Rio de Janeiro, 01 de setembro de 2038.
Aquele velho sonho recorrente: no rosto da filha recém-nascida se desenhava, quadro a quadro, um belo sorriso banguela. Saudoso, Cleverson percebeu o calor do corpo pequeno junto ao seu peito, o apertar surpreendentemente forte dos dedinhos ao redor de seu dedo mínimo, o perfume de sabonete infantil, o “bá-bá-bá” que fizera sempre tanto sentido quando saído daquela boquinha de boneca. Maria Eduarda era sua tábua de salvação do mundo caótico, era o que o fazia suportar tudo, a própria ternura encarnada. Inocência refletida incontáveis vezes em seus olhinhos de ônix, pretos como legítimas esferas iEverything de cinco mil créditos.
* * *
Este conto faz parte da coletânea “Devaneios Improváveis“, Quarta Antologia EntreContos, cujo download gratuito pode ser feito AQUI.
Minhas impressões de cada aspecto do conto:
📜 Trama (⭐⭐⭐▫▫): redonda e interessante. A forma como a ideia de compartilhamento de memórias foi introduzida ficou muito legal, assim como o personagem e a ambientação. A trama em si, porém, ficou simples, incompleta.
📝 Técnica (⭐⭐⭐⭐⭐): muito boa. O texto é gostoso ler por causa da imensa capacidade que o autor tem para contar histórias e criar cenários.
💡 Criatividade (⭐⭐▫): alguns elementos já comuns ao tema, mas aplicados de forma nova.
🎯 Tema (⭐▫): é mais FC que Cyberpunk. O segundo pede um pouco mais de rebeldia e mais do submundo da tecnologia.
🎭 Impacto (⭐⭐⭐▫▫): No meio do texto estava muito satisfeito ler, pelo personagem e ambientação, mas o final não manteve as expectativas.
⚠️ Nota 8,0
Olá, eu mesmo.
Um conto que gostei de escrever, mas cujo enredo não foi muito sofisticado…
Bem, obrigado ao pessoal que gostou!
Gostei bastante! Com a correria estou lendo e avaliando mais por gosto, confesso, ainda que tente mesclar com alguma opinião mais técnica. Acho que o diferencial do conto é parecer que não tem a intenção de ser punk, como se escrevesse de forma despretensiosa (e com isso não quero, de forma alguma, desmerecer quaisquer dificuldades que tenha tido na composição do texto, acredite que isso é um elogio), só pela vontade de escrever mesmo, de dar vida a essas personagens. Ou talvez o conto tenha me fisgado por causa justamente das personagens que me conquistaram? Foram muitas sensações, adorei a criatividade e fico feliz de ter terminado a leitura com uma sensação de “quero mais”. Algumas coisas passaram na revisão, mas nada que não dê para consertar. Mais uma vez, obrigada!
7. O Catador Tunado (Tony Tunado): Nota 8
Amigo Tony,
Gostei do seu texto, achei muito bem escrito e fluido. Você conseguiu passar uma aura de que o Rio de Janeiro vai se modernizar, mas nunca vai mudar. Gostei.
Achei muito legal a forma como você “exagerou” a nossa realidade atual e deu a ela um ar futurista. Os spams, as campanhas contra isso, contra aquilo, pessoas pobres se ajudando (mesmo que seja com implantes mentais pirateados). Gostei da sua ideia para esse texto.
Contudo, fiquei um pouco em dúvida quanto ao final da sua história. Eu não entendi muito bem qual era o tal “problema” sobre o qual ele ainda não tinha falado com a vizinha. E essa frase aqui me deixou muito em dúvida: “Ele tremia e se esforçava em reprimir o excesso de nervosismo que o inundava daquela emulação de subconsciente.” As coisas que ele estava vivendo eram reais ou eram apenas o imaginário subconsciente dele criando situações a partir do implante de memória?
Talvez a sua ideia tenha sido essa mesma, de causar essa dúvida (mais ou menos como o final de Blade Runner), mas achei que atrapalhou um pouco o final do texto.
De qualquer forma, parabéns!
Olá, autor!
Antes de mais nada, esclareço que não levarei em conta a adequação ou não do conto ao tema proposto. Não me considero apta para tal.
Não encontrei lapsos de revisão no texto.
O autor parece saber muito bem o que está fazendo. Manipula palavras formando imagens bem consistentes e originais. Gostei do jogo de palavras, do chocrante principalmente.
Funcionou bem a mistura dos sonhos, das lembranças da filha ainda bebê, com a árida realidade enfrentada pelo Cleverson (o filho do esperto? rs). Adorei a vizinha de cabelo esverdeado, muito parceira e muambeira.
