Estava cansado da cova que tinha acabado de cavar… Em meu quarto, que estava escuro… A luz não estava acesa… Olhando para a vela do meu criado mudo percebi que estava acesa, e de repente se apagou… Antes disso o meu olhar estava estranho, como se procurasse por algo em minha própria consciência, e na hora que a vela se apagou… Percebi um brilho nos meus olhos, pensei: “Será que é uma premonição?…“
… Me levantei, abri a gaveta de meu criado mudo, procurei por fósforos e velas, troquei a vela do pirex e acendi. Pensei que a vela de minha escrivaninha também tinha acabado. Peguei outra vela na gaveta, mas notei que ainda tinha bastante cera na vela… Peguei minha carteira de cigarros, puxei um, acendi e me sentei na cama… O cigarro já estava quase acabando… Ouvi um barulho do lado de fora de casa, fui ver o que era… Um cachorro estava mexendo no lixo.
Continuei fumando o meu cigarro, acabou e esmaguei ele no cinzeiro. levantei peguei o terço e comecei minha oração noturna. Quando a oração terminou me deitei e peguei no sono…
O sonho… Meu sonho teve muitas imagens esquisitas que, com certeza, queriam me dizer alguma coisa… estava no meio do nada, num terreno vazio e não havia nada além de areia até onde minha vista conseguia alcançar, o meu eu da cama percebeu alguma coisa, e comecei a ver vindo de longe umas nuvens (que pareciam vultos com olhos escuros), brancos, cinzas, azuis-claros, pretos, entraram todos em uma velocidade impressionante em minha cabeça. De repente me vi em uma casa, mas não era eu, era eu criança: Dois irmãos jogavam futebol de botão, o mais novo fez um gol. O mais velho olhou pra ele com um olhar raivoso, se levantou e saiu do quarto, o menino ficou sozinho e da sala veio uma música barulhenta, vozes guturais, guitarras distorcidas, o menino se assustou, devo ter me remexido na cama… Não sei.
Acordei assustado, mas depois senti alívio e pensei em fumar um cigarro, e foi o que fiz. Ouvi uns latidos de cachorro, mas era longe, fiquei atento: “não deve ser nada”, foi o que pensei, tive uma lembrança do meu sonho, e senti um arrepio passando pela minha coluna, e pensei: “O que será isso? O que isso quer me dizer?”. Ouvi latidos agora mais perto, pareciam vir de dentro do cemitério, depois de fora… “Será que tem a ver com o sonho?”, foi o que eu pensei… O arrepio… pesava em minha consciência…
Procurei a lanterna, chequei se estava com pilhas e saí de casa, com cuidado para não ser ouvido, pensando que devia ser alguma fêmea no cio… Segui em direção ao centro do cemitério, d’aonde teria uma vista melhor, percebi que tinha um cachorro um pouco à minha frente… Me mostrou os dentes e grunhiu para mim… Não sei por quê apressei o passo, e vi vultos, ainda estava longe… “São pessoas com certeza, acho que duas. E estão brigando”, foi o que eu pensei… apontei a lanterna para lá… Desculpe… Um dos dois levantou alguma coisa e golpeou com toda força o outro que estava embaixo dele… Posso fumar um cigarro?… Deu pra ouvir o barulho… Do crânio se partindo… O assassino!… Saiu correndo e alguma coisa que ele segurava… parecia ser uma corrente por que balançava enquanto ele corria…Não senhor… Comecei a correr atrás dele, mas quando estava correndo pensei que a vitima podia estar viva… E estava… Me debrucei sobre o corpo… Vitima… Falei com ele, mas ele não respondia… Não lembro… Passei a mão na cabeça dele… Muito sangue… Minha primeira reação foi de confortar ele, olhei dentro dos olhos dele e só vi medo, perguntei o que tinha acontecido seu olhar mudou, esperei que ele iria falar alguma coisa, mas seus olhos começaram a tremer, de pavor, duvida, desespero… Ele morreu.
