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Detox Literário.

Consultoria e Astrologia – Crônica (Juliana Calafange)

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Os taxistas do Rio são umas figuras, todo mundo sabe. Gostam de bater papo e simulam intimidade como ninguém, em menos de 5 minutos se está amigo de qualquer um deles. Dia desses peguei um táxi em Copacabana com destino a Botafogo. Estava saindo de um exame cardíaco, cujo resultado não tinha sido bom e eu estava meio deprimido. Os meus problemas de saúde martelavam minha cabeça e faziam pensar também na minha mãe, que mora comigo e está começando a sofrer os primeiros sintomas do Alzheimer. Tudo isso se misturava, me enjoava, e eu já não sabia como ia encarar a reunião que tinha pela frente, dali a poucos minutos.

Assim que entrei no táxi disse ao motorista qual era o destino e, antes mesmo que ele desse a partida no carro, me perguntou se eu estava bem. Ele não perguntou se eu estava me sentindo bem. Perguntou apenas:

– Está tudo bem com você?

Não sei dizer exatamente porque a pergunta fez com que algumas lágrimas quisessem sair pelos olhos. Respirei fundo e respondi:

– Tudo bem.

– Esse tudo bem não foi muito bom…

– Tudo bem, sim, só umas preocupações.

Eu dei a deixa, ele deu a partida no carro e prosseguiu:

– Preocupações com o que? Fala pra mim.

Nessa hora, vi um crucifixo pendurado no espelho retrovisor do motorista e pensei, agora fudeu, ele vai querer me catequizar até chegar em Botafogo… Vai ficar falando de Jesus e tal… Acabei respondendo:

– Nada não, umas preocupações com o trabalho… em casa também…

– Ah, meu amigo, você tem cara de ser um sujeito tão bacana. Não deixa as preocupações te atropelarem não…

Lá vem o espírito de intimidade com os clientes, pensei. Mas de certa forma me comovi com o fato de ter cara de sujeito bacana, sabe como é, eu tava meio carente naquele dia. Ele continuou:

– Preocupação no trabalho e em casa todo mundo tem. Minha mulher, sabe, ela é bipolar.

Lembrei de um tio, diagnosticado há anos como bipolar, que vivia penando entre crises de euforia e depressão, uma doença muito triste. Me solidarizei:

– É duro conviver com um bipolar, né?

– É dureza! Ela é totalmente bipolar, meu amigo, numa hora ela diz uma coisa, noutra hora diz outra, eu nunca sei o que ela quer, parece duas personalidades!

Que tolice, ele não estava se referindo a nenhum diagnostico psiquiátrico, estava se referindo à personalidade insegura e autoritária da esposa.

– Sabe o que eu faço com as preocupações? Eu deixo andar, que sigam seu caminho sozinhas! Qual é o seu signo?

– Peixes.

– Eu também sou de peixes! De que dia você é?

– 21 de fevereiro.

– Eu também, que coincidência!!! Peixes é terrível, a gente sofre demais! É muita emoção, muita tentação, peixes nadam em águas muito profundas…

Nessa altura, eu já não sabia mais se o homem era cristão, astrólogo ou filósofo. Mas me identifiquei quando disse que a família dele vinha do nordeste, assim como a minha. Já estávamos chegando ao meu destino e o papo transcorria sobre as dificuldades enfrentadas pelos piscianos e pelos nordestinos ao longo da vida. Aproveitei o papo e falei sobre a doença de mamãe, que era doloroso pra mim vê-la perder sua capacidade mental assim. Ele também se solidarizou comigo, me contando que o pai dele teve a mesma doença. Aí eu acabei falando do meu exame cardíaco, que precisava parar de fumar e que eu tinha medo de morrer, e ele me aconselhou fortemente a fazer uma analise do meu mapa astral, que isso certamente ia me ajudar a resolver todos os problemas que eu estava passando.

Finalmente chegamos em Botafogo. Eu me sentia bem melhor depois do papo com meu novo amigo. Já estava seguro para encarar a reunião. Quando ia descendo do táxi, o motorista me entregou um cartão. Estava escrito: “Rosa Maria Albuquerque – Consultoria e Astrologia”. Ele disse, enquanto eu ia fechando a porta:

– Sabe quem é essa aí? É minha mulher!

E foi embora no seu táxi amarelo. Olhei para o cartão achando graça, na verdade deveria constar: bipolar e astróloga! Virei o cartão para olhar o verso e tinha algo escrito. Era um cartão personalizado: “PISCIANO – Conselhos levianos é a última coisa que você precisa no momento. Nasceu no signo de peixes para honrar a profundidade, mesmo que essa dimensão o afaste das pessoas que realmente interessam. Cumpra seu destino, nada mais”.

2 comentários em “Consultoria e Astrologia – Crônica (Juliana Calafange)

  1. Fabio Baptista
    29 de novembro de 2015
    Avatar de Fabio Baptista

    Fala, João! Muito boa a crônica, cara.

    Um pouco triste (devido às doenças citadas), humana e divertida.
    Taxistas do Rio são “lendários” (para o bem e para o mal).

    Abraço!

    • João Kruger
      3 de dezembro de 2015
      Avatar de João Kruger

      Valeu, Fabio! Obrigado pelo seu comentário. Eu gosto muito de conversar com taxistas. Se fosse um deles escreveria um livro só com as histórias q eles devem ouvir. Abraço!

E Então? O que achou?

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Publicado às 23 de novembro de 2015 por em Crônicas e marcado .