A narrativa flui sem entraves, mantendo um ritmo muito bom. A princípio, pensei que seria difícil acompanhar a trama, mas me surpreendi com a leveza da leitura.
Boa sorte!
Olá.
Parece que você captou bem a essência do cyberpunk, mostrando um futuro caótico, com muita tecnologia, mas contrastando com a pobreza dos cidadãos. É curioso observar que, apesar de todo acesso à internet e a suposta informação, boa parte do que é mostrado aos usuários são propagandas e futilidades; vemos aí um futuro onde a internet irá ocupar totalmente o espaço da TV, tanto para o bem quanto para o mal.
Boa sorte.
Olá! Dividi meus comentários em três tópicos principais: estrutura (ortografia, enredo), criatividade (tanto técnica, quanto temática) e carisma (identificação com o texto):
Estrutura: que leitura agradável… O conto foi bem revisado, não me lembro de nenhum detalhe de ortografia ter saltado aos olhos na leitura. Em relação à narrativa, fui lendo, lendo, cheguei ao fim e queria que não acabasse ali. A ambientação dentro do tema não deixou a desejar também. Se há um ponto que pode ser recriminado, é o diálogo: a tentativa de espelhar o coloquial conhecido, com gírias e tudo mais, em um momento futuro ficou meio superficial.
Criatividade: sem muito o que dizer aqui também. Quem escreveu demonstrou muita criatividade, principalmente nos nomes dos produtos e das propagandas, mas também na facilidade com que adaptou uma trama de cotidiano ao elemento Cyberpunk.
Carisma: como já disse acima, o conto me fisgou pelo tanto pelo lado do leitor leigo, quanto pelo do leitor mais crítico, só não terá uma nota máxima realmente pela questão dos diálogos.
Parabéns e boa sorte.
Esse lance de esfinge me lembra um conto do Oscar Wild (A esfinge sem segredo).
Então, muito bom o seu conto. Achei inteligente, rápido, focado no sentimentalismo mas sem ser piegas. Ri disso “eletro-chorinho”, e das falas da Maria do Socorro “um conhecido do IML fez negócio comigo por trezentos créditos e um iPhing Xing-Ling.”, “A gente zera ele, baixa o teu backup e você usa por um tempo,”, “tenho um antispam craqueado versão Enterprise que é o cão chupando manga”… Em minha opinião, o seu conto foi o que conseguiu unir tecnologia e cotidiano da forma mais coloquial, sabe? Há uma critica social aí, mas ela não é forçada, é irônica e passa bem o recado >>> éticas para eugenia e manipulações genéticas, a adoção de crianças por pessoas jurídicas, o uso de subliminares em todas as mídias desde que com selos de aviso, dentre outras bondades.
Gostei, curti, me diverti, refleti e fascinei com sua trama, universo e condução.
Inveja mata? Tomara que não.
Boa sorte no desafio.
Toma 10.
Boa tarde, querido(a) amigo(a) escritor(a)!
Primeiramente, parabéns pela participação no desafio e pelo esforço. Bom, vamos ao conto, né?
Gostei do seu conto! Foi bem legal e interessante!
Tem alguns conceitos que me agradaram bastante. Em especial, gostei da referência às feras das mídias sociais, no trecho “Pitbulls virtuais, mansos ovinos de carne e osso. Ele não era muito melhor que nenhum deles – refletiu.” Hahahah bem legal!
Mais uma vez, como já comentei em dois outros contos, senti um quê de black mirror. Teve alguma influencia, ou é impressão minha?
O ponto alto pra mim é o momento após a troca de chip (acho q deveria ser, mesmo, né?). Achei legal a forma como ele mudou de vida a partir do momento que “escapou da manipulação”, manja? Não sei se foi isso que você quis passar, ou se eu vi demais.
Enfim, belo conto, parabéns!
Oi, Tony.
Achei o conto bastante sólido e bem redondo. Percebe-se o cuidado em inserir determinadas situações para dar um acabamento a elas depois. A história acabou não me fisgando tanto. Acho que não criei muita empatia com Cleverson.
A estrutura está ótima. A projeção de um futuro tecnologicamente distante mas socialmente próxima também foi bem feita. A opção de fazer Cleverson superar seus problemas através de uma empatia embutida foi original e, por isso, merece alguns pontos.
A história,como disse, não me causou tanto impacto. O que não quer dizer que não esteja bem feita.
Enfim, um bom conto. Bastante seguro e claramente de alguém com experiência.
