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Detox Literário.

Meu Gênesis (Anorkinda Neide)

meu genesis

Pela mão do anjo, eu vim aninhar-me e formar-me num fluxo criador. Moldar um corpo material, desde suas primeiras células, união feminino/masculino, gametas do amor.

Tudo em muito parecido com a nuvem de prazer onde eu vivia antes, fluxos de sentimentos por mim passavam como brisas e encantamento. Quis ali fazer o meu céu a criar meu mundo e minha forma num êxtase divino.

Mas a verdade de um mundo material logo achegou-se em meu paraíso… Senti os primeiros tremores do medo a balançar-me o fluido amniótico, era minha mãe a temer.

Senti suas lágrimas numa acidez que me ardia o corpo e percebi a nossa união e do quanto dela eu dependia.

Juntamente com minha formação, eu ocupava-me agora das emoções que às vezes me divertiam e movimentavam minhas águas mas por outras me assustavam o porvir.

 

Das leis desta terceira dimensão eu conhecia teorias, mas nunca as tinha vivenciado na carne, no fluido dos sentimentos…

Da consequência de um ato de violência ou de um falso amor, eu também não tinha parâmetros para me guiar, meu pequeno paraíso podia se transformar em inferno a qualquer momento… Era a informação que eu recebia no pulsar descompassado do coração de minha mãe, nas vezes em que ela sentia-se ameaçada. E eu nem sabia porquê!

Nestas ocasiões eu sentia muita vontade de sair e conhecer o que havia lá fora que a assustava, a atormentava e aterrrorizava minha vida em formação. Mas não havia o que fazer, eu não estava pronta. Não era hora para uma revolução no desenrolar de minha gênese.

 

Foi preciso mesmo esperar pela maturação da carne. E minha mãe sempre a comunicar-me suas emoções, eu a estudava… Após os momentos em que o medo me atingia, eu observei que ela vagarosamente acalmava-se ao conversar baixinho e sensações amáveis me invadiam também. Com quem ela conversava? Eu não sabia. Mas esta paz me trazia lembranças de onde eu vim, às vezes eu quase sentia a mão daquele anjo que me guiou até aqui.

Aprendi que mesmo na matéria, meu amigo estará comigo, afastará o perigo. Ele me ensinará a lidar com as pessoas. Será preciso apenas com ele conversar, minha mãe o demonstrou. Ah… Senti-me encorajada, vida nova, aqui estou!

9 comentários em “Meu Gênesis (Anorkinda Neide)

  1. Neusa Maria Fontolan
    5 de maio de 2015

    Muito bom

  2. Leonardo Jardim
    2 de março de 2015

    Parabéns, Anorkinda, gostei bastante.

    Confesso que, assim como o Fábio, no meio do texto estava apreensivo esperando o pior (muita desgraça recente).

    Cheguei ao final e fiquei feliz com o resultado, a ponto de voltar para uma segunda leitura, apreciando mais o tom poético do texto sem aquela apreensão de que algo ruim ia acontecer.

    Grande abraço!

    • Anorkinda Neide
      2 de março de 2015

      gente, vcs tão muito neuróticos com as tragédias das linhas…kkkk

      obrigada pela leitura, adoro quando releem! 🙂

      abraço

  3. Anorkinda Neide
    2 de março de 2015

    Obrigada, Sidney!
    Fico feliz com as releituras, prazeirosas… hhehehe

    abraço

  4. Fabio Baptista
    1 de março de 2015

    Muito bom, Anorkinda! Graças a Deus não terminou como estava imaginando que ia terminar…

    Um final feliz e otimista vai bem de vez em quando 🙂

    Abraço!

  5. Sidney Muniz
    1 de março de 2015

    Anorkinda… risos.

  6. Sidney Muniz
    1 de março de 2015

    Gostei do conto, Ana.

    É muito bom ler os contos postados fora do desafio para ler algo mais descompromissado com a possível competição que invade os limites de cada edição do entrecontos.

    Achei sua sacada sobre essa percepção, esse ponto de vista bacana de “seu gênesis”. Parabéns por isso.

    Entendi a repetição do “eu” como uma afirmação, mas ainda assim acho que é um tanto exagerada, cortaria alguns, mas entendo perfeitamente a aplicação dos mesmos.

    Adorei também a relação tão bem explorada, “mãe e filha”. Sou pai, mas me rendo as evidências que deixam clara que essa relação é sem igual.

    No mais, parabéns pelo talento de com tão poucas palavras conseguir prender o leitor e mais que isso, transbordar sentimentos a ponto de o leitor ler e reler o texto (aconteceu comigo) para poder captar mais mensagens e mais trocas nessa sua interessante confabulação.

    Meus parabéns!

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Informação

Publicado às 28 de fevereiro de 2015 por em Contos Off-Desafio e marcado .