Enchi minha caneca de café, açúcar e um resto de leite. Era uma manhã comum como qualquer outra. Bem, talvez nem tanto quanto qualquer outra, pois eu havia inventado uma doença pro chefe, uma virose. Dei umas tossidas no telefone e um gemido de quem acabou de botar as tripas pra fora. Se ele tinha caído ou não, não importava muito.
Eu trabalhava como estoquista numa dessas lojas femininas. Botava caixa pra lá e caixa pra cá, ouvindo música. Era o trabalho ideal pra quem não gostava de muito papo, como eu. Mas não deixava de ser um pé no saco, ainda mais quando o Seu Duval –meu chefe- resolvia sair de sua cadeirinha e verificar se as calcinhas azuis estavam na mesma caixa que as calcinhas pretas. Eu sempre suspeitei que ele roubasse algumas e enfiasse nos bolsos, pra sabe Deus o que. Mas ele bem tinha cara de usá-las.
Na noite anterior, fui numa festinha. Ok, nem era bem uma festinha. Era uma reunião que por sua vez era uma desculpa pra beber. Aniversário de um colega meu, dos tempos de faculdade. Bebi demais porque era de graça e eu tava sem grana pra beber no bar. Aí aproveitei, enchi a cara de vodka e pinga com mel. Por isso fiquei em casa, por isso a enorme xícara de café. Minha cabeça latejava.
Peguei meu celular em cima da mesa e levei, arrastando o corpo, até a varanda. Meu cachorro Duke, uma mistura de labrador e vira-lata marrom, se enroscava nas minhas pernas já bambas e tive que gritar “Sai desgraça!”pra não cairmos juntos. Molhei a boca de café e me apoiei na barra fria de metal da varanda, sentindo os pedacinhos de tinta preta solta, descascando, grudarem no meu braço. Sempre saía de lá com vários pontinhos de tinta. Precisava lixar e pintar de novo, algum dia.
Bateu-me remorso e abaixei, virando de costas pra rua, pra fazer carinho na cabeça oca do Duke. Ele olhava assustado para algo atrás de mim, mas como todo cachorro ele se impressionava fácil e fugia até de pombo. Só me voltei quando ele saiu correndo, encolhido, pra baixo do sofá.
“Que foi, seu medrosão?” – ri enquanto virava o corpo para novamente me apoiar na varanda.
Foi só aí que eu reparei na linha alaranjada cruzando o céu, deixando um monte de fumaça branca pra trás. Parecia se mover pouco, mas a distância é que era grande, pois logo se tornou um grande bloco escuro, fumegante, deixando tudo atrás como se fosse noite, tão distinta era sua luz. Se fosse possível, eu diria que o sol tinha despencado pra dentro da Terra.
Senti um arrepio no fundo do estômago, como se minha pressão e minhas forças deixassem meu corpo. Parecia que tudo dentro de mim tinha ido embora e agora fazia parte daquele rastro de fumaça que era cada vez mais longo, cada vez mais próximo de nós.
Deixei a caneca de café cair da varanda, rolando dezoito andares abaixo, enquanto o suor rolava do meu rosto, das minhas costas e até do meio das pernas. Já sonhou que está morrendo e aí tudo fica escuro e você pensa “Não pode ser só isso! Eu não posso ter morrido!” e aí você acorda? Acorda feliz por estar na segurança do seu quarto. Eu fiquei esperando esse momento. Não podia ser aquilo, qualé?! Aqueles vários Blockbusters estavam certos, então?! Secretamente desejei que houvesse astronautas prontos para explodir aquela montanha de fogo antes que ela nos explodisse, por mais estúpido que isso soasse.
Sim, eles nos salvariam e ainda andariam pra longe da explosão enquanto o mundo canta “I Don’t Wanna Miss a Thing” do Aerosmith em coro.
Só então, depois de imaginar esses tantos cenários, ouvi a caneca estatelar no chão. CRAC!