Duas bobeiras que passaram na revisão:
“configurar um firewall ‘estalando’ de novo”
creio que era instalando.
“tudo que Cleverson podia ‘do’ ver”
Faltou suprimir o “do”.
Parabens e boa sorte
O estilo da escrita truncou bastante a leitura, não consegui me prender a história. É um conto que mistura o cotidiano com o mundo dos sonhos, essa premissa é bem legal, no entanto, achei a construção confusa. Enfim, me desculpe, não gostei do conto. Boa sorte.
1) mini-apartamento.(miniapartamento) – 2) massaroca (maçaroca).
Sobre o conto, não consegui atentar a todos os detalhes de equipamentos no ano de 2038, não entendendo o seu real sentido e utilidades. Ele está bem estruturado, mas cansativo na leitura, devido a esse excesso de itens. Um bom sentimento no devolver a gentileza, mostrando solidariedade, apesar da sua necessidade, foi a mensagem que chamou mais a atenção. Nota 7,5..
Prezado autor de Tony Tunado, veja o que eu entendi:
PREMISSA: uma história com tempero nacional, para uma situação punk universal – o divórcio, alienação parental e o difícil recomeço.
DESENVOLVIMENTO: a história é muito fluída, e entrega as informações no ritmo ideal, sem cansar a leitura. Gostei muito das sacadas das intermissões de propaganda na consciência, dos créditos como moeda e do cotidiano do personagem.
RESULTADO: um dos textos mais desencantado do Desafio, mas que cumpre os requisitos, à sua maneira, de retratar uma história punk, com um fio de esperança.
Olá, como vai? Vamos ao conto! Finalmente um conto nitidamente cyberpunk. Não gostei das aspas no título. Não gosto de aspas usadas para marcar gírias, palavras estrangeiras ou ironia: elas não foram criadas pra isso, na minha opinião. Sua história pintou um retrato distópico cyberpunk muito convincente, no qual o progresso tecnológico, em vez de contribuir para a felicidade, tornou o ser humano ainda mais confuso do que ele é naturalmente. As descrições, no começo muito boa, foram ficando meio entediantes, até que surgiu a reviravolta surpreendente da fusão entre Cleverson e Mateus. Será que a memória implantada irá crescer até dominar Cleverson de modo que ele se torne 100% Mateus? Ou surgirá um híbrido intermediário entre os dois? Esses temas que dizem respeito à identidade/individualidade do ser humano são fascinantes, pra mim é um dos grandes temas da literatura especulativa, um tema que pode nos fascinar e aterrorizar ao mesmo tempo. E no conto isso foi, dentro dos limites impostos, muito bem desenvolvido, gostei bastante da história. Parabéns! O conto ficou muito bom, Desejo Boa Sorte!
O Catador “Tunado” (Tony Tunado)
Caro (a), Tony. (09)
Primeiramente, preciso admitir que eu ri com o trocadilho com o pseudônimo do autor.
Segundamente, adorei o punk carioca super-fofo!!
Os personagens são deliciosos, possuem camadas, vidas… Cleverson, o catador foi explorado de maneira sábia, mesmo sem entregar tudo de mão beijada para o leitor. O universo foi igualmente bem desenvolvido, e o melhor de tudo, sem parecer didático, as informações não foram cuspidas de qualquer jeito.
Ademais, o conto mescla muito bem o drama e o humor, aproveitando os diálogos para aproximar os personagens do leitor. Algumas passagens são ótimas, como essa, por exemplo; “propunham vários projetos de mudanças à Constituição: o fim das restrições éticas para eugenia e manipulações genéticas, a adoção de crianças por pessoas jurídicas, o uso de subliminares em todas as mídias desde que com selos de aviso, dentre outras bondades. Talvez seus executivos esperassem protestos nas ruas, mas ele não notou ninguém a protestar, salvo nas redes sociais, vlogs e fóruns, onde muitos se mostravam extremamente indignados.”
Que coisa linda ““O nome é uma carícia, a língua se delicia no curso da pronúncia, o mundo se torna melhor por ela existir” – o pensamento reverberou nos seus.”
Bem, não tenho nada a apontar. Por enquanto, o melhor conto do desafio.
Parabéns e boa sorte.
Olá!
Engraçado, eu imaginava outra coisa quando vi o título deste conto, embora não saiba exatamente o que. A experiência foi satisfatória.
O autor trabalhou bastante no detalhes sobre a tecnologia deste mundo, são especificações bem técnicas, mas que não cansam a leitura, isso é um ponto positivo. Geralmente ler sci-fi é complicado dependendo da linguagem. Aqui foi bem Ok.
