Certo dia do ano de 2013, alguém me disse; O senhor tem Síndrome de Asperger.
Para saber o que era, procurei na internet e quando li o artigo, percebi que as características definiam perfeitamente a minha personalidade, o meu modo de ser, de pensar e ver o mundo.
Depois de 68 anos vim a descobrir que tenho SA. Essa descoberta me levou a me conhecer plenamente, pois até então, eu me considerava um alienígena, um estranho num planeta estranho.
A Síndrome de Asperger é caracterizado por:
– Interesse específico e restrito com um tema.
– Rituais ou comportamentos repetitivos.
– Peculiaridade na fala e na linguagem.
– Padrões de pensamento lógico/técnico e extensivo.
– Problemas de comunicação.
– QI verbal significativamente mais elevado do que o não verbal.
– Às vezes pessoas com SA podem ser consideradas rudes, frias nos seus comportamentos, mas na verdade é só o seu modo de tentar reagir ou entender ações.
Desde criança fui tímido, retraído. Tinha medo, vergonha de conversar com as pessoas mesmo as conhecidas. Algumas vezes não conseguia brincar com os amigos. Ficava de fora por que eles não me entendiam, ou eu que não os entendia. No colégio também foi difícil, ficava apavorado quando a professora mandava ler um texto em voz alta, ou escrever no quadro-negro.
A tensão foi tanta que um dia me recusei a ir ao colégio. Para me obrigar a ir, minha mãe puxou minha orelha com tanta força que rasgou o lóbulo. Mas, ela se arrependeu e entendendo que havia alguma coisa de errado comigo, não insistiu. Ela me levou a um psiquiatra, mas naquele tempo os estudos e os resultados deles feito pelo pediatra Hans Asperger em 1944, ainda não eram conhecidos no Brasil.
Aos 9 anos passei a estudar em casa, sozinho. Li todo tipo de livros. Aos 15 anos já tinha uma pequena biblioteca com livros técnicos, didáticos, científicos, ficção policial, ficção científica e 65 gibis. Tudo que sei aprendi sozinho, aliás, minhas irmãs e meus pais também me ensinaram, principalmente a cultivar as boas virtudes.
Para conseguir emprego também foi difícil. Meus 2 irmãos mais velho é quem arranjavam emprego nas empresas onde trabalhavam, quando abria uma vaga para ajudante. Devido a timidez, tive apenas duas namoradas, uma aos 25 anos e a outra aos 35 que foi minha esposa e que veio a falecer em 2009.
Agora, com 70 anos, não tenho tanto medo como antigamente, mas continuo retraído e com dificuldades na vida social. Antigamente eu não sabia, ou não entendia que nesse mundo nem tudo é lógico, nem tudo é o que parece ser, principalmente as pessoas. Às vezes, na adolescência, eu até pensava que eu era de outro planeta, por que esse, eu não entendia. Mas, a vida é assim mesmo. É normal ser diferente.
A melhor maneira que encontrei para me comunicar, foi escrevendo contos, poesias, crônicas, artigos e tudo mais que eu possa escrever, criar, expor meus sentimentos, o mundo da fantasia e a minha visão do mundo externo.
Que alívio que você conseguiu um diagnóstico definitivo. Eu ainda não consegui o meu, mas continuo escrevendo. Parabéns pela corajosa crônica.
Olá, Antonio!
Gostei demais. O título casou bem com a crônica, e a forma como você descreveu foi incrível. Muito bom mesmo.
É tocante e triste, viver em um mundo em que você sente não pertencer.
Parabéns!
Muito bom. Parabéns pela produção. Jogou bem com o título e com o texto, que flui facilmente. 🙂
Interessante a sua crônica,principalmente para mim, pois há alguns anos revisei um TCC de psicologia que tratava da Síndrome de Asperger (lê-se Asperguer). Lembro que na ocasião fiquei bem curiosa com o tema e li o livro O Estranho Caso do Cachorro Morto – de Mark Haddon, citado na monografia. Pouca gente conhece a síndrome de Asperger, pois há uma tendência de rotular todos como autistas e pronto. Seu depoimento/crônica foi sensível e conseguiu transmitir a ideia do que é se sentir um alienígena neste mundo dos ditos “normais”. Parabéns.
Reflexivo e bem profundo. Tem pequenas coisinhas para arrumar, mas não estraga a experiência. O autor consegue transmitir empatia imediata. Parece conter muita verdade nas entrelinhas. O uso da melancolia, aliada ao jogo de palavras, foi certeiro.
Caramba, Antonio… definitivamente eu não esperava ler algo desse tipo quando vi o título da crônica.
Muito bom.
Acho que todos nós acabamos subindo nesse barco da literatura para extravasar uma certa incompatibilidade com o mundo, uma diferença, um incômodo que grita em nossas almas e só se cala quando as palavras começam a preencher o branco da folha.
Meus parabéns pelo texto/depoimento.
Abraço!