As horas passam mesmo devagar próximas do fim. Deve ser uma maneira da vida ainda rir por último e te deixar pensar em todas as merdas que você fez, e em todas que não vai poder fazer.
Chorei. Pela primeira vez em anos, depois de xingar de “viadão” qualquer cara que eu visse chorando, chorei. Chorei porque aquele mundo de bosta era o meu mundo de bosta e eu ia sentir falta. Eu ia sentir falta de mim mesmo. Do Duke. Do meu trabalho ruim e mal remunerado.
Só então, depois de sentir uma falta antecipada, ouvi a grande pedra estatelar no nosso chão. Ainda deu tempo de ver o buraco enorme se abrindo, engolindo tudo. E aí não deu pra ver mais nada.
Feito muita gente comentou, tive impressões parecidas: boa história, boa narração e construção, porém pouco desenvolvimento ou ousadia de desenhar uma trama mais complexa.
O conto e a ideia são muito bons, mas deixou aquele gostinho de quero mais. Tinha que ter sido mais elaborado. Mas, parabéns.
O conto tem alguns erros de carácter científico, algo que podia ser resolvido com pesquisa. Refiro-me à queda do meteoro:
“As horas passam devagar antes do fim.”; “…chorei”. Na realidade seria tudo muito mais rápido e nem haveria tempo para chorar.
Quanto à construção e narrativa, houve alguma confusão no tempo verbal utilizado. O começo do conto arrastou-se com detalhes desnecessários, sobretudo num conto tão curto.
Contudo, a personagem foi bem construída e conseguiu despertar a minha atenção.
Parabéns e boa sorte!
Hugo Cântara
Simples assim..tomar um porre diante do inevitável… Boa sorte!
Não gostei. Apesar de bem escrito e fácil de ler, esperava mais para o tema fim do mundo. Ao meu ver, a coisa mais bacana foi a citação da música do Aerosmith, hehe.
Gostei bastante. Penso que o tamanho ficou perfeito, nem longo ou curto demais. Só o início que ficou meio away, se comparar com a virada da metade do conto, que tornou-se mais dramática. Parabéns e boa sorte 😉
O(a) autor(a) tem tudo para escrever um ‘blockbuster’ de verdade, no sentido de eletrizar a plateia e vender baldes de pipoca. Mas curtinho como está, só deixa vontade de ler uma versão maior…
Boa sorte.
Poxa, eu gostei muito do conto! Achei muito gostoso de ler e não preciso dizer que quando algum conto menciona ou me lembra alguma música que gosto, leio ouvindo a música mentalmente e… Aerosmith é foda! haha’ Sabe que por causa disso acabei desconfiando sua autoria? Mas não tenho certeza…
Eu gostei muito das descrições, da personagem, do nome do cachorro e da história. Um bom exemplo de conto curtinho que me agrada.
Boa Sorte!!
Olá, Thata. Obrigada por ter gostado do conto. Mas não entendi seu comentário sobre desconfiar da autoria.
Infelizmente aqui no concurso devemos usar pseudônimos, então tenho que me guardar sob um nome que não uso. Porém, no dia em que os nomes forem divulgados, poderá ver quem sou e qual meu trabalho.
Fora isso, muito obrigada por ter gostado. É sempre ótimo quando alguém gosta do nosso trabalho. O cachorro era pra combinar com “Nuke” porque minha ideia inicial era uma bomba nuclear, porém acabei gostando e mesmo sendo um meteoro, não quis chamá-lo por outro nome 😛
Beijos e obrigada.
Dáhlia Moonchild, eu explico: desconfiei que seu conto fosse de uma autora que costuma escrever todos os meses para o desafio, não sei se é a primeira vez que você escreve por aqui, mas pelo que você comentou parece que me confundi (eu sempre erro, na verdade rs’). E o pseudo é uma coisa positiva, na minha opinião, pois existem autores que enviam contos em todos os desafios, como disse, e podemos nos divertir tentando descobrir qual é o conto de cada um.
Abraços!!
Hahahahaahahah…gostei muito do personagem. Sinceramente, eu curti muito o conto. Só acho que ele não vai ser bem avaliado porque não apresenta um desenvolvimento e acaba como um verdadeiro fim de mundo, O NADA. Em um desafio, essas coisas contam. Apesar disso, digo que gostei. Ri demais com o ”Meu mundo de bosta”. kkk..parabéns.
Pois bem: achei a narrativa bem agradável. Coesa, não se arrasta, sem verborragia desnecessária…
O que não me agradou muito foi o excesso de clichês. Existem inúmeros contos iguais a esse no desafio e isso acaba tirando todo o brilho do mesmo.
Continue escrevendo. 😉
Eu gostei, em partes. O narrador-personagem é benfeito, as descrições tbm o são (gosto de detalhes, feito o braço do personagem ficar com pedacinhos de tinta e a gente notar que ele está empurrando a vida com a barriga). Em minha opinião só faltou história mesmo. A ideia para o conto foi talvez simples demais.
Bem escrito, gostei do inicio, mas foi ficando mais fraco no final. Talvez explorar mais as situações ou sensações do protagonista antes do fim possa ser um caminho. É uma sugestão. Boa sorte!
Gostei do conto, achei bem simples a forma como foi narrado e o protagonista é realmente simpático. Limaria algumas palavras para ficar mais redondo. Bom de ler.
Ah, nesse conto pelo menos há o medo e a angústia e não um estou nem aí pra fim de mundo. Gostei da narrativa, descrições boas, Falta algo a mais nele pra que ficasse bem bacana.
Abraço!
Olha, o texto é bom, a escrita flui e parece estar livre de erros, mas enquanto lia não pude deixar de pensar que alguns Físicos, ou qualquer pessoa que se ponha a ler com mais cuidado sobre os possíveis cenários da queda real de um meteoro na terra, poderiam dar umas boas gargalhadas ao lê-lo, e isso sinaliza que há alguma coisa que não me convenceu totalmente e é um dos pontos que acho mais difíceis de serem explorados por quem escolheu essa opção para pensar o fim. Sim, mas essa é a minha opinião de leitora, outras pessoas mais jovens, leitores menos exigentes, ou simplesmente com experiências distintas das minhas poderão achá-lo um conto muito bom. Então não tome a ferro e fogo este meu comentário. Parabéns, saudações!
Eu já gostei do começo, e com o desenrolar da situação fui perdendo o interesse, por não ter gostado do desenvolvimento, o final ficou muito a desejar. Quem estava narrando, naquele momento de que “não deu pra ver mais nada”, como conseguiria continuar a narrar? Para mim, faltou verossimilhança.
Olha, dá para perceber que o autor conhece do ofício. O início do conto é muito promissor – a maneira despojada de narrar, além dos detalhes ricamente inúteis – me levaram a uma grande expectativa. Porém, a total ausência de desenvolvimento me caiu como uma ducha gelada. Este conto merecia um aprofundamento mais corajoso, e não um fim pasteurizado como ocorreu. Deixo a dica ao autor que o reescreva, aproveitando essas qualidades e defeitos do protagonista, colocando em situações diversas que advém do apocalipse – e que fuja desse espaço-tempo limitado. Boa sorte.
A narrativa é interessante, consigo visualizar todas as cenas descritas. Por outro lado, além do já citado pelos colegas, acho que preciso de um melhor desenvolvimento do personagem.
De todo modo, dentro do que foi proposto, foi bem executado.
Parabéns.
Gostei muito. Uma ideia pode não ser inovadora, mas pode muito bem causar novas sensações pela forma como narrada. Parabéns e sucesso.
Narrou bem. Só faltou inovar.
Você escreve bem, a gente visualiza as cenas de forma agradável até…
Mas verifique isso aí de o narrador estar contando com o verbo no passado… a não ser q acrescentes um final dizendo que o protagonista está desencarnado, narrando os seus ultimos instantes de via, seu e do planeta 🙂
De qualquer forma parabens pelo conto e boa sorte!
Algumas descrições, como a da xícara (que já foi comentada) e da suposição sobre o chefe usar calcinhas, não caíram bem, mas o retrato da catástrofe funciona. Não senti tensão ou angústia no final e fica mal resolvido o fato desse final abrupto ser narrado em primeira pessoa, porque pressupõe uma sobrevivência ou ao menos a realização de um registro que tivesse sido encontrado por alguém pós “fim do mundo”.
“Deixei a caneca de café cair da varanda, rolando dezoito andares abaixo, enquanto o suor rolava do meu rosto (…)” A xícara “rolando” não consegui visualizar. Rolou onde? No ar? Além da repetição desnecessária do verbo.
No geral, gostei da narrativa fácil de acompanhar. Boa escrita, imagens bacanas. Talvez falte um pouco mais de desenvolvimento para atrair de vez a atenção do leitor. Boa sorte!
“Só então, depois de sentir uma falta antecipada, ouvi a grande pedra estatelar no nosso chão. Ainda deu tempo de ver o buraco enorme se abrindo, engolindo tudo. E aí não deu pra ver mais nada.”
Toda a narrativa se dá no pretérito, ou seja num ponto temporal anterior ao instante em que se dá a enunciação. Logo, o narrador, que também é personagem, precisaria estar vivo para narrar. No entanto, o final não diz isso, e sim “E aí não deu pra ver mais nada.” Se o narrador se mantivesse distante, onisciente, ficaria mais razoável.
Ademais, o enredo está pouco desenvolvido, embora o texto dê indicações de que há pano para manga.
Um raro representante genuíno da categoria conto aqui no desafio.
A escrita me agradou bastante, embora possa ser melhorada (esteticamente) em alguns pontos, consegui imergir nas reflexões do personagem.
Achei bacana a ideia de um fim repentino, sem dar tempo de fazer muita coisa além de derrubar uma xícara de café e pensar na vida que tanto reclamamos, mas que sentiremos falta.
Por enquanto está competindo pelo terceiro lugar no meu pódio.
Abraço.
Está bem escrito, mas dá a impressão de que poderia haver mais coisas rolando, não só a xícara. Você descreveu uma cena, curta, então imagino que pudesse ter criado mais situações ou filosofado mais. Você escreve bem sim, cria imagens bem legais, mas poderia ter trabalhado melhor esse texto.
Não me entusiasmou pois parecia copia de filmes de ficção .e sem a suspense e emoção .talvez outro tema seja mais apropriado para a escritora .
Wow, você escreve muito bem. Serio, não é o seu melhor tema, né? Sei la, queria ler alguma outra coisa sua, por que só o tema lhe limitou aqui, o resto esta num qualidade boa. Parabens e sorte!
A narrativa foi bem agradável, e gostei mais do final do que do início. Achei que o começo foi muito rápido. Deveria ter sido mais trabalhado, para chegar no fim com a mesma qualidade. O final foi bem tocante, de forma angustiante. Imaginar que qualquer dia pode ser último, e ele realmente ser, é tenso. haha
Espero que o autor possa dar uma incrementada no texto, em algum futuro. Gostaria de ler esta obra um pouco mais trabalhada.
De qualquer forma, parabéns e boa sorte!
Gostei do final, uma angústia da personagem que realmente me convenceu. Os lamentos e a constatação de que ele sentiria falta até das coisas que não gostava. A vida, quando comprometida, é realmente assim.
A narrativa me agradou, mas o conto demorou pra me atrair, tanto que o fez realmente no final, na queda da rocha. Na minha humilde opinião, acho que poderia ser melhor explorado.
Parabéns e boa sorte.