Gostei de ser apresentada ao Cleverson, não consegui ter uma imagem muito nítida dele, porém. Uma hora achava ele um adulto comum, outras um idoso. A história tem uma pegada Black mirror, que o autor soube usar com propriedade, sem parecer uma cópia direta. As interferências do governo através do aparelho e dos sonhos mostra o lado Punk da situação. Gostaria de ter entendido mais sobre como a humanidade chegou nesse patamar, o que houve com a cabeça delas é etc, mas não te. Problema também deixar isso a cargo do leitor.
A história do catador é complicada e atual. Achei interessante usar um assunto como separação, e ficar longe da filha como um plano de fundo. Talvez eu tenha ficado meio aérea sobre esses sonhos que ele passou a ter depois da troca de aparelho. Ele Viu coisas futuras? Fiquei na dúvida nessa parte.
O final é aberto, e meio apressado. Como de uma hora pra outro tudo na vida dele iria começar a Dar certo. A auto estima e amor próprio ajudaram e tudo mais, mas o mundo ainda continua uma porcaria, não?
Bem, o conto agradou, não foi uma leitura que me empolgou, mas o trabalho aqui foi bem feito diante do desafio.
Quanto à adequação ao tema eu diria que está Ok.
Boa sorte, no desafio.
Texto de leitura difícil, talvez pelas palavras que inventas e a publicidade também não me pareceu muito feliz, percebi a intenção, mas não sei se acrescentou muito ao texto. Parece-me haver uma mistura de ficção e realidade que torna a leitura complicada. Penso que esta frase escapou à tua revisão, não? “Entretanto, tudo o que Cleverson podia do ver a partir do seu canto era um grupo…”
Olá Tony Tunado. (Bela sacada com o Tony Tornado.)
Adorei a ideia de um cyberpunk tupiniquim [sim, nós podemos fazer!]. Não lia um cyberpunk tão brasileiro desde “Santa Clara Poltergeist”. O autor(a) demonstrou intimidade com o assunto ou fingiu bem, o que é ainda melhor pois quando escrevemos ficção estamos mentindo. Os personagens são bem palpáveis e a tecnologia que invade as vidas corriqueiras é presente. Quanto a estória, bem… eu gostei bastante do início com a situação da filha e os motivos dela estar longe bem amarrados com o mundo, mas essa paixonite do personagem caiu de paraquedas e não me convenceu.
Um abraço!
–
“Você teria um minuto para falar de Philip K. Dick?”
[Eu estou indicando contos do mestre Philip K. Dick em todos os comentários.]
Para você, não vou indicar PKD mas o livro que citei no inicio, “Santa Clara Poltergeist”, do Fausto Fawcett. Uma FC brasileira com uns palavrões e umas maldades.
Excelente conto. Dentre os que li até agora, é o que melhor aproveita a atmosfera X-punk (aqui me parece cyber e bio), não a utilizando apenas como fator de ambientação, mas como elemento decisivo na trama. Aqui abordam-se os sonhos e as memórias, que me parecem estar umbilicalmente ligados. Nesse contexto, tanto um como outro podem advir de implantes, permitindo que se vivencie as lembranças de outras pessoas, seja enquanto se dorme, seja enquanto se está desperto. O interessante é ver como o protagonista Cleverson vai abandonando seus próprios anseios – o reencontro com a filha levada para Doha – ao passo em que adquire os desejos do velhinho, no caso a paixão quase-platônica pela garota da floricultura. Memórias que se substituem não são exatamente novidade na literatura, mas aqui o argumento foi utilizado com criatividade, destacando-se nesse aspecto o “aluguel” e espaços oníricos para propagandas. A isso some-se uma invejável percepção para metáforas – “cara de camelô que viu o rapa” – e um linguajar natural, engraçado, tudo compondo uma narrativa atraente e bem escrita. Confesso que ainda faltam diversos contos para ler, mas acho difícil que algum ultrapasse as qualidades deste aqui. Emoção, perícia e criatividade na dose certa! Parabéns!
Olá, Tony,
Tudo bem?
Seu conto prova que uma boa história vai além de estilos ou nomenclaturas.
Gostei muito da trama, da construção do enredo e da realidade que você criou, com distopias e conflitos sociais bem presentes.
Seu personagem protagonista causa uma grande empatia no leitor, assim como sua vizinha Socorro.
Parabéns pelo belo trabalho que desenvolveu.
Boa sorte no desafio.
