EntreContos

Detox Literário.

Aquelas Pessoas (Claudia Roberta Angst)

Quando abriu os olhos, já sabia que teria de ser forte. A escuridão era quase total. Algumas sombras projetadas pela janela pareciam brincar na parede à sua direita. Pressentia que teria de enfrentar mais horrores do que lhe cabia na imaginação. Tudo aquilo que viria seria imprevisível. Aceitava a realidade. Ou parte dela.

Escaparia dali, assim que pudesse. Depois de livre, fingiria que eles nunca existiram, dando-lhes as costas. Esqueceria tudo: presente, passado e o que lhe diziam ser seu futuro. Ignorar seria mesmo a mais preciosa das bênçãos.

Tentou respirar lentamente, economizando o ar que mal preenchia seus pulmões. A escassez de fôlego enviou ao seu cérebro alerta de contenção. Tudo estava errado. Muito errado.

Sem calcular os riscos, escorregou para o chão, encostando o peito no assoalho rústico. A pavimentação parecia composta de poeira e algum material orgânico ralado e salpicado em significativa quantidade.  

Com a queda, ouviu um estalo, algo rachando feito lenha já chamuscada. Receou ter quebrado algum osso, mas logo se deu conta de que o seu corpo mal possuía volume, nem mesmo o suficiente para causar dano. O atrito com o chão fora irrisório, com mínimo impacto, mas logo sentiu a dor aguda percorrer seu braço e a pele rasgar. Sangrava. Podia perceber a presença do sangue pelo cheiro ferroso que lhe chegava às narinas.  Não o suficiente para adormecer em paz. Nunca era o suficiente. E eles sabiam disso.

O silêncio, deus ensurdecedor dos sentidos, espalhou-se pelo quarto. As janelas fechadas denunciavam a vocação do aposento. Clausura, o último abrigo, esquife já preparado para o derradeiro adeus.

A imaginação tomou conta dos espaços vazios, ecoando lembranças mescladas a melodias tenebrosas.

Um, dois, três

Agora você é o freguês

Quatro, cinco, seis

No sete surgirão os reis

Oito, nove, dez

Você sabe muito bem o mal que fez

O medo percorreu suas veias, gelando o fluxo vital. Permaneceu quieta, quase inerte, envolvida por uma teia fina que segurava seus pensamentos como um filtro. Pensou em se fingir de morta, poupando as forças da batalha. Mudou logo de ideia, pois perdera a noção do seu real estado. Não sabia se a morte já não havia lhe lambido as entranhas.

– Sei que existe uma saída. – Ouviu alguém dizer.

– Sabia que diria algo assim. – Afirmou uma segunda voz, mais aguda do que a primeira –  Escuta aqui, isso não é um programa de caridade, não. Deixa ela se virar.

Ela não deu ouvidos à crítica, distraída que estava com a própria desgraça. Sentiam os dedos sendo apontados em sua direção, esperando o momento certo para deflagrar a acusação. Talvez estivessem todos certos, mas suas crescentes dores lhe diziam que a proximidade do fim era o menor dos perigos.

Tentou rastejar, encolhendo as pernas e as esticando em movimentos que lhe lembraram as aulas de natação que tanto se recusara a frequentar quando menina. Sentia-se, tanto na infância como naquele momento, mais um sapo do que uma sereia. Logo não sentiria mais nada, seria coisa nenhuma. E isso era o que mais assustava: o desconhecido nada.

– Ei, você! Melhor vir por aqui.

A ordem não era mais do que um sussurro apressado, um eco distante que lhe orientava pelo corredor. As sombras denunciavam um amanhecer ainda muito distante. O reverso do parto aconteceria na hora mais imprevista, muito menos prematuro do que o desejado por ela.

Manoelito que bate bate

Aflito que já bateu

Quem gosta de ti é ela

Quem fala dela sou eu

Sentiu a camisola pesar, retendo uma umidade desconfortável. O cheiro azedo impregnava-se ao tecido, denunciando o pavor instalado em suas vísceras.

Fechou os olhos e se lembrou da oração que o Pastor Olavo havia lhe ensinado. Não, aquele tinha sido o monge budista ou o pajé, quem sabe. Tentou repetir as sílabas desconexas enquanto sentia seu raciocínio despedaçar-se, penetrando nos veios da madeira gasta pelo tempo. As rimas emaranharam-se em um delírio rastejante.

Ciranda, cirandinha, vamos todos aguardar

Logo chega a meia-noite

E o nosso açoite vamos dar

– Se for por ali, encontrará mais disto. Quer mesmo arriscar?

O céu pareceu cair sobre o telhado cansado pela antiguidade. O teto e a casa encolheram sem aviso. O ar estava acabando, as veias estreitavam-se como se sugadas por ventosas gigantes. Ela precisava seguir. Só tinha de ser paciente e persistir.

Lembrou-se do dia do casamento. Das promessas embrulhadas em papel de festa. O noivo empertigado no seu terno de linho, sorriso alinhado, contendo mais riso do que dentes. Foi ali o começo de tudo, a última tentativa dos seus amores.

Você gosta de mim, ó menina?

Eu também de você, ó Mocinha

Vou pedir a seu pai, ó Mocinha,

Para casar com você, ó menina

Era filho do pastor Agnaldo, o mais conceituado da cidade. Talvez o mais falso deles também. Portanto, era o moço bom partido e cheio de intenções declaradas. Casaram-se, sem dar muitas explicações ao destino já traçado.

A lua de mel começou doce e terminou como fel. Se era ele um homem de Deus, sua fé tinha lá suas diferenças. Ela estranhou seus hábitos: morder depois de beijar, bater depois de amar. Era aquilo a razão do seu viver?

Voltaram à realidade, à cidade, aos boatos de igreja e esquinas. Veio o desejo de criar, procriar talvez fosse a saída escolhida pelo céu. Mocinha tentou, com fé, com a paciência de vítima rendida. Mais de uma vez, entregou-se em sacrifício. Depois, vieram algumas luas com suas fases sangrando expectativas. Juras desbotadas no clamor dos dias sempre iguais. Trabalho, cansaço, barriga a encolher sem vista de novidades.

Eis que um dia, fez-se luz, talvez treva, em seu leito. Já não contava com a germinação em seu ventre. Suspeitou que era o momento mais errado possível. Fingiu que nada acontecia, mas a súbita presença despertava olhares curiosos. Está diferente, Mocinha. Diziam os passantes e, mais à frente, os distraídos.

Era certo, então, que ela dali a meses seria mãe. Percebeu-se ausente de si mesma, tal qual vaso sem serventia, sem flores. Ostentaria um vazio por meses, só para cumprir o que o destino lhe obrigava.

O marido permanecia distante, tecendo desculpas para não assumir a novidade. Bebia, mais do que se esperava de um crente. Jogava e cuspia, gabando-se de ser livre e caminhar como queria. Mocinha percebia a mudança que nunca fora mudança de fato, já que aquele era mesmo o senhor seu marido, sempre imperfeito porta a dentro.

Surgiu, naquele período de tempo dormente, um instinto que ela não quis nomear. Agarrava-se com unhas e dentes ao sinal que viria com a próxima onda de náusea.

Se esta rua,

Se esta rua fosse minha,

Eu mandava,

Eu mandava te matar

Deixou as lembranças minguarem, fixando a atenção no momento presente. Ouviu o rastejar de passos, portas fechando possibilidades, um assobio encerrando as apostas. Outras pessoas aproximavam-se, como se pressentindo a fogueira prestes a ser acesa. Queimaria feito a bruxa que sabia ter sido e aceito.

– Você teve suas razões.

– Nada justifica o que ela fez. Nada

Tampou os ouvidos com as mãos, amaldiçoando as vozes que se confundiam com os lampejos de sanidade. Desejou ter sido mais forte, mais conformada com as regras impostas pela sua condição de mulher.

Aquela seria a noite mais longa da sua vida, fosse vida aquela provação. Se ao menos pudesse enlouquecer de vez, perderia a noção do sofrimento. A loucura pouparia seus sentidos e acalmaria a culpa crescente. Sabia que isso eles jamais permitiriam. Cautelosos, zelavam pelo resto de sua sanidade para executar suas tarefas de algozes.

Mocinha percebeu as sombras escalarem as paredes e alcançarem o teto como frias labaredas. Estava perdida. Naquela encruzilhada, do escuro nunca mais se livraria.  

Boi, boi, boi

Diga oi ao cara preta

Pega essa Mocinha

Que tem medo do capeta

Por medo, manteve segredo do que ouvira. Dois corações, duas cabeças, duas bocas a mais para alimentar. Como lhe havia dito o médico, a surpresa viria em dupla. O ventre abrigava não só uma, mas duas crias. Paridas, bem recebidas seriam? Mocinha duvidou das intenções de vida que abrigava. Melhor seria se o futuro não se desenhasse.

No entanto, já se reconhecia mãe. Sentia desejos a aflorar em seu corpo. Chorava e ria, imaginando os pezinhos, as mãos pequeninas procurando pelas suas. Escolheu nomes, fossem duas meninas, dois meninos, ou um casal. Escreveu todos os nomes, com letra caprichada, em um caderno, para logo depois se arrepender e tudo rasgar. Sabia que não era certo nomear quem não se queria conhecer. Nem animais no abatedouro recebiam apelidos, por que ela cismaria com aqueles mimos?

