Os taxistas do Rio são umas figuras, todo mundo sabe. Gostam de bater papo e simulam intimidade como ninguém, em menos de 5 minutos se está amigo de qualquer um deles. Dia desses peguei um táxi em Copacabana com destino a Botafogo. Estava saindo de um exame cardíaco, cujo resultado não tinha sido bom e eu estava meio deprimido. Os meus problemas de saúde martelavam minha cabeça e faziam pensar também na minha mãe, que mora comigo e está começando a sofrer os primeiros sintomas do Alzheimer. Tudo isso se misturava, me enjoava, e eu já não sabia como ia encarar a reunião que tinha pela frente, dali a poucos minutos.
Assim que entrei no táxi disse ao motorista qual era o destino e, antes mesmo que ele desse a partida no carro, me perguntou se eu estava bem. Ele não perguntou se eu estava me sentindo bem. Perguntou apenas:
– Está tudo bem com você?
Não sei dizer exatamente porque a pergunta fez com que algumas lágrimas quisessem sair pelos olhos. Respirei fundo e respondi:
– Tudo bem.
– Esse tudo bem não foi muito bom…
– Tudo bem, sim, só umas preocupações.
Eu dei a deixa, ele deu a partida no carro e prosseguiu:
– Preocupações com o que? Fala pra mim.
Nessa hora, vi um crucifixo pendurado no espelho retrovisor do motorista e pensei, agora fudeu, ele vai querer me catequizar até chegar em Botafogo… Vai ficar falando de Jesus e tal… Acabei respondendo:
– Nada não, umas preocupações com o trabalho… em casa também…
– Ah, meu amigo, você tem cara de ser um sujeito tão bacana. Não deixa as preocupações te atropelarem não…
Lá vem o espírito de intimidade com os clientes, pensei. Mas de certa forma me comovi com o fato de ter cara de sujeito bacana, sabe como é, eu tava meio carente naquele dia. Ele continuou:
– Preocupação no trabalho e em casa todo mundo tem. Minha mulher, sabe, ela é bipolar.
Lembrei de um tio, diagnosticado há anos como bipolar, que vivia penando entre crises de euforia e depressão, uma doença muito triste. Me solidarizei:
– É duro conviver com um bipolar, né?
– É dureza! Ela é totalmente bipolar, meu amigo, numa hora ela diz uma coisa, noutra hora diz outra, eu nunca sei o que ela quer, parece duas personalidades!
Que tolice, ele não estava se referindo a nenhum diagnostico psiquiátrico, estava se referindo à personalidade insegura e autoritária da esposa.
– Sabe o que eu faço com as preocupações? Eu deixo andar, que sigam seu caminho sozinhas! Qual é o seu signo?
– Peixes.
– Eu também sou de peixes! De que dia você é?
– 21 de fevereiro.
– Eu também, que coincidência!!! Peixes é terrível, a gente sofre demais! É muita emoção, muita tentação, peixes nadam em águas muito profundas…
Nessa altura, eu já não sabia mais se o homem era cristão, astrólogo ou filósofo. Mas me identifiquei quando disse que a família dele vinha do nordeste, assim como a minha. Já estávamos chegando ao meu destino e o papo transcorria sobre as dificuldades enfrentadas pelos piscianos e pelos nordestinos ao longo da vida. Aproveitei o papo e falei sobre a doença de mamãe, que era doloroso pra mim vê-la perder sua capacidade mental assim. Ele também se solidarizou comigo, me contando que o pai dele teve a mesma doença. Aí eu acabei falando do meu exame cardíaco, que precisava parar de fumar e que eu tinha medo de morrer, e ele me aconselhou fortemente a fazer uma analise do meu mapa astral, que isso certamente ia me ajudar a resolver todos os problemas que eu estava passando.
Finalmente chegamos em Botafogo. Eu me sentia bem melhor depois do papo com meu novo amigo. Já estava seguro para encarar a reunião. Quando ia descendo do táxi, o motorista me entregou um cartão. Estava escrito: “Rosa Maria Albuquerque – Consultoria e Astrologia”. Ele disse, enquanto eu ia fechando a porta:
– Sabe quem é essa aí? É minha mulher!
E foi embora no seu táxi amarelo. Olhei para o cartão achando graça, na verdade deveria constar: bipolar e astróloga! Virei o cartão para olhar o verso e tinha algo escrito. Era um cartão personalizado: “PISCIANO – Conselhos levianos é a última coisa que você precisa no momento. Nasceu no signo de peixes para honrar a profundidade, mesmo que essa dimensão o afaste das pessoas que realmente interessam. Cumpra seu destino, nada mais”.
Fala, João! Muito boa a crônica, cara.
Um pouco triste (devido às doenças citadas), humana e divertida.
Taxistas do Rio são “lendários” (para o bem e para o mal).
Abraço!
Valeu, Fabio! Obrigado pelo seu comentário. Eu gosto muito de conversar com taxistas. Se fosse um deles escreveria um livro só com as histórias q eles devem ouvir. Abraço!