Beijos
Paula Giannini
Apesar de localizada no não muito distante ano de 2038, a trama desse conto nos coloca algumas questões pertinentes ao hoje e outras pertencentes ao sempre. No primeiro caso, temos o peso da publicidade num coletivo social midiatizado e a fuga ao real (“deitados em cadeiras interativas, com soluções espetadas nas veias e fraldas-sondas para recolher seus dejetos, vivendo personagens em Realidade Virtual por horas que lhes pareceriam vidas inteiras”) ; no segundo, a solidão humana. Isso, aliado à boa execução do construto ficcional, faz do conto um exemplo interessante do quão política uma narrativa ficcional necessariamente é, embora isso possa ocorrer em diferentes níveis de explicitude, e até mesmo parecer inexistir, como nos contos de fadas. Em “O catador tunado”, a depender do leitor, a camada política salta aos olhos.
Os “reclames” praticamente não existem mais, no sentido daquela publicidade mais “ingênua”, pouco além de um cartaz e algum texto. Hoje o processo midiático nos abraça, “amigável” tamanduá, e, mais do que nos induzir a comprar isso ou aquilo, nos introjeta comportamentos. E a tendência é o acirramento dessa intromissão, porquanto a tecnologia da informação avança e sem dúvida avançará ainda mais. Se observarmos bem, nesse aspecto (e em outros) o mundo atual é punk e pode levar-nos a um esmorecimento no dia a dia.
É o que se vê nesse texto, com os sucessivos anúncios publicitários surgindo na mente do protagonista, visando a tangê-lo. Não é apenas uma questão de comprar qualquer produto que seja, e sim estabelecer no personagem um comportamento consumista. No conto nós temos um personagem entristecido, o que pode ser resultado desse processo de empobrecimento do sujeito, ainda que tenha reais motivos para sentir-se triste e ter sonhos frequentes relativos a eles. Apesar disso, ele consegue não cair num abismo absoluto, e por dois motivos, entendo eu: primeiramente, resiste à interferência eletrônica em sua vida, ao tentar não tirar os pés do chão (“Entretanto, tudo o que Cleverson podia […] ver a partir do seu canto era um grupo de gente malnutrida e excessivamente pálida, incapaz de lidar com a maioria dos desafios reais”); em segundo lugar, ele consegue, talvez em função do primeiro motivo, desenvolver afeto, seja em relação à filha, sua “saudade amorfa”, seja quanto à sua colega “muambeira-falsária de cabelos esverdeados” ou, ainda, relativamente à vendedora da floricultura.
Assim sendo, ele não perde sua humanidade, e um dos mais evidentes índices desse fato está no fato de que ele “despertava às vezes cantando canções completamente desconhecidas […]”, como “Chão de estrelas” (“A porta do barraco era sem trinco / Mas a lua furando nosso zinco / Salpicava de estrelas nosso chão”), em que pese tais músicas serem efeito colateral do implante, que apresentou defeito. Portanto, a falha tecnológica ajuda o personagem a não perder sua humanidade.
A personagem Maria do Socorro merece destaque, a começar pelo nome, pois de fato ela o auxilia, de certo modo impedindo o aumento da alienação do protagonista. Na verdade, a ajuda é mútua, bem como a demonstração de carinho, conforme podemos perceber em “me dá um abraço e um beijo, e é o que basta. Se os pobres não se ajudam, meu filho, quem é que vai ajudar? O governo? O Instituto Melinda Gates?”.
É relevante o tratamento dado pelo(a) autor(a) à Socorro, do ponto de vista linguístico. Expressões como “Ai, meu Padim Padre Ciço!”, “diacho”, “véi”, “pereba” e “seu coiso” pertencem ao universo da personagem, por isso sua utilização nada tem que possa afetar a qualidade literária do texto. E diferente do que ocorre no conto “O odu de Marte”, no qual o termo gírio foi utilizado noutro planeta e numa época presumivelmente muito adiante da atual, caindo na inverossimilhança, nesse conto a distância para os dias de hoje é de pouco mais de vinte anos, decurso temporal insuficiente para que a maioria das expressões citadas morra. Porém, a relevância do uso do coloquial e do regional vai além da preocupação com o verossímil: eles ajudam muito a humanizar a personagem, que ajuda ao protagonista não se desumanizar.
Encontrei quase nada de escorregões gramaticais. Citarei dois casos: em “conquanto que seus níveis de crédito permanecessem no azul” a conjunção CONQUANTO não admite QUE. Deveria estar grafado CONQUANTO SEUS NÍVEIS […]; em “não, as coisas ainda estavam longe de serem resolvidas, contudo, era um começo, enfim”, deveria haver um ponto após RESOLVIDAS.
Coesão textual: erros mínimos, pouco prejudiciais.
Coerência narrativa: os núcleos estão bem amarrados.
Personagens: muito bons, o protagonista e Maria do Socorro se completam, lutam contra a desumanização.
Enredo: muito bom, principalmente pelos aspectos abordados por meio da trama.
Linguagem: perfeitamente apropriada às intenções narrativas.
Mais uma realidade alterada pela tecnologia, sem, entretanto, modificar o modus vivendi na estrutura social.
Conto realista de problemas normais enfeitado por apetrechos novos, quase uma visão do futuro.
Boa narrativa.
GERAL
Gostei muito desse conto. A história é interessante e foge do comum, os personagens também são cativantes. Além do regionalismo e exagero, que gosto muito num texto, trabalhou o lado do onírico, que é meu principal material de estudo (e criação). E o desenrolar me fez pensar sobre como o sonho poderá ser visto no futuro, com a realidade virtual avançada e implantes de memória. Como o próprio personagem faz, ele altera seu inconsciente para a projeção de imagens escolhidas. Quase que como um sonho lúcido, mas programado. Algo que não considero difícil de acontecer, tendo em vista que passamos quase um terço da vida dormindo, um tempo precioso para o capitalismo. E como colocou, um tempo em que as pessoas poderiam ainda visualizar comerciais e impulsionar o consumismo. Mas acho que traria prejuízos… se o sonho é uma maneira de “aliviar” o stress diário, o que repreendemos no dia a dia, imagina se privar isso?
O X DA QUESTÃO
O sonho, as memórias, os chipes. Tudo bastante dentro do(s) tema(s) do desafio, o humor e o regionalismo deram um charme à parte, tirando o conto da zona de conforto. Tudo é bem exagerado e redondinho, um ótimo conto. Viajei muito com a coisa do sonho, mas confesso que dei uma perdida no final\ looping\ deja vu\ clone\ erro na matrix.
Belo conto, o melhor até aqui: tem uma escrita rica, e personagens muito bem construídos, especialmente Socorro. Os diálogos convencem. Outro conto que enveredou mais pelo pós-cyberpunk, com um enfoque diferenciado, ao tratar das mudança que as memórias provocaram no protagonista, fazendo-o ver a vida com outros olhos. Só a questão da filha me pareceu mal-resolvida, como se o conto fosse parte de uma narrativa maior, com no mínimo uma segunda parte,mas isso não é um demérito. Gostei mesmo!
Oi Tony, eu realmente gostei do seu conto!!! No começo achei as partes tecnológicas um pouco difíceis de visualizar, mas foi engrenando, os personagens ficaram muito humanos, eu gostei logo deles. A parte em que ele sonha com as lembranças do “seu” Mateus é maravilhosa… eu gostei muito de ler seu conto. Parabéns!!!!!
Olá! Eu achei este conto meigo, apesar de todo o universo FC que eu antipatizo, vc conseguiu me conectar ao protagonista e ainda terminou romântico… show! hehehe
Que bagunça isso dele com o velho apaixonado, nem sei falar sobre estas paradas científicas, mas como disse, o resultado foi sutil e delicado. gostei muito!
parabéns!
Tema: Não houve nenhuma revolta contra o sistema, nenhuma caça pelas autoridades, nem embate algum. O autor colocou o mundo tecnológico e a low life. Pelo enredo que depois comentarei, penso que faltou punk. Ficou um cenário sem uma ação punk nele.
Pontos fortes: A ambientação: os detalhes , os nomes dos aparelhos, o modo como o narrador fala deles com bastante naturalidade, como se realmente existissem naquele mundo. A mistura de tecnologia e “Brasilidade”, tais como a fala coloquial da ‘nordestina’ e a descrição da moradia dos personagens.
Pontos fracos: Não houve uma ação punk, não houve um enredo em si, mas sim, cenas cotidianas aleatórias sem rumo e sem objetivo, a não ser mostrar como era a vida do personagem no mundo que o autor criou. A perca da filha parecia ser o mote da história, que descambou para cenas imensas falando de nomes de aparelhos e conversas com a vizinha. Não há um rumo, um roteiro, e o personagem vai para todos os lados sem objetivos. Surgem diversas histórias paralelas no conto, e nenhuma delas parece ser a principal: a perca da filha, o problema com o aparelho na cabeça dele, depois o problema de dinheiro da vizinha, depois essa memoria alheia que ele vê, os homens imersos na realidade virtual e etc. Várias cenas aleatórias são descritas, mudando para a seguinte, e não chegando a lugar nenhum.
Ótima estrutura textual, bem definida, concisa, sem embromação.
Tema de primeira, trabalhando com o que seria, em outros textos, personagens terciárias, você voltou o olhar para quem nunca foi visto, isso foi sublime.
As personagens são uma graça a parte: a catador, a vizinha nordestina são inesquecíveis e fortes.
A trama é espetacular, a busca pela filha e o aparelho que o faz ter os sonhos de outrem é uma sacada brilhante.
O fim não poderia ser melhor, como se acabasse sendo uma história dentro da outra.
Um conto do cotidiano bem brasileiro, mas com um vocabulário personalíssimo e personagens muito punk. Há ousadia no domínio da técnica e do suspense. O título é provocador e o final revelador. Só não ganhou um 10 porque enrolou muito pelo meio, viajou além da conta; mas não tive coragem de tirar mais pontos por isso. A trama se passa em um futuro próximo de forma bem plausível e assustadora. Contaço.
QUERO MAIS!
Que conto gostoso de ler! Você tem o dom da escrita. Isso fica óbvio na forma natural que o texto se desenrola. A leitura é quase preguiçosa; não pede esforço nenhum. As palavras se encaixam muito bem, os cenários são perfeitamente descritos e trabalhados. E os personagens! Todos eles têm profundidade, desde Cleverson ao “seu” Mateus. A forma como você trabalhou a angústia de Mateus por causa da situação com a sua filha foi muito impactante, assim como você narrou o vislumbre de Mateus por Larissa, desde o que ele pensava até o que sentia. Até Socorro tem apelo emocional. Incrível!
As mensagens subliminares dos implantes são ideias incríveis. A burocracia para apagar memórias e o fato de suas memórias estarem na “nuvem” reforça bastante todo aquele medo que já temos hoje de não termos privacidade alguma e de o governo estar controlando a todos nós.
São muitos os detalhes que impressionam. Que imaginação! Os chineses espalhados por todos os lugares são um pensamento interessante, já que isso é cogitado há algum tempo. Inclusive, me lembra de Blade Runner. O conto também lembra, é claro, “A Origem”, mas de uma forma vaga. Por fim, o fato de Cleverson sentir tudo o que Mateus sente me lembra, novamente, de Blade Runner e até de Neuromancer.
Cara, que conto foda. Você está de parabéns. Melhor conto que li aqui por enquanto, e uma nota dez com certeza.
Uma anotação:
=> “Entretanto, tudo o que Cleverson podia do ver a partir do seu canto era um grupo de…” – Tem um “do” perdido ali antes de “ver”.
Por fim, o parágrafo que mais me impressionou. Brilhante!
“A vozinha de anjo desceu espessa por seus ouvidos, acarinhando, fazendo cócegas. Ele estremeceu, quase paralisado: a boca era um deserto, o ar-condicionado deixava tudo muito frio, um frio insuportável: o retorno da Era Glacial.”
Cara, perfeito! Punk e sentimental. Gosto disso. Bravo!
Gostei do conto. Além das características futuristas e tecnológicas, você conseguiu inserir dramas cotidianos, ilustrados aqui como a vida de um catador e a questão da paternidade que não pode ser exercida. Essas características são o diferencial do conto, pois dão humanidade a ele.
Já no lado tecnológico, ficou bacana também, mas infelizmente para mim soou incompleto. Explico: a cena onde o catador vivencia a realidade do senhor Mateus, é uma das melhores partes do conto, e ali o leitor aposta que a cena terá uma importância maior para o conto, talvez uma virada de mesa na trama. No entanto, chega o fim e descobrimos que serviu apenas para dar um par romântico ao rapaz (se tem mais importância na história do que isso, então eu não li direito). Frustrou um pouco.
Mas no geral é um conto bem escrito e de boa de ler.
Apenas depois de buscar o sentido de “tunado” (Distúrbio de esquisitos, que não gostam de modelos concebidos originalmente, adaptando-os ao seu próprio, digamos assim, “estilo”; personalizado.) e de reler o conto consegui entender. Gostei muito, bem escrito, mas com excesso de invenções tecnológicas e linguísticas que, em parte, travaram a LEITURA. É uma TRAMA inteligente e bem desenvolvida, porém, em meio à tantas inovações, pareceu- me que permaneceu igual o comportamento humano, o marketing, as redes sociais, a rixa com os muçulmanos e até certo preconceito contra a imigração nordestina. Os diálogos soaram meio artificiais. No geral, é um texto muito bom, parabéns pela criatividade. Abraços.
Um cyberpunk com críveis personagens marginalizados no Brasil. A linguagem frenética dos anúncios que invadem até sonhos, me lembrou um volume do Transmetropolitan. A tecnicidade dos diálogos de pessoas tão simples ao falar sobre implantes, ficou um pouco exagerada. Pena que o final não teve uma conclusão.
Esse é o texto que empregou a melhor técnica até aqui e acredito que será um dos melhores até o final. A narrativa é deliciosa de se acompanhar, tanto ambientação, diálogos, piadas.
O conceito cyberpunk de implantes num futuro “sujo” foi abordado de modo muito criativo, outro ponto positivo.
Com essa qualidade, eu poderia ficar lendo muitas das “crônicas do catador tunado”, sem enjoar. O problema é que não achei que tudo isso funcionou muito bem como um conto. Teve o lance de pagar o advogado, a filha perdida e tal (e até pensei que a trama se concentraria mais nisso), mas os outros assuntos acabaram dispersando e não houve um fio condutor forte o suficiente para prender a atenção no enredo. No caso, a atenção foi prendida bem mais pela técnica (o que não é ruim, mas não atingiu aquele equilíbrio ideal, saca?).
Chatices que a avaliação do desafio me obriga a dizer de lado, foi uma ótima leitura.
NOTA: 8,5
Gênero – Good
Um cenário composto por uma infinidade de sutilidades. São pequenos trechos como os da propaganda, os diálogos com suas informações malucas, que mostram ao leitor o tipo do mundo no qual a história se desenrola.
Narrativa – Outstanding
Sem dúvidas, o texto mais bem escrito até aqui. O autor tem uma consciência literária fascinante, faz uso preciso de figuras de linguagem, brinca com as palavras, insere trechos inteligentes, quebrando a linearidade do texto sem prejudicá-lo e tudo com maestria.
Personagens – Good
Cleverson, sobretudo, é muito interessante, com seus dramas pessoais e sua forma de ver o mundo. Ele não é sobrehumano, mas tampouco completamente submisso a um destino inevitável, e isso concede a ele uma humanidade ímpar.
Trama – Good
Muito simples, mas com uma decência singular. São pequenas coisas que fazem a diferença aqui: a relação de Cleverson com a família e com Socorro, o estado do mundo, a paixão maluca impulsionada pelo implante, etc.
Balanceamento – Very Good
Um texto ousado, que expõe as qualidades literárias do autor, sobretudo no trato com a forma.
Resultado Final – Good
TREM (Temática, Reação, Estrutura, Maneirismos)
T: Uma história bastante singela, agradável e pé no chão. Um futuro possível, com muitos ares de cyberpunk escondido entre as nuances do cotidiano. Foi o que mais gostei até aqui. – 9,0
R: Texto enxuto, simples, focado no dia a dia. Tem bastante periferia e tecnologia, bem como o cenário pede. Parecem coisas destoantes, e aqui, isso foi bem representado. A história cativa pelo seu lado emocional, e ganha pontos por focar no lado otimista e não partir para um dramalhão mexicano. – 9,0
E: Está bem dividido, simples de ser entendido. Há um final em aberto; mas condiz com o que foi apresentado antes. Apenas as partes dos sonhos deveriam ter uma divisão mais específica, pois senti uma certa confusão próximo ao fim. – 8,5
M: A escrita flui de maneira suave, sem problemas. Há passagens bastante poéticas, mesmo que não propriamente ditas. Não existem grandes construções, mas também atinge o objetivo sem precisar de muito esforço. – 8,5
[8,8]
Muito legal a maneira de misturar as coisas, gostei muito mesmo. A humanidade com seus problemas vivendo num mundo com recursos técnicos superiores ( não para todos, claro).
Um recorte da vida de alguém normal, com problemas normais e cercado por novas invenções.
Imaginem, propaganda nos sonhos ? rsrsrs
É isso.
Muito bem escrito, envolvente, mas cadê a história propriamente dita? Apreciei bastante os detalhes tecnológicos misturados ao cotidiano comum, mas não aconteceu nada, não houve clímax, anti-clímax e muito menos resolução. É isso.
Oi, Tony Tunado,
Eu gostei do seu conto. Imaginei ele tentando se conter de saudade da filha. É uma história bacana e tem um personagem que conquista. Posso dizer também que gostei muito dos diálogos que ele teve com a vizinha. Eu me senti naquele mundo e não me pareceu nem um pouco falso. Então, isso é muito bom. Também amei a maneira como mostrou tudo, desde as emoções até o cenário. E o final, uma esperança. Acho que o conto está bem bacana.
Parabéns ao autor.