No final da gravidez, abrigou-se no mato. Um casebre abandonado, herdado de uma tia desconhecida, tornou-se o seu refúgio. Ali, alisou a proeminente barriga por noites intermináveis, alimentou-se do que colhia e dormiu o máximo que pôde. Ali, também pariu, assustando os pássaros e até as cobras com os seus gritos. Sozinha, presenciou o milagre lhe rasgar a carne. Milagres inteiros, dois deles, uma dupla de almas reivindicando espaço.

Eram tão pequenas as suas meninas, tão estranhas ao mundo. Melhor que nem a luz vissem. Do que recordariam os anjos no paraíso?

Uma por vez, vítimas do mesmo medo materno. O sangue do parto misturou-se às carnes macias e recém paridas. Sufocou as pequenas promessas em seu próprio peito, experimentando um sentido maior para cada abraço. Nem choro pronunciaram, quanto mais reclamação da sorte.

Depois, Mocinha quis se certificar da própria inocência. Escaparia de todas as condenações se soubesse dissimular lágrimas e o sofrimento esperado. Mais tarde, criaria o enredo que melhor convencesse o médico e os bisbilhoteiros. Inventaria um acidente, um rolar na escada. Um abortivo qualquer, uma calamidade, um imprevisto que cheirasse a tragédia. Tingiria os olhos de tristeza, de qualquer coisa que os outros precisassem ver.

Ai, eu entrei na roda

Ai, eu não sei dançar

Ai, eu cutuquei a morte

Ai, eu não sei brincar

O demônio ajudara a realizar o malfeito, mas não a esconder as provas. Se quisesse mesmo se livrar da punição, teria de ocultar aqueles pedaços de futuro riscado. Quanto menores fossem, melhor seria para ela.  

Filha de açougueiro, Mocinha sempre soube manejar bem o cutelo. Os golpes foram certeiros, precisos em tamanho e peso. Sangraram mais um tanto, aquelas que nem nomes possuíam. O único alento era que os bebês nada mais sofriam, nem estranhavam o desmembramento, já entregues ao sono eterno.

Precisava finalizar a trama, tecer o melhor desfecho para aquela história. Resolveu enterrar as únicas testemunhas da sua loucura. Suas filhas, agora anjos, teriam o merecido descanso.

Mocinha procurou pelo melhor lugar, logo o encontrando na grande área que se estendia atrás do casebre. Escolheu a sombra de uma árvore bastante alta, figueira antiga de tronco largo e forte. Aos pés dela, enterrou as herdeiras. Má sorte. A roseira secou, depois a erva daninha alastrou-se. Em pouco tempo, o mato tudo cobriria como leito de morte.

Mocinha fez o que fez, esperou algumas semanas e partiu de volta à cidade. Encenou dor e desespero, aceitou o marido de volta e, já no íntimo, transferiu-lhe a responsabilidade pelo seu ato. Era ele, de fato, o culpado, de todo aquele incidente macabro. Se não fosse pelo descaso e ausência, ela teria se tornado a mãe zelosa de gêmeas. Mas não fora isso que o destino lhe havia reservado e ela talvez um dia aceitaria esse fardo. Do marido, quis se vingar, mas lhe faltaram forças para tanto. Toda sua energia ficara soterrada aos pés da velha figueira.

Poder ainda se lembrar daqueles sombrios detalhes era o seu pior castigo. Decerto, eles também percebiam seu drama e riam dela, esperando o momento certo de atacar. Aquelas pessoas não revelavam qualquer bondade, nem mesmo um pingo de compaixão. Estavam reunidas à volta dela, umas fingindo perdão, outras empurrando-a para o próximo abismo.

– Você consegue, vamos lá. – Alguém a incentivava a pular.

Mocinha reconheceu a voz do velho Juca, o treinador de natação. Mas ele já não havia falecido? Rolou sobre o próprio corpo, sentindo o cabelo embaraçar e dar nós nas farpas das tábuas do assoalho.

Doía-lhe menos o ato do que o contato com seus medos. Fugir assim de forma tão covarde, abandonando todos os outros, não era o que havia planejado como cena final. Era apenas uma saída egoísta, a procura de um livramento qualquer, sem chance de salvação.

O papel que tu me deste

Era falso e se queimou

O amor que tu tinhas

Era louco e se matou

– Quero salvar minha pele. – Repetia para si mesma e para as paredes que se fechavam cada vez mais, sem lhe dar chance de retroceder.

Tentou calcular a distância entre o ponto em que estava e a liberdade. Pensou novamente nas gêmeas e estremeceu. Estavam lá as suas meninas, podia sentir. Os meses em seu ventre haviam marcado tanto a carne quanto a alma. As lembranças tampouco renderam resistência. Não era, agora, capaz de traçar uma rota que lhe aliviasse a culpa.

O terror cobria seus olhos com o véu da desorientação. Vozes martelavam pregos em travas nas janelas. O ar diminuía, talvez a morte enfim lhe desse o derradeiro abraço.  

As gêmeas estavam vestidas de branco, babados em profusão. Seriam confundidas com anjos, se as asas não estivessem cobertas de sangue. As duas permaneciam de mãos dadas e trocavam olhares ausentes. Sem as cabeças, pariam desespero.

Cai, cai, facão, cai, cai, facão

Na sogra do barão

Não cai não, não cai não, não cai não

Cai aqui na minha mãe!

O suor escorria pelas costas, alcançando as coxas de ossos quase descobertos de carne. Os pés tensionados, voltados para cima, em posição permanente de anzol. Mocinha compadecia-se de si mesma. Apertava-lhe o passado torcido feito corda a esticar seus músculos em câmara de tortura.

Só precisava sumir dali, deixar de ser a Mocinha, desaparecer diante de todos aqueles olhos. Com o tempo, eles esqueceriam seu crime, seu engano de mocidade.

Meu limão, meu limoeiro,

Meu pé do que será,

Uma vez, ficará lelê,

Outra vez, só sofrerá

Pensou mais uma vez em como poderia sair dali, esquivando-se dos seus carcereiros. Insistiu em manter a esperança de uma inspiração tardia. Havia de existir uma saída qualquer. Ao tentar visualizar o caminho para a rua, chorou. Estava perdida. As escadas eram o impossível do imprevisto.

A patroa avisou

Deixaram ela ficar

Foi por causa da Mocinha

Que não soube rezar

– Se for preciso, volte aqui. Você sabe que ainda pode tomar outra dose.

Doze gotas era a cota diária. Nem uma a mais. Para a dor que sentia, haveria remédio? Pensou no frasco que ficara esquecido sobre o criado-mudo. Se pudesse alcançá-lo, daria fim àquilo tudo, de forma imediata e definitiva. Duas tentativas e um resfolegar de intenções. Desistiu. Tarde demais para um resgate.

Bateu a cabeça no chão, uma, duas vezes. Depois se arrependeu. Não era prudente chamar a atenção para si naquela situação. O medo permanecia mudo, sufocando seus últimos fios de esperança.

– Desistiu mesmo, Mocinha?

Sete e sete são quatorze

Com mais sete, vinte e um
Tenho sete pecados, só posso pagar por um

Ela virou o rosto, fugindo da luz da consciência que parecia lhe queimar a carne. Percebeu de novo a presença delas. As gêmeas sentaram-se no chão, junto à cama, silenciosas, postando as mãos juntas como se rezassem. Talvez por sua alma. Talvez pela sua perdição.

Fui no Tororó beber água, não achei

Achei linda Mocinha

Que no chororó deixei

Aproveita minha mãe

Que uma noite não é nada

Se não dormir agora

Morrerá na madrugada

Eram mais de dez vozes cruzando em sua mente. E as meninas ali, silenciosas acusadoras. Sorrisos sem bocas, soluços sem lágrimas. Os outros julgavam-se donos do seu destino, detentores de suas vontades. Estavam todos ali, decidindo o valor de sua pena e redenção.

Todos pertenciam a mundos invisíveis, presos aos seus próprios canais submersos. Cruzavam-se, entrelaçando vingança e ira em uma rede de conexões bizarras.  Mocinha protegia-se como podia, mas sabia que tudo aquilo era inútil, pois a luz voltaria sem explicações.

Seus pensamentos adquiriam vida própria, assumiam nomes próprios, trilhavam caminhos sem volta. Acompanhavam as cantigas, rimadas em dores maiores.

Escravos do pó

Jogaram a velha lá

Tira, põe, deixa ela ficar

Guerreiros com guerreiros

Cavam covas com a mesma pá

As gêmeas, viradas uma para a outra, encostaram as pequenas palmas das mãos, comungando a precisão do momento. Mocinha, fechando os olhos, já lhes desenhava cabeças delicadas, cobertas por cachos loiros presos em tranças. Os olhos haveriam de ser castanhos como os dela. O sorriso, teriam de herdar mesmo do pai, com seus dentes curtos e alvos. Eram tão perfeitas assim, longe do seu pecado.

Lágrimas de remorso desceram pelas faces da mãe enlutada. Não fora o suficiente embrulhar a culpa no papel pardo do esquecimento. Tão lindas teriam sido as suas meninas. Tão suas.

Ai bota aqui

Ai bota aqui o seu coração

Seu coração bem juntinho com o meu

E depois não vá dizer

Que você se arrependeu!

Quando a manhã finalmente chegou, esfregando luz nas paredes, Mocinha juntou todas as suas forças e se determinou a continuar o jogo. Cortou as amarras com os dentes e deslizou para fora da própria mortalha. Apoiou-se nos joelhos e cotovelos, em vão. Estava tudo acabado. Eles a encontrariam lá. Era tarde demais.

Parte de si levantou-se e partiu-se em muitas. Era Mocinha, mas também o eco de todas as vozes. Era o treinador falecido e as gêmeas degoladas. Era o reflexo de todas as suas culpas. O desfecho de cada um dos seus crimes. E seria essa sua sina repetida a cada dia.

O trato era com a moça

Debaixo de uma sacada

A morte do mais querido

E a cabeça ameaçada

– Ê, Dona Mocinha, caiu de novo da cama?  – Aquela voz não era de nenhum deles. O leve sotaque mineiro carecia de impaciência, rindo-se da mesmice de uma rotina que parecia não lhe pesar nas costas.

Mocinha soube que era tarde demais para se esquivar, para rolar seus pecados debaixo do esconderijo da noite. Adelaide, a enfermeira de sorriso largo e braços fortes, levantou a frágil senhora como se fosse um graveto.

Quantos quilos pesaria agora sem alma?

Seu corpo foi despido e lavado, para só depois desabar sobre a cama. Mocinha logo se viu coberta pelo lençol gasto, fino e puído, porém limpo. Recontou sua história para si mesma, fingindo que seus pecados eram carneirinhos pulando as gerações. Saltavam sobre cercas cobertas por heras, roseiras selvagens que apontavam espinhos. Sabia ter sacrificado muito mais do que cordeiros.

Pensou que agora o inimigo se afastaria, economizando seus pesadelos. Que todas aquelas lembranças, pessoas e tristezas seriam afogadas na sua velhice. Mais um engano. Estava tudo ali: cabeça, tronco e membros.

Só então se deu conta da presença do sol. Todo o pavor recomeçou.

Estava viva.

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50 comentários em “Aquelas Pessoas (Claudia Roberta Angst)

  1. Miquéias Dell'Orti
    11 de novembro de 2017

    Oi,

    Um terror psicológico dos bons (não é o primeiro que vejo por aqui e todos tem seu destaque).

    A sua escrita tem um qualidade que admiro, prende a gente, faz a gente ficar ansioso pra saber o que vai acontecer depois, com um pouquinho da trama de cada vez, gradualmente. Isso não é pra qualquer um.

    A cena da morte das irmãs gêmeas ficou genial e amedrontadora.

    Adorei as cantigas, deram um toque especial (e sinistro) à história.

    Uma das melhores com certeza.

    Parabéns

  2. Renata Rothstein
    11 de novembro de 2017

    Que contaço!
    Vc possui pleno domínio da escrita, e a história de Mocinha, a insanidade advinda do aborto, a descrição apavorante dos delírios da protagonista me transferiram para a pele da mesma, e estou aqui, aos prantos.
    Não senti medo, senti aflição, senti dó e o desespero de pensar no arrependimento de algo que não pode ser remediado.
    Só não entendi o treinador…ele era na verdade o pai das gêmeas?
    Meus parabéns, vc com certeza estará entre os cinco melhores.

  3. Rafael Penha
    10 de novembro de 2017

    Premissa boa, mas o conto acabou me parecendo muito longo. No início é instigante e, interessante descobrir o que está atrás da protagonista. Mas a repetição de temas vagos, apesar das cantigas serem boas e sinistras, acaba fazendo a atenção do leitor desvanecer. Acabei me desligando muito fácil do conto.

    A revelação de que se trata de uma louca num hospital vem alguns momentos antes do final e coloca ordem à bagunça proposital e até traz de volta a atenção leitor que prosseguiu até o fim, mas até lá, provavelmente alguns não chegaram. A revelação define e demonstra a lógica da narrativa ilógica, abstrata e desconexa. A mente desvairada foi muito bem escrita e conduzida, entretanto, não senti como um conto de terror, já que não me senti aterrorizado. O conto é interessante, mas nem mesmo saberia em que gênero abrigar.

  4. Daniel Reis
    10 de novembro de 2017

    Prezado autor: quero começar já elogiando o pseudônimo, na minha opinião o melhor deste desafio! No entanto, o recurso das cantigas, para despistar a senilidade da protagonista, me pareceu um recurso incômodo na leitura. Seriam mesmo necessárias? Só o autor poderá julgar em definitivo. Quanto à técnica, é um texto sem dúvida bem escrito, ainda que em alguns pontos cansativos com o lirismo – de tão “temperado”, o texto perde um pouco do sabor. Quanto ao terror, realmente não sei se o horror não o suplantou. De qualquer forma, um bom trabalho. Parabéns!

  5. Jose Paulo
    8 de novembro de 2017

    Conto forte e bem escrito. Muito longo certamente para a história contada. Inicia bem, entra pelo sacrifício das filhas e a partir daí até a cena final, a autora(or) traça um duelo com as palavras para fechar o limite imposto…ou mais ainda…sobrepuja-lo com sobras. Então aconteceu um bom enxerto de delirios muitas vezes repetidos ate se dar a cena final. Terrivelmente forte o relato da morte das crianças. Essa ideia e esse passagem valeram o conto. Percebemos a culpa da protagonista e seu sofrimento…que a consumiu até o fim…viva, numa cama de hospital. Mas isso poderia ser dito com menos. Ficaria muito melhor.

  6. Marco Aurélio Saraiva
    8 de novembro de 2017

    =====TRAMA=====

    Porra. Pegou pesado ein? Que conto!

    Você usou de um subterfúgio muito interessante: durante todo o conto chamou a protagonista de Mocinha, então nunca que o leitor deduziria que ela já era uma senhora em avançada idade, quase sem o controle das suas funções motoras e dos seus próprios pensamentos.

    Que suplício! Mocinha vivia em um estado entre a loucura e a sanidade, atormentada pelos próprios pecados. Quanto tempo viveu assim? Quanto tempo ainda viveria?

    Você passou essa angústia muitíssimo bem. Mocinha cometeu um ato horrendo na juventude, conseguiu se livrar da culpa no cartório, mas jamais livrou-se da culpa na própria alma. Foi horrível ver que ela não conseguiu nada do que almejava em vida. Seu final horrível foi estar confinada a uma cama, sendo cuidada por uma enfermeira, atormentada infindavelmente pelas suas culpas, torcendo para que morresse ou ficasse louca de vez.

    Se há um conto que causa angústia neste desafio, é este!

    Você usou transgressões das cantigas infantis conhecidas para pontuar o seu conto, o que, para mim, foi uma ideia genial. As versões macabras destas cantigas foram muito bem formuladas. Eu as ouvia na minha mente nas vozes das meninas que jamais tiveram chance de viver – as gêmeas que muito provavelmente cantavam estas músicas infantis na mente perturbada de Mocinha.

    Que conto!

    =====TÉCNICA=====

    Praticamente impecável. Sua escrita é um pouco confusa de início, mas assim que a mente do leitor “vira a chave”, a leitura engata e vai bem até o final. Algumas das suas frases são verdadeiras obras de arte, como estas:

    “Veio o desejo de criar, procriar talvez fosse a saída escolhida pelo céu. Mocinha tentou, com fé, com a paciência de vítima rendida. Mais de uma vez, entregou-se em sacrifício. Depois, vieram algumas luas com suas fases sangrando expectativas.”

    “Aquela seria a noite mais longa da sua vida, fosse vida aquela provação. Se ao menos pudesse enlouquecer de vez, perderia a noção do sofrimento.”

    Está certo que ás vezes, na sua busca pela descrição perfeita, você peca um pouco pelo exagero, como neste trecho:

    “O reverso do parto aconteceria …” – cacetada, que volta pra falar da morte!

    Avistei um ou outro problema de digitação, mas nada de mais. Sua escrita é muito boa, um estilo único. Você conseguiu passar a angústia de Mocinha muito bem. A imagem dela no chão, lutando contra o próprio corpo, ficou nítida. Eu senti a labuta dela !

    Só notei algumas leves cacofonias:

    “Não sabia se a morte já não havia lhe lambido as entranhas…” – lhe lambido

    “…em movimentos que lhe lembraram as aulas…” – lhe lembraram.

    Enfim, técnica excelente, conto excelente. Parabéns!

    • Luzia Trevas
      8 de novembro de 2017

      “…as gêmeas que muito provavelmente cantavam estas músicas infantis na mente perturbada de Mocinha.” BINGO!

  7. Leo Jardim
    7 de novembro de 2017

    # Aquelas Pessoas (Luzia Trevas)

    Autor(a), desculpe-me por não ter tempo para formatar o comentário melhor. Em caso de dúvida, é só perguntar.

    📜 Trama (⭐⭐⭐▫▫):

    – achei legal o uso de cantigas infantis desvirtuadas no início, mas em determinado ponto elas começaram a incomodar
    – mais ou menos no mesmo ponto também estava cansado de tantos parágrafos que diziam muito, mas não avançavam na trama; analise bem: qtos dos parágrafos narram as tentativas de Mocinhas de fugir do hospital que ela pensava ser algum tipo de purgatório ou inferno e as assombrações que ela via?
    – as melhores partes do texto foi quando explicou os motivos delas estar assim: qdo ela casou e acabou por assassinar suas filhas gêmeas recém nascidas

    📝 Técnica (⭐⭐⭐▫▫):

    – é uma bela prosa poética
    – o autor narra e reconheço o trabalho ao escolher bem cada palavra
    – o problema disso, principalmente em textos grandes como esse, é que apesar de ótimas sentenças, acaba ficando cansativo em alguns momentos, ainda mais qdo a trama é deixada de lado
    – os sinônimos acabaram um pouco excessivos, como em: reverso do parto
    – o culpado *sem vírgula* de todo aquele incidente macabro

    💡 Criatividade (⭐⭐▫):

    – as cantigas remodeladas foram o destaque criativo

    🎯 Tema (⭐▫):

    – o conto possui cenas terríveis, mas não transmite medo

    🎭 Impacto (⭐⭐⭐⭐▫):

    – gostei do texto no geral, mas o meio cansativo acabou por me desconectar um pouco
    – a parte do flashback ficou muito boa
    – já esperava uma reviravolta no fim e gostei do que veio (ela estar velha numa cama de hospital)

  8. Pedro Luna
    6 de novembro de 2017

    Infelizmente o conto traz uma manobra textual que não consigo gostar. A inserção de elementos que quebram a narrativa. Normalmente são trechos de música, e aqui não fugiu a regra, foram as cantigas. Fora a capacidade estética, esse tipo de coisa nunca acrescenta muito ao texto a ponto de serem indispensáveis. Pelo menos para mim. Houve um conto unanimidade no desafio Javali que também não consegui curtir tanto por ter esses elementos.

    A escrita é sensacional, cheia de poesia. O problema é que isso atrapalhou um pouco o ritmo. A loucura do aprisionamento mental é bem descrita, mas as vezes fica repetitivo, nos trechos que fala da escuridão, do estado em que ela se encontra física e mentalmente, que tem que escapar e tal, das visões. Para mim, a melhor parte do conto são as lembranças, quando você narra o que aconteceu para que ela chegasse até aquela condição, o casamento, a gravidez. São essas partes que dão suspense e um pouco de terror ao conto (que é mais voltado ao drama), pois elas prendem a leitura. Queremos saber o que vai rolar (até pq já intuímos que vai ser tragédia). O resto, a confusão mental, é bacana, mas chega um momento que cansa, até porque no meio do conto já da para sacar que é coisa psicológica, sem intromissão do sobrenatural, pelo menos foi assim que me pareceu.

    O que posso dizer é que esse é sem dúvida um texto que divide opiniões. Já conhecendo os participantes, tenho certeza que muitos vão amar essa pegada poética, já eu não sou muito chegado. Ainda assim, uma bela leitura.

  9. Ricardo Gnecco Falco
    6 de novembro de 2017

    Olá! Segue abaixo o resultado da Leitura Crítica feita por mim em seu texto, com o genuíno intuito de contribuir com sua caminhada neste árduo, porém prazeroso, mundo da escrita:

    GRAMÁTICA (1,5 pts) –> Sim, escrever é a arte de cortar palavras… E sem se esquecer de cuidar das que foram poupadas! Ou seja, uma boa e atenciosa revisão é FUNDAMENTAL em um texto — e não apenas para este quesito —, ainda mais em um trabalho que estará concorrendo com os de outros escritores… Gramática e revisão aqui formaram uma dupla de gêmeas impecáveis. 😉

    CRIATIVIDADE / ENREDO (2 pts) –> Este é, sem a menor sombra de dúvida, o quesito MAIS IMPORTANTE de todos (e consequentemente possuidor do maior peso em sua nota final)… Achei o conto muito criativo! O começo é um pouco confuso, mas este é daqueles enredos que precisamos concluir a leitura para, somente chegando na última linha, podermos realmente entender (ou supor que entendemos) a história. Com uma pegada mais lenta e poética, o conto mistura bem luz e trevas, trazendo criatividade até para a escolha do pseudônimo. Parabéns! 🙂

    ADEQUAÇÃO ao tema “Terror” (0,5 pt) –> Como estamos em um Desafio TEMÁTICO, não tem como avaliar sua obra sem levar em consideração este “pequeno” detalhe, rs! Assim sendo, mesmo eu o tendo valorizado apenas com meio ponto, ao final do somatório isso poderá representar a presença (ou não) de seu trabalho lá no pódio. Aqui, sim… Creio que seja Terror, embora não parecido com o que normalmente se espera encontrar em um conto de Terror. O ‘mal’, aqui, é pessoal e chama-se CULPA. Bem bolado. 🙂

    EMOÇÃO (1 pt) –> Beleza! Gramática (e revisão!), criatividade (enredo), adequação ao tema… Tudo isso é importante para um bom texto. Mas, mesmo se todos os demais quesitos estiverem brilhantemente executados, e o conto não mexer de alguma forma com o leitor, ou seja, não o emocionar, o trabalho não estará perfeito… Bem, por mais bonita que esteja a sua escrita, inovadora que seja a forma com que conta sua história e a colocação do ‘vilão’ da mesma como um sentimento da protagonista, eu não consegui me sentir totalmente imerso na trama. Gosto da pegada mais poética (você sabe), prefiro o brilho da Lua ao ardor do Sol, mas senti que o texto ficou um pouco mais longo do que creio eu devesse o mesmo ser. Talvez para inserir mais cantigas macabras, ou quem sabe por puro deleite ao escrever, mas senti as palavras se alongarem demais para trazerem a conclusão (e o entendimento) do enredo para o leitor, que fica meio que vagando às cegas pelas entrelinhas até ser trazido de volta à cena que abre e fecha o conto. Fazendo uma brincadeirinha aqui, uma história cíclica que deveria ser também redonda em sua forma (como a Lua), mas que ficou um ‘cadinho’ alongada, com palavras a mais e que poderiam ter sido poupadas (como as criancinhas, buááá), se transformando, paradoxalmente (se levarmos em conta a definição gramatical e não da forma) em uma ‘elipse’… Mas um bom trabalho, sem dúvida! 😉

    Parabéns e boa sorte no Desafio!
    Paz e Bem!

  10. Pedro Paulo
    30 de outubro de 2017

    Olá, entrecontista. Para este desafio me importa que o autor consiga escrever uma boa história enquanto em bom uso dos elementos de suspense e terror. Significa dizer que, para além de estar dentro do tema, o conto tem que ser escrito em amplo domínio da língua portuguesa e em uma boa condução da narrativa. Espero que o meu comentário sirva como uma crítica construtiva. Boa sorte!

    Desde o começo, a sua situação real é colocada de forma sucinta, muito mais esclarecida no modo como a personagem se sente, uma situação de verdadeira clausura e terror, muito bem descrita. O elemento musical adentra como uma adição de tenebrosidade verdadeira, mas parece entrar junto com as memórias só para nos colocar nessa atmosfera, sem uma funcionalidade dentro da própria história (nem mesmo a personagem menciona cantigas, inclusive no nascimento das filhas, momento que poderia ter sido aproveitado). O pedido constante dela pela morte é uma boa ideia, pois nos faz compreender o quão miserável é aquele purgatório em que a personagem se encontra. Nas memórias, a escrita é bastante ágil em resolver esse casamento e concebê-lo como uma enrascada para a protagonista, cujos filhos já começam a ser tocados pela narrativa, primeiro como uma necessidade, um objetivo, e depois como um peso. “As regras impostas pela sua condição de mulher” dão um tom definitivo ao conto, no qual o terror não é só a decadência física da personagem, representada de forma sucinta ao longo da leitura. Agora o terror também impregna uma vida de alguém que quase nunca teve opções, tendo que encontrá-las por meio do assassinato. A escrita passa rápido demais pela reclusão na cabana, onde ela desmembra as filhas recém-nascidas, pressionada pelo peso de um matrimônio infeliz e falível e guiada por uma angústia insana. A treva na qual está imersa sofrendo, ansiando pela morte, é uma que fica cruelmente pior com a aparição das filhas, protagonistas da culpa que é endossada pelos que só viram o fato de longe. Amanhece e se conclui, enfim, que Mocinha é apenas uma idosa senil em um asilo, atormentada pelos assassinatos que cometeu, em uma culpa que praticamente se materializa ao seu redor nos seus dias, que sempre parecem ser os últimos, mas não são. Aquele tormento na escuridão acaba sendo só uma forma onírica de encarar a própria realidade. O fim é verdadeiramente agonizante e merece destaque, utilizando-se da agilidade costumeira para firmar a última revelação e encerrar a personagem em um terrível ciclo de terror.

  11. Vanessa Honorato
    26 de outubro de 2017

    Remorso e loucura se misturando durante toda uma vida. No fim fiquei com pena dessa pobre criatura perturbada. Depressão pós-parto é uma das piores dores capazes de acometer o ser humano. No caso da personagem, o parto só agravou a situação, já que a depressão já existia. Não há nenhuma doença pior que a doença da alma. Não sei se classificaria como terror, para mim está mais para um drama, e dos fortes! Os estrofes de cantigas deu um toque legal, mas dispersou um pouco a leitura, ainda mais por causa dos trocadilhos que até ficaram engraçados.

  12. Anorkinda Neide
    24 de outubro de 2017

    Não sei o que dizer aqui!
    Nem li os outros comentarios, pq estou ainda em transe com cada uma destas frases e dos versinhos das cantigas… Jesus amado!! quanta competência! quanta lindeza! quanto terror! rsrsrs
    Voce está só de parabéns e mais nada há para ser dito… ahh.. há sim!
    E a culpa é do Gustavo, ficou cansativo…não sei quantas palavras tem, mas imagino q vc se estendeu devido ao limite mínimo ou entusiasmada com o limite máximo.. rsrs teve momentos q eu cansei, quase larguei pra pegar depois, mas persisti pq a beleza das metáforas me prenderam! e não só isso, me renderam, estou fascinada. apaixonada.
    E que terror, nossa, matar aquelas meninas me doeu profundamente por uns motivos bem pessoais q nem posso citar aqui… e a agonia do confinamento da personagem, da loucura… ela estava o tempo todo embaixo da cama?! hahaha gostei pq alivia todo o peso que a gente tava carregando com a densidade da narração
    Enfim… perfeito.
    Boa sorte, mesmo sem precisar de algo tao corriqueiro como sorte quando se tem o talento.
    bj

    • Anorkinda Neide
      24 de outubro de 2017

      ahh e o pseudonimo: Luzia Trevas
      uauuuuuuuuu
      (agora vou ler os comentarios dos coleguinhas 🙂 )

  13. Jorge Santos
    24 de outubro de 2017

    Conto extremamente bem escrito de terror psicológico. A inversão dos valores está bem patente e vemo-nos dentro do monstro, a lidar com os seus problemas de consciência, remetendo-nos para a essência do crime e castigo de Dostoievsky.
    A leitura gera desconforto, como todos os bons contos do género.

  14. Gustavo Araujo
    19 de outubro de 2017

    Excelente conto! Confesso que no início fiquei um tanto perdido, com a protagonista indo ao chão, escutando vozes, antecipando tempos de horror. Na sequência, quando ela começa a se lembrar da própria vida, do infanticídio, quando começa a ser devorada por sua culpa, o conto ganhou ritmo e a leitura fluiu que foi uma beleza. Foi a partir daí que eu comecei a me deleitar com as metáforas, com a poesia que permeia a prosa, dizendo X para significar Y. Aliás, que crueldade intercalar as versões bizarras das cantigas de roda, só para fazer alusão à barbárie com as crianças… Uma sacada para lá de criativa. O final é especialmente inspirado, pois é aí que o leitor (lento = eu) entende o início do conto, é aí que percebe o motivo da narração arrastada lá no começo, a queda, as vozes. Mocinha na verdade é vovó, revivendo dia a dia o que parece ser seu passado secreto – ou talvez nem tanto secreto. Um arremate de mestre. Fiquei com inveja haha Excelente! Parabéns!

  15. M. A. Thompson
    18 de outubro de 2017

    Antes de qualquer coisa, obrigado por nos presentear com essa pequena amostra do seu trabalho.

    Gostaria de apresentar o critério de votação que usarei no Desafio “Terror”.

    Por ter participado já leva um ponto e mais um ponto por cada item a seguir:

    [ ] Gramática e ortografia aceitáveis?
    [ ] Estrutura narrativa consistente (a história fez sentido)?
    [ ] O terror está presente?
    [ ] Foi um dos contos que mais me agradou?

    Dito isto, vamos a análise:

    O CONTO
    Os delírios de uma mulher assombrada ilustrado com cantigas (macabras) de roda.

    O QUE ACHEI
    Adorei as cantigas, mas me distraíram do conto. Toda vez que estava entrando na história a cantiga me desviava, entendeu? Porém foi uma sacada muito boa, só que prejudicou o conto para eu ler. Acredito que os colegas tenham conseguido juntar conto e cantiga sem comprometer a fluidez. Eu não consegui. Se fosse umas, mas foram muitas. Você deve ser mãe, professora ou Pedagoga. kkkkk

    GRAMÁTICA E ORTOGRAFIA
    Nada que eu tenha percebido.

    O Terror está presente?
    Sim.

    Foi um dos que mais me agradou?
    Não, por causa da distração causada pelas cantigas.

    Boa sorte no Desafio.

  16. mariasantino1
    18 de outubro de 2017

    Me controlando aqui para que você não saiba da inveja gritante que sinto.
    1, 2, 3…

    Ok, prometo que serei breve, uma vez que só irei fazer elogios.
    Bem, de todos os contos que li até agora o seu é o que mais gostei, o que mais agrada pelas imagens criadas, pela aflição pungente e pelo interesse que cresce a cada sentença. Li e reli os pedacinhos fazendo sons como quem está saboreando um bom prato, e esse é o motivo do conto se destacar, porque a cada sentença se tem um bocadinho gradativo dos fatos.
    Ótimo como um enredo simples torna-se interessante nas mãos de quem sabe o que fazer, e isso mostra que não existe trama batida. Também acho sensacional quando o autor sugere mais do que afirma, porque isso faz o leitor descobrir aos poucos o ocorrido.
    As cantigas macabras foram a cereja do bolo.
    A inveja diz para te xingar, mas eu luto contra.
    Parabéns! Parabéns! Parabéns!
    Um abraço!

  17. iolandinhapinheiro
    18 de outubro de 2017

    Olá! Já comecei gostando do apelido escolhido Luzia Trevas, a Luz e as Trevas, ficou bem bolado, moça. Então, eu ia reclamar do começo que achei meio “viajante”, mas quando cheguei ao fim eu entendi tudo. No início achei que a protagonista fosse uma criança, em seguida uma jovem esposa e no fim percebi que era uma anciã. Neste momento eu fiquei em dúvida se o assassinato das filhas era realidade ou delírio.

    Esta linguagem de prosa poética não é a minha preferida. Sou uma pessoa naturalmente dispersa e esta escrita sem firmeza, mas fluida e com construções feitas para embelezar o texto me distraem e me dão vontade de parar de ler. Mas isso é gosto pessoal, né? É problema meu ser assim.

    Gostei bastante das canções infantis em versões macabras. Isso fez lembrar um conto meu chamado O GATO MERWEL que é entremeado com versinhos satânicos. Aliás este universo infantil sempre casa bem com terror, então parabéns pela escolha, amiga (tenho certeza que vc é mulher).

    Enfim. Um texto e tanto. Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.

  18. Fil Felix
    17 de outubro de 2017

    Gostei bastante deste conto, ele tem diversas camadas interessantes, que levantam várias questões. No começo fiquei um tanto de bico, porque musiquinha e tom de terror logo me lembrou do Freddy Krueger, mas aí foi só impressão e logo passou.

    A mãe vive num grande inferno pessoal e íntimo. É daqueles textos que se precisa chegar ao fim, linha por linha, para que o todo faça um sentido. A mãe matou as próprias filhas recém nascidas, o que por si só já é uma ação grotesca, em seguida as enterra e nada mais cresce. Ela envelhece com esse peso na consciência, o passado a vir lhe atormentar dia após dia. A estética do conto é uma confusão boa, pois entra na cabeça da personagem, nos faz acreditar que ela está no Inferno, pagando por seu pecado, sendo torturada e ganhando tudo que tem direito. Mas não, o inferno pessoal dela é na Terra, mesmo. Envelhecer e morrer com a culpa pesando, a enlouquecendo. Parei pra refletir vários pontos, algo que além do tema proposto ao desafio, considero de maior importância. Tirar o leitor do lugar comum. Até onde vai a culpa pelo assassinato? Esconder e culpar o marido? Quando o aborto teria sido mais efetivo? Como é viver com tamanha culpa? É possível? Fora as cantigas clássicas, transformadas em versões de horror, refletindo a infância ceifada das gêmeas.

  19. Luiz Henrique
    17 de outubro de 2017

    O conto é de um terror a toda prova. E o inusitado: de prosa poética ad-mirável para o tema terror. Uma escrita fluente, embora com alguns entraves na narrativa, dificultando um pouco o enredo. Embora, com o es-quartejamento dos bebês, retome o fio da meada. São nuances próprio de narrativas longas, visto as exigências do desafio. No mais, o conto atende a todos os requisitos do gênero terror. Enfim, minha expectativa é de que este conto seja um forte concorrente. O autor está no caminho certo da literatura para quem deseja trilhar por essas trevas da literatura. Parabéns!

  20. Evelyn Postali
    17 de outubro de 2017

    Caro(a) Autor(a),
    Escrita muito boa do começo ao fim, sem percalços, parando só para apreciar a poesia embutida. Não percebi muito terror, mesmo com a questão da mãe ter ou não ter matado suas filhas. Personagem bem construído e o ritmo foi embalado pelas cantigas. Isso mexeu com a estrutura e ao mesmo tempo fez com que a leitura tomasse um rumo bem diferente. Boa sorte no desafio.

  21. André Lima
    15 de outubro de 2017

    O conto demora a engrenar. Se formos fazer a tradicional divisão em três atos, eu diria que o primeiro ato está bem abaixo dos demais. A confusão que os primeiros parágrafos causam não funcionou para mim.

    Quanto ao estilo de escrita, as frases curtas não me agradaram. Há algumas repetições de figuras de linguagem como nos momentos:
    “mas logo sentiu a dor aguda percorrer seu braço e a pele rasgar.” / “O medo percorreu suas veias”.

    E a descrição “O silêncio, deus ensurdecedor dos sentidos, espalhou-se pelo quarto.” me soou muito estranha.

    Fora isso, o conto ganha MUITO em qualidade no segundo ato. A delicadeza em algumas referências do próprio conto é um ponto alto, como visto na frase “Parte de si levantou-se e partiu-se em muitas. Era Mocinha, mas também o eco de todas as vozes. Era o treinador falecido e as gêmeas degoladas.”.

    Adaptar cantigas infantis foi uma ideia primorosa. É um autêntico conto de terror que mexe com as emoções do leitor, fato que valorizo demais. O final é excelente.

    Parabéns ao autor.

  22. K.W König
    13 de outubro de 2017

    Enredo: Uma viagem na mente obscura de uma mãe que havia esquartejado suas filhas, com cantigas modificadas que me fizeram gostar ainda mais do conto.

    Tema: Não me causou medo, acho que precisaria de algo mais sobrenatural, mas de fato me pareceu psicológico.

    Considerações: Muito bom, realmente gostei das cantigas. A parte do parto e do esquartejamento foi o auge da tensão, parabéns. Boa sorte!

  23. Lolita
    11 de outubro de 2017

    A história – um tema forte demais, mãe mata as suas filhas. Esse é o início e o fim da loucura da personagem digna de tragédia grega.

    A história – a escrita trabalha com o psicológico, delineando a personagem aos poucos em uma espiral de terror. O recurso das cantigas foi bem elaborado.

    A impressão – um conto incômodo, que me fez pensar sobre tantas questões. Parabéns e boa sorte no desafio.

  24. Fernando.
    8 de outubro de 2017

    Que conto bacana. Uma grande e complexa construção. Está muito bem narrada. Coisa de quem entende de literatura. Obra de profissional, me pareceu. Fui me envolvendo na tessitura da sua trama sofisticada e sentindo crescer a angústia da mãe com seu pecado tão grande. Releio o conto e vejo que está tudo muito bem contado. O detalhe das cantigas de roda modificadas deu um toque todo especial ao seu conto. Sobre a existência de erros? Nada praticamente senti que seja digno de nota. Excelente. Parabéns.

  25. Roselaine Hahn
    8 de outubro de 2017

    Prezado autor, um primor de conto. Escrita impecável, considerei a criatividade para inserir o terror na narrativa poética como o ponto alto. A mãe insana, que matou seu bebês é por demais macabro, e o conto explorou essa linha, um terror psicológico de alguém desequilibrado no seu próprio terror. A inserção das cantigas distorcidas também deu um charme macabro, muito bom. Acredito que o seu conto tem um bom fôlego para chegar bem colocado ao final do EC. Parabéns, abçs.

  26. Lucas Maziero
    7 de outubro de 2017

    Conto escrito com muito esmero. Gostei, tanto da qualidade impressionante da prosa quanto pela história que vai nos intrigando e inquietando até o final. Dona Mocinha perde o juízo, mas eu só percebi que ela estava internada ao chegar mesmo no final, pois de outra forma, e creio que é precisamente nisso que consiste o suspense, diga-se lá bem construído, repito, pois de outra forma não se sabe o que se passa com essa mulher, se está delirando, se já se encontra no mundo dos mortos sendo fustigada por outros espíritos com a função de castigá-la por seu pecado.

    A narrativa nos proporciona essa dúvida, essa confusão macabra que consegue perturbar a quem lê. As cantadelas infantis assumem como que uma tortura, pelo menos no meu entender, à assassina mulher, com as palavras misturadas para bem coadunar com a culpa que lha bitola o psíquico. Foi um efeito e tanto.

    Apenas a figura do treinador ficou deslocada, sem acrescentar ou subtrair nada.

    E é então com o final que recebemos o choque último, a constatação de que, para Mocinha, o maior tormento e horror era continuar viva. Deu-me a impressão, por causa da frase “frágil senhora”, que mocinha poderia já estar há muitos anos naquele estado, o que aumenta ainda mais o nosso horror ao pensar em tal condenação.

    Parabéns!

  27. Angelo Rodrigues
    5 de outubro de 2017

    Cara Luzia Trevas,

    gostei muito do conto. Muito bem escrito, organizado, bom domínio da língua. Boa pegada construtiva na condução do tema.
    Boas construções. Hipérboles bem colocadas. Ritmo lírico e sensato sem perda da tonicidade textual.
    Vi no texto um relato excelente falando das culpas de uma mulher. Não sei se haveria um TERROR, propriamente, salvo pela cena do esquartejamento das gêmeas. Algo que me chamou a atenção foi perceber que o relato estava tão doce que abafou o terror do ato onde cabeças rolaram. Fiquei imaginando um processo dissociativo entre o ato e o seu relato, o que abafou o horror. Nem nesse momento o tom subiu de nível, o coração não bateu mais forte (da narradora).

    Permita-me algumas considerações.
    – “O céu pareceu cair sobre o telhado cansado pela antiguidade.” Uma frase e tanto, mas, afinal, quem deveria ser antigo? Uma frase-enigna. Se o telhado for antigo, temos um problema de engenharia. Se antigo for o céu, temos algo lindo e poético. Talvez uma vírgula após telhado… caia bem. Ou não. Um céu antigo caía sobre os telhados. Não sei, mas fico aqui metendo o dedo…
    – permita-me outra: “…porta a dentro.” Melhor seria “…porta adentro.”
    No mais, gostei do conto e não teria muito a dizer.

    Boa sorte e obrigado por compartilhá-lo conosco.

  28. Luis Guilherme
    4 de outubro de 2017

    Olá, amigo, tudo bem?

    Como tenho dito, esse desafio tem um peso especial pra mim, já que amo o gênero. Muita expectativa pelo que vem por aí!

    Dito isto, vamos ao seu conto:

    Belo conto de terror psicológico. Vemos aqui um vilão um pouco diferente, mas tão horripilante como qualquer outro: a culpa, capaz de despedaçar a mente de qualquer um, como bem retratado na historia.

    Você tem uma escrita excelente. Apesar de complexa e truncada (como o enredo exigia), a escrita conduz de forma agradável, revelando lentamente uma teia de acontecimentos que explicam os inicialmente incompreensíveis acontecimentos: onde ela tá? quem são esses que a provocam? de que ela tenta fugir.

    Em determinado momento me liguei que se tratava de algum recanto obscuro da propria mente da protagonista, mas isso não estragou as boas surpresas que apareceriam.

    O conto tem um quê de insólito – a mãe mata suas gêmeas estranguladas no nascimento e depois esquarteja e enterra, precisa mais? haahhah.

    A gramática me pareceu ok, com alguns erros de revisão aqui e ali, como praticamente todos os contos do desafio, coisa natural.

    Enfim, gostei bastante! Parabéns e boa sorte!

  29. Ana Maria Monteiro
    4 de outubro de 2017

    Olá Luzia. O seu conto está muito bem escrito. Você domina bem a língua (uma ou outra falha na revisão, nada de especial). Mais que domínio da língua, tem uma excelente capacidade de brincar com as palavras construindo frases envolventes e carregadas de beleza.
    Ainda assim, eu não senti o terror, excepto enquanto vivência da personagem. Ela vive aterrada, sem dúvida. A história em si mesma não tem terror algum. Mas aceito que se adequa ao tema.
    O que se passa, em minha opinião, é que não me senti a ler um conto,mas antes um relato atabalhoado duma mente doente ou aterrorizada pela culpa. O ato que ela confessa ter cometido não é relatado o suficiente para se fazer sentir, nem mostrado, muito menos sugerido – apenas dito. Penso que é esta ausência que justifica o não se conseguir encontrar terror no texto.
    Quanto aos seus sentimentos de culpa que ela tenta dentro de si atribuir ao marido – ausente, sempre imperfeito portas adentro, não justifica de forma alguma a sua opção. O mundo está cheio de pessoas assim: seguem os instintos, cometem atos, desde apenas condenáveis, até hediondos, como neste caso, e atiram a culpa para cima dos outros.
    Resumindo,o texto não nos cria empatia com personagem algum, nem mesmo com as pobres gémeas assassinadas e esquartejadas, que, piedosamente, o autor/a transforma em anjos. E contrariamente, tampouco geram antagonismo.
    Então,no final, li uma história que não despertou em mim qualquer emoção além de apreciar a qualidade da escrita.
    Vou considerar dentro do tema proposto e também a qualidade do autor, mas quanto a mim, falta sentimento.
    Boa sorte no desafio

  30. Fheluany Nogueira
    2 de outubro de 2017

    Enredo e criatividade – Matar e destrinchar as filhas gêmeas, recém-nascidas é chocante. A mãe criou para si um inferno mental.

    Escrita e revisão – Linguagem poética, sugestiva, enriquecida com a adaptação das cantigas. Gostei muito do jogo de palavras em oposição, iniciado já no pseudônimo. Construções frasais admiráveis para descrever cenas terríveis. Pequenos deslizes (uso da crase, concordância verbal, vírgulas) que não entravaram a leitura ou interpretação do texto.

    Terror e emoção – o ritmo lento, sobretudo na introdução quebrou em parte o impacto do terror psicológico. O desfecho com a protagonista no manicômio trouxe uma dúvida: a matança aconteceu ou é fruto da loucura?

  31. Evandro Furtado
    2 de outubro de 2017

    Esse conto me traz sensações mistas. Há rompantes de brilhantia, permeados por uma certa confusão narrativa. O tema do conflito da inocência é algo recorrente no conto, tanto no nome da protagonistas quanto nas cantigas transfiguradas dispostas ao longo do texto. Tal estratégia é extremamente bem elaborada, mas acaba se prejudicando pela falta de uma concisão maior no desenvolvimento da trama. Me parece que são vários elementos soltos, sem um fio de ligação. Se isso, por um lado, incomoda, por outro ilustra bem o estado de espírito da protagonista. Suas ideias são nubladas e confusas e, talvez por isso, a narrativa também o seja. Quando se foca no horror, o conto é eficaz, evocando imagens atormentadoras. A imagem de uma mãe esquartejando as filhas recém-nascidas (natimortas, talvez? Não ficou muito claro) é atormentadora. No final eu não tenho certeza se o conto é uma obra prima brilhantemente planejada ou uma confusão que gerou resultados acidentais. Vou confiar no autor e acreditar na primeira, ainda que a dúvida acabe influenciando na nota final.

  32. Paula Giannini
    30 de setembro de 2017

    Olá, Autor(a),

    Tudo bem?

    É interessante a reflexão que se faz por aqui a cada novo desafio. Ao classificarmos os textos em gêneros, muitas vezes acabamos esquecendo que, antes de nós, muitos já fizeram literatura e que certos temas e textos, transcendem o gênero em si.

    O que quero dizer com isso?

    Ao ler seu conto deparei-me com a personagem Medeia, protagonista de um texto que, na época, foi classificado como tragédia. Um clássico do gênero que atravessou séculos, mas que hoje seria, obviamente, nomeado de terror.

    A história da mãe que mata os filhos para, com isso, punir o marido pela falta de interesse que este nutre por ela, é tão forte que chega a ser utilizado como arquétipo na psicanálise.

    Em seu conto, a mulher utiliza como subterfúgio, uma espécie de desculpa que tenta dar a si mesma. Assim, ela mata as filhas, na tentativa de poupá-las de todo o sofrimento que virá a seguir. A vida, o sofrimento do amor, do desprezo do homem que ama, e, mais que isso, de seu total desinteresse em uma vida que não dependa desse elemento externo que a move. O homem. Em Gota D´água se diria, o seu homem.

    Seu texto é muito bem construído e a fluência me agrada muito, com algumas inversões nas construções frasais, algo que adoro ler e utilizar. Para mim, literatura é música e sua narrativa é cadenciada. Gostosa de se “ouvir”.

    A utilização das cantigas infantis é um ponto forte, um recurso que igualmente me agrada (utilizei em meu conto Cumacanga, pelo qual tenho muito carinho). Gostei do modo como você modificou as letras, a fim de adaptá-las àquilo que é contado, mas, mais que isso, acredito que essas musiquinhas são um recurso infalível no terror. Uma vez assisti a uma versão de “Os Contos de Maldorror”, montada pelos Sátiros, no Festival de Teatro de Curitiba. Maldorror é apavorante, mas, o que ficou em mim (assisti há mais de 15 anos), foi a música infantil portuguesa que o grupo utilizou. Nunca mais fui capaz de esquecer aquela música, que canto até hoje.

    Parabéns.

    Desejo-lhe muita sorte no desafio.

    Beijos

    Paula Giannini

  33. Regina Ruth Rincon Caires
    29 de setembro de 2017

    Belo texto, muito bem construído, estrutura perfeita. Enredo profundo, reflexivo, triste. O autor, com muita competência, espalha metáforas, frases lindamente construídas ao longo da narrativa. É intensa a carga subjetiva na construção da personagem. Leitura ainda mais prazerosa com a deliciosa técnica de entremear cantigas transmutadas, adequadas ao tema, num casamento feliz entre prosa e poesia. Algum deslize? Normal, não atrapalhou. Basta corrigir. O terror está presente, o conto cumpre a meta do desafio.
    Portanto, parabéns, Luzia Trevas!

  34. angst447
    29 de setembro de 2017

    T (tema) – O conto está dentro do tema proposto pelo desafio. Terror psicológico, com certeza. Prefiro assim: a tortura mental.

    E (estilo) – Um estilo que revela familiaridade com a poesia em algumas passagens. Frases curtas encaixadas aqui e ali para obter melhor impacto. Arriscou-se a inserir versos de cantigas de roda transmutadas em quadrinhas de horror.

    R (revisão) – Alguns erros escaparam:
    Sentiam os dedos > Sentia os dedos
    a procura de > à procura de
    porta a dentro > porta adentro

    R (ritmo) – O começo apresentou um ritmo mais lento,talvez devido à descrição da situação da personagem. Depois, com as lembranças do passado tenebroso, a narrativa ganhou agilidade. Acredito que as cantigas (medo delas!) funcionaram como uma quebra para se tomar fôlego.

    O (óbvio ou não) – Demorei para perceber que se tratava de uma senhora em um hospital ou asilo. Esperei por algo ainda mais tenebroso, baseando-me pelo assassinato das gêmeas.

    R (restou) – Um gosto de tristeza misturado a raiva de Mocinha. Custava ter poupado as criancinhas? 😦

    Boa sorte!

  35. paulolus
    29 de setembro de 2017

    Simplesmente aterrorizante. E o inusitado: uma prosa poética numa linguagem de terror. Texto bem desenvolvido, embora com alguns entraves na narrativa dificultando em sua compreensão, mas logo depois da trucidação dos bebês toma rumo de novo. São nuances próprio de narrativas longas, que não prejudicam o todo. (Que por sinal, deixo aqui uma reflexão ao EntreContos: a regulamentação das 3000 palavras como mínimo, pra mim passou do razoável). No mais, o conto atende a todos os requisitos do gênero terror. Também ressalto duas sentenças belíssimas do texto: “Quantos quilos pesaria agora sem alma?” e “Fingindo que seus pecados eram carneirinhos pulando as gerações” Enfim, minha análise se justifica com um ótimo! Você tem muito o que sobrevoar sobre estas trevas, Luzia!. Parabéns e boa sorte.

  36. Pedro Teixeira
    29 de setembro de 2017

    Temos mais um bom terror aqui, um terror psicológico que passa a ideia de um purgatório ou inferno criado na própria mente da protagonista. Técnica narrativa apurada, com várias construções sensacionais. Em relação às cantigas macabras, nem todas funcionaram pra mim – em algumas a rima ou a métrica não me agradaram. Ao contrário do que houve com outros colegas, o final me surpreendeu, mas tirou um pouco da sensação de terror, do impacto. O saldo geral é positivo.

  37. Fabio Baptista
    29 de setembro de 2017

    Conto escrito com técnica sensacional, com um toque poético bastante inspirado que, curiosamente, em vez de deixar “meloso” deu um toque macabro muito bem-vindo para a história. Há aqui belíssimas construções de frases e metáforas ao longo de toda narrativa. Na gramática, só fiquei em dúvida sobre o “a dentro” e talvez tivesse usado umas vírgulas de modo diferente, no mais, perfeito.

    A história é simples, um terrorzão psicológico onde as criancinhas não são poupadas. A cena da mãe mutilando as crianças (descontando-se o cutelo que apareceu do nada) foi uma das mais bizarras e aterrorizantes até agora, descrita de um jeito magistral.

    O ruim é que até chegar ali, teve todo um começo moroso e confuso (que numa segunda leitura fica bem mais claro, é verdade). O conto só engrena mesmo no casamento e depois da tragédia começa a dar voltas de novo, até chegar a esse final bem impactante (essas frases curtas em uma linha quase sempre funcionam! :D).

    As cantigas deram um diferencial, agregaram um tom diabólico (foi impossível não lembrar de “1, 2… o Freddy vai te pegar…”), mas nem todas ficaram boas quando as imaginamos sendo cantadas. Dez e fez, por exemplo, apesar da grafia quase idêntica, não rimam.

    Um conto muito bom, que teria ficado ainda melhor com um pouco mais de dinamismo, na minha opinião.

    Abraço!

  38. Eduardo Selga
    28 de setembro de 2017

    A arte é um discurso que se diferencia dos demais por ser estético. Isso, na literatura, significa que não basta expressar-se: é preciso que essa expressão tenha valor estético, valor mais relevante que outros, como o de troca (o quanto o livro é ou não vendável) ou o valor de representação do real. Por isso, ao escrever uma narrativa ficcional, é preciso jogar com o instrumento que a constitui, qual seja, a palavra. Não se trata, contudo, da manipulação da linguagem como exibicionismo ou demonstração de técnica ou talento: o intuito deve ser construir imagens e com elas ir além da própria palavra.

    Nesse sentido, “Aquelas pessoas” é um ótimo conto. Até certo ponto renuncia à representação realística e, com um visível cuidado de não cair no exagero ou no barroquismo, trabalha a linguagem com grande competência. Nesse processo, duas características se destacam: imagens inusitadas e cadenciamento rítmico. Este último foi conseguido principalmente pela inserção, na prosa, de versos de cantigas infantis alteradas de modo a criar uma atmosfera maligna. Isso exibe outra característica do texto: a aproximação de opostos. Vejamos.

    A infância carrega todo aquele clichê construído no Romantismo de pureza, inocência etc. O(a) autor(a) usa um instrumento dessa suposta pureza, a cantiga infantil, para demonstrar o oposto dela, num jogo irônico. Mas não podemos ser ingênuos: se a infância traz em si esse significado pré-estabelecido em outros ambientes estéticos, no terror é comum a criança ou algum elemento infantil ser demoníaco. Então, o texto ao mesmo tempo não usa e usa o clichê.

    Outro exemplo de aproximação de opostos temos no trecho seguinte: “Era certo, então, que ela dali a meses seria mãe. Percebeu-se ausente de si mesma, tal qual vaso sem serventia, sem flores. Ostentaria um vazio por meses, só para cumprir o que o destino lhe obrigava”. A personagem, grávida porém descontente com a situação, carrega um vazio, quando na verdade ela está “cheia”.

    Não é, no entanto, um vazio denotativo: ele o é do ponto de vista emocional. Tanto que apenas lá pelo nono parágrafo, após a primeira quadrinha “infantil” ficamos sabendo que se trata de uma personagem, não de um personagem. Até então ela está sem identidade. Vazia. É a manifestação do infantil subvertido que faz com ela se mostre, o que é bem coerente: ela subverteu (no sentido de destruir) a infância de suas filhas, negando-lhes a vida.

    Há um trecho que exemplifica bem esse vazio, essa falta de identidade. Ei-lo: “Sabia que não era certo nomear quem não se queria conhecer”. A intenção caminha no sentido de não momear as meninas, poque a mãe não queria conhecê-las. Há mais que isso, contudo. Ela, que não queria se conhecer, não deveria nomear as meninas.E não queria por causa do vazio identitário.

    Acima eu falei em “imagens inusitadas”. Dois exemplos: “O silêncio, deus ensurdecedor dos sentidos […]” e “Não fora o suficiente embrulhar a culpa no papel pardo do esquecimento”. Certamente haverá quem diga tratar-se de um exagero, uma filigrana desnecessária, enfim, o discurso tipicamente pragmático e realístico.

    Desnecessária a quê? À compreensão ou à percepção da estória?

    Há uma outra característica da linguagem do conto que me chama muito a atenção: o uso do trocadilho. É um recurso perigoso, pois facilmente cai no exagero e até no ridículo, mas foi muito bem usado ao menos em duas passagens: “[…] no seu terno de LINHO, sorriso ALINHADO […]” e “PARTE DE SI levantou-se e PARTIU-SE em muitas”.

    No início quem persegue a personagem, assim entendo, são duas pessoas adultas. Do meio para o desfecho ela sente a presença das filhas assassinadas, mas como um pressentimento, não como algo concreto. É um paralelismo muito eficaz, pois consegue sugerir, sempre a depender do leitor, que em ambos os casos são as mesmas pessoas, em “fases da vida” diferentes. É interessante notar no início que se não há identificação clara, há uma sugestão (“– Afirmou uma segunda voz, mais aguda do que a primeira –”). Voz aguda é próprio do sexo feminino, embora não necessariamente.

    Em minha opinião, nos dois primeiros parágrafos iniciais, a narrativa, ao aproximar os tempos verbais pretérito imperfeito e futuro do pretérito, gerou em alguns pontos um desagradável excesso de (R)IA, como em “Pressentia que teria de enfrentar mais horrores do que lhe cabia na imaginação. Tudo aquilo que viria seria imprevisível”.

    Em “[…] sempre imperfeito porta a dentro” o correto seria ADENTRO.

  39. Antonio Stegues Batista
    28 de setembro de 2017

    Enredo: Mãe enlouquece e mata as filhas recém nascidas e passa o resto da vida arrependida, se lamentando, abandonada num manicômio, que para ela, seria o inferno. Gostei, mas…

    Personagem: Bem construído, com seus lamentos e sua loucura.

    Escrita: Boa. Só achei a introdução, exagerada. Leva muito tempo para o leitor ficar sabendo o que está acontecendo. A mulher passa muito tempo se lamentando,aliás, no texto todo e as informações são poucas. As cantigas infantis se fizeram desnecessárias, só preencheram o espaço para completar a regra. As meninas foram mortas logo que nasceram, portanto, não sabiam nada de cantigas.

    Terror: Leve. Sem susto, no entanto, a personagem dá um pouquinho de medo, sim.

  40. Andre Brizola
    28 de setembro de 2017

    Salve, Luzia!

    O texto é impecável. Complexo, mas não a ponto de comprometer o enredo, e nunca a ponto de quebrar a tensão. E as versões das cantigas ficaram bem interessantes. É um recurso bem frequente no terror, e foi muito bem utilizado!
    Não tenho o que criticar. Fiquei impressionado com a forma complexa com que foi contada (e cantada), e acho que nunca conseguiria escrever nada nem próximo de algo assim.
    E, se não senti medo durante a leitura, entendo que não é um problema do conto, pois entendo a carga de terror contida nele, e sim meu.

    É isso! Boa sorte no desafio!

  41. Rafael Soler
    28 de setembro de 2017

    Mais um bom texto do Desafio de Terror. Adorei como o conto é escrito de forma conceitual e poética. A confusão que senti no começo me despertou aquela sensação de o-que-é-que-está-acontecendo-aqui que me fez ter interesse pela trama.
    Outro ponto forte são as versões macabras das cantigas, que me deixaram sempre na expectativa pelas próximas rimas.

    O ponto negativo do trabalho, na minha opinião, é o ritmo, que fica bem lento em dado momento. E considero que a narrativa poética, que achei excelente, diminuiu um pouco o terror da trama.

    No geral, é um bom texto, que narra um episódio bizarro da vida de uma mulher de forma poética.

    😀

  42. Edinaldo Garcia
    28 de setembro de 2017

    Escrita: É boa. Tem um quê folclórico. Pegou carona nas cantigas e as aproveitou bem. A qualidade literária é boa. Só achei que faltou uma coisinha a mais para que as imagens saltassem aos nosso olhos.

    Enredo: Gostei, embora o tenha achado confuso. Em certos mementos eu me perdi totalmente, mas isso já me aconteceu quando li alguns autores conceituados com Allan Poe, então acho que aí o defeito está em mim.

    Terror: Começa muito bem. Bastante perturbador. Depois vai ficando rotineiro sem a adição de algo mais. O enredo parece não sair de dentro da mesma caixinha. Mas no geral há sim bastante terror.

    Nível de interesse durante a leitura: Começa muito interessante, mas depois da metade ficou um pouco cansativo; cansaço esse que não conseguiu me fazer desconcentrar na leitura. Estaria a protagonista no purgatório ou estivesse simplesmente ficando louca. Por ter usado a palavra crente para se referir a um evangélico e ter colocado pastores como vilões, pensei realmente que estaria ela num purgatório que é uma crença particularmente católical!

    Língua Portuguesa: Perfeita. A poética deu um charme especial, folclórico. Só identifiquei um errinho. Uma falta de crase em “à procura de um livramento”.

    Veredito: Bom conto. Arroz com feijão bem temperadinho.

  43. werneck2017
    28 de setembro de 2017

    Olá,

    O texto é impecável, muito bem escrito e concordo com o colega lá em cima: o leitor tem um interesse renovado a cada linha que lê da versão tenebrosa das cantigas de ninar, mais que a história em si, que foca no remorso de uma mãe assassina. Acredito que se fosse trabalhado o fantasma das filhas, com uma faca a lhe perseguir durante o sono, banho (Olha o Hichtcok aí) e em outras horas inusitadas daria o toque de terror que o gênero pede. Em todo o caso, um texto de qualidade e sem erros. Perfeito!

  44. Nelson Freiria
    27 de setembro de 2017

    Me senti numa batalha de rimas em: “Pressentia que teria de enfrentar mais horrores do que lhe cabia na imaginação. Tudo aquilo que viria seria imprevisível”

    A primeira frase do conto é bem legal, mas dps esse primeiro parágrafo fica estranho, tanto pelos “IAs” em sequência, qnt pelas sombras que são visíveis num estado de “escuridão quase total”.

    Tenho que parabenizar o autor(a) por conseguir fazer terror em meio a poesia, cantigas ‘du mal’ e um enredo tão pesado. Mas confesso que de início eu não estava entendendo aonde essa história iria chegar, achei um pouco demorado para desenrolar. Mas no geral, me agradou bastante.

  45. Zé Ronaldo
    27 de setembro de 2017

    Muito bacana a ideia, vou ser sincero, a cada linha que lia, ficava doido para ver a próxima versão tenebrosa das cantigas de ninar. Para mim, esse foi o que de mais valor e o que de mais novo tem no seu conto. Isso foi muito bom, cara!
    A personagem principal é de uma força psicológica filha da mãe, bicho, muito bem trabalhada, muito densa, chega até a ser complexa, de tão boa.
    a escrita está maravilhosa, o discurso foi muito bem trabalhado também, levando o leitor a, se não prestasse bem atenção, se confundir e perder o fio do raciocínio. Gosto de textos que forcem o leitor a raciocinar.
    Só vi um porém que, no fim das contas prejudica muito: não vi terror nenhum no seu conto, cara, tá mais para drama. Vou te ser sincero: desde o início, percebi que era uma senhora com remorsos de alguma coisa, mas isso não me gerou terror nenhum, se você houvesse feito os fantasmas das gêmeas mortas terem se vingado, mesmo que fosse um ataque cardíaco em Mocinha, aí, sim, seria um terror de primeira, se houvesse trabalhado mais com a noção dos fantasmas das gêmeas, sabe.
    De qualquer forma, com ou sem terror, é trabalho de primeira linha. Gostei pra caramba! Parabéns!

  46. Olisomar Pires
    27 de setembro de 2017

    Impacto sobre o eu-leitor: alto pela qualidade do texto.

    Narrativa/enredo: mulher em avançado estado de loucura supõe ter matado suas filhas e sofre em sua imaginação.

    Escrita: muito boa, Não detectei erros. Fluida, poética até. Talvez tenha ocorrido um certo exagero nas reflexões repetidas que a nada levam que já não houvesse sido indicado.

    Construção: as cantigas populares alteradas de acordo com a visão da paciente ficaram excelentes. O sofrimento da personagem, independente de ser real ou não, é muito bem transmitido.

    Terror? No início houve a sensação, depois se percebe que estamos na mente da protagonista e isso retirar o impacto.

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Informação

Publicado às 26 de setembro de 2017 por em Terror e marcado .
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