***
José Crispino pareceu aliviado depois do depoimento, o que me levou a crer que era inocente, depois perguntei a opinião de Sgto. Gomes, ele concordou comigo, mas disse que não custava nada investigar e que Crispino deveria estar falando a verdade, mas que ainda poderíamos conseguir ainda muita informação com ele, liberamos o suspeito… Tenho que admitir, é um caso muito difícil, teremos que investigar com cuidado, mas tudo leva a crer que foi um dos amigos da vitima…
O corpo é a beleza, a forma, o mensurável, o moldável. A alma é a sensibilidade, os sentimentos, as ideias, as máscaras. O espírito é a essência, o imutável, o destino, a musa. E com esses elementos, junto com meu ego, analiso esse texto, humildemente. Não sou dono da verdade, apenas um leitor. Posso causar dor, posso causar alegria, como todo ser humano.
– Resumo: Um crime no cemitério. Única testemunha: o coveiro. Na delegacia, José Crispino faz seu depoimento, preocupando-se mais com seu vício em cigarros do que com a vida perdida. Oras, era um desconhecido. Nada mais normal, né? Assim termina a história, com a indiferença de um homem e suas breves reflexões sobre sonhos.
– Corpo: Uma coisa me incomodou muito no texto, Moisés: o estilo aplicado na narrativa do depoimento. As reticências constantes e a repetição exagerada de palavras, principalmente. Fiquei cansado, mesmo a leitura sendo breve. No primeiro caso, acredito que foi proposital, talvez por acreditar que daria um ar mais informal ao depoimento (o que dá pra fazer de diversas formas). Porém, as repetições me pareceram um vício de escrita. Somente no segundo parágrafo, que tem seis linhas, você usa a palavra “vela” cinco vezes. Notei, inclusive, que você insiste em continuar as frases com “mas”, sendo que existem muitas formas de substituir essa palavra, com “no entanto”, “porém”, “contudo”, “entretanto”, “não obstante”, etc, etc. E como você repete esse vício até no final da narrativa, com o investigador narrando, não dá pra dizer que era uma mania do personagem. E mesmo se fosse, teria que aplicar com muito cuidado, pois as repetições cansam o leitor e tira a qualidade geral do texto, sendo necessário contornar essa situação com inteligência e destreza. No geral, percebi que seu Português é bom, mas você pecou na técnica e lapidação final. Poderia ter ficado muito melhor e acredito que você tenha o potencial para isso. A melhor parte foi o sonho. Apesar de repetir de forma desnecessária o pronome “eu” num ponto, a cena foi bem visual para mim. Esse foi o momento que percebi que o conto poderia ser muito melhor.
– Alma: Uma coisa é certa: a enxurrada de pensamentos do coveiro no momento do depoimento me pareceu crível. Uma pessoa que gosta de conversar, principalmente de si mesmo, faria isso. Mostrou algumas características dele, como o fato de ser um pouco supersticioso ou imaginativo demais, ao pensar que estava tendo uma premonição e que seu sonho estava te avisando algo. Esses detalhes são legais e fortalecem a história. Agora, o enredo não é nada original. E a forma como você decidiu contar essa história, infelizmente, também não é. Fora essa perícia em revelar detalhes do personagem nas entrelinhas da narrativa, não vi nada mais que fosse realmente chamativo. Não é um conto impressionante, nem na técnica, nem na narrativa, nem no enredo.
– Espírito: Não foi brilhante. Não foi inspirador. Foi uma leitura simples, feito com base na paixão pela literatura, no máximo. Não costumo relacionar amor com aquilo que me parece mal feito. E, infelizmente, esse conto não me pareceu bom. Mas essa é uma visão minha disso tudo. É um vislumbre breve, também, de sua escrita. Você pode ser bem mais que isso e adoraria estar errado, sendo esse conto apenas um daqueles textos que escrevemos para praticar. Porém, preciso trabalhar com aquilo que está na minha frente nesse momento.
– Conceito: Bronze!
Excelente analise, não gosto tanto mais deste texto como gostei depois de escrever, escrevi mais com o ego, com a certeza de estar sendo original e criativo, mas agora vejo que o texto não tem nada demais, obrigado pelas perspectivas que me deu, ajudaram muito, concordo com sua analise. Muito obrigado!
Ah, isso é normal. Eu, por ironia, acabo gostando mais dos meus contos ruins do que dos bons, haha. Às vezes, é um trabalho feito apenas para nós, né?