempre por perto. Escárnio. Medo. Solidão. Rendeu-se, pedindo pela vida, mas de nada adiantou. Assim termina essa história, com o monstro roubando sua existência. E ela, virando nada.

    – Corpo: Victoria, você não escreve muito bem, infelizmente. Você tem um LONGO caminho pela frente, ainda. Vou apontar aquilo que acho importante desenvolver nesse momento. Ter calma é importante. Primeiramente, você precisa aprimorar sua escrita em geral, desde a construção de frases, narrativa, até a forma de conduzir o texto. Olhe bem, através de um exemplo prático, como dá pra deixar sua escrita bem melhor:

    “Eu estava deitada no sofá numa tarde de vento, enquanto lia um romance de verão quando a vi pela primeira vez. Ela estava no canto da janela e eu não conseguia dizer ao certo se estava do lado de dentro ou de fora da minha casa. Seu formato se misturava com as folhas das árvores ao fundo e sua cor se camuflava com o tom amadeirado da janela.”

    Foi isso que escreveu, né? Esse trecho possui algumas confusões desnecessárias. Como, por exemplo, falar que a mariposa estava na janela, camuflada com a madeira dela, mas ao mesmo tempo se misturava com as folhas do lado de fora, sem deixar claro se estava no vidro ou não. Sem falar na construção um tanto confusa da primeira frase. Agora irei reescrever esse trecho da minha forma.

    “Estava deitada no sofá. Hora da sesta, sentindo a brisa entrar pelas frestas da janela que ficava ao lado. Folheava um livro, um daqueles romances de verão, doces e ilusórios, e notei a presença dela pela primeira vez. No canto do vidro superior da ventana, confundindo meus sentidos, sem saber se estava dentro ou fora de casa. Misturava-se com as folhas das árvores do quintal, assumindo uma cor amadeirada, típica do outono.”

    Viu a diferença? Sem confusão, limpo e direto. Nota-se, facilmente, que você repete muitos pronomes. Eu, ela, ele, etc. Evite isso ao máximo. A arte da escrita também é a arte da poda. A única solução para isso é a prática. Então escreva, mais e mais, sem parar. E, claro, mantenha em mente que está em aprendizado, não em sua plenitude, para assim conseguir desenvolver ainda mais sua escrita. Leia, também, que isso ajuda a enriquecer o dicionário e até definir um estilo próprio. Agora, preste atenção numa técnica importante que vai te ajudar a escrever maravilhas: Mostrar X Contar. Vou mostrar novamente um exemplo prático para você entender bem qual a diferença entre contar e mostrar.

    “Ela acordou antes do despertador, como sempre, levantou-se e tomou um banho demorado. Foi até a cozinha e preparou seu café e comeu pão de queijo adormecido, que adorava.”

    Isso é contar.

    “O despertador tocou, mas ela já estava acordada. Todo dia era assim: faltavam de dez a cinco minutos para o alarme disparar e já abria os olhos. Aquele momento, o qual ficava olhando para o teto, fazia parte de seu ritual matutino. Levantava com cerca preguiça e tentava se alongar. Prometia, para si mesma, acordar um pouco mais cedo e realmente se exercitar (isso também fazia parte do rito e sua incapacidade em cumprir a promessa era importante para mantê-lo). Tomava banho, tocava-se, gentilmente, mas não deixava chegar ao ápice. Gostava da energia que isso lhe dava. Não escovava os dentes, pois preferia comer algo primeiro. Ia direto pra cozinha, ainda molhada, e preparava a cafeteira. O cheiro, de fato, era o melhor momento, pois não gostava tanto assim de café. Ah, mas o pão de queijo do dia anterior, comprado na padaria da esquina, era algo que amava. Comia com mordidas pequenas, para degustar. Assim começava sua manhã, quase todos os dias.”

    Isso é mostrar. Dá outra imagem pra história, né? Há pontos na história que precisamos contar, enquanto outros pontos precisamos mostrar. Se não, infelizmente, o leitor não consegue se envolver de verdade com a história. Qualquer um pode falar que o conto é ótimo, maravilhoso, bem escrito. Mas poucos conseguem esconder o que sentem ao ler. E, quando se é sincero consigo mesmo, você nota o que é falso e o que é verdadeiro. Muitas vezes, querendo ou não, se não conseguimos cativar o leitor, nem que seja para a apreciação da escrita, é culpa nossa. Não depende unicamente de nós, claro. Tem que ter senso crítico e separar as coisas. Seu Português não é ruim. O que falta é uma escrita mais técnica, com mais perícia. Foque-se nisso e tenho certeza que irá escrever maravilhas!

    – Alma: A história tem muito potencial. Foi prejudicada, infelizmente, pela execução medíocre do conto. Barbara recebe a visita de uma mariposa, que se transforma num monstro para ela. E assim vai perdendo tudo que tinha, inclusive si mesma. Dá pra fazer inúmeras analogias, referências à clássicos, embutir uma bela mensagem (imagine a mariposa como uma manifestação da vontade da sociedade, de nos subjugarmos ao que é normal, ao banal, ao individualismo, esquecendo de nós mesmos e do mundo, afastando-nos de quem somos; e por isso some com tudo que é dela, dando espaço para ela assumir seu lugar, num sentido bem figurativo, mas retratado como algo real para a protagonista). Apenas indicaria, claro, a desenvolver a protagonista. Ela fica oculta pelos acontecimentos e tudo que sabemos dela é que gosta de ler. Mas, de fato, quem é ela? O que gosta de comer? O que gosta de fazer nos dias de verão? E na primavera? Quais seus amores? E seus desafetos? É muito importante para o leitor encarar a personagem como alguém crível, possível de se identificar e tocar. Faltou isso, também. A mariposa, como um ser misterioso, ajuda na hora da múltipla interpretação, mas é bom criar elementos que confunda o leitor se a intenção é essa, deixar algo em aberto, como colocar o inseto como algo palpável para ela e sumir diante os olhos de outra pessoa. Se a intenção é passar alguma mensagem fixa, aí deve-se evitar tais confusões, pois podem ser uma faca de dois gumes.

    – Espírito: Seu Português é bom, como disse antes. E sua imaginação parece promissora. O que falta, agora, é a técnica. Costumo relacionar o talento na escrita com a criatividade da pessoa, que é o poder de criar, e com o desenvolvimento da escrita, que é a forma como a pessoa escreve, mas esse texto não me causou uma boa impressão. Se fosse apenas erros de Português, uma confusão aqui e ali, tudo bem. Mas toda a construção do conto me pareceu precária. E não acho que seja apenas falta de técnica. Talvez seja falta de vocação para a área literária. Vejo que sua criação não é de todo ruim, mas faltou algo na escrita que chamasse a atenção. Teria que ler outras coisas suas para, de fato, entender um pouco mais sobre seu espírito escritor.

    – Conceito: Bronze!

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Publicado às 11 de janeiro de 2019 por em Contos Off-Desafio e